c.       Direito a proteção judicial (artigo 25 da Convenção)

59.     O artigo 25(1) da Convenção garante a toda pessoa o "direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção,  mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.".

60.     A Corte Interamericana interpretou o artigo 25(1) da Convenção como "uma disposição de caráter geral que assemelha a instituição processual do amparo, entendido como o procedimento judicial simples e rápido que tem por objeto a tutela de todos os direitos reconhecidos pelas constituições e leis dos Estados Partes e pela Convenção".[17]

61.     A Constituição Política da Nicarágua protege o direito ao recurso judicial em seu artigo 45, o qual estabelece que: "As pessoas cujos direitos constitucionais tenham sido violados ou estejam na iminência de sê-lo, podem interpor recurso de exibição pessoal ou de amparo, conforme o caso e de acordo com a Lei de Amparo".  O artigo 188 da carta magna consagra o recurso de amparo "contra toda disposição, ato ou resolução e, em geral ,contra toda ação ou omissão de qualquer funcionário, autoridade ou agente que viole ou tente violar os direitos e garantias consagrados na Constituição Política".

62.     A Lei Nº 49 ou Lei de Amparo estabelece uma série de princípios que deve seguir a administração de justiça nicaragüense quando tramita uma ação de amparo.  Assim, o artigo 5 dessa lei dispõe que "Os Tribunais de Justiça (...) deverão : 1.) Dirigir todos os trâmites do recurso, impedir sua paralisação e obrigar o cumprimento do princípio de economia processual; 2) Prevenir e punir os atos contrários a lealdade e boa-fé que devem ser observados no recurso; 3) Fazer efetivos os princípios de igualdade, publicidade e celeridade do recurso; 4) Tomar todas as providências necessárias para o cumprimento das resoluções que editem" (ênfase nossa).

63.     Conforme a Lei de Amparo, Lei Nº 49 de 1988, um recurso de amparo é iniciado perante o tribunal de apelação competente para que este determine sua admissibilidade.  Se o tribunal o considera admissível, então o recurso é examinado pela Corte Suprema de Justiça, a qual deve pronunciar- se sobre o mérito.

64.     Após analisar a instituição do amparo dentro da legislação nicaragüense e considerar a natureza do presente caso, que tem sua origem num conflito trabalhista, pra o qual as leis internas prevêem o esgotamento da via administrativa e depois a via judicial, a Comissão procederá a descrever os recursos utilizados pelos reclamantes.

65.     Em 8 de março de 1993, os trabalhadores alfandegários apresentaram uma lista de petições perante a Inspetoria Estadual do Ministério do Trabalho de Manágua, e iniciaram paralelamente uma ronda de negociações entre a Junta Diretiva do Sindicato e as autoridades do Ministério do Trabalho.

66.     Tendo em vista que as negociações não alcançaram um ponto de acordo, foi elevada `a consideração da Direção de Conciliação do Ministério do Trabalho uma solicitação de designação de um Juiz de Greve, de conformidade com o procedimento estabelecido no artigo 305 do Código do Trabalho.  A designação deste Juiz de Greve nunca foi realizada e tampouco a composição de uma Junta de Conciliação, autoridades facultadas expressamente pelo próprio Código do Trabalho para declarar a ilegalidade ou legalidade de uma greve.  De tal modo que até a fase do procedimento na via administrativa do Ministério do Trabalho omitiu-se no cumprimento das disposições do Código do Trabalho.

67.     Já que o Ministério do Trabalho não se pronunciou oportunamente, o que supõe a vulneração do direito de petição que existe em todas as legislações, através do qual o particular tem direito a obter em sede administrativa uma resposta oportuna caso contrário incorre na denegação de justiça, os peticionários decidiram acolher o preceito constitucional que consagra o direito de greve (artigo 83 da Constituição da Nicarágua).  Em seguida, o Ministério do Trabalho, mediante Resolução de 27 de maio de 1993, declarou a ilegalidade da greve aduzindo que os trabalhadores públicos não podiam exercer este direito, já que assim estabelecem as disposições do Código do Trabalho.

68.     Os trabalhadores, inconformados com o conteúdo da Resolução que declarava a ilegalidade da greve, exerceram um recurso denominado "recurso de apelação" pela via administrativa para que o Executivo reconsiderasse sua decisão.  Este recurso administrativo de apelação está previsto no artigo 68 do Regulamento da Lei do Trabalho, cujo teor se segue:

Contra as Resoluções editadas pelas autoridades do Ministério do Trabalho cabe recurso de apelação.  Este recurso deve ser interposto dentro das 24 horas seguintes, mais o termo da distância, de notificada a Resolução respectiva.  Interposto o recurso, a autoridade que editou a Resolução elevará imediatamente os autos ao funcionário de hierarquia superior para que este, dentro do prazo improrrogável de cinco dias úteis, confirme, modifique ou deixe sem efeito a resolução recorrida....

69.     Em 4 de junho de 1993, o Diretor Geral do Trabalho resolveu confirmar cada uma das partes da Resolução emitida pela Inspetoria Geral do Trabalho, em 27 de maio de 1993, e em consequência declarou ilegal a greve promovida pelos Sindicatos da Direção Geral da Alfândega .

