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RELATÓRIO
Nº 76/01 CASO
12.291 WILSON
GUTIÉRREZ SOLER COLÔMBIA 10
de outubro de 2001 I.
RESUMO
1.
Em 5 de novembro de 1999 a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma
petição apresentada pela Corporação Coletiva de Advogados “José
Alvear Restrepo” (doravante denominados ”os peticionários”) na qual
alega que em 24 de agosto de 1994 membros da Unidade Nacional Antiextorsão
e Sequestro da Polícia Nacional (UNASE) e um outro indivíduo torturaram
o senhor Wilson Gutiérrez Soler após sua detenção na cidade de Santafé
de Bogotá, República da Colômbia (doravante denominada “o Estado”,
“o Estado Colombiano” ou “Colômbia”). 2.
Os peticionários alegaram a responsabilidade do Estado pela violação
dos direitos a integridade pessoal, as garantias judiciais e a proteção
judicial, contemplados nos artigos 5, 8 e 25 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção
Americana”) em prejuízo da suposta vítima, em conjunção com a obrigação
genérica de respeitar e garantir os direitos estabelecidos no mesmo
tratado. 3.
O Estado alegou que a denúncia dos peticionários era inadmissível
porque o caso do senhor Soler já havia sido examinado pelos tribunais
internos conforme o direito interno colombiano.
Adicionalmente, alegou que a petição havia sido apresentada de
forma extemporânea, depois de vencido o prazo de seis meses previsto no
artigo 46(1)(b) da Convenção Americana. 4.
Com base na análise das alegações das partes, a Comissão
concluiu que é competente para examinar a denúncia do peticionário e
que esta é admissível conforme as disposições dos artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. II. TRÂMITE
PERANTE A COMISSÃO
5.
Em 13 de junho de 2000 a Comissão deu trâmite à denúncia sob o
número 12.291, conforme as normas do Regulamento vigente até o dia 30 de
abril de 2001, e transmitiu as partes pertinentes da denúncia ao Estado
colombiano em 13 de junho de 2000, com um prazo de 90 dias para apresentar
informação. 6.
Em 13 de setembro de 2000 o Estado solicitou uma prorrogação, a
qual foi devidamente concedida pela Comissão.
Em 13 de outubro de 2000 o Estado apresentou sua resposta, cujas
partes pertinentes foram transmitidas aos peticionários para suas observações.
Em 1°
de dezembro de 2000 os peticionários solicitaram uma prorrogação, a
qual foi devidamente concedida pela Comissão.
Em 4 de janeiro de 2001 os peticionários apresentaram informação
adicional. As partes
pertinentes da informação foram remetidas ao Estado com um prazo de 30
dias para apresentar suas observações. 7.
Em 9 de fevereiro de 2001 o Estado solicitou uma prorrogação para
apresentar suas observações, a qual foi devidamente concedida pela
Comissão. Em 26 de fevereiro
de 2001, durante seu 110°
período ordinário de sessões, a Comissão celebrou uma audiência com a
presença de ambas partes. Em
25 de julho de 2001, a Comissão dirigiu-se ao Estado a fim de solicitar a
apresentação de informação adicional. Em 23 de agosto de 2001 o Estado solicitou uma prorrogação
para a apresentação da mencionada informação adicional, e a Comissão
concedeu a prorrogação solicitada.
Em 17 de setembro de 2001 o Estado apresentou suas observações. III.
POSIÇÕES
DAS PARTES
A.
Posição dos peticionários
8.
Os peticionários alegam que em 24 de agosto de 1994 membros da
Unidade Nacional Antiextorsão e Sequestro (UNASE) da Polícia Nacional
detiveram o Sr. Wilson Gutiérrez Soler no curso de uma operação
antiextorsão realizado na cidade de Santafé de Bogotá.
A operação foi destinada a responder uma denúncia apresentada
perante a UNASE que assinalava o Sr. Gutiérrez Soler como participante em
atos relacionados ao delito de extorsão.[1] 9.
O relato dos peticionários indica que membros da UNASE haviam
transferido o detido às dependências desta Unidade de Polícia. Alegam
que uma vez ali, a vítima foi interrogada pelo Comandante da UNASE à época,
Coronel Luis Gonzaga Enciso Barón, e por um indivíduo de nome Ricardo
Dalel Barón, contra quem a denúncia foi apresentada.
