|
RELATÓRIO
Nº 84/01 CASO
12.078 RICARDO
MANUEL SEMOZA DI CARLO PERU 10
de outubro de 2001 I.
RESUMO 1.
Em 12 de novembro de 1998 a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana”, “Comissão”
ou “CIDH”) recebeu uma petição apresentada pelo Sr. Ricardo Manuel Semoza Di Carlo
(doravante denominado “peticionário”) contra a República do Peru (doravante
denominado “Peru”, “Estado peruano” ou “Estado”). O peticionário
alega que o Estado peruano não cumpriu com a sentença judicial que
ordenou a reintegração do Sr. Semoza Di Carlo a Polícia Nacional do
Peru. O peticionário alega que referido descumprimento configura violação
por parte do Estado peruano do direito à proteção judicial consagrado
no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada “Convenção
Americana” ou “Convenção”).
2.
O Estado alegou que a petição é admissível tendo em vista que
os recursos da jurisdição interna não foram esgotados. 3.
A CIDH, de conformidade com o estabelecido nos artigos 46 e 47 da
Convenção Americana, decide admitir a petição, no que respeita as
eventuais violações aos artigos 1(1) e 25(2)(c) da Convenção
Americana, e iniciar o procedimento sobre o mérito da questão. A Comissão
decide igualmente notificar esta decisão às partes, publicá-la e incluí-la
nos seu Relatório Anual a Assembléia Geral da OEA.
II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO 4.
A CIDH recebeu a petição em 12 de novembro de 1998. Em 15 de
janeiro de 1999 a CIDH transmitiu as partes pertinentes da denúncia ao
Estado peruano e lhe pediu que apresentasse informação num prazo de 90
dias. Em 17 de março de 1999 a Comissão estendeu ao Estado o
prazo para responder. 5.
Em 2 de julho de 1999 o Estado apresentou sua resposta. Em 17 de
agosto de 1999 o peticionário apresentou observações à resposta do
Estado, e em 8 de fevereiro de
2000 o Estado apresentou um escrito adicional. 6.
Em 23 de abril de 2001 a Comissão colocou-se a disposição de
ambas partes para iniciar o processo de solução amistosa. Em 10 de maio
de 2001 o peticionário manifestou que aceitava participar de um processo
de solução amistosa. Em 27 de julho de 2001 o Estado manifestou que
“estando nos dias finais de governo de Transição Democrática, seria
oportuno que o pronunciamento sobre uma eventual solução amistosa fosse
tratada pelo próximo Governo,
dado que os compromissos a assumir constituiriam responsabilidade do novo
regime”. III.
POSIÇÃO DAS PARTES A.
Posição do peticionário 7.
O peticionário alega que no ano de 1990 desempenhava funções de
major da Polícia Nacional do Peru. Assinala que em 31 de julho de 1990
foi transferido arbitrariamente para a reserva mediante Resolução
Suprema N° 315-90-IN-DM.
8.
Informa que apresentou ação de amparo junto ao 5° Juízo
Especializado Civil de Lima. Indica que, mediante sentença de 11 de
dezembro de 1991, referido Tribunal ordenou sua reintegração a Polícia
Nacional do Peru e deixou sem efeito a mencionada Resolução Suprema N°
315-90-IN-DM que o havia transferido para a reserva.
9.
O peticionário menciona que entre 1991 e 1995 tentou impulsionar o
cumprimento da sentença, mediante solicitações ao Ministro do Interior
e ao juízo competente. Assinala que em 28 de dezembro de 1995 foi
expedida Resolução Suprema N° 1461, determinando a sua reintegração;
porém, no dia seguinte, ou seja, em 29 de dezembro de 1995, mediante
Resolução Suprema N° 1445, lhe foi dado baixa novamente.
10.
Alega que interpôs novo amparo perante o 19 Juízo Civil de Lima,
e que referido tribunal editou, em 22 de agosto de 1996, uma nova sentença
ordenando a reintegração do Sr. Semoza Di Carlo a Polícia Nacional do
Peru.
11.
Informa que, foi em 1° de outubro de 1997 foi expedida Resolução
Suprema N° 085/97/IN/PNP determinando a sua reintegração, mas que oito
dias depois, mediante Resolução Suprema N° 0867/97/IN/PNP1445, de 29 de
dezembro de 1995, lhe foi dada baixa novamente, sem que pudesse ter sido
efetivamente reincorporado. B.
Posição do Estado 12.
O Estado informa que o Sr. Semoza Di Carlo foi reincorporado a Polícia
Nacional do Peru em 1° de outubro de 1997, mediante Resolução Suprema N°
085/97/IN/PNP; e argumenta que com isto foi cumprido o mandado judicial
que ordenou a reintegração do Sr. Semoza Di Carlo. 13.
Indica que em 29 de dezembro de 1995, mediante Resolução Suprema
N° 0867/97/IN/PNP1445, o Sr. Semoza Di Carlo foi dado de baixa da Polícia
Nacional do Peru. 14.
Menciona que o Sr. Semoza Di Carlo não interpôs nenhuma ação
judicial contra a mencionada Resolução Suprema No. 0867/97/IN/PNP1445,
de 29 de dezembro de 1995, mediante a qual lhe foi dado baixa da Polícia
Nacional do Peru. 15.
