RELATÓRIO No 109/01*

CASO 11.632

VIDAL SEGURA HURTADO

EQUADOR

11 de outubro de 2001

 

 

          I.          RESUMO

 

          1.          Em 8 de maio de 1993 foi encontrado o cadáver de Vidal Segura Hurtado, de 23 anos de idade, no setor  Las Lomas, na via periférica da cidade de Guayaquil.  Seu corpo apresentava marcas de tortura e três furos de bala na fronte.  Segundo alegações de María Hurtado, seu filho havia sofrido persecução e ameaças de morte por um elemento da Polícia Nacional antes da data de sua morte.  Em 8 de novembro de 1994, a Comissão Ecumênica de Direitos Humanos ("CEDHU”) (doravante denominada  “o peticionário”) apresentou uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou a “CIDH”) contra a República do Equador (doravante denominado “o Estado”) na qual denunciava a violação dos seguintes direitos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”): direito à vida (artigo 4), garantias judiciais (artigo 8), direito à integridade pessoal (artigo 5), direito à liberdade pessoal  (artigo 7) e direito à proteção judicial (artigo 25), em conjunção com as obrigações que figuram no artigo 1(1) em prejuízo do senhor Vidal Segura Hurtado.

 

          2.          A petição alega que há suspeita de que a morte Vidal Segura Hurtado está relacionada com a Operação “Chicote", operação policial iniciada nos anos 1992-1993 pelo  Governo e impulsionada pelo Subsecretário de Polícia Geral Guido Nuñez, quem passou a  ocupar o cargo de Comandante-Geral da Polícia, com o fim de combater a delinqüência.  No dia em que ocorreram os fatos, houve uma ampla cobertura na imprensa a qual informava que haviam aparecido 34 delinqüentes mortos na via periférica da cidade.

 

          3.          Em 5 de agosto de 1996 o Governo do Equador respondeu à denúncia do  peticionário, e anexou documentos das diligências praticadas pela polícia. Estes documentos indicam que em 4 de abril de 1993, aproximadamente às 11 horas, os policiais Luis Miguel Cárdenas Carpio e Ricardo Enríquez Guzmán, estavam em serviço no posto policial Nº 57 localizado nas ruas Leonidas Plaza e Rosendo Avilés, quando perceberam a presença de Vidal Segura Hurtado, quem, em estado de embriaguez, encontrava-se pressionando o dono de uma loja localizada na frente do posto para que lhe entregara uma garrafa de bebida alcoólica.  Os policiais reconheceram Vidal Segura Hurtado tendo em vista que havia uma acusação contra ele no Tribunal de Menores por assalto e roubo; portanto decidiram prendê-lo.  Entretanto, Vidal Segura Hurtado fugiu e foi seguido na rua Rosendo Avilés pelos policiais, que o viram entrar no domicílio da advogada Anabell Yagual.  Os policiais então ingressaram na casa da advogada disparando contra a residência, motivo pelo qual ela apresentou uma queixa perante o quarto Distrito de Polícia contra os mencionados policiais.   Segundo María Hurtado, os policiais depois de saberem que foram denunciados pela advogada  Yagual, quiseram fazer  represálias contra seu filho.  Sobre estes atos, o relatório policial afirma que não existe responsabilidade dos policiais envolvidos e que Vidal Segura Hurtado era um delinquente que tinha várias causas pendentes.

 

          4.          As partes chegaram a um Acordo de Solução Amistosa no presente caso em 15 de agosto de 2001.  O presente relatório consolida, em uma breve exposição, os fatos e os textos da solução amistosa alcançada, de conformidade com o artigo 49 da Convenção. 

