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RELATÓRIO
Nº 128/01 CASO
12.367 MAURICIO
HERRERA ULLOA E FERNÁN VARGAS ROHRMOSER DO
JORNAL “A NAÇÃO” COSTA
RICA I.
RESUMO 1.
Em 28 de fevereiro de 2001, os senhores Fernando Lincoln Guier
Esquivel, Carlos Ayala Corao, Mauricio Herrera Ulloa e Fernán Vargas
Rohrmoser (doravante denominados “os peticionários”) apresentaram uma
denúncia perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante
denominada “a Comissão”, a “Comissão Interamericana” ou “CIDH”),
contra a República de Costa Rica (doravante denominada “o Estado”,
“Costa Rica”, “o Estado costarriquense” ou “o Estado de Costa
Rica”) na qual alega que o Estado costarriquense violou a liberdade de
expressão e os direitos protegidos pelos artigos 1, 2, 8, 13, 24, 25 e 29
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos contra o jornalista
Mauricio Herrera Ulloa, e Fernán Vargas Rohrmoser na sua qualidade de
representante legal do Jornal “A Nação” (doravante denominados ”as
supostas vítimas”). 2.
O senhor Mauricio Herrera Ulloa e o Jornal “A Nação”,
representado por Fernán Vargas Rohrmoser, foram condenados judicialmente
por certas publicações realizadas sobre o diplomata Féliz Przedborski,
a quem foram imputados vários atos ilícitos no estrangeiro. Frente a
Ordem de Execução da citada sentença condenatória, emitida pela justiça
costarriquense, os peticionários solicitaram à Comissão que solicitasse
medidas cautelares ao Estado. Estas medidas foram requeridas pela Comissão;
não obstante, o Estado de Costa Rica recusou-se a cumpri-las, motivo pelo
qual a CIDH solicitou medidas provisórias perante a Corte Interamericana
de Direitos Humanos (doravante denominada “a Corte” ou “a Corte
Interamericana”), que foram concedidas em 7 de setembro de 2001. 3.
O Estado apresentou, inter
alia, argumentos sobre a aplicação de legítimas restrições a
liberdade de expressão, e sobre a falta de legitimidade processual das
partes, e ainda pediu a Comissão que se declarasse incompetente para
conhecer o presente caso. 4.
Com base na análise dos argumentos apresentados por ambas partes,
a Comissão decide admitir o caso e prosseguir com a análise de mérito. II. TRÂMITE
PERANTE A COMISSÃO
5.
A petição e solicitação de medidas cautelares foram recebidas
na Comissão em 1º de março de 2001. A Comissão abriu o caso sob o número
12.367, transmitiu as partes pertinentes da petição ao Estado, e lhe
solicitou que concedesse as seguintes medidas cautelares: suspender a
execução da sentença até que a Comissão tivesse examinado o caso e
adotado uma decisão sobre o fundo da mesma; abster-se de incluir o
jornalista Mauricio Herrera Ulloa no Registro Judicial de Delinquentes da
Costa Rica e abster-se de realizar qualquer ato que afetasse seu direito
à liberdade de expressão. 6.
A solicitação de medidas cautelares foi transmitida ao Estado, e
lhe foi outorgado um prazo de 15 dias para informar a Comissão sobre as ações
concretas adotadas para cumprir com referida solicitação. Em 19 de março
de 2001, a Comissão recebeu a resposta do Estado, na qual este solicitou
uma prorrogação do prazo concedido pela CIDH para apresentar informação.
A Comissão concordou em prorrogar referido prazo até 3 de abril
de 2001. Em 23 de março, os
peticionários enviaram informação adicional. 7.
Em 29 de março de 2001, a Comissão recebeu uma comunicação do
Estado em que informava que a Secretaria da Corte Suprema de Justiça
havia decidido não adotar as medidas cautelares solicitadas pela Comissão,
porque esta não tinha competência para ordená-las. 8.
Em 21 de março de 2001, os peticionários solicitaram a Comissão
que se colocasse à disposição das partes a fim de chegar a uma solução
amistosa. A Comissão convocou as partes para uma reunião no dia 30 de
março para determinar se ambas estariam dispostas a buscar uma solução
amistosa do assunto. Citada reunião foi postergada por solicitação do
Estado, até 23 de abril, e posteriormente, por solicitação de ambas as
partes, até 4 de maio, data na qual a reunião foi levada a cabo. 9.