70.     Esgotados os recursos disponíveis em sede administrativa, os peticionários procederam a recorrer a via judicial, mediante a interposição de um recurso de amparo de efeitos suspensivos.

71.     Os peticionários interpuseram um recurso de amparo em 7 de junho de 1993 perante a Sala Civil e Trabalhista da Região III, do Tribunal de Apelações, de conformidade com o artigo 31 da Lei de Amparo.[18]

72.     Este Tribunal de Apelações decidiu, em 23 de junho de 1993, suspender os efeitos da Resolução do Ministério do Trabalho e ordenou a reintegração dos trabalhadores a seus lugares do trabalho.  Não obstante, esta sentença não foi acatada pelas autoridades, as quais continuaram praticando demissões, o que levou os trabalhadores a solicitar a Corte Suprema de Justiça em 25 de agosto de 1993 e novamente em 7 de setembro de 1993, que ditasse uma medida executiva com o fim de fazer efetiva a sentença proferida pelo Tribunal de Apelações.  Em 9 de setembro de 1993, através de notificação judicial, o Alto Tribunal ordenou o cumprimento da decisão interlocutória suspensiva de Amparo, editada pelo Tribunal de Apelações. Esta decisão, porém, não foi acatada.

73.     O Estado violou o artigo 25(2)(c) da Convenção Americana ao ignorar as medidas cautelares editadas pelo Tribunal de Apelações da Sala Civil e Trabalhista da Região III, por meio das quais foi ordenada a suspensão das demissões enquanto se resolvia o recurso de amparo interposto.

74.     O artigo 25 estabelece a obrigação dos Estados de colocar à disposição dos particulares um recurso simples e rápido que os ampare contra atos que violem seus direitos fundamentais.  No numeral 2(c) do mesmo artigo, a Convenção estabelece o compromisso dos Estados partes "a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.”

75.     O professor Ignacio Burgoa em sua obra A ação de Amparo assinala que a suspensão do ato inconstitucional é o fundamento de todo recurso de amparo: a suspensão do ato reclamado de inconstitucionalidade e que dá motivo a ação é um dos aspectos essenciais do Amparo, porque garante ao reclamante a possibilidade de efetivar seu direito uma vez que seja declarada a procedência da ação, seja impedindo a destruição do mesmo pela continuidade da agressão, seja evitando o agravamento e deterioração do bem tutelado.  A importância desta instituição de suspensão está, portanto, baseada na garantia da existência do bem jurídico ou a conclusão do procedimento.[19]

76.     No caso sub-lite, foi declarada a suspensão do ato reclamado; as diversas resoluções judiciais emanadas do Tribunal de Apelações de Manágua que pretenderam cessar as demissões, até que fosse resolvido o recurso de amparo formulado pelos trabalhadores, nunca foram acatadas pelas autoridades alfandegárias.

77.     As resoluções judiciais descumpridas foram as seguintes:

          i)        Resolução do Tribunal de Apelações de Manágua, de 23 de junho de 1993, que ordenou suspender as demissões dos trabalhadores a partir de sua notificação a Direção Geral do Trabalho, ou seja, a partir das 9:45 horas de 24 de junho de 1993.  Não obstante esta notificação, as autoridades da Alfândega continuaram com as demissões e com as consignações salariais respectivas nos juízos civis e trabalhistas.

          ii)       Devido ao descumprimento do governo, os trabalhadores alfandegários solicitaram ao Tribunal de Apelações um esclarecimento de sua resolução de 23 de junho. Este tribunal editou, em 1º de julho de 1993, uma resolução que assinalou "o que se suspende são os efeitos desse ato administrativo a partir da notificação da resolução que esclarece a decisão, concretamente se suspende a partir das nove e quarenta e cinco minutos da manhã de vinte e quatro de junho de mil novecentos e noventa e três,data da primeira notificação". Esta resolução, que se supunha esclarecida a posição do Tribunal de Apelações, também foi ignorada.

          iii)      O Diretor Geral do Trabalho, mediante uma notificação de 7 de julho de 1993, ordenou a reintegração dos trabalhadores demitidos, bem como a reintegração dos trabalhadores que haviam sido processados penalmente de forma arbitrária. Esta ordem não foi obedecida.

          iv)      A Corte Suprema de Justiça, mediante cédula judicial de 9 de setembro de 1993, ordenou o cumprimento da decisão interlocutória suspensiva de amparo emanada pelo Tribunal de Apelações.  O citado requerimento tampouco foi cumprido.

78.     Prova do desacato do Estado são as consignações efetuadas aos trabalhadores da Alfândega depois das 9:45 horas do dia 24 de junho de 1993, em aberta desobediência da resolução do Tribunal de Apelações.  Estas consignações foram utilizadas como um meio para concretizar as demissões massivas dos trabalhadores.  Isto põe em evidência uma atitude do Estado de franco desprezo pelas resoluções judiciais, apesar destas terem sido esclarecidas e reiterada a sua execução.

79.     Contrariamente à consignação judicial da liquidação dos trabalhadores, a Direção Geral de Alfândega emitiu um comunicado de imprensa e 28 de junho de 1993, no qual manifestou que acatava a resolução do Tribunal de Apelações de Manágua e chamou à reintegração os trabalhadores parados mas não anulou a consignação judicial das prestações.