 

II.                 FATOS

 

5.       Em 8 de abril de 1993 às 2:00 horas, o policial Ricardo Enríquez e 8 agentes  vestidos à paisana e fortemente armados romperam a porta do domicílio de Vidal Segura Hurtado sem uma ordem judicial de prisão.  Os policiais buscaram o Sr. Segura por toda a casa, mas ao não encontrá-lo, o policial Rodríguez exclamou: “…diga a este moreno que se cuide, que lhe vamos encontrá-lo, ele se salvou desta vez, mas se estivesse aqui era homem morto, porque iríamos aplicar-lhe a lei de fuga….”.

 

6.          Segundo afirma María Hurtado, diante a persecução ilegal por parte dos policiais antes mencionados, Segura Hurtado foi viver uns dias na casa de sua avó. Porém a persecução continuou, pois os dois policiais que o buscavam haviam sido citados no procedimento interposto pela advogada Yagual e afirmavam que iam se vingar de Vidal Segura Hurtado matando-o.  Posteriormente, os policiais conseguiram deter um amigo de Vidal Segura Hurtado e o levaram para a Penitenciária do Litoral para que este revelasse o seu paradeiro, como de fato o fez.  Os policiais então retiraram Vidal Segura Hurtado do domicílio onde estava escondido e o detiveram, dando-lhe uma surra. Os habitantes do bairro pediram que os policiais parassem de golpeá-lo, mas que os policiais responderam, segundo consta na denúncia, “este é homem morto, faz dias que o andávamos buscando, este já tinha que estar morto faz tempo…”. Os policiais colocaram  Vidal Segura Hurtado em uma caminhoneta e exclamaram “este é outro que via para a via periférica”.  O policial Ricardo Enríquez disse   a alguém do bairro que o cadáver de Vidal Segura Hurtado estava na funerária da Policia Nacional. Segundo indicado na denúncia, o cadáver tinha marcas de tortura e  três orifícios de bala na cabeça.

 

 

III.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

7.          Em 8 de novembro de 1994, a Comissão recebeu a denúncia, e em 5 de agosto de 1996 o governo do Equador respondeu a esta.  Em 25 de novembro de 1996 a CIDH enviou a CEDHU cópia da informação proporcionada pelo Governo de Equador.  A CEDHU enviou sua resposta a Comissão em 23 de janeiro de 1997, na qual afirma que até essa data o governo não havia contestado de forma verídica os fatos ocorridos a Vidal Segura Hurtado em 4 de abril de 1993, pois a informação aportada pelo governo concluiu que a polícia não tinha nada que ver com o assunto e que havia a possibilidade de envolvimento de terceiras pessoas nos fatos.  Entretanto, segundo afirmou CEDHU, o Governo não tinha feito nada para investigar a morte de Vidal Segura Hurtado e encontrar os culpados.

 

          8.          Em 5 de março de 1999, a Comissão colocou-se à disposição das partes com o propósito de alcançar uma solução amistosa. O peticionário aceitou a possibilidade de chegar a um acordo de solução amistosa em 19 de outubro de 1999, o qual foi assinado em 15 de agosto de 2001, e contou com a presença da doutora Marta Altolaguirre, membro da CIDH e Relatora para Equador, quem havia viajado a Quito para facilitar o acordo.  As partes pediram a Comissão que ratificasse o  presente acordo de solução amistosa e supervisionasse o seu cumprimento. 

 

         

          IV.          SOLUÇÃO AMISTOSA ALCANÇADA         

 

          9.          O Acordo de Solução Amistosa firmado pelas partes assinala:

 

I.            ANTECEDENTES

 

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado, no seu afã de  promover e proteger os direitos humanos e, em vista da grande importância que reviste na atualidade para a imagem internacional de nosso país, o respeito irrestrito aos direitos humanos, como base de uma sociedade justa, digna, democrática e representativa, resolveu começar um novo processo dentro da evolução dos direitos humanos no Equador.

 

A Procuradoria Geral do Estado iniciou, com todas as pessoas que foram  vítimas de violações de direitos humanos, negociações tendentes a chegar a soluções amistosas que busquem a reparação dos danos causados.