Em 24 de março de 2001, o Dr. Pedro Nikken solicitou sua incorporação
ao caso na qualidade de peticionário. 10.
Em 23 de março de 2001, os peticionários solicitaram a Comissão
que elevasse a Corte Interamericana de Direitos Humanos uma solicitação
de medidas provisórias ou na hipótese em que a Corte não estivesse em
seu período de sessões, de medidas urgentes ao Presidente desta. 11.
Mediante comunicação de 28 de março de 2001, a Comissão decidiu
solicitar medidas provisórias a Corte tendo em vista que as medidas
cautelares solicitadas por ela em favor dos peticionários haviam sido
ineficazes. O senhor
Presidente da Corte, Antonio Cançado Trindade, mediante resolução
datada de 6 de abril de 2001, outorgou o prazo até 12 de maio do mesmo
ano a CIDH e a Costa Rica para que apresentasse informação sobre a urgência
e gravidade da situação, a probabilidade de dano irreparável para as vítimas
e às implicações que a decisão sobre medidas provisórias pudesse ter
sobre o mérito do caso. Ao mesmo tempo, convocou as partes para audiência
a ser celebrada no dia 22 de maio e requereu ao Estado manter o status
quo da situação. Em 10 de maio de 2001, a Comissão apresentou a
informação requerida. O Estado costarriquense solicitou uma prorrogação
até 16 de maio para apresentar a informação requerida pela Corte e, uma
vez outorgada a extensão do prazo, encaminhou a mesma dentro do prazo
concedido. 12.
Após a citada audiência, a Corte, mediante resolução de 23 de
maio de 2001, outorgou prazo até 16 de agosto ao Estado costarriquense
para apresentar um relatório sobre as opções que oferecia a legislação
interna de Costa Rica para evitar ou remediar o dano em questão, e
solicitou ao Estado que se abstivera de realizar qualquer ação que
alterasse o status quo da situação.
Este relatório foi remetido pelo Estado a Corte, a qual transmitiu
o mesmo em 17 de agosto, outorgando prazo até 23 de agosto para que a
Comissão apresentasse suas observações a respeito.
A Comissão apresentou suas observações em 24 de agosto de 2001,
dentro do prazo adicional concedido pelo Presidente da Corte. 13.
Em seguida, a Secretaria da Corte requereu informação adicional
ao Estado, a qual foi remetida em 31 de agosto de 2001. Em 1º de setembro
de 2001, a Comissão apresentou suas observações a esta comunicação.
Em 7 de setembro, a Corte Interamericana resolveu outorgar as medidas
provisórias solicitadas pela Comissão e requereu a Costa Rica que
suspendesse a inscrição do senhor Mauricio Herrera Ulloa no Registro
Judicial de Delinquentes, e a ordem de publicação da parte dispositiva
da sentença e a determinação da relação entre os artigos e esta,
enquanto o caso não fosse resolvido de maneira definitiva pelo sistema
interamericano. 14.
Em 23 de abril de 2001, o senhor Féliz Przedborski Chawa solicitou
que a Comissão e a Corte ouvissem seus advogados, a fim de que estes
explicassem porque a sentença editada contra os peticionários não viola
a liberdade de expressão destes e porque não se podem confundir os
delitos contra a honra e o delito de desacato no direito penal
costarriquense. A Comissão solicitou a Corte que rejeitara in limine a petição do senhor Przedborski de interferir no caso
por contrariar a prática e a jurisprudência do sistema interamericano,
entre outras razões. 15.
Em 30 de março, a Comissão recebeu uma comunicação ampliadora
da petição inicial pelos peticionários. Em 16 de abril, a Comissão
transmitiu as partes pertinentes desta comunicação ao Estado e lhe
outorgou em prazo de 90 dias para encaminhar sua resposta. Em 13 de julho
foi concedida uma prorrogação de um mês a Costa Rica, a qual remeteu
sua resposta em 13 de agosto de 2001, pronunciando-se sobre a petição
original bem como sobre a comunicação de ampliação. 16.