80.     Os peticionários indicam que este contra-senso tinha como finalidade encobrir o desacato da resolução judicial.  Tanto é assim que a Corte Suprema de Justiça solicitou novamente a Direção Geral da Alfândega  que acatara a decisão judicial em 9 de setembro de 1993.

81.     Ficou demonstrado que as resoluções judiciais cautelares emanadas do Tribunal de Apelações, que pretendiam prevenir futuras violações dos direitos dos trabalhadores alfandegários, resultaram ineficazes e ilusórias. A respeito, a Corte Interamericana entende que para que exista um recurso efetivo "... não basta que esteja previsto pela Constituição ou a lei e que seja formalmente admissível, mas requere-se que seja realmente idôneo para estabelecer se houve uma violação dos direitos humanos e prover o necessário para remediá-la.  Não se pode considerar efetivos aqueles recursos que, pelas condições gerais do país ou pelas circunstâncias particulares de um determinado caso, resultem ilusórios.  Isto pode ocorrer, por exemplo, quando sua inutilidade tenha sido demonstrada pela prática; porque o Poder Judicial careça da independência necessária para decidir com imparcialidade ou porque faltem os meios para executar suas decisões; por qualquer outra situação que configure um quadro de denegação de justiça, como sucede quando ocorre um atraso injustificado da decisão...".[20]

82.     No presente caso, os recursos foram efetivamente ilusórios e sua inutilidade ficou demonstrada na prática, ao ter o Estado negando-se a acatar as decisões cautelares. Apesar da existência de tais resoluções, que pretendiam evitar maiores violações, os trabalhadores alfandegários foram despedidos.

83.     A ineficácia do recurso de amparo dentro da jurisdição nicaragüense também ficou demonstrada diante do pronunciamento da Corte Suprema um ano depois de interposto o recurso. Este fato indica a inoperância de um recurso rápido e efetivo para responder as reclamações dos trabalhadores alfandegários. A demora da Corte Suprema de Justiça em pronunciar-se sobre o recurso indica, ademais, a ineficácia judicial na proteção dos direitos humanos consagrados na Constituição e na Convenção Americana.  Segundo o artigo 47 da Lei de Amparo, "A Corte Suprema de Justiça em todo caso deverá proferir a sentença definitiva dentro dos quarenta e cinco dias posteriores a recepção das diligências".  Está claro que a Corte Suprema de Justiça emitiu sua decisão com dez meses de atraso, fora de todo prazo razoável, deixando os trabalhadores alfandegários em um estado de indefesa.

84.     A ineficácia judicial também ficou demonstrada na sentença Nº 44, quando a Corte Suprema pronunciou-se contra o recurso sem nenhuma motivação, em clara contravenção do artigo 45 da Lei de Amparo que assinala expressis verbis que a sentença deverá ser fundamentada[21].  A Corte Interamericana observou que "o mero fato de que um recurso interno não produza um resultado favorável ao reclamante não demonstra, por si só, a inexistência ou o esgotamento de todos os recursos internos eficazes...”.[22]  Entretanto, o assunto é outro "quando se demonstra que os recursos são rejeitados sem chegar a exame da validez dos mesmos, ou por razões fúteis...” ·

85.     No presente caso, os trabalhadores alfandegários recorreram perante o órgão jurisdicional previsto pela lei, com o objetivo de exercer um remédio judicial que os amparasse contra alegados atos violatórios de seus direitos constitucionais, assim, está comprovado que o peticionário teve acesso a este recurso.  Todavia, a Comissão entende que o direito a tutela judicial efetiva prevista no artigo 25 não se esgota com o livre acesso e desenvolvimento do recurso judicial.  É necessário que o órgão interveniente produza uma conclusão fundamentada sobre os méritos da reclamação, que estabeleça a procedência ou improcedência da pretensão jurídica que, precisamente, deu origem ao recurso judicial.[23]  E mais, essa decisão é o objetivo e fim do direito ao recurso judicial reconhecido pela Convenção Americana no artigo 25, que está também revestido por indispensáveis garantias de direitos humanos e obrigações estatais.

86.     No caso dos trabalhadores alfandegários, a Corte Suprema desconsiderou o recurso judicial declarando-o infundado, sem fundamentar a sua decisão, omitindo-se assim de decidir sobre os direitos dos peticionários e analisar a viabilidade de sua reclamação.

87.     A Comissão considera que a própria lógica interna de todo recurso judicial, em especial, do artigo 25, indica que o juiz deve estabelecer concretamente a verdade ou o erro da alegação do reclamante.  O reclamante dirige-se ao órgão judicial alegando a realidade de uma violação de seus direitos, e o órgão em questão, após um procedimento de prova e de debate sobre essa alegação, deve obrigatoriamente decidir se o recurso é fundado ou infundado.  Do contrário, o recurso judicial ficaria inconcluso.[24]  Decidir sobre os direitos implica efetuar uma determinação entre os fatos e o direito, com força legal, que recaia sobre um objeto específico. Esse objeto é a pretensão particular do reclamante.[25]

88.     Em particular, os trabalhadores alfandegários solicitaram mediante o recurso de amparo que a Corte Suprema determinasse a supremacia da Constituição da Nicarágua, que estabelece em seu artigo 83 o direito a greve, sobre as leis inferiores como o Código do Trabalho que dispõe sobre o limites a este direito, especialmente quando se trata de trabalhadores públicos, quem de acordo com o Código não podem recorrer à greve.  Não obstante, em sua sentença Nº 44, a Corte Suprema omitiu pronunciar-se sobre este aspecto e o que fez foi declarar a ilegalidade da greve com base, como visto anteriormente, em fatos alheios a causa,[26] tornando o recurso ineficaz e desprotegendo as vítimas.

