RELATÓRIO No 108/01*

CASO 11.574

WILBERTO SAMUEL MANZANO

EQUADOR

11 de outubro de 2001

 

 
I.          RESUMO

 

          1.          Em 10 de novembro de 1994, a Comissão Ecumênica de Direitos Humanos ("CEDHU”) (doravante denominada  “o peticionário”) apresentou uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou a “CIDH”) contra a República do Equador (doravante denominado “o Estado”) na qual denunciava a violação dos seguintes direitos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”): direito à vida (artigo 4), garantias judiciais (artigo 8) e direito à proteção judicial (artigo 25), em conjunção com as obrigações que figuram no artigo 1(1) em prejuízo do senhor  Wilberto Samuel Manzano.

 

          2.          As partes chegaram a um Acordo de Solução Amistosa no presente caso em 15 de agosto de 2001. O presente relatório consolida, em uma breve exposição, os fatos e os textos da solução amistosa alcançada, de conformidade com o artigo 49 da Convenção. 

 

          II.           FATOS

 

3.          Em 11 de maio de 1991, no Recinto Gastronômico da Paróquia Rosa Zárate del Cantón Quinidé, Província de Esmeraldas, Wilberto Samuel Manzano foi ferido por um disparo de arma de fogo quando se encontrava em uma quadra de vôlei participando de uma assembléia popular.  O peticionário presume que foram policiais à paisana quem efetuaram os disparos e o detiveram sem apresentar ordem judicial.  Em seguida , foi levado ao destacamento policial da União e depois conduzido ao Hospital de Quinidé aonde veio a falecer. Segundo a denúncia, a autópsia determinou que a morte foi produzida por uma parada cardíaca ocasionada pela ferida que sofreu no glúteo.

 

4.          Os familiares e pessoas que viram o cadáver constataram a existência de hematomas na cabeça e no tórax, motivo pelo qual presumem que Wilberto Samuel Manzano tenha sido torturado enquanto estava ferido. O relatório policial constava que Wilberto Samuel Manzano como delinquente perigoso e que os policiais  portavam um mandado de captura contra ele por suspeita de roubo a fim de legalizar e fundamentar a detenção.  A denúncia presume que os responsáveis pela morte de Wilberto Samuel Manzano foram Santiago Moreira Atahualpa, Wilson Kléyer Albán Rodríguez e José Muñoz Quintanilla, todos policiais rurais.  Foi iniciado um processo perante o 2º Juízo da Primeira Corte Distrital da Polícia Nacional.

 

5.          Em 22 de maio de 1995,  o 2a Juiz da Primeira Corte Distrital da Polícia Nacional decidiu pelo impronúncia definitiva a favor dos acusados da morte de Wilberto Samuel Manzano.  A impronúncia foi apelada pela acusação particular em 23 de maio; porém, a Corte Distrital de Polícia em 29 de setembro de 1995 ratificou impronúncia, situação que pôs fim as ações jurídicas para punir o homicídio de Wilberto Samuel Manzano. Segundo o peticionário e o promotor, as resoluções do Juiz de Polícia e da Corte Distrital foram parciais em favor dos policiais acusados.  Alega que no processo não foram tomados em conta os depoimentos de testemunhas importantes, pelo contrário, os juizes fundamentaram suas decisões com base na atuação da polícia.

 

          6.          O peticionário afirma que no processo penal não foi demonstrado que houve intenção pelos acusados de matar a Wilberto Manzano; mas este havia falecido, e que é inconcebível que a polícia tenha a faculdade de utilizar arma de fogo como meio para evitar a fuga do detido, como ocorreu neste caso.   Indica que os juízes não consideraram a aplicação dos artigos 235 e 236 do Código Penal Policial que pune o homicídio não intencional. 

 

          III.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

          7.          Em 10 de novembro de 1994 a Comissão recebeu a denúncia e em 13 de junho de 1995 enviou as respectivas notas ao Estado e ao peticionário.  Em 21 de agosto de 1995 o Governo do Equador apresentou sua resposta à denúncia.  Em 29 de abril de 1998 a Comissão colocou-se à disposição das partes com a finalidade de alcançar uma solução amistosa.  Em 4 de fevereiro de 1999 o peticionário aceitou a possibilidade de chegar a um acordo de solução amistosa, o qual firmado em 15 de agosto de 2001, e contou com a presença da doutora Marta Altolaguirre, membro da CIDH e Relatora para Equador, quem havia viajado a Quito para facilitar o acordo.  As partes pediram a Comissão que ratificasse o  presente acordo de solução amistosa e supervisionasse o seu cumprimento.