Em 16 de novembro foi realizada uma audiência entre as partes
perante a CIDH na qual ambas pronunciaram-se sobre a admissibilidade da
petição. Os peticionários solicitaram que fosse declarada admissível a
petição e emitido o respectivo relatório de admissibilidade de acordo
com o artigo 37 de seu Regulamento, enquanto o Estado solicitou a Comissão
que declarasse inadmissível o caso por carecer de competência ratione
pessoae, por causa da falta de esgotamento dos recursos internos e por
falta de caracterização de fatos violatórios à Convenção. A Comissão
solicitou ao Estado de Costa Rica que enviasse por escrito sua resposta a
algumas perguntas que foram suscitadas durante a audiência, devido a
falta do comparecimento de um representante da Procuradoria Geral da República. 17.
Em 30 de novembro de 2001, o Estado encaminhou a Comissão uma
comunicação apresentando seus últimos comentários sobre a
admissibilidade da denúncia e as respostas as perguntas dos Membros da
Comissão que surgiram durante a audiência realizada em 16 de novembro de
2001. III.
POSIÇÃO DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE a.
Posição dos peticionários 18.
Os peticionários alegam que a petição reúne todos os requisitos
para ser admitida pela Comissão. 19.
O jornalista Mauricio Herrera Ulloa escreveu dois artigos
publicados pelo Jornal “A Nação”, relacionados com o diplomata Féliz
Przedborski, representante ad
honorem de Costa Rica na Organização Internacional de Energia Atômica
com sede na Áustria. Nestes artigos fazia referência a várias
reportagens da imprensa escrita belga que lhe atribuíam vínculos com
fatos ilícitos graves como narcotráfico, fraude fiscal e falência
fraudulenta, entre outros. Os artigos vinculavam-no igualmente com políticos
costarriquenses e questionavam sua idoneidade como funcionário público. 20.
O mencionado diplomata interpôs ação penal e ação civil de
indenização perante os tribunais costarriquenses, que foi resolvida
mediante decisão de 12 de novembro de 1999. A parte resolutória da
referida sentença declarou que Mauricio Herrera Ulloa autor responsável
de quatro delitos de publicação de ofensas na modalidade de difamação,
sancionando-o com 120 dias de multa (300,000 colóns) e o jornal “A Nação”, representado legalmente por
Fernán Vargas Rohrmoser, ao pagamento de sessenta milhões de colóns
pelo conceito de dano moral causado pelas publicações de 19, 20, 21 de
maio e 13 de dezembro de 1995, mais cinco mil colóns por custas
processuais e três milhões oitocentos e dez mil colóns por custas
pessoais. Outrossim, a sentença ordenou retirar da edição Internet do
Jornal “A Nação” os detalhes sobre o caso e estabelecer um vínculo
entre estes e a parte dispositiva da sentença. Também ordenou a publicação
da citada sentença, a ser efetuada expressamente pelo jornalista Mauricio
Herrera Ulloa. No dia 27 de fevereiro de 2001, o Tribunal Penal do
Primeiro Circuito Judicial de San José ordenou a execução da sentença,
frente a qual os peticionários solicitaram medidas cautelares a Comissão.
21.
Os peticionários argumentam que o Poder Judicial costarriquense
violou os direitos estipulados nos artigos 1, 2, 8, 13, 24, 25 e 29 da
Convenção, limitando a liberdade de expressão das supostas vítimas, o
que acarretava a responsabilidade internacional do Estado costarriquense.
Alegam igualmente os peticionários que a legislação penal
costarriquense restringe as liberdades individuais por conter leis de
desacato ou “delitos contra a honra”, em que pode incorrer qualquer
pessoa ao ameaçar ou afetar a quem exerça funções públicas. Aduzem
que a instituição da exceptio
veritatis é também uma restrição às liberdades individuais, que
exime de culpabilidade a pessoa imputada de difamação ou injúria, ao
demonstrar a veracidade dos fatos. 22.
Os peticionários alegam que houve violações do devido processo
legal e das garantias judiciais, devido ao fato de que a terceira instância
não revisou o mérito da decisão condenatória, pela inexistência de
imparcialidade por parte dos juízes e pela violação do princípio de non
reformatio in pejus. Aduzem que a proibição judicial de manter
informação na Internet, bem como a ordem de estabelecer outros,
constitui censura judicial, o que viola a Convenção Americana. 23.
Com relação à admissibilidade, os peticionários indicam que a
Comissão tem competência ratione
loci, ratione materiae, ratione tempori e ratione pessoae para
conhecer a petição. A respeito da competência ratione
pessoae, alegam que existe legitimidade ativa e legitimidade passiva
na presente denúncia. A legitimidade ativa reside no fato de que a petição
identifica como vítimas a duas pessoas humanas. As vítimas identificadas
foram Mauricio Herrera Ulloa e Fernán Vargas Rohrmoser, do Jornal “A Nação”.