89.     A Magistrada Alba Luz Ramos Venegas, em seu voto dissidente a sentença Nº 44, manifesta que o recurso de amparo deveria ter sido declarado fundado pelas seguintes razões:

Ainda que nenhum direito fundamental seja ilimitado, sua regulação por lei secundária não pode rebaixar o conteúdo essencial do mesmo.  O Art. 83 Cn reconhece sem limitações nem restrições o direito de greve dos trabalhadores, por isso considera que o que pode ser regulado são as condições de seu exercício e os procedimentos para levá-la a cabo, assim como os abusos que podem ser cometidos durante a mesma.  Opinou que o Art. 227 C.T., em que é fundamentada a resolução do Ministério do Trabalho, deve ser entendido como derrogado pelos Arts. 83 e 182 da Constituição Política, e que a sentença , ao não pronunciar–se sobre este ponto, está desprezando o argumento principal dos recorrentes do amparo.[27] (ênfase nossa).

90.     A CIDH não faz juízo de valor sobre o tema da ilegalidade da greve ou a supremacia da Constituição sobre leis inferiores como o Código do Trabalho, uma vez que a presente denúncia refere-se expressis verbis a violações do devido processo legal e as garantias judiciais.[28]  Entretanto, a Comissão concorda com a posição da Magistrada Ramos quando indica in fine: "a sentença ao não se pronunciar sobre esse ponto, está desprezando o principal argumento dos recorrentes do amparo".  A Comissão considera que a decisão da Corte Suprema contida na sentença Nº 44 faz com que os trabalhadores alfandegários vejam-se impossibilitados de contar com um recurso judicial efetivo como estabelece o artigo 25 da Convenção Americana da qual a Nicarágua é Estado Parte desde 25 de setembro de 1979.

C.      Direito a indenização (artigo 10 da Convenção)

91.     O artigo 10 da Convenção estabelece que: “Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário.”.

92.     Os peticionários alegam que quando a Corte Suprema de Justiça declarou infundado o recurso de amparo, automaticamente a decisão declaratória de ilegalidade da greve das autoridades trabalhistas tornou-se definitiva.  Isto acarretou que se considerasse as demissões massivas como legais, provocando a impossibilidade de defesa de numerosos trabalhadores. Igualmente, os peticionários assinalaram que a Corte Suprema incorreu em um erro judicial grave ao fundamentar sua decisão em fatos que correspondiam a uma greve ocorrida um ano antes, isto é, em fevereiro de 1992, efetuada pelos trabalhadores da AERONICA, e não a greve dos trabalhadores alfandegários ocorrida em junho de 1993.  Desta maneira, ao expedir a de modo arbitrário a Sentença Nº 44 a Corte Suprema cometeu uma flagrante violação dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, o que implica que os trabalhadores alfandegários sejam indenizados em virtude do artigo 10 do mesmo instrumento internacional.

93.     A este respeito, a Comissão considera que a Sentença Nº 44 da Corte Suprema de Justiça sobre o recurso de amparo restringiu os direitos dos peticionários mas não constitui uma sentença condenatória baseada em um erro judicial, nos términos do artigo 10 da Convenção Americana.  Em consequência, a Comissão rejeita a aplicação do artigo 10 da Convenção Americana.

D.      Direitos econômicos, sociais e culturais (artigo 26 da Convenção)

94.     A Convenção Americana estabelece a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, através do desenvolvimento progressivo da seguinte maneira :

Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. 

95.     A Comissão considera que os direitos econômicos dos trabalhadores alfandegários entram no marco da proteção dos direitos econômicos, social e culturais tutelados pela Convenção Americana em seu artigo 26.  As violações dos direitos dos trabalhadores são claras quando menciona os princípios de legalidade e irretroatividade, bem como da proteção das garantias judiciais.  As violações por parte do Estado da Nicarágua determinam os prejuízos econômicos e postergam os direitos sociais dos peticionários.

96.     A Comissão recorda que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem dispõe que toda pessoa tem direito ao trabalho, ao descanso e a previdência social, no sentido progressivo dos direitos.  A Convenção Americana, em seu preâmbulo, dispõe: “Considerando que a Terceira Conferência Interamericana Extraordinária (Buenos Aires,1967) aprovou a incorporação à própria Carta da Organização de normas mais amplas sobre direitos econômicos, sociais e educacionais e resolveu que uma convenção interamericana sobre direitos humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria”.