 

 

          IV.          SOLUÇÃO AMISTOSA ALCANÇADA         

 

          8.          O Acordo de Solução Amistosa firmado pelas partes assinala:

 

I.            ANTECEDENTES

 

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado, no seu afã de  promover e proteger os direitos humanos e, em vista da grande importância que reviste na atualidade para a imagem internacional de nosso país, o respeito irrestrito aos direitos humanos, como base de uma sociedade justa, digna, democrática e representativa, resolveu começar um novo processo dentro da evolução dos direitos humanos no Equador.

 

A Procuradoria Geral do Estado iniciou, com todas as pessoas que foram  vítimas de violações de direitos humanos, negociações tendentes a chegar a soluções amistosas que busquem a reparação dos danos causados.

O Estado Equatoriano, em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos de direito internacional de direitos humanos, e consciente de que toda violação a uma obrigação internacional que tenha produzido um dano comporta no dever de repará-lo adequadamente, constituindo a indenização pecuniária  e a sanção penal dos responsáveis as formas mais justas e eqüitativas de fazê-lo, de modo que a Procuradoria Geral do Estado conjuntamente com a irmã Elsie Hope Monge Yoder, em representação das senhoras Maria Eloisa Aguiar de Manzano, mãe, Teresa Olivia Izurieta Villegas, viúva do senhor Wilberto Samuel Manzano Aguiar, resolveram chegar a uma solução amistosa de conformidade com o disposto nos artigos 48.1 lit (f), 49, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 45 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

II. PARTICIPANTES

Comparecem à celebração do presente acordo amistoso:

 

a) Por uma parte, o Dr. Ramón Jiménez Carbo, Procurador-Geral do Estado, segundo o sua nomeação e ata de posse, que se anexa a  presente como documentos de habilitação;

b) Por outra parte comparece a senhora Elsie Hope Monge Yoder, com cédula de identidade número 090509576-6, em representação das senhoras Maria Eloisa Aguiar de Manzano, mãe, e Teresa Olivia Izurieta Villegas, viúva do senhor Wilberto Samuel Manzano Aguiar, mediante poder especial outorgado perante a Quarta Escrivã Pública de Cantón Esmeraldas, que são anexados a presente como documentos de habilitação .

 

            III.            RESPONSABILIDADE DO ESTADO

 

O Estado Equatoriano reconhece sua responsabilidade internacional por ter violado os direitos humanos de Wilberto Samuel Manzano Aguiar, reconhecidos nos Artigos 4 (Direito à Vida),  Artigo 8 (Garantias Judiciais), e Artigo 25 (Proteção Judicial),  em conjunção com a obrigação geral contida no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais, sendo mencionadas violações cometidas por agentes do Estado, fato que não pôde ser controvertido pelo  Estado e gerou a responsabilidade deste frente a sociedade.

 

Tendo em vista estes antecedentes o Estado Equatoriano reconhece os fatos constitutivos do Caso Nº 11.574, que se encontra em trâmite perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e se obriga a assumir  medidas reparadoras necessárias a fim de ressarcir os prejuízos ocasionados as vítimas de tais violações ou a seus familiares.

IV. INDENIZAÇÃO

O Estado Equatoriano, por intermédio do Procurador-Geral do Estado, como único representante judicial do Estado Equatoriano de acordo com o Art. 215 da Constituição Política da República do Equador, promulgada no Registro Oficial Nº 1, vigente desde 11 de Agosto de 1998, entrega a irmã Elsie Hope Monge Yoder, com cédula de identidade número 090509576-6, em representação das senhoras  Maria Eloisa Aguiar de Manzano, mãe, Teresa Olivia Izurieta Villegas, viúva do senhor Wilberto Samuel Manzano Aguiar, mediante poder especial outorgado perante Quarta Escrivã Pública de Cantón Esmeraldas, uma indenização compensatória em uma só parcela, de trinta mil dólares dos Estados Unidos da América (US$ 30,000.00), com cargo ao Orçamento Geral do Estado.

 

Esta indenização envolve o dano emergente, o lucro cessante e o dano moral sofridos pelo senhor Wilberto Samuel Manzano Aguiar bem como qualquer outra reclamação que pudessem ter  Maria Eloisa Aguiar de Manzano, mãe, Teresa Olivia Izurieta Villegas, viúva do senhor  Wilberto Samuel Manzano Aguiar ou seus familiares, pelo conceito mencionado neste acordo, observando a legislação interna e internacional, com cargo ao Orçamento Geral do Estado, e para cujo efeito a Procuradoria Geral do Estado notificará ao Ministério de Economia e Finanças, a fim de dar cumprimento a esta obrigação.