Alega que, tendo em vista o exposto, e de conformidade com o
estabelecido no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana, a petição deve
ser declarada inadmissível, por falta de esgotamento dos recursos da
jurisdição interna. IV.
ANÁLISE 16.
A Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade de
uma petição estabelecidos na Convenção Americana. A.
Competência ratione
personae, ratione loci, ratione temporis e ratione
materiae da Comissão 17.
O peticionário encontra-se facultado pelo artigo 44 da Convenção
Americana para apresentar denúncias perante a CIDH.
A petição assinala como suposta vítima um indivíduo, a quem o
Peru comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na
Convenção Americana. No que
concerne ao Estado, a Comissão assinala que o Peru é um Estado parte na
Convenção Americana desde 28 de julho de 1978, data em que depositou o
instrumento de ratificação respectivo.
Portanto, a Comissão tem competência ratione
personae para examinar a petição. 18.
A Comissão tem competência ratione
loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações
de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro
do território de um Estado parte no mencionado tratado. 19.
A CIDH tem competência ratione
temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos
protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o
Estado peruano na data em que ocorreram os fatos alegados na petição. 20.
Por último, a Comissão tem competência ratione materiae, já que a petição denuncia violações de
direitos humanos protegidos pela Convenção Americana. B.
Requisitos de admissibilidade da petição 1.
Esgotamento dos recursos internos 21.
O peticionário sustenta que, na prática, houve o descumprimento
da sentença emitida pelo 5° Juízo Especializado Civil de Lima, datada
de 11 de dezembro de 1991, que ordenou sua reintegração a Polícia
Nacional do Peru. Isto porque as duas mencionadas resoluções de 28 de
dezembro de 1995 e 1° de outubro de 1997, mediante as quais foi ordenada
a sua reintegração, foram sucedidas pelas referidas resoluções de 29
de dezembro de 1995 e 9 de outubro de 1997, que decidiram novamente em
dar-lhe baixa, sem que estivesse sido efetivamente reincorporado. 22.
O Estado alega que o peticionário deveria ter interposto novas ações
judiciais contra a terceira resolução
que determinou sua transferência para a reserva. 23.
A CIDH considera infundado o mencionado argumento do Estado. Com
efeito, a denúncia do peticionário não se refere a terceira baixa do
Sr. Semoza Di Carlo, de 9 de outubro de 1997, mas ao descumprimento
continuado da sentença expedida pelo 5° Juízo
Especializado Civil de Lima, em 11 de dezembro de 1991, que
determinou sua reintegração. Referida sentença é a que deve ter-se em
conta para os efeitos da análise do requisito de esgotamento dos recursos
da jurisdição interna. 24.
Tendo em vista o exposto, a Comissão considera cumprido o
requisito previsto no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana. 2.
Prazo de apresentação 25.
Com relação ao requisito contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção,
conforme a qual a petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis
meses a partir da data em que a vítima tenha sido notificada da decisão
definitiva que esgotou os recursos internos, a Comissão ratifica sua
doutrina conforme a qual: o
descumprimento de uma sentença judicial firme configura uma violação
continuada por parte dos Estados que persiste como infração permanente
do artigo 25 da Convenção, que consagra o direito a tutela judicial
efetiva. Portanto, em
referidos casos não opera o requisito concernente ao prazo de apresentação
de petições contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana.[1] 26.
Desta forma, o requisito referente ao prazo de apresentação de
petições contemplado no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana não é
aplicável ao presente caso, no qual se examina o alegado descumprimento
continuado da sentença proferida pelo 5° Juízo Especializado Civil de
Lima, em 11 de dezembro de 1991, que ordenou a reintegração do Sr.
Semoza Di Carlo a Polícia Nacional do Peru. A respeito, a Comissão
considera que a petição sob estudo foi apresentada dentro de um prazo
razoável, nos términos do artigo 32 de seu Regulamento, cujo conteúdo
equivale ao daquele do artigo 38 do Regulamento vigente ao momento da
apresentação da denúncia. 3.
Duplicidade de procedimentos e coisa julgada 27.
A Comissão entende que o assunto não se encontra pendente de
outro procedimento de acordo internacional nem que tenha sido previamente
decidido por esta ou outro organismo internacional. Desta forma, a CIDH
considera que estão satisfeitos os requisitos dos artigos 46(1)(c) e
47(d) da Convenção Americana. 4.
Caracterização dos fatos 28.
A
Comissão considera que a exposição dos peticionários refere-se a fatos
que, se provados verdadeiros, poderiam caracterizar uma violação ao
direito a proteção judicial consagrado no artigo 25(2)(c) da Convenção
Americana, bem como a obrigação de respeitar os direitos a que se refere
o artigo 1(1) da referida Convenção.
V.
CONCLUSÕES
29.
A Comissão conclui que é competente para conhecer esta petição
e que esta é admissível, de conformidade com os artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. 30.
Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos e sem
prejudicar o fundo da questão,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1.
Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 1(1) e 25(2)(c) da Convenção
Americana. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Iniciar o procedimento de análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.
(Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro
Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio
Bicudo, Robert K. Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo, Membros da
Comissão.
[1]
CIDH,
Relatório Anual 1998,
Relatório N° 75/99 – Cesar Cabrejos Bernuy, Caso 11.800 (Peru), par. 22.
|