RELATÓRIO No 106/01*

CASO 11.450

MARCO VINICIO ALMEIDA CALISPA

EQUADOR

11 de outubro de 2001

 

 

          I.          RESUMO

 

1.                 Em 8 de novembro de 1994 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada  “a Comissão” ou “a CIDH”), recebeu uma denúncia sobre a violação dos direitos protegidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”) por parte da República do Equador (doravante denominada “o Estado” ou “Equador”) em prejuízo do senhor Marco Vinicio Almeida Calispa, falecido, representado pela Comissão Ecumênica de Direitos Humanos (CEDHU, doravante denominada “o peticionário”).  A petição alega violação dos artigos 4 (direito à vida), 5 (integridade pessoal), e 8 (garantias judiciais), em conjunção com o artigo 1(1) da Convenção Americana.

 

2.                 O peticionário informa que em 31 de maio de 1988, o senhor Almeida foi detido pela polícia na cidade de Quito, sob suspeita de roubo. O peticionário alega que a polícia equatoriana, durante os interrogatórios realizados pelo Serviço de Investigação Criminal de Pichincha, empregou procedimentos investigativos desumanos e ilegais que causaram a  morte do senhor Almeida.  O peticionário também manifesta que o sistema judicial equatoriano foi negligente ao tratar o caso, incorrendo em erros processuais que culminaram com a absolvição dos acusados.  O Estado nega que a morte do Sr. Almeida ocorreu devido à ação da polícia.

 

          3.          Em 22 de fevereiro de 2001, a Comissão declarou admissível esta petição.

 

          4.          As partes conseguiram chegar a um Acordo de Solução Amistosa no presente caso em 15 de agosto de 2001. O presente relatório consolida, em uma breve exposição, os fatos e os textos da solução amistosa alcançada, de conformidade com o artigo 49 da Convenção.  

 

          II.           FATOS

 

5.          A morte do Sr. Marco Almeida por asfixia ocorreu em 2 de fevereiro de 1988 durante os interrogatórios policiais realizados no   SIC-P[1].  O Tenente Juan Sosa Mosquera e os detetives Víctor e Manuel Soto Betancourt foram denunciados como responsáveis pela custódia de Marco Almeida quando este morreu. O 1º Juízo Penal de Pichincha iniciou o processo penal correspondente, e ordenou a detenção dos agentes; porém, mencionada ordem não foi acatada. Em 14 de setembro de 1988 deu-se início ao processo indagatório no 1º Juízo do 1º Distrito da Polícia, que acarretou a prevenção da competência do Juiz da jurisdição penal ordinária para o foro especial dos denunciados.  Posteriormente, o caso passou para a  Corte Suprema, onde esteve paralisado por 2 anos e somente em  10 de fevereiro de 1992 a Corte resolveu o conflito de competência em favor do Juiz 1º do 1º Distrito de Polícia.  Em agosto de 1993 no processo indagatório foi proferida denúncia do promotor contra os agentes de polícia Víctor Abraham Soto Betancourt e Manuel Benigno Soto Betancourt.  Entretanto, em 1994, depois de 6 anos do início do processo, ainda não havia sido proferida uma sentença.

 

          III.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.          A denúncia foi apresentada a Comissão em 8 novembro de 1995. Em 27 de março de 1996 foi enviado ao Governo equatoriano o conteúdo da denúncia sobre os fatos ocorridos com Marco Vinicio Almeida.  Em 10 de julho de 1996, a CIDH reiterou o pedido ao governo para prover informação sobre os fatos mencionados na denúncia num prazo de 30 dias.  Em 3 de agosto de 1995, o Estado respondeu que não contava com os elementos necessários para emitir uma resposta no presente caso.  A CIDH reiterou o pedido de informação ao Estado novamente em 11 de agosto de 1995.  Em 18 de setembro de 1995, o Estado proporcionou sua primeira resposta.  O trâmite continuou com a transmissão da informação e observações entre as partes.

 

          7.          Em 5 de maio de 1999 a Comissão colocou-se à disposição das partes com o propósito de alcançar uma solução amistosa. O peticionário aceitou a possibilidade de chegar a um acordo de solução amistosa em 11 de maio de 1999, o qual foi assinado em 15 de agosto de 2001, e contou com a presença da doutora Marta Altolaguirre, membro da CIDH e Relatora para Equador, quem havia viajado a Quito para facilitar o acordo.  As partes pediram a Comissão que ratificasse o  presente acordo de solução amistosa e supervisionasse o seu cumprimento.