Os peticionários alegam que o Sr. Gutiérrez Soler foi forçado a
se auto-culpar no suposto cometimento do delito de extorsão e que ao
negar-se fazê-lo, os Srs. Enciso Barón e Dalel Barón removeram sua
roupa e torturaram-no mediante a introdução de um objeto contundente no
seu ânus e queimaduras no seu pênis. 10.
Os peticionários alegam que, após ter sido torturado, Wilson Gutiérrez
Soler firmou uma declaração auto-inculpatória sob coação e sem contar
com a presença de um advogado. Esta
declaração serviu de base para que em 2 de setembro de 1994 a Justiça
Regional na época iniciasse um processo contra o Sr. Gutierrez pelo
delito de extorsão e expediu um mandato de
detenção preventiva a
fim de mantê-lo privado de sua liberdade.
Em 20 de janeiro de 1995 a Promotoria Delegada perante o Tribunal
Superior decidiu revogar a medida de detenção preventiva
e ordenar a liberdade do Sr. Gutiérrez
Soler. Em 6 de maio de 1999
foi emitida uma resolução acusatória contra Wilson Gutiérrez Soler e
foi expedida ordem de captura, a qual foi revogada depois de apelada pela
defesa. Conforme a informação proporcionada pelo peticionário, o Sr.
Gutiérrez Soler encontra-se atualmente em liberdade, mas permanece
vinculado a este processo. 11.
Em 25 de agosto de 1994 o Sr. Gutiérrez Soler denunciou junto a
Promotoria Regional Delegada, UNASE URBANO, as torturas sofridas no dia
anterior.[2]
Como resultado da se iniciaram processos paralelos perante a justiça
penal militar e a justiça ordinária.
O Juiz 51 de Instrução Penal Militar iniciou processo contra o
Coronel Luis Gonzaga Enciso Barón pelo delito de lesões e a investigação
foi transferida a Auditoria Auxiliar de Guerra N°
60, a qual decidiu suspender todo procedimento contra o acusado.
Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal Penal Militar em 30 de
setembro de 1998. Por sua
parte, a Promotoria Geral da Nação iniciou uma investigação contra
Ricardo Dalel Barón. Em 15 de janeiro de 1999 a Promotoria Geral da Nação
Unidade de Lesões Pessoais, Promotoria Nº248, resolveu finalizar a
investigação contra o Sr. Ricardo Dalel Barón e ordenou o arquivo do
expediente. Posteriormente, a
vítima apresentou um recurso de tutela perante o Juízo Penal N° 55 do
circuito de Bogotá, o qual foi indeferido. Em 8 de junho de 1999 o
Tribunal Superior do Distrito Judicial de Santafé de Bogotá confirmou a
decisão. Em junho de 1999 a Corte Constitucional resolveu não revisar a
decisão emitida pelo Tribunal Superior, tendo esta última transitado em
julgado. 12.
Conforme indica o relato dos peticionários, vários processos
disciplinarios foram abertos devido à denúncia proposta pelo Sr. Gutiérrez
Soler. Em 27 de fevereiro de
1995 o Diretor da Polícia Judicial, Brigadeiro Hugo Rafael Martínez
Poveda, exonerou o Coronel Luis Gonzaga Enciso Barón de toda
responsabilidade disciplinaria. Entretanto,
em 7 de junho de 1995 a Promotoria Delegada para a Defesa dos Direitos
Humanos considerou que existiam méritos suficientes para formular acusação
contra o Coronel Luis Gonzaga Enciso Barón. Por sua vez, a Promotoria Geral da Nação decidiu terminar
com o procedimento alegando que a prévia absolvição de Barón no
processo levado a cabo pelo Diretor da Polícia Judicial impedia a
abertura de um novo processo por aplicação do princípio non
bis in idem. 13.
Os peticionários alegam que o Estado, através de seus agentes,
tanto participou de forma direta como permitiu que um particular
infligisse torturas físicas ao Sr. Gutiérrez Soler, enquanto este se
encontrava sob sua custódia, com a finalidade de extrair um confissão,
em clara violação às garantias judiciais que devem guiar a investigação
do suposto cometimento de atos delitivos.
