RELATÓRIO Nº 96/01

PETIÇÃO 19/99

JOSÉ ALBERTO PÉREZ MEZA

PARAGUAI

10 de outubro 2001

 

 

 

1.          TRÂMITE PERANTE A CIDH

 

1.          A Comissão recebeu a denúncia em 30 de julho de 1999 perante a visita in loco ao Paraguai. Em 26 de outubro  de 1999, a CIDH acusou o recebimento da denúncia e informou ao peticionário que esta se encontrava sob exame.

 

2.          Em 2 de fevereiro de 2001 solicitou ao peticionário informação atualizada sobre os fatos denunciados, bem como os recursos interpostos na jurisdição interna.

 

3.          Em 6 de junho de 2001 a CIDH solicitou ao peticionário informação adicional, cópia do expediente e informação sobre a figura do matrimônio aparente na legislação paraguaia.

 

2.          VIOLAÇÕES ALEGADAS

 

4.          A petição alega violação do artigo 24 (igualdade perante a lei) da Convenção.

 

3.          DESCRIÇÃO DOS FATOS E ARGUMENTOS DO PETICIONÁRIO

 

5.          Em 24 de julho de 1999 o peticionário iniciou uma ação ordinária de reconhecimento de sociedade de fato contra a sucessão do  Sr. Jenaro Antonio Espínola Tami, na pessoa de seu único herdeiro, Carlos Alfredo Espínola Tami, argumentando a relação sentimental e de fato que manteve com o falecido de 1967 até 1987 ininterrumpidamente. Conforme aduz o peticionário, durante a relação ambos contribuiram com aportes econômicos e criaram a Fundação Museu Pindú, chegando assim a compor uma sociedade comercial e conjugal .

 

6.          A ação foi indeferida em primeira instância em 2 de setembro de 1998  devido a incerteza do juiz sobre a existência da sociedade de fato entre o falecido e o peticionário, pois a relação havia durado até 1980, mas em dezembro de 1981 o peticionário firmou uma declaração frente a um escrivão na qual desistia livre e voluntariamente de qualquer  tipo de ação, inclusive como sócio dos empreendimentos do falecido; portanto não poderia interpor  nenhuma reclamação a respeito.

 

7.          Em junho 1999 o peticionário interpôs um recurso de apelação e nulidade perante o Tribunal de Apelação Civil e Comercial do Paraguai, cuja Primera Sala resolveu declarar a nulidade da sentença porque o juiz de primeira instância não havia resolvido corretamente a exceção de prescrição pedida pela parte demandada. Além de anular a sentença de primeira instância, o tribunal indeferiu a demanda de reconhecimento da sociedade de fato, afirmando que ainda que a sociedade de fato tivesse existido até 1980, o peticionário livre e voluntariamente havia desistido de formular qualquer tipo de ação; portanto, sua demanda estava deserta.

 

8.          Em julho do mesmo ano o peticionário interpôs ação de inconstitucionalidade contra essa sentença perante a Corte Suprema de Paraguai, a qual resolveu indeferir in limine o recurso por falta de citação específica das normas constitucionais supostamente violadas e a falta de fundamentação clara e concreta dos fatos.

 

9.          Em seguida, o peticionário interpôs ação de reposição e revogação dessa sentença perante a mesma Corte em outubro de 1999, a qual desacolheu o pedido afirmando que referido recurso não estava previsto pela norma legal.

 

10.          Tendo em vista a impossibilidade do reconhecimento  da sociedade de fato com o falecido, e à raíz da relação amorosa que teve com este que os manteve unidos como casal e  como sociedade econômica,e ainda, diante da iminente posse dos bens comuns pelo único herdeiro do falecido, o peticionário iniciou em 1º de novembro de 1999 um ação de reconhecimento de matrimônio aparente.

 

11.          Sua demanda foi indeferida in limine porque o Código Civil paraguaio proíbe expressamente o matrimônio de pessoas do mesmo sexo, e a Carta Magna do Paraguai somente admite a existência de matrimônio aparente ou união de fato entre um homem e uma mulher.

 

12.          O peticionário então apelou perante o Tribunal de Apelação Civil e Comercial cuja  Quinta Sala confirmou o  auto interlocutório que indeferia a demanda e declarou deserto o recurso por falta de fundamentação suficiente.

