|
RELATÓRIO
Nº 75/01 CASO
12.266 EL
ARO, ITUANGO COLÔMBIA 10
de outubro de 2001 I.
RESUMO
1.
Em 3 de março de 2000 a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma
petição apresentada pelo Grupo Interdisciplinar pelos Direitos Humanos (doravante
denominado ”os peticionários”), na qual alega que entre o dia 22 de
outubro e 12 de novembro de 1997, membros de grupos à margem da lei
conhecidos como “paramilitares” executaram Arnulfo Sánchez, José Darío
Martínez, Olcris Fail Díaz, Wilmar Restrepo (menor de idade), Omar
Ortiz, Fabio Antonio Zuleta, Otoniel de Jesús Tejada Tejada, Omar Iván
Gutiérrez, Guillermo Andrés Mendoza, Nelson Palacio Cárdenas, Luis
Modesto Múnera, Marco Aurelio Areiza, Rosa Barrera, Dora Luz Areiza e
Alberto Correa (doravante denominado “as vítimas”) com a tolerância
de agentes do Estado, durante um incursão armada na comunidade de El Aro,
Município de Ituango, estado de Antioquia, República da Colômbia (doravante
denominada “o Estado” ou “o Estado colombiano”).
Os peticionários alegam que esses atos foram levados a cabo com a
tolerância ou aquiescência de agentes do Estado. 2.
Os peticionários alegaram que o Estado é responsável pela violação
do direito a vida, a integridade pessoal, a liberdade pessoal, a proteção
da família e a propriedade consagrados nos artigos 4, 5, 7, 8, 17 e 21,
bem como a obrigação genérica de garantir o gozo destes direitos
humanos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada “a Convenção
Americana”) contra as vítimas. O
Estado solicitou a Comissão que declarasse inadmissível a denúncia em
virtude do descumprimento do requisito de prévio esgotamento dos recursos
da jurisdição interna, estabelecido no artigo 46(1)(a) da Convenção
Americana. A este respeito,
os peticionários alegaram que sua denúncia deveria ser considerada
dentro dos términos da exceção prevista no artigo 46(2)(c) da Convenção
Americana e que, portanto, a Comissão era competente para analisá-la. 3.
Com base na análise das posições das partes, a Comissão conclui
que é competente para conhecer a presente reclamação e que esta é
admissível conforme as disposições dos artigos 46 e 47 da Convenção
Americana II. TRÂMITE
PERANTE A COMISSÃO
4.
Em 11 de abril de 2000 a Comissão procedeu ao trâmite da petição
sob o número 12.226 e transmitiu as partes pertinentes ao Estado
colombiano com um prazo de 90 dias para apresentar informação. 5.
O Estado apresentou suas respostas em 14 de julho de 2000 e as
partes pertinentes foram transmitidas aos peticionários para suas observações.
Em 12 de outubro de 2000, os peticionários apresentaram informação adicional, a qual foi remetida ao Estado com um
prazo de 30 dias. Em 6 de
dezembro de 2000, o Estado apresentou suas observações. Em 26 de
fevereiro de 2001, durante seu 110º período de sessões, a Comissão
celebrou uma audiência sobre o assunto com a participação de ambas as
partes. Em 26 de agosto de
2001 os peticionários apresentaram informação adicional.
Em 2 de outubro de 2001 o Estado apresentou suas observações. III.
POSIÇÕES
DAS PARTES
A.
Posição
do peticionário
6.
Os peticionários alegam que entre os meses de junho de 1996 e
fevereiro de 1997 a população civil do Município de Ituango, no estado
de Antioquia, sofreu uma série de graves atos de violência por parte de
grupos paramilitares pertencentes às Autodefesas de Córdoba e Urabá (AUC),
naquela época lideradas por Carlos Castaño Gil.
A petição indica que as AUC anunciaram sua intenção de levar a
cabo uma incursão e que
estas ameaças foram devidamente informadas às autoridades.
Neste contexto, alegam que em 22 de outubro de 1997,
aproximadamente, 30 homens armados e vestidos com roupas de uso militar
chegaram à comunidade de Puerto Valdivia, que conta com uma contínua
presença do Exército, e dirigiram-se ao Destacamento de El Aro cometendo
graves atos de violência contra a população civil, com a aquiescência
de agentes do Estado. Durante
o acontecimento, três grupos paramilitares torturaram e executaram a
membros da comunidade, destruíram e incendiaram as humildes casas que
encontravam em sua frente, impediram a entrada ou saída de qualquer
habitante à comunidade e roubaram gado das fazendas. 7.
O relato dos peticionários indica que em 22 de outubro de 1997, em
Puerto Valdivia, o primeiro grupo paramilitar executou aos senhores Omar
Ortiz e Fabio Antonio Zuleta Zabala, agricultores residentes de El Puquí.