Alegam que o senhor Rohrmoser tem caráter de vítima por ser destinatário
da ordem de execução da sentença, e porque recaem nele os efeitos da não
execução da decisão, tendo em vista que em 3 de abril a Corte
costarriquense emitiu uma resolução mediante a qual lhe intimava a dar
cumprimento a sentença e lhe ameaçava com uma pena privativa de
liberdade. 24.
Os peticionários indicam que a solicitação de medidas cautelares
da CIDH a favor de Herrera e Rohrmoser, bem como as medidas provisórias
ordenadas pela Corte Interamericana, que permitiram o senhor Rohrmoser
eximir-se do cumprimento da sentença de 12 de novembro de 1999,
constituem a base da violação dos direitos do senhor Vargas Rohrmoser
protegidos pela Convenção. Adicionalmente, fazem referência ao caso
Cantos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, argumentando que o
princípio usado nesse caso também é aplicável a presente denúncia,
uma vez que, embora o senhor Rormoser tenha atuado em representação de
uma pessoa jurídica, o interesse principal em jogo era o seu próprio
interesse na qualidade de pessoa natural. Alegaram que o senhor Rormoser
atuou em representação do Jornal “A Nação” como meio de comunicação
e não como empresa mercantil. 25.
Ainda em relação à admissibilidade da petição, os peticionários
sustentam que a petição foi apresentada dentro do prazo de seis meses
requerido pelo artigo 46(1), que os fatos alegados caracterizam uma violação
da Convenção Americana, e que os recursos internos foram esgotados, já
que a última decisão judicial procede da Corte Suprema de Justiça,
frente a qual não cabe nenhum recurso e acarreta o trânsito em julgado
da sentença de primeira instância . b.
Posição do Estado 26.
O Estado costarriquense alegou que a petição é inadmissível
porque a alegada violação é o fundamento de uma restrição ou limitação
legítima ao exercício da liberdade de expressão, e portanto os fatos não
caracterizam uma violação do direito de liberdade de expressão
protegido pela Convenção. O Estado baseia-se principalmente no artigo
47, inciso (c) da Convenção, a qual estipula que uma petição será
declarada inadmissível quando “resulte da exposição do próprio
peticionário ou do Estado manifestamente infundada a petição ou
comunicação ou seja evidente sua total improcedência”. O Estado
argumenta que uma denúncia é inadmissível por ser manifestamente
infundada, entre outras causas, quando for “…o fundamento de uma
restrição ou limitação legítima ao exercício de tal direito…”.[1]
27.
Neste sentido, o Estado costarriquense invoca o artigo 13(2)(a) da
Convenção Americana, o qual prevê como exceção ao direito de
liberdade de expressão as normas estabelecidas pelo Estado para
“assegurar o respeito aos direitos ou reputação dos demais…”.
Baseado neste inciso, alega que a norma legal e a decisão judicial
aplicada as supostas vítimas formam parte das legítimas restrições a
liberdade de expressão, motivo pelo qual a petição é manifestamente
infundada, e portanto, inadmissível. 28.
A Costa Rica solicitou a Comissão que se declare incompetente para
conhecer da petição, pois carece de competência ratione
pessoae em relação ao senhor Fernán Vargas Rohrmoser, quem atuou na
condição de presidente com faculdades de representante legal do Jornal
“A Nação” e, portanto, carece de legitimidade ativa. 29.
O Estado fundamenta seu argumento aludindo o artigo 1(2) da Convenção,
que estipula que as supostas vítimas de violação dos direitos
estabelecidos pela Convenção devem ser pessoas físicas, não pessoas
jurídicas. Igualmente cita a prática da Comissão Interamericana sobre o
tema, apontando os casos Banco de Lima (Peru)[2],
Tabacalera Boquerón, S.A. (Paraguai),[3]
Bendeck-Cohdinsa (Honduras),[4]
Bernard-Merens e família (Argentina)[5]
e Mevopal, S.A. (Argentina),[6]
nos quais foi determinado que a proteção da Convenção não se estende
a pessoas jurídicas, mas unicamente a pessoas naturais. 30.