V. SANÇÃO DOS RESPONSÁVEIS

O Estado Equatoriano compromete-se a proceder ao julgamento civil e penal além da buscar as sanções administrativas das pessoas que, em cumprimento de funções estatais ou imbuídos do poder público, presume-se,  tiveram participação na violação alegada.

A Procuradoria Geral do Estado compromete-se a instar a Ministra Promotora Geral do Estado, órgãos competentes da Função Judicial, bem como os órgãos públicos ou privados competentes para que aportem informação legalmente respaldada que permita estabelecer a responsabilidade de referidas pessoas.  Havendo o julgamento, este será realizado em obediência ao ordenamento constitucional e legal do Estado Equatoriano.

VI. DIREITO DE REGRESSO

O Estado Equatoriano se reserva o Direito de Repetição conforme o Art. 22 da Constituição Política da República do Equador, contra aquelas pessoas que resultem responsáveis pela violação aos direitos humanos mediante sentença definitiva, proferida pelos tribunais do país, ou após a determinação das responsabilidades administrativas, de conformidade com o artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

VII. PAGAMENTO ISENTO DE IMPOSTO 

 

O pagamento que o Estado Equatoriano realizará para a pessoa objeto deste acordo amistoso não está sujeito a impostos atualmente existentes ou que possam ser decretados no futuro.

VIII. INFORMAÇÃO

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado compromete-se a informar, a  cada três meses, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude deste acordo amistoso. 

De conformidade com sua prática e as obrigações impostas pela  Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos supervisionará o cumprimento deste acordo.

 

IX. BASE JURÍDICA

 

A indenização compensatória que concede o Estado Equatoriano ao senhor Wilberto Samuel Manzano Aguiar encontra-se prevista nos artigos 22 e 24 da Constituição Política da República do Equador, por violação a normas constitucionais, e demais normas do ordenamento jurídico nacional, bem como as normas da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos.

Este acordo amistoso está baseado no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos e na política do Governo Nacional da República do Equador, de respeito e proteção aos direitos humanos.

X. NOTIFICAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO

 

A irmã Elsie Hope Monge Yoder  autoriza expressamente ao Procurador-Geral do Estado, para que este informe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre o presente acordo amistoso, a fim de que esse órgão o homologue e o ratifique em todas suas partes.

XI. ACEITAÇÃO

As partes, que intervierem na subscrição deste acordo, expressam livre e voluntariamente sua conformidade e aceitação com o conteúdo das cláusulas precedentes, deixando constância que desta maneira terminam com a controvérsia sobre a responsabilidade internacional do Estado quanto aos direitos que afetaram o senhor Wilberto Samuel Manzano Aguiar, que tramita perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

          V.          DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO

 

          9.          A Comissão determina que os  acordos de solução transcritos são compatíveis com o que estabelece o artigo 48(1)(f) da Convenção Americana. 

         

          VI.          CONCLUSÕES

          10.          A Comissão valoriza a celebração de um acordo de solução amistosa nos termos da Convenção Americana em que concorreram o Estado e os peticionários.

 

          11.          A CIDH seguirá acompanhando o cumprimento dos compromissos assumidos por Equador relativo ao julgamento das pessoas implicadas nos fatos alegados.

 

          12.          A CIDH ratifica que a modalidade de solução amistosa contemplada na  Convenção Americana permite o encerramento de casos individuais de forma não contenciosa, e demonstra ser um procedimento importante de solução de supostas violações de direitos humanos em casos relativos a diversos países, e que pode ser utilizado por ambas partes (Peticionário e Estado).

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

          1.    Certificar o cumprimento pelo Estado do pagamento de US$ 30,000 ao peticionário neste caso por conceito de indenização.

 

          2.    Recordar ao Estado que deve dar pleno cumprimento ao acordo de solução amistosa iniciando os processos judiciais contra as pessoas implicadas nas violações alegadas.

 

          3.    Continuar com o  seguimento e a supervisão do cumprimento de cada um dos pontos dos acordos amistosos, e neste contexto, recordar ao Estado, através da Procuradoria- Geral do Estado, de seu compromisso de informar a CIDH, a cada três meses, do cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude destes acordos amistosos.

 

4.    Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 11 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, e Peter Laurie,  Membros da Comissão.

 

 

[ Indice | Anterior | Próxima ]



* O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da discussão e decisão neste caso, em cumprimento ao artigo 17 do Regulamento da Comissão.