 

13.          Por último, o peticionário interpôs recurso de inconstitucionalidade perante a Corte Suprema de Justiça, a qual indeferiu in limine a ação  em 3 de novembro de 2000, pois esta não espeficava a norma constitucional supostamente violada nem justificava o dano concretamente sofrido.

 

14.          Nas comunicações encaminhadas a CIDH o peticionário manifesta que havia sido reiteradamente vítima de discriminação por sua escolha sexual.

 

4.          ANÁLISE DA CIDH

 

15.          Cabe analisar primeiramente o processo no qual se discutiu o reconhcimento da sociedade de fato entre o peticionário e o falecido. Segundo o expediente, os tribunais paraguaios analisaram extensivamente as provas aportadas pelo peticionário e resolveram que não se havia demonstrado a existência da mencionada sociedade de fato. O peticionário pretende que a CIDH volte a avaliar as provas apresentadas perante os tribunais nacionais a fim de determinar a existência de uma sociedade de fato.  A CIDH não pode revisar as provas que foram avaliadas por tribunais internos a menos que haja uma violação da Convenção. As alegações do peticionário e as provas aportadas não demonstram nenhum fato que tende a  caracterizar uma violação ao artigo 25 da Convenção.  O peticionário não argumentou nem comprovou que as provas foram avaliadas pelas autoridades judiciais paraguaias de maneira arbitrária que pudesse caracterizar uma violação da Convenção. Pelo contrário, o peticionário limitou-se a assinalar seu descontentamento com a apreciação da prova efetuada pelas autoridades paraguaias e da leitura dos expedientes não surgem dados que possam configurar violações à Convenção. Portanto, em relação a sua primera reclamação, a Comissão deve declarar a inadmissibilidade por falta de caracterização dos fatos.

 

16.          Com respeito ao processo de reconhecimento de casamento aparente, fica claro que a legislação paraguaia contempla este matrimônio aparente ou união de fato somente entre homem e mulher, conforme dispõe o artigo 51 da Carta Magna: “As uniões de fato entre homem e mulher, sem impedimentos legales para contrair matrimônio, que reúnam as condições de estabilidade e singularidade, produzem efeitos similares ao matrimônio, dentro das condições que estabeleça a lei ”.  Da mesma maneira, o Código Civil do Paraguai em seu artigo 140 inciso (g) proíbe expressamente o matrimônio de pessoas do mesmo sexo. Desta forma surge claramente que a situação que o peticionário  invoca (matrimônio entre pessoas do mesmo sexo) não está prevista pela legislação interna paraguaia e,  portanto,  carece de tutela jurídica para fins de reconhecimento do peticionário como companheiro do falecido. Surge do  expediente que os juízes indeferiram sua demanda por falta de previsão legal dessa circunstância.

 

17.          A Comissão ressalta que em nenhum momento o peticionário argumentou perante as autoridades judiciais paraguaias nem perante a Comissão Interamericana que referidas disposições legais sejam discriminatórias. A Comissão observa que não surge das comunicações enviadas a Comissão que o peticionário tenha arguido mencionadas leis mediante os recursos internos correspondentes. Tampouco o peticionário questionou nas distintas instâncias da justiça paraguaia ou perante a CIDH que as leis paraguaias fossem discriminatórias de casais homosexuais. Portanto, a Comissão deve declarar a inadmissibilidade da petição por falta de esgotamento dos recursos internos.

 

5.          DECISÃO

 

18.          A CIDH conclui que a petição é INADMISSÍVEL  tendo em vista que os  fatos alegados a respeito dos processos de reconhecimento de sociedade de fato do peticionário com o falecido são manifestamente infundados de acordo com o disposto no artigo 47 (c) da Convenção Americana, e não corresponde à Comissão atuar como tribunal de quarta  instância.

 

19.          Com relação à regulamentação do matrimônio no Paraguai, não resulta do expediente remitido a CIDH que  o peticionário tenha interposto e esgotado os recursos internos correspondentes; portanto, a CIDH não considera cumprido o requisito do artigo 46(a) da Convenção Americana.

 

20.          A CIDH conclui que a petição é INADMISSÍVEL porque os fatos alegados são  manifestamente infundados, de acordo com o estabelecido no artigo 47(c) da Convenção Americana, e pela falta de esgotamento dos recursos internos de conformidade com o artigo 46(a) da Convenção Americana.

 

Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro  2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente; Juan Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; membros da CIDH, Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, Peter Laurie e Julio Prado Vallejo.

 

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