O Estado aduz igualmente que não editou nenhuma medida que
supostamente transgrida algum direito do senhor Fernán Vargas Rohrmoser.
Alega que este descumpriu com o princípio de boa-fé ao atuar perante a
Comissão e a Corte em nome próprio e em nome do jornalista Herrera Ulloa
e ao encabeçar algumas de suas comunicações com seus nomes seguidos da
expressão “do Jornal A Nação”. O uso destas expressões produziu, na opinião do Estado,
confusão na Comissão e na Corte, que, a sua vez, editaram
respectivamente, medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis a
Mauricio Herrera Ulloa e a Fernán Vargas Rohrmoser e resoluções
judiciais as que outorgaram igualdade de tratamento a ambos peticionários,
providências que o Estado não considera procedente. 31.
Na última comunicação encaminhada a CIDH e 30 de novembro de
2001, o Estado fez considerações adicionais sobre a legitimidade
processual do senhor Vargas Rohrmoser. Em primeiro lugar, sustenta que era
falsa a afirmação dos peticionários de que a ordem de execução datada
de 21 de fevereiro de 2001 trazia a advertência sobre a possibilidade de
uma sanção penal por incorrer no delito de desobediência a autoridade,
já que esta circunstância foi suscitada na resolução de 3 de abril de
2001, e notificada em 1º de maio do mesmo ano, posteriormente a apresentação
da denúncia perante a CIDH. O Estado assinala que esta resolução não
aparece citada nas comunicações anteriormente apresentadas pelos
peticionários, e que portanto deve ser desestimada. Com respeito à alegação
dos peticionários de que o senhor Vargas Rohrmoser seria objeto de uma
pena de prisão, o Estado alega que isto não sucederia ainda que este
cumprisse com a ordem de execução, já que o ordenamento penal
costarriquense tem a figura de execução condicional da pena, que
estabelece dois requisitos para sua concessão: que seja um delito primário
e que a pena imposta seja menor de três anos.
Em consequência, o Estado defende que se o senhor Vargas Rohrmoser
não tivesse antecedentes penais, a pena de prisão não haveria chegado
nunca a ser executada porque a pena aplicável aos delitos de desobediência
a autoridade é menor de três anos. 32.
O Estado alega que a petição é inadmissível por falta de
esgotamento dos recursos internos, pois as supostas vítimas poderiam ter
utilizado o recurso de inconstitucionalidade com o objetivo de derrogar a
norma que consideram violatórias de sua liberdade de expressão e impedir
que esta surta efeitos jurídicos, sem observar desta maneira, o princípio
de subsidiariedade do sistema interamericano. Adicionou que este recurso
teria sido idôneo e efetivo para a derrogação da lei que os peticionários
consideravam violatória de seus direitos, pois “o assunto pendente de
resolver perante os tribunais nacionais fica suspenso até a edição da
decisão do questionamento”.[7]
Por último, o Estado indica que a ação declaratória de
inconstitucionalidade anula a norma ou ato impugnado, produz coisa julgada
e elimina a norma ou o ato do ordenamento jurídico, e que a sentença
constitucional de nulidade tem efeitos retroativos em favor do réu ou do
condenado. IV.
ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE A.
Competência ratione pessoae,
ratione materiae, ratione temporis ratione loci da Comissão
Interamericana a.
Competência ratione pessoae 33.
O artigo 44 da Convenção Americana e 23 do Regulamento da CIDH
estipulam que “qualquer pessoa ou grupo de pessoas” estão facultadas
para apresentar petições perante a CIDH, referentes a supostas violações
da Convenção Americana. Portanto, os senhores Fernando Lincoln Guier
Esquivel, Carlos Ayala Corao, Pedro Nikken, Mauricio Herrera Ulloa e Fernán
Vargas Rohrmoser estão facultados para comparecer como peticionários
perante esta Comissão. 34.
No presente caso, foram suscitados questionamentos em torno da
legitimidade processual das supostas vítimas. Os peticionários
apresentaram como vítimas dos atos denunciados a Mauricio Herrera Ulloa e
a Fernán Vargas Rohrmoser, este último na sua qualidade de representante
legal do Jornal “A Nação”, e solicitaram medidas cautelares em favor
de ambos. 35.