 

          IV.          SOLUÇÃO AMISTOSA ALCANÇADA         

 

          8.            O Acordo de Solução Amistosa firmado pelas partes assinala:

 

I.            ANTECEDENTES

 

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado, no seu afã de  promover e proteger os direitos humanos e, em vista da grande importância que reviste na atualidade para a imagem internacional de nosso país, o respeito irrestrito aos direitos humanos, como base de uma sociedade justa, digna, democrática e representativa, resolveu começar um novo processo dentro da evolução dos direitos humanos no Equador.

 

A Procuradoria Geral do Estado iniciou, com todas as pessoas que foram  vítimas de violações de direitos humanos, negociações tendentes a chegar a soluções amistosas que busquem a reparação dos danos causados.

O Estado Equatoriano, em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos de direito internacional de direitos humanos, e consciente de que toda violação a uma obrigação internacional que tenha produzido um dano comporta no dever de repará-lo adequadamente, constituindo a indenização pecuniária  e a sanção penal dos responsáveis às formas mais justas e eqüitativas de fazê-lo, de modo que a Procuradoria Geral do Estado conjuntamente com os Srs Sonia del Rosario Arauz Olmedo e Jaime Andrés Almeida Arauz, viúva e filho do Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa (falecido), resolveram chegar a uma solução amistosa de conformidade com o disposto nos artigos 48.1 lit (f), 49, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 45 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

II. PARTICIPANTES

Comparecem à celebração do presente acordo amistoso:

 

a) Por uma parte, o Dr. Ramón Jiménez Carbo, Procurador-Geral do Estado, segundo a sua nomeação e ata de posse, que se anexa a  presente como documentos de habilitação;

b) Por outra parte comparece o Sr. Segundo José Arauz Maldonado, com cédula de identidade número 170034937-4, pai e avô de Sonia del Rosario Arauz Olmedo e Jaime Andrés Almeida Arauz, respectivamente, e o sogro do Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa, falecido.

 

            III.            RESPONSABILIDADE DO ESTADO

 

O Estado Equatoriano reconhece sua responsabilidade internacional por ter violado os direitos humanos do Sr. Marco Vinicio Almeida Calipsa, reconhecidos nos Artigos 4 (Direito à Vida),  Artigo 8 (Garantias Judiciais), Artigo 5 (Direito à Integridade Pessoal) Artigo 7 (Direito à Liberdade pessoa) e Artigo 25 (Proteção Judicial), em conjunção com a obrigação geral contida no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais, sendo mencionadas violações cometidas por agentes do Estado, fato que não pôde ser controvertido pelo  Estado e gerou a responsabilidade deste frente à sociedade.

 

Tendo em vista estes antecedentes o Estado Equatoriano reconhece os fatos constitutivos do Caso Nº 11.450, que se encontra em trâmite perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e se obriga a assumir  medidas reparadoras necessárias a fim de ressarcir os prejuízos ocasionados às vítimas de tais violações ou a seus familiares.

IV. INDENIZAÇÃO

O Estado Equatoriano, por intermédio do Procurador-Geral do Estado, como único representante judicial do Estado Equatoriano de acordo com o Art. 215 da Constituição Política da República do Equador, promulgada no Registro Oficial Nº 1, vigente desde 11 de Agosto de 1998, entrega ao Sr. Segundo José Arauz Maldonado, com cédula de identidade número 170034937-4, sogro do Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa, falecido, em representação dos Srs Sonia del Rosario Arauz Olmedo e Jaime Andrés Almeida Arauz, viúva e filho do Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa, falecido, uma indenização compensatória em uma parcela, de trinta mil dólares dos Estados Unidos da América (US$ 30,000.00), com cargo ao Orçamento Geral do Estado.

 

Esta indenização envolve o dano emergente, o lucro cessante e o dano moral sofridos pelo senhor Washington Ayora Rodirguez bem como qualquer outra reclamação que pudessem ter os Sr.es Segundo José Arauz Maldonado, Sonia del Rosario Arauz Olmedo e Jaime Andrés Almeida Arauz, sogro, viúva e filho do Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa, (falecido) ou seus familiares, pelo conceito mencionado neste acordo, observando a legislação interna e internacional, com cargo ao Orçamento Geral do Estado, e para cujo efeito a Procuradoria Geral do Estado notificará ao Ministério de Economia e Finanças, a fim de dar cumprimento a esta obrigação.