97.     Por esse motivo que a Convenção Americana, em seu artigo 26, do capítulo “Desenvolvimento progressivo” afirma que os Estados partes comprometem-se a adotar providências necessárias, para alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos que derivam das normas econômicas, sociais e culturais, contidas na Carta da OEA. Cabe ressaltar que em 17 de novembro de 1988 foi firmado em San Salvador o Protocolo Adicional a Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

98.     O Estado da Nicarágua firmou o Protocolo de San Salvador em 17 de novembro de 1988, mas ainda não o ratificou.  Embora o Protocolo de San Salvador tenha entrado em vigor em 16 de novembro de 1999, o fundamental é que a Nicarágua firmou este Protocolo em novembro de 1988, ou seja, antes dos fatos relatados na presente denúncia. Neste caso, a melhor doutrina de interpretação do direito dos tratados ou de qualquer outra disposição sobre os direitos humanos estima que ainda que o tratado não se encontre em vigor, os países que o firmaram não podem impor regras contra este instrumento. O artigo 1o do Protocolo de San Salvador estabelece que as medidas necessárias, tanto de ordem interna como por meio da cooperação entre os Estados, especialmente econômica e técnica, até o máximo dos recursos disponíveis e levando em conta seu grau de desenvolvimento, a fim de conseguir,  progressivamente e de acordo com a legislação interna, a plena efetividade dos direitos reconhecidos neste Protocolo. Isto significa que não está permitido aos Estados partes criar leis ou interpretá-las de maneira que representem um retrocesso às conquistas dos trabalhadores.

99.     A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estabelece em seu artigo 18 “a obrigação de não frustrar o objeto e fim de um tratado antes de sua entrada em vigor.  Um Estado ou uma organização internacional deverá abster-se de atos em virtude os quais possam frustrar o objeto e fim de um tratado”.

100.   Esta posição é apoiada pela Corte Interamericana em sua Opinião Consultiva OC/14, na qual afirma “a interpretação dos artigos 1 e 2 da Convenção que estabelecem o compromisso dos Estados de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos nela e garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa submetida a sua jurisdição e adotar, conforme o caso, as medidas legislativas ou de outro caráter que forem necessárias para fazer efetivos tais direitos e liberdades”.  A Corte segue dizendo que “se um contraiu a obrigação de adotar as medidas aludidas, com maior razão está a de não adotar aquelas que contradigam o objeto e fim da Convenção”.[29]

101.   A Comissão estima que, no presente caso, o Estado nicaragüense, em vez de adotar medidas de desenvolvimento progressivo em benefício dos trabalhadores alfandegários, buscou reduzir os seus direitos, ocasionando-lhes graves prejuízos a seus direitos econômicos e sociais.

E.       Direito a liberdade de associação (artigo 16 da Convenção)

102.   A Convenção Americana tutela o direito a liberdade de associação em seu artigo 16, estabelecendo o seguinte:

1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

 2. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

103.   A Corte Interamericana definiu a liberdade de associação como o direito do indivíduo de uni-se com outros de forma voluntária e durável para a realização comum de um fim lícito.[30]

104.   No presente caso, os peticionários basicamente alegam "que o Estado da Nicarágua ao negar a possibilidade do direito a greve, intrinsecamente ligado ao direito de associação, e ao demitir arbitrariamente os trabalhadores alfandegários sindicalizados, restringiu ilegitimamente o direito a liberdade de associação, situação que se vê agravada pelo tratamento discriminatório que sofreram os trabalhadores sindicalizados, especialmente aqueles que foram demitidos, demonstrando a clara violação do artigo 16 da Convenção Americana".

105.   Os peticionários argumentam que "ao negar-se o Estado da Nicarágua a convocar a Junta de Conciliação e a nomear um Juiz de Greve, instâncias estabelecidas no Código do Trabalho para determinar a legalidade ou ilegalidade de uma greve, estava vedando aos trabalhadores alfandegários a possibilidade de recorrer a esta.  O Estado da Nicarágua persiste na violação com a sentença Nº 44-94 da Corte Suprema de Justiça, que não se pronuncia expressamente sobre a superioridade da norma constitucional que consagra este direito em relação com leis inferiores, tendo esta atitude o mesmo efeito que a atitude governamental, isto é, privar os trabalhadores de seu direito a greve.… Tendo em vista que a  maior parte dos demitidos eram trabalhadores sindicalizados, desconheceu-se o direito de associação”.

106.   A Comissão considera que o direito de sindicalização é um direito trabalhista substancial e que independentemente da relação intrínseca que o direito de liberdade de associação possa guardar com o direito de greve, não basta para provar a violação do direito de associação dos trabalhadores alfandegários, nos termos estabelecidos na Convenção.  O fato de que o Estado nega a possibilidade de greve não restringe os trabalhadores no exercício do seu direito de associação, uma vez que é nessa capacidade de associados a um sindicato que apresentaram o recurso perante a Corte Suprema de Justiça, e este recurso foi admitido.

107.   A Comissão, ao pronunciar-se sobre o tema da ilegalidade da greve ou a supremacia da Constituição sobre leis inferiores como o Código do Trabalho, assinalou que a Corte Suprema desprezou o argumento essencial dos trabalhadores e com isto acarretou na impossibilidade dos trabalhadores de contar com um recurso judicial efetivo, nos termos do artigo 25 da Convenção; porém, isto não implica na violação do direito de associação dos trabalhadores alfandegários.