Adicionalmente, alegam que o Estado privou a vítima de acesso a um
recurso adequado para investigar os responsáveis destas violações, já
que o agente do Estado acusado de tortura foi processado perante a justiça
penal militar em lugar de ser julgado perante os tribunais ordinários. 14.
Tendo em vista estas alegações de fato, os peticionários
consideram que o Estado violou o direito a integridade pessoal, as
garantias judiciais e a proteção judicial da vítima, bem como a obrigação
genérica de respeito e garantia dos direitos protegidos pela Convenção
Americana, consagrados nos artigos 5, 8, 25 e 1(1) do mesmo tratado.
Em relação à admissibilidade da denúncia, os peticionários
alegaram que os requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção
Americana foram satisfeitos. B.
Posição do Estado
15.
O Estado alega que a denúncia de Wilson Gutiérrez Soler pelo
suposto cometimento de atos de tortura em prejuízo foi examinado pelos
tribunais da jurisdição interna que, em sua opinião, cumpriram com a
obrigação de administrar justiça conforme o direito colombiano.[3] Neste
sentido, considera que a Comissão deve abster-se de revisar uma questão
já decidida pelos tribunais internos em caráter de quarta instância e,
portanto, deve declarar inadmissível a denúncia. 16.
Durante o curso da audiência celebrada pela Comissão em seu 110º
período ordinário de sessões, o Estado assinalou que, tendo em vista
que os recursos internos haviam sido esgotados mediante a decisão de 10
de junho de 1999, os peticionários descumpriram com o prazo de seis meses
previstos no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana e que, portanto, a
petição foi apresentada de forma extemporânea.
Em suas observações datadas de 17 de setembro de 2001 o Estado
alegou que em qualquer caso a CIDH deveria
“por equidade com as partes, [..] transmitir oportunamente as denúncias
ou ao menos informá-lhes que esta foi apresentada em tempo pelos peticionários”.[4] IV. ANÁLISE SOBRE
COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE
A. Competência
17.
Os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção
Americana para apresentar denúncias perante a CIDH.
A petição assinala como suposta vítima um indivíduo, a quem a
Colômbia comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na
Convenção Americana. No que
concerne ao Estado, a Comissão assinala que a Colômbia é um Estado
parte na Convenção Americana desde 31 de julho de 1973, data em que
depositou o instrumento de ratificação respectivo.
Portanto, a Comissão tem competência ratione
personae para examinar a petição. 18.
A Comissão tem competência ratione
loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações
de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro
do território de um Estado parte no mencionado tratado. Igualmente, a
CIDH tem competência ratione
temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos
protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o
Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na petição.
Por último, a Comissão é competente ratione
materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana. B.
Requisitos de Admissibilidade
1.
Esgotamento dos recursos internos 19.
O artigo 46(1)(a) da Convenção estabelece como requisito para que
uma petição seja admitida: ”..que
os recursos de jurisdição interna tenham sido interpostos e esgotados,
conforme os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos“. Neste caso, o Estado reconheceu expressamente na audiência
celebrada no 110º período ordinário de sessões que os recursos da
jurisdição interna haviam sido esgotados pela vítima.
Tendo em vista esta declaração, a Comissão entende que o
requisito contido no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana foi
preenchido. 2. Prazo de apresentação da petição 20.
Durante o curso da audiência celebrada pela Comissão em seu 110º
período ordinário de sessões, o Estado alegou que o peticionário havia
descumprido com o prazo de seis meses estabelecido no artigo 46(1)(b) da
Convenção Americana. O
Estado também fez referência a esta alegação em sua comunicação de
17 de setembro de 2001. Esta
norma estabelece que para que uma petição possa ser admitida pela CIDH
deve ser apresentada dentro de um prazo de seis meses a partir da data que
a suposta vítima haja sido notificada da decisão definitiva dos
tribunais internos com relação à denúncia. 21.