V. SANÇÃO DOS RESPONSÁVEIS

O Estado Equatoriano compromete-se a proceder ao julgamento civil e penal além da buscar as sanções administrativas das pessoas que, em cumprimento de funções estatais ou imbuídos do poder público, presume-se,  tiveram participação na violação alegada.

A Procuradoria Geral do Estado compromete-se a instar a Ministra Promotora Geral do Estado, órgãos competentes da Função Judicial, bem como os órgãos públicos ou privados competentes para que aportem informação legalmente respaldada que permita estabelecer a responsabilidade das referidas pessoas.  Havendo o julgamento, este será realizado em obediência ao ordenamento constitucional e legal do Estado Equatoriano.

VI. DIREITO DE REGRESSO

O Estado Equatoriano se reserva o Direito de Regresso conforme o Art. 22 da Constituição Política da República do Equador, contra aquelas pessoas que forem declaradas responsáveis pela violação aos direitos humanos mediante sentença definitiva, proferida pelos tribunais do país, ou após a determinação das responsabilidades administrativas, de conformidade com o artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

VII. PAGAMENTO ISENTO DE IMPOSTO 

 

O pagamento que o Estado Equatoriano realizará para a pessoa objeto deste acordo amistoso não está sujeito a impostos atualmente existentes ou que possam ser decretados no futuro.

VIII. INFORMAÇÃO

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado compromete-se a informar, a  cada três meses, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude deste acordo amistoso. 

De conformidade com sua prática e as obrigações impostas pela  Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos supervisionará o cumprimento deste acordo.

 

IX. BASE JURÍDICA

 

A indenização compensatória que concede o Estado Equatoriano ao senhor Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa encontra-se prevista nos artigos 22 e 24 da Constituição Política da República do Equador, por violação a normas constitucionais, e demais normas do ordenamento jurídico nacional, bem como as normas da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos.

Este acordo amistoso está baseado no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos e na política do Governo Nacional da República do Equador, de respeito e proteção aos direitos humanos.

X. NOTIFICAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO

 

 Os Srs Segundo José Arauz Maldonado, Sonia del Rosario Arauz Olmedo e Jaime Andrés Almeida Arauz, sogro, viúva e filho do Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa, (falecido) autorizam expressamente ao Procurador-Geral do Estado, para que este informe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre o presente acordo amistoso, a fim de que esse órgão o homologue e o ratifique em todas suas partes.

XI. ACEITAÇÃO

As partes, que intervierem na subscrição deste acordo, expressam livre e voluntariamente sua conformidade e aceitação com o conteúdo das cláusulas precedentes, deixando constância que desta maneira terminam com a controvérsia sobre a responsabilidade internacional do Estado quanto aos direitos que afetaram o senhor Sr. Marco Vinicio Almeida Calispa , que tramita perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

          V.          DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO

 

          9.          A Comissão determina que os  acordos de solução transcritos são compatíveis com o que estabelece o artigo 48(1)(f) da Convenção Americana.

 

          VI.          CONCLUSÕES

          10.          A Comissão valoriza a celebração de um acordo de solução amistosa nos termos da Convenção Americana em que concorreram o Estado e os peticionários.

 

          11.          A CIDH seguirá acompanhando o cumprimento dos compromissos assumidos por Equador relativo ao julgamento das pessoas implicadas nos fatos alegados.

 

          12.          A CIDH ratifica que a modalidade de solução amistosa contemplada na  Convenção Americana permite o encerramento de casos individuais de forma não contenciosa, e demonstra ser um procedimento importante de solução de supostas violações de direitos humanos em casos relativos a diversos países, e que pode ser utilizado por ambas partes (Peticionário e Estado).

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

          1.          Certificar o cumprimento pelo Estado do pagamento de US$ 30,000 ao peticionário neste caso por conceito de indenização.

 

          2.          Recordar ao Estado que deve dar pleno cumprimento ao acordo de solução amistosa iniciando os processos judiciais contra as pessoas implicadas nas violações alegadas.

 

          3.          Continuar com o  seguimento e a supervisão do cumprimento de cada um dos pontos dos acordos amistosos, e neste contexto, recordar ao Estado, através da Procuradoria- Geral do Estado, de seu compromisso de informar a CIDH, a cada três meses, do cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude destes acordos amistosos.

 

4.          Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 11 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, e Peter Laurie,  Membros da Comissão.

 

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* O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da discussão e decisão neste caso, em cumprimento ao artigo 17 do Regulamento da Comissão.

[1] SIC-P, Serviço de Investigação Criminal de Pichincha.