108.   A Comissão considera que, no presente caso, não resulta claro o argumento dos peticionários de que “Tendo em vista que a maior parte dos demitidos eram trabalhadores sindicalizados, desconheceu-se o direito de associação ", uma vez que não surge dos elementos contidos no expediente que se lhes tenha impedido exercer este direito ou que tenham sofrido persecução por sua afiliação a um sindicato.

109.   Por conseguinte, a Comissão conclui que não é possível imputar responsabilidade ao Estado pela violação do direito a liberdade de associação contido no artigo 16 da Convenção Americana.

V.      ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO Nº 80/00

110.   Em 24 de outubro de 2000, a Comissão encaminhou ao Estado da Nicarágua o Relatório Nº 80/00, aprovado em 4 de outubro de 2000, durante o 108º período ordinário de sessões, e lhe solicitou que informasse sobre as medidas adotadas para dar cumprimento as recomendações da Comissão e solucionar a situação denunciada no prazo de dois meses, contados a partir da data de citada comunicação.  Igualmente, na mesma data a Comissão informou aos peticionários que havia aprovado um relatório, de caráter confidencial, de conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana.

111.   Em 7 de março de 2001, depois de solicitar duas prorrogações, o Estado apresentou suas observações, através das quais refutou Relatório 80/00 e concluiu que:

O Estado da Nicarágua conclui expressando que sempre manifestou sua vontade de resolver este caso, quando especificadas suficientemente as posições e as pretensões dos peticionários. Entretanto, quando as pretensões não estão ajustadas a um critério jurídico que permita ocupar uma posição de reclamo efetivo, não estão presentes as condições para procurar a transigência das partes, mediante o procedimento solicitado.

Com fundamento na análise e nas conclusões do presente relatório, o Estado da Nicarágua reitera sua vontade de resolver este caso, propondo pagar somente aos peticionários que não retiraram suas consignações e reconheceram a manutenção do valor de suas liquidações até a data de hoje.

Tendo em vista o exposto, o Estado da Nicarágua, tomando em consideração que observou e respeitou o que corresponde ao Direito, e imbuído no seu compromisso de respeito aos direitos e liberdades consignados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, solicita respeitosamente a ilustre Comissão Interamericana de Direitos Humanos, declarar infundado o caso, e dar-lhe por concluído como em efeito corresponde.

VI.      CONCLUSÕES

112.   Com base na análise precedente, a Comissão ratifica as seguintes conclusões:

1.       Sobre a base dos fatos que surgem do expediente a Comissão considera que, apesar de que o Tribunal Militar da Auditoria das Forças Armadas Sandinistas tenha condenado Carlos José Cerda Sánchez pelo delito de abuso de autoridade contra os trabalhadores Cristóbal Ruiz Lazo, Ramón Roa Parajón e Milton García Fajardo, isto constitui somente um reconhecimento parcial, uma vez que não foram sancionados os responsáveis nem foram tomadas as medidas que permitem uma reparação as vítimas.  A Comissão estabelece que o Estado violou em prejuízo de Milton García Fajardo, Cristóbal Ruiz Lazo, Ramón Roa Parajón, Leonel Arguello Luma, César Chavarría Vargas, Francisco Obregón García, Aníbal Reyes Pérez, Mario Sánchez Paz, Frank Cortés, Arnoldo José Cardoza, Leonardo Solis, René Varela y Orlando Vilchez Florez, o direito a integridade, contido no artigo 5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

2.       Tendo em vista as ações e omissões examinadas, a Comissão conclui que o Estado da Nicarágua violou em prejuízo de Milton García Fajardo e os 141 trabalhadores presentes nesta denúncia, os direitos as garantias judiciais, à proteção judicial, e os direitos econômicos, sociais e culturais, protegidos pelos artigos 8, 25, e 26 do citado instrumento internacional, em relação a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do mesmo.

3.       Por último, a Comissão entende que não há violação do direito a indenização por erro judicial e do direito a liberdade de associação, previstos pelos artigos 10 e 16 da Convenção Americana.  A Comissão destaca que o fato de que não esteja comprovado o erro judicial não implica que a decisão judicial não seja arbitrária.

VII.     RECOMENDAÇÕES

113.   Com fundamento na análise e nas conclusões do presente relatório, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado da Nicarágua as seguintes recomendações:

1.       Levar a cabo uma investigação completa, imparcial e efetiva para determinar a responsabilidade penal de todos os autores dos danos causados em prejuízo de Milton García Fajardo, Cristóbal Ruiz Lazo, Ramón Roa Parajón, Leonel Arguello Luma, César Chavarría Vargas, Francisco Obregón García, Aníbal Reyes Pérez, Mario Sánchez Paz, Frank Cortés, Arnoldo José Cardoza, Leonardo Solis, René Varela y Orlando Vilchez Florez, e punir os responsáveis de acordo com a legislação nicaragüense.

2.       Adotar as medidas necessárias para que os 142 trabalhadores alfandegários que apresentaram esta demanda recebam adequada e oportuna reparação pelas violações de seus direitos humanos aqui estabelecidas.