O Estado Equatoriano, em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos de direito internacional de direitos humanos, e consciente de que toda violação a uma obrigação internacional que tenha produzido um dano comporta no dever de repará-lo adequadamente, constituindo a indenização pecuniária  e a sanção penal dos responsáveis às formas mais justas e eqüitativas de fazê-lo, de modo que a Procuradoria Geral do Estado conjuntamente com os senhores María Almizar Hurtado Villa, madre e Nelson Segura Preciado, pai do senhor Vidal Segura Hurtado (falecido), resolveram chegar a uma solução amistosa de conformidade com o disposto nos artigos 48.1 lit (f), 49, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 45 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

II. PARTICIPANTES

Comparecem à celebração do presente acordo amistoso:

 

a) Por uma parte, o Dr. Ramón Jiménez Carbo, Procurador-Geral do Estado, segundo o sua nomeação e ata de posse, que se anexa a  presente como documentos de habilitação;

b) Por outra parte comparece a senhora María Almizar Hurtado Villa, com cédula de identidade número 090492558-3, mãe do senhor  Vidal Segura Hurtado, falecido, que  é anexada a presente como documento de habilitação .

 

            III.            RESPONSABILIDADE DO ESTADO

 

O Estado Equatoriano reconhece sua responsabilidade internacional por ter violado os direitos humanos do  senhor Vidal Segura Hurtado, reconhecidos nos Artigos 4 (Direito à Vida),  Artigo 8 (Garantias Judiciais), Artigo 5 (Direito à Integridade Pessoal) Artigo 7 (Direito à Liberdade pessoal)  e Artigo 25 (Proteção Judicial), em conjunção com a obrigação geral contida no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais, sendo mencionadas violações cometidas por agentes do Estado, fato que não pôde ser controvertido pelo  Estado e gerou a responsabilidade deste frente à sociedade.

 

Tendo em vista estes antecedentes o Estado Equatoriano reconhece os fatos constitutivos do Caso Nº 11.632, que se encontra em trâmite perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e se obriga a assumir  medidas reparadoras necessárias a fim de ressarcir os prejuízos ocasionados as vítimas de tais violações ou a seus familiares.

IV. INDENIZAÇÃO

O Estado Equatoriano, por intermédio do Procurador-Geral do Estado, como único representante judicial do Estado Equatoriano de acordo com o Art. 215 da Constituição Política da República do Equador, promulgada no Registro Oficial Nº 1, vigente desde 11 de Agosto de 1998, entrega à  senhora María Almizar Hurtado Villa, com cédula de identidade número 090492558-3, mãe de Vidal Segura Hurtado (falecido), uma indenização compensatória em uma parcela, de trinta mil dólares dos Estados Unidos da América (US$ 30,000.00), com cargo ao Orçamento Geral do Estado.

 

Esta indenização envolve o dano emergente, o lucro cessante e o dano moral sofridos pelo senhor Vidal Segura Hurtado bem como qualquer outra reclamação que pudessem ter os senhores  María Almizar Hurtado Villa e Nelson Segura Preciado, pais do  senhor Vidal Segura Hurtado (falecido),  ou seus familiares, pelo conceito mencionado neste acordo, observando a legislação interna e internacional, com cargo ao Orçamento Geral do Estado, e para cujo efeito a Procuradoria Geral do Estado notificará ao Ministério de Economia e Finanças, a fim de dar cumprimento a esta obrigação.

V. SANÇÃO DOS RESPONSÁVEIS

O Estado Equatoriano compromete-se a proceder ao julgamento civil e penal além da buscar as sanções administrativas das pessoas que, em cumprimento de funções estatais ou imbuídos do poder público, presume-se,  tiveram participação na violação alegada.