Em primeiro lugar, a Comissão observa que não existe nenhuma
controvérsia quanto ao caráter de suposta vítima do senhor Mauricio
Herrera Ulloa, já que este se encontra compreendido na definição de
pessoa do artigo 1(2) da Convenção, que define que “pessoa é todo ser
humano”. O senhor Herrera Ulloa, como destinatário das atuações
judiciais interpostas pelo diplomata Féliz Przedborski, se viu
diretamente afetado pelas sentenças judiciais de 12 de novembro de 1999 e
24 de janeiro de 2001, e pela ordem de execução de 27 de fevereiro de
2001, inter alia, as quais lhe
atribuíam responsabilidade pelo cometimento de vários delitos e lhe
condenavam a uma pena. Portanto, a CIDH tem plena competência ratione materiae relativo ao senhor Mauricio Herrera Ulloa, para
determinar a existência de possíveis violações de seus direitos
estabelecidos pela Convenção Americana. 36.
Em
relação com a legitimidade processual do senhor Fernán Vargas Rohrmoser,
o Estado sustenta que o senhor Vargas Rohrmoser, como representante legal
do Jornal “A Nação”, atuou em representação de uma pessoa jurídica
e não em nome próprio, e que, por isso, a Comissão não tem competência
ratione pessoae para conhecer da
petição. Os peticionários alegam que o senhor Vargas Rohrmoser se viu
prejudicado diretamente em seus direitos individuais pela ordem de execução
e prevenção de 21 de fevereiro de 2001, a qual ordena às supostas vítimas
a executar de maneira “imediata,… improrrogável” a decisão. Alegam
que a resolução judicial de 3 de abril de 2001 adverte as supostas vítimas
sobre a possibilidade de incorrer no delito de desobediência a autoridade
no caso de não cumprir a sentença, o que implicaria na imposição de
uma sanção penal ou pena de prisão para o senhor Vargas Rohrmoser caso
ele não cumprisse a sentença, o que prejudicaria diretamente seus
direitos protegidos pela Convenção. O Estado alega que a ordem de execução
e prevenção obriga o senhor Vargas Rohrmoser unicamente em sua qualidade
de representante legal da “A Nação”, e não a título pessoal, e que
seu descumprimento não acarreta uma sanção penal ou pena de prisão,
uma vez que a execução da pena é suscetível de ser comutada no
ordenamento interno costarriquense. 37.
A Comissão estima que a determinação do caráter de vítima do
senhor Vargas Rohrmoser envolve uma análise complexa tanto das normas
convencionais como das normas aplicáveis na jurisdição interna
costarriquense, bem como da própria jurisprudência da Comissão e da
Corte, que se encontra intimamente vinculada às determinações que
realize a CIDH sobre o fundo do assunto. Portanto,
a Comissão reserva, para a etapa de fundo, a decisão sobre a qualidade
de vítima do senhor Fernán Vargas Rohrmoser. 38.
Deste
modo,
para fins de admissibilidade, a Comissão decide que tem competência ratione
pessoae com relação a Mauricio Herrera Ulloa e posterga sua decisão
a respeito de Fernán Vargas Rohrmoser para a decisão sobre o fundo da
presente petição. b.
Competência ratione
materiae 39.
Após a identificação da suposta vítima na presente petição, a
Comissão examinará a sua competência ratione
materiae sobre as violações denunciadas. 40.
A respeito, a Comissão observa que a sentença de 12 de novembro
de 1999 obriga ao jornalista Mauricio Herrera Ulloa e o Jornal “A Nação”
de forma solidária, pois declara o jornalista Mauricio Herrera Ulloa como
autor responsável de quatro delitos de publicação de ofensas na
modalidade de difamação, também lhe condena solidariamente com o Jornal
“A Nação”, ao pagamento de uma multa por conceito de dano moral.
Adicionalmente, a sentença estabelece similares obrigações a cargo de
Mauricio Herrera Ulloa e o Jornal “A Nação”, ao ordenar ao primeiro
que publique a parte dispositiva da sentença e ao segundo que retire o
artigo em disputa escrito por Mauricio Herrera e estabeleça uma ligação
entre os artigos e a parte dispositiva da sentença condenatória. Dados
esses fatos, sobre os que não existe controvérsia entre as partes, a
Comissão considera que tem competência para determinar se eles
constituem violações ao artigo 13 da Convenção Americana. 41.
Em consequência, a Comissão considera que na petição se
denunciam violações aos direitos humanos protegidos na Convenção
Americana. Portanto, a Comissão tem competência ratione
materiae para examinar a denúncia. c.