VIII.    PUBLICAÇÃO

114.   Em 4 de abril de 2001, a Comissão aprovou o Relatório Nº 56/01, de conformidade com o artigo 51(1) e (2) da Convenção e reiterou ao Estado da Nicarágua as conclusões e recomendações contidas naquele relatório, o qual foi transmitido ao Estado em 11 de abril de 2001, outorgando-lhe um prazo de um mês para cumprir com as recomendações.  A Comissão decidiu também transmitir esse relatório aos peticionários. Nem o Estado nem os peticionários estavam facultados para torná-lo público enquanto a Comissão não adotasse uma decisão a respeito.

115.   O Estado da Nicarágua respondeu em 16 de maio de 2001, reiterando sua posição contida na comunicação de 7 de março de 2001, de pagar o montante das liquidações trabalhistas consignadas aos 60 trabalhadores que não as tivessem retirado anteriormente, indexando os valores em relação ao dólar.  Estas liquidações poderiam ser retiradas, a partir de 21 de maio de 2001, na Direção Geral da Alfândega.  Igualmente o Estado assinalou que havia instruído o Diretor da Divisão de Inspetoria Civil do Ministério de Governo a realizar uma investigação adicional com a finalidade de cumprir com as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e concluir de maneira efetiva esta investigação.  Os peticionários apresentaram sua resposta em 6 de julho de 2001, indicando que o Estado não havia acatado as recomendações da Comissão.

116.   O Relatório 56/01 contém basicamente duas recomendações ao Estado da Nicarágua.  A primeira delas refere-se à investigação completa, imparcial e efetiva na jurisdição penal ordinária nicaragüense (ênfase nossa), para determinar a responsabilidade pelas violações estabelecidas neste caso, e a segunda é sobre a reparação às vítimas.  Em consideração ao exposto neste relatório, a Comissão considera que a investigação adicional que possa realizar a Divisão de Inspetoria Civil é puramente administrativa e não investigação judicial.  A Lei da Polícia Nacional estabelece que são os tribunais de justiça estabelecidos no artigo 93 da Constituição Política da Nicarágua, os únicos competentes para julgar os membros da Polícia.  É necessário interpor uma ação penal e serão as autoridades judiciais as responsáveis pela tramitação respectiva. Portanto, o certo é que são os tribunais de justiça, e não a Inspetoria Civil da Polícia Nacional, quem deve realizar a investigação recomendada pela CIDH.  Com relação ao pagamento das liquidações indicadas pelo Estado, cabe mencionar que referidas liquidações encontravam-se consignadas judicialmente desde 1993, motivo pelo qual estas não constituem reparação alguma.

117.   A informação apresentada pelo Estado da Nicarágua não constitui nenhum tipo de reparação ou medidas destinadas ao cumprimento dos términos recomendados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu Relatório 56/01.  Com referência a isto, a Comissão não se pronuncia de maneira adicional sobre a informação apresentada pelo Estado.

118.   Com base na informação submetida e de conformidade com o estabelecido no artigo 51(3) da Convenção Americana, a Comissão decide reiterar as conclusões e recomendações contidas, respectivamente, nos capítulos VI e VII supra; publicar o presente relatório; e incluí-lo no seu Relatório Anual a Assembléia Geral da OEA.  A Comissão, conforme as disposições contidas nos instrumentos que regem o seu mandato,  continuará avaliando as medidas tomadas pelo Estado nicaragüense com relação as recomendações citadas, até que estas tenham sido cumpridas por completo.

Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 11 dias do mês de outubro 2001. (Assinado): Claudio Grossman, Presidente; Juan Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; membros da CIDH, Robert K. Goldman, Peter Laurie e Julio Vallejo.


Caso Nº 11.381

Milton García Fajardo e os 141 trabalhadores

Nicarágua

Voto fundamentado e parcialmente dissidente do Dr. Julio Prado Vallejo

Estou de acordo com o pronunciamento da decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso 11.381 Milton García Fajardo e os 141 trabalhadores que compreendem a presente denúncia contra o Estado da Nicarágua, no que se refere as conclusões da CIDH sobre os direitos contidos nos artigos 5, 8, 16, 25 e 16 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação à obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, previstos no artigo 1 do citado instrumento internacional.

Entretanto descordo parcialmente naquilo em que se refere às violações alegadas com respeito ao artigo 8 da Convenção Americana, porque a análise deste direito não está apoiada no erro judicial alegado pelos peticionários, o qual na minha opinião, está devidamente comprovado.  Descordo também da análise realizada pela Comissão porque não tomou em consideração o direito a ser indenizado devido a sentença ser baseada em erro judicial, prevista no artigo 10 da mesma Convenção.  Desta forma, procedo a assinalar as seguintes considerações:

O artigo 8(1) da Convenção Americana reconhece o direito de toda pessoa a ser ouvida com as devidas garantias na alegação de qualquer acusação formulada contra ela. A Corte disse a respeito que “o conceito de devidas garantias é aplicado também a essa instância  trabalhista, e, portanto, nesse tipo de matéria o indivíduo tem direito também ao devido processo que é aplicado em matéria penal”.[31]