A Procuradoria Geral do Estado compromete-se a instar a Ministra Promotora Geral do Estado, órgãos competentes da Função Judicial, bem como os órgãos públicos ou privados competentes para que aportem informação legalmente respaldada que permita estabelecer a responsabilidade de referidas pessoas.  Havendo o julgamento, este será realizado em obediência ao ordenamento constitucional e legal do Estado Equatoriano.

VI. DIREITO DE REGRESSO

O Estado Equatoriano se reserva o Direito de Regresso conforme o Art. 22 da Constituição Política da República do Equador, contra aquelas pessoas que forem declaradas responsáveis pela violação aos direitos humanos mediante sentença definitiva, proferida pelos tribunais do país, ou após a determinação das responsabilidades administrativas, de conformidade com o artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

VII. PAGAMENTO ISENTO DE IMPOSTO 

 

O pagamento que o Estado Equatoriano realizará para a pessoa objeto deste acordo amistoso não está sujeito a impostos atualmente existentes ou que possam ser decretados no futuro.

 

VIII. INFORMAÇÃO

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado compromete-se a informar, a  cada três meses, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude deste acordo amistoso. 

De conformidade com sua prática e as obrigações impostas pela  Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos supervisionará o cumprimento deste acordo.

 

IX. BASE JURÍDICA

 

A indenização compensatória que concede o Estado Equatoriano ao senhor Vidal Segura Hurtado encontra-se prevista nos artigos 22 e 24 da Constituição Política da República do Equador, por violação a normas constitucionais, e demais normas do ordenamento jurídico nacional, bem como as normas da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos.

Este acordo amistoso está baseado no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos e na política do Governo Nacional da República do Equador, de respeito e proteção aos direitos humanos.

X. NOTIFICAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO

 

A senhora María Almizar Hurtado Villa  autoriza expressamente ao Procurador-Geral do Estado, para que este informe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre o presente acordo amistoso, a fim de que esse órgão o homologue e o ratifique em todas suas partes.

XI. ACEITAÇÃO

As partes, que intervierem na subscrição deste acordo, expressam livre e voluntariamente sua conformidade e aceitação com o conteúdo das cláusulas precedentes, deixando constância que desta maneira terminam com a controvérsia sobre a responsabilidade internacional do Estado quanto aos direitos que afetaram o senhor Vidal Segura Hurtado, que tramita perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

          V.          DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO

 

          10.          A Comissão determina que os  acordos de solução transcritos são compatíveis com o que estabelece o artigo 48(1)(f) da Convenção Americana.

 

         

          VI.          CONCLUSÕES

          11.          A Comissão valoriza a celebração de um acordo de solução amistosa nos termos da Convenção Americana em que concorreram o Estado e os peticionários.

 

          12.          A CIDH seguirá acompanhando o cumprimento dos compromissos assumidos por Equador relativo ao julgamento das pessoas implicadas nos fatos alegados.

 

          13.          A CIDH ratifica que a modalidade de solução amistosa contemplada na  Convenção Americana permite o encerramento de casos individuais de forma não contenciosa, e demonstra ser um procedimento importante de solução de supostas violações de direitos humanos em casos relativos a diversos países, e que pode ser utilizado por ambas partes (Peticionário e Estado).

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

          1.          Certificar o cumprimento pelo Estado do pagamento de US$ 30,000 ao peticionário neste caso por conceito de indenização.

 

          2.          Recordar ao Estado que deve dar pleno cumprimento ao acordo de solução amistosa iniciando os processos judiciais contra as pessoas implicadas nas violações alegadas.

 

          3.          Continuar com o  seguimento e a supervisão do cumprimento de cada um dos pontos dos acordos amistosos, e neste contexto, recordar ao Estado, através da Procuradoria- Geral do Estado, de seu compromisso de informar a CIDH, a cada três meses, do cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude destes acordos amistosos.

 

4.          Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 11 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, e Peter Laurie,  Membros da Comissão.

 

         

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* O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da discussão e decisão neste caso, em cumprimento ao artigo 17 do Regulamento da Comissão.