Competência ratione
temporis 42.
A Comissão tem igualmente competência ratione
temporis, porque os fatos alegados na petição tiveram lugar quando a
obrigação de respeitar e garantir os direitos estabelecidos na Convenção
já se encontravam em vigor para o Estado de Costa Rica.[8] d.
Competência ratione loci 43.
Por último, a Comissão
tem competência ratione loci
para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações de
direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro do
território de um Estado parte no mencionado tratado. B.
Outros requisitos de admissibilidade da petição a.
Esgotamento dos recursos internos 44.
Em 29 de maio de 1998, o Tribunal Penal do Primeiro Circuito
Judicial de San José emitiu sentença absolvendo o senhor Mauricio
Herrera Ulloa e o Jornal “A Nação” na ação penal com ação civil
de indenização interposta pelo senhor Féliz Przedborski. Este então
interpôs recurso de cassação perante a Terceira Sala da Corte Suprema
de Justiça, a qual anulou a sentença e reenviou o expediente ao Tribunal
Penal do Primeiro Circuito Judicial de Costa Rica. Este Tribunal, mediante
decisão de 12 de novembro de 1999 condenou o jornalista Mauricio Herrera
Ulloa e o Jornal “A Nação” pelos delitos anteriormente mencionados.
Os peticionários interpuseram recurso de cassação perante a Terceira
Sala da Corte Suprema de Justiça, a qual, em resolução de 24 de janeiro
de 2001, declarou infundado o recurso interposto. Como não procede nenhum
outro recurso contra esta decisão, a sentença transitou em julgado e foi
enviada à execução. 45.
O Estado alegou que houve falta de esgotamento dos recursos
internos e assinalou o recurso de inconstitucionalidade como recurso idôneo
e efetivo, a ser esgotado pelos peticionários. A respeito, a Comissão
observa que o objetivo central da petição é a sanção imposta as
supostas vítimas mediante a sentença condenatória de 12 de novembro de
1999 e a Ordem de Execução de 21 de fevereiro de 2000, as quais foram
impugnadas mediante os recursos ordinários disponíveis na via penal, e
frente ao indeferimento dos mesmos tornaram-se coisa julgada. A Corte
Interamericana de Direitos Humanos expressou que um recurso da jurisdição
interna é adequado quando é idôneo para proteger a situação jurídica
infringida, já que “em todos os ordenamentos internos existem múltiplos
recursos, mas não são todos aplicáveis em todas as circunstâncias”.[9]
Portanto, a Comissão
constata que os peticionários não eram obrigados a esgotar a via de
inconstitucionalidade, por não ser um recurso idôneo para proteger a
situação jurídica supostamente afetada neste caso, consistente em uma
sentença condenatória cuja execução imediata foi ordenada pelos
tribunais costarriquenses. 46.
A Comissão destaca que a Corte entendeu em várias ocasiões que
“o prévio esgotamento dos recursos internos permite ao Estado resolver
o problema segundo seu direito interno antes de enfrentar um processo
internacional”.[10]
Neste sentido, a Comissão nota que o artigo 8 (1) da Lei de Jurisdição
Constitucional estabelece que: Os
funcionários que administrem justiça não poderão: 1.
Aplicar leis ou outras normas ou atos de qualquer natureza que sejam contrários
a Constituição. Se
tiverem dúvida sobre a constitucionalidade dessas normas ou atos, deverá
fazer a consulta correspondente a jurisdição constitucional. Tampouco
poderão interpretá-los ou aplicá-los de maneira contrária aos
precedentes ou jurisprudência da Sala Constitucional. De
acordo com sua prática,[11]
a Comissão considera que o processo proposto contra as supostas vítimas
contemplava a possibilidade de que os tribunais costarriquenses fizessem
uso da consulta judicial de constitucionalidade perante a Corte Suprema de
Justiça, de maneira que esta declarasse a aplicabilidade ou
inaplicabilidade das normas penais que os peticionários denunciam como
violatórias dos direitos humanos das vítimas. Desse modo, o artigo 8.1
da Lei da Jurisdição Constitucional oferece as autoridades judiciais a
possibilidade de remediar o assunto a nível interno. A Comissão
considera que neste caso concreto e tendo em conta que o objetivo
principal da petição é o questionamento da sentença condenatória, os
peticionários não estavam obrigados a esgotar a ação de
inconstitucionalidade. Portanto, foram esgotados os recursos internos
conforme o artigo 46(1)(a). b.