A doutrina define o erro judicial da seguinte maneira: “O erro existe quando por dolo, negligência ou conhecimento ou apreciação errada dos fatos, se expede uma resolução judicial que não se ajusta a verdade e merece o qualificativo de injusta”. A doutrina também assinala que “o erro supõe um resultado errado, não ajustado a lei, seja porque não tenha sido aplicado corretamente o direito, seja porque se tenham estabelecidos fatos que não correspondam a realidade”.[32]

Uma decisão judicial deve constituir uma derivação fundamentada do direito vigente, com aplicação às circunstâncias comprovadas da causa.  Caso contrário estaríamos frente a uma decisão judicial arbitrária, que pode ser definida como aquela que se adota contra ou sem concordância expressa com a lei, prescinde de provas incontestáveis regularmente aportadas ao juízo, ou faz remissão a provas que não constam dos autos.[33]

No presente caso, a Corte Suprema de Justiça da Nicarágua incorreu em grave erro judicial na sentença Nº 44/94, de 2 de junho de 1994.  Nesta sentença, o Alto Tribunal assinalou como principal motivo para declarar infundado o recurso de amparo que “o desenvolvimento da greve deveria ter sido pacífico, limitando-se a suspensão e abandono do trabalho , pois todos aqueles atos de coação ou de violência não podem gozar de reconhecimento da autoridade”.

Para argumentar que a greve não havia sido pacífica, a Corte Suprema argumentou que:

No caso dos autos existiram uma série de fatos contrários ao próprio e verdadeiro abandono do trabalho , até o nível de se ter colocado obstáculos na pista de aterrisagem do Aeroporto Internacional, o que criou situações de perigo que este Tribunal tem que examinar seriamente.  Com fatos como estes se puseram em perigo a vida de pessoas e os bens do Estado...  Em conclusão, este Supremo Tribunal conclui que não existe nenhuma violação aos princípios constitucionais citados, motivo pelo qual deve declarar-se infundado o presente recurso.

Infelizmente, a Corte Suprema fundamentou-se em fatos que não correspondiam aqueles que caracterizaram o movimento grevista dos trabalhadores da Alfândega e com base neles declarou infundado o recurso de amparo.  Por sua vez, os peticionários aportaram perante a CIDH documentação que prova que os fatos violentos alegados pela Corte Suprema em sua Sentença Nº 44/94 correspondem a uma greve ocorrida em fevereiro de 1992, efetuada pelos trabalhadores de AERONICA, e não a greve dos trabalhadores alfandegários ocorrida em junho de 1993.

Além disso, os fatos violentos assinalados pela Corte Suprema não se ajustam ao indicado pelo Estado quando ressalta que os trabalhadores alfandegários haviam incorrido em uma série de atos violentos e de vandalismo durante a greve.  A contrario sensu, as denúncias apresentadas contra os trabalhadores alfandegários foram resolvidas com o impronúncia dos imputados (ver parágrafos do relatório da CIDH relativos ao artigo 5 da Convenção).

O artigo 8(1) da Convenção estabelece “que toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias”, o que implica que o juiz tinha a obrigação de decidir com base na prova que acompanhava o expediente e não em motivações ou conhecimentos pessoais alheios a causa, que constituiriam um claro caso de arbitrariedade judicial.  A Sentença Nº 44/94 está fundamentada em fatos não alegados nem provados na causa, razão pela qual constitui uma decisão manifestamente arbitrária, e configura uma violação do direito ao devido processo legal porque é baseada num erro judicial.

Ao expedir a sentença Nº 44/94, que constitui uma arbitrariedade judicial sem nenhum fundamento, a Corte Suprema incorreu em uma flagrante violação do artigo 8 e cabível a aplicação do artigo 10 da Convenção Americana.  Isto implica que os trabalhadores alfandegários sejam indenizados devido a violação do direito a um devido processo por erro judicial e que o dano causado as vítimas seja reparado.

A obrigação de reparar foi estabelecida pela Corte Interamericana, na maioria dos casos, com base no artigo 63(1) da Convenção, que prescreve:

Ao decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte providenciará que seja garantido ao lesionado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Providenciará também, se for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que tenha configurado a vulneração desses direitos e o pagamento de uma justa indenização a parte lesionada.

A Convenção remete nesse ponto a uma norma consuetudinária que constitui hoje um princípio fundamental do direito internacional sobre a responsabilidade dos Estados.[34]  Neste sentido, a Corte Interamericana assinalou que quando ocorre um fato ilícito imputável ao Estado, surge a responsabilidade internacional deste pela violação de uma norma internacional, com o consequente dever de reparação.[35] Igualmente, a Corte referiu-se ao alcance das reparações da seguinte forma: “A reparação é o termo genérico que compreende as diferentes formas como um Estado pode fazer frente a responsabilidade internacional na qual incorreu (Restitutio in integrum, indenização, satisfação, garantias de não repetição, entre outras)”.[36]

Tendo em vista o exposto, considero que tendo incorrido em erro judicial, o Estado da Nicarágua violou a Convenção Americana e fica obrigado a reparar os danos produzidos as vítimas deste fato ilícito, conforme o artigo 10 da Convenção Americana.

(Assinado): Julio Prado Vallejo, Membro da Comissão.

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