Segundo a informação constante no expediente, em 10 de junho de
1999, a decisão do Tribunal Superior do Distrito Judicial de Santafé de
Bogotá, a qual decidiu arquivar a causa de lesões corporais [5]
depois do desprovimento do recurso de tutela proposto pela vítima
transitou em julgado. A
Comissão nota que a petição foi recebida na Secretaria Executiva da
CIDH em 5 de novembro de 1999 e foi solicitada informação adicional aos
peticionários, a qual foi remitida em 1° de junho de 2000.
Em 13 de junho de 2000, após analisar os documentos proporcionados
pelos peticionários, a Comissão decidiu dar início ao trâmite e
transmitir ao Estado as partes pertinentes tanto da denúncia inicial como
da informação adicional dias antes recebida.
Tendo em vista que a atividade processual e as datas acima
consignadas, a Comissão conclui que a petição foi apresentada dentro do
prazo de seis meses previsto no artigo 46(1)(b) da Convenção.
22.
O expediente não contém informação alguma que pudesse levar a
determinar que este assunto encontra-se pendente ou tenha sido examinada
por outro procedimento de acordo internacional ou que tenha sido
previamente decidido pela Comissão Interamericana. Desta forma, conclui-se
que estão cumpridos os requisitos inseridos no artigo 46(1)(c) e no
artigo 47(d) da Convenção Americana. 4.
Caracterização dos fatos alegados 23.
O Estado alegou que as decisões dos tribunais domésticos que
desconsideraram a denúncia do Sr. Gutiérrez Soler à luz do direito
interno colombiano, demonstra que o presente caso cumpriu com as obrigações
inseridas na Convenção Americana. Por
conseguinte, questiona a competência da Comissão para praticar o que
considera uma revisão das decisões adotadas internamente, em caráter de
uma quarta instância. 24.
A Comissão considera que é competente para examinar a denúncia
apresentada pelo peticionário, inclusive as suas alegações relativas ao
acesso à proteção judicial, quando se referem a direitos protegidos
pela Convenção Americana. Com
efeito, os elementos que constam no expediente indicam que, se for
comprovada a veracidade das alegações relativas aos atos de tortura
supostamente sofridos por Wilson Gutiérrez Soler, seu processamento com
base em uma declaração auto-culpatória supostamente formulada sob coerção,
e o emprego da jurisdição militar para investigar e julgar aos responsáveis,
poderiam caracterizar violações dos direitos a integridade pessoal, as
garantias judiciais e a proteção judicial garantidos nos artigos 5, 8 e
25 em conjunção com o artigo 1(1) da Convenção Americana.
Portanto, a denúncia satisfaz os requisitos estabelecidos nos
artigos 47(b) e (c) do tratado. V.
CONCLUSÕES
25.
A Comissão conclui que é competente para examinar a denúncia
apresentada pelos peticionários sobre a suposta violação dos artigos 5,
8 e 25 em concordância com o artigo 1(1) da Convenção e que o caso é
admissível, conforme os requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. 26.
Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos e sem
prejudicar o fundo da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Declarar admissível o presente caso quanto às supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 5, 8, 25 e 1(1) da Convenção
Americana. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Dar início à análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.
(Assinado): Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta
Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Robert K. Goldman, Peter Laurie,
Julio Prado Vallejo, Hélio Bicudo, Membros da Comissão.
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[1]
Em 24 de agosto de 1994 o Sr. Ricardo Dalel Barón apresentou uma denúncia
perante o Comandante da UNASE, Coronel Luis Gonzaga Enciso Barón,
contra Wilson Gutiérrez Soler, na qual alega que este último havia
tentado extorqui-lo.
Petição apresentada perante a Comissão em 5 de novembro de
1999. [2]
A petição de 5 de novembro de 2001 inclui como anexo cópias do
certificado médico do Instituto Nacional de Medicina Legal de 24 de
agosto de 1994 que registra as feridas da vítima e seu grau de
incapacidade. [3]
Nota EE 2303 da Direção Geral de Assuntos Especiais do Ministério
de Relações Exteriores da República de Colômbia, de 13 de outubro
de 2000. [4]
Nota EE 34106 da Direção Geral de Assuntos Especiais do Ministério
de Relações Exteriores de Colômbia, 17 de setembro de 2001. [5] Providência de 8 de junho de 1999 de Tribunal Superior de Distrito Judicial de Santafé de Bogotá, Sala Penal (Ata 50/99). |