Prazo de apresentação 47.
O prazo de apresentação de seis meses estabelecido pelo artigo
46(1)(b), foi cumprido no presente caso, já que os peticionários
apresentaram a denúncia em 1° de março de 2001, após a última sentença
da Terceira da Corte Suprema de Justiça de 24 de janeiro de 2001. c.
Duplicidade de procedimentos e coisa julgada 48.
A
Comissão entende que o assunto não se encontra pendente de outro
procedimento de acordo internacional nem que tenha sido previamente
decidido por esta ou outro organismo internacional. Desta forma, a CIDH
considera que estão satisfeitos os requisitos dos artigos 46(1)(c) e
47(d) da Convenção Americana. d.
Caracterização dos fatos alegados 49.
O Estado solicitou a Comissão a rejeição in
limine da petição por ser “manifestamente infundada”. 50.
A Comissão considera que não corresponde nesta etapa do
procedimento estabelecer se há ou não violação da Convenção
Americana. Para os fins de admissibilidade, a CIDH deve decidir se a petição
expõe fatos que caracterizam uma violação, como estipula o artigo 47(b)
da Convenção Americana, e se a petição é “manifestamente infundada”
ou seja “evidente sua total improcedência”, segundo o inciso c do
mesmo artigo. O padrão de apreciação destes extremos é diferente do
requerido para decidir sobre os méritos de uma denúncia. A CIDH deve
realizar uma avaliação prima facie
para examinar se a denúncia fundamenta a aparente ou potencial violação
de um direito garantido pela Convenção e para estabelecer a existência
de uma violação. Este exame é uma análise concisa que não implica um
prejuízo ou adiantamento de opinião sobre o mérito. O próprio
Regulamento da Comissão, ao estabelecer duas claras etapas de
admissibilidade e fundo, reflete esta distinção entre a avaliação que
deve realizar a Comissão para fins de declarar uma petição admissível
e a requerida para estabelecer uma violação. 51.
A abundante argumentação do Estado neste ponto demonstra que a
petição não é “manifestamente infundada”, que não é “evidente
sua improcedência”, ou que não caracterize uma suposta violação.
Pelo contrário, a própria resposta do Estado merece uma exame mais
detalhado da petição a ser feito na etapa de fundo. Entretanto, a CIDH
considera que, prima facie, os
peticionários preencheram os requisitos requeridos no artigo 47(b) e (c). V.
CONCLUSÕES 52.
Pelas razões expostas anteriormente, a Comissão considera que tem
competência para conhecer o presente caso e que, de conformidade
com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana a petição é admissível,
nos termos anteriormente expostos. A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 1,
2, 8, 13, 24, 25 e 29 da
Convenção Americana e reservar
para a etapa de fundo a análise da afetação individual dos direitos das
supostas vítimas. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 3 dias do mês de dezembro de 2001. (Assinado):
Claudio
Grossman, Presidente,
Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda
Vice-presidenta; Robert K. Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo,
Membros da Comissão.
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[1]
Fáundez
Ledesma, O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos,
Aspectos Constitucionais e Processuais. San José, Instituto
Interamericano de Direitos Humanos, segunda edição, 1999, p.415 [2]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 10/91,
caso No. 10.169, 22 de fevereiro de 1991. [3]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 47/97,
petição, 16 de outubro de 1997. [4]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 106/99,
petição, 27 de setembro de 1999. [5]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 10/399,
petição, 27 de setembro de 1999. [6]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório No. 39/99,
petição, 11 de março de 1999. [7]
Ver Nota da Procuradoria Geral da República de Costa Rica a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, No. PGA-293-2001 de 30 de novembro
de 2001, p.9. [8]
Costa Rica ratificou a Convenção Americana em 8 de abril de 1970 e
em 2 de junho de 1980
apresentou na Secretaria Geral da OEA o instrumento de reconhecimento da competência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, de acordo com os artigos 45 e 62 da Convenção. [9]
Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso
Velásquez Rodríguez, par 63 e 64. [10]
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Velásquez Rodríguez.
Sentença de 29 de julho de 1988, par. 61. [11]
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório Nº 77/01,
caso 11.571, Humberto Antonio
Palamara Iribarne, Chile, 10 de outubro de 2001, par. 33-35.
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