Além disso, invadiram a fazenda La Planta e assassinou o senhor
Arnulfo Sánchez. Quando
chegaram ao embarcadouro de Puerto Escondido, o grupo executou o senhor
Omar Iván Gutiérrez na presença de sua esposa e filhas
menores e lançou ao rio a carga pertencente aos habitantes, que se
encontrava guardada no depósito de propriedade do senhor Gutiérrez.
Posteriormente, o grupo executou aos senhores Olcris Fail Díaz,
José Darío Martínez e Otoniel de Jesús Tejada.
No dia 25 de outubro de 1997 mencionado grupo paramilitar chegou a
comunidade de El Aro e assassinou o proprietário de um estabelecimento, o
senhor Guillermo Andrés Mendoza Poso, o obreiro do município de Ituango,
senhor Luis Modesto Múnera, e o agricultor senhor Nelson Palacio Cárdenas. 8.
Conforme alegam os peticionários, os outros dois grupos de
paramilitares chegaram a El Aro vindo do município de Briceño, onde
destruíram as pontes de Palestina e Ituango.
Sustentam que estes grupos assassinaram o menor Wilmar Restrepo
Torres, de treze anos de idade, e o senhor Alberto Correa enquanto
realizavam trabalhos agrícolas. Os
primeiros membros do grupo ao chegar a El Aro dirigiram-se a casa do
senhor Marco Aurelio Areiza Osorio e sua companheira Rosa María Posada, e
exigiram-lhes alimentos e uma vaca. Posteriormente,
detiveram o senhor Areiza Osorio em uma residência, na qual foi torturado
e executado. Testemunhas
haviam confirmado que a vítima apresentava sinais de tortura nos olhos,
ouvidos, peito, órgãos genitais e boca. Todavia, ele foi enterrado sem que fosse realizada uma autópsia
do cadáver ou certificado de óbito, devido à ausência de autoridades
oficiais. Adicionalmente,
sustentam que em 30 de outubro de 1997 foi assassinada a jovem Dora Luz
Areiza. Os peticionários
alegam que os paramilitares também torturaram e executaram Rosa Barrera,
empregada doméstica da igreja, em um salão anexo ao templo. 9.
Os paramilitares destruíram e incendiaram 40 casas do centro
urbano da comunidade de El Aro. Somente
permaneceram intactos a capela, o posto de saúde, e oito residências.
Finalmente, os paramilitares permitiram que os habitantes pudessem
sair com a advertência de permaneceram longe do lugar pelo menos por dois
meses e que não fizessem declarações às autoridades nem aos meios de
comunicação, caso contrário seriam executados. Como consequência,
cerca de 800 famílias mudaram-se do município de Puerto Valdivia e a
comunidade de Santa Rita. 10.
Com relação ao roubo do gado, assinalam que os paramilitares,
usando a força os habitantes como guias, levaram os animais até Puerto
Valdivia onde permaneceram por dez dias na fazenda “La Planta”e
posteriormente, foram transferidos ao município de Tarazá.
Os peticionários alegam que apesar de terem conhecimento da situação,
as autoridades militares e judiciais abstiveram-se de adotar alguma ação.
Apontam que um anúncio publicado no jornal “El Colombiano”, Carlos
Castaño Gil informou aos donos do gado que podiam reclamá-lo naquele
local. Entretanto, o gado nunca foi devolvido aos campesinos e as
autoridades permaneceram silenciosas. 11.
Com relação a atuação dos agentes do Estado, alegam que o Exército
somente visitou a cidade de El Aro três semanas depois da incursão
paramilitar. Apesar de
reiterados alertas às autoridades, a presença dos meios de comunicação
que documentaram a devastação no centro urbano e as declarações feitas
pelos campesinos que haviam retornado as suas casas, a força pública não
visitou o local com o objetivo de proteger a população civil. As alegações
dos peticionários não somente referem-se às omissões das autoridades
como também apontam para atos de cooperação ativa destas na logística
da incursão paramilitar. Com
efeito, alegam que no dia 27 de outubro de 1997 um helicóptero do Exército
entregou munições aos paramilitares na praça de El Aro.
Sustentam que a investigação disciplinaria conduzida pela
Procuradoria Geral da Nação inclui declarações a respeito da presença
de membros do Exército Nacional na zona de El Aro e sua colaboração com
o grupo paramilitar na incursão. Consideram,
portanto, que a tortura e execução de civis e outros atos contrários a
lei foram perpetrados com o apoio, conhecimento e tolerância de agentes
do Estado. 12.
Os peticionários alegaram que o Estado é responsável pela violação
do direito a propriedade porque o grupo paramilitar durante a sua incursão
na comunidade de El Aro havia incendiado e destruído a maioria das residências
de seus habitantes. Adicionalmente,
haviam apropriado-se de cerca de 1200 cabeças de gado.
Indicam que as ações levadas a cabo pelos grupos armados ilegais
sob a tolerância do Estado, privaram os habitantes das condições básicas
para sua subsistência já que lhes retiraram seus principais meios de
subsistência. 13.
Os peticionários alegaram também que o Estado é responsável
pela violação do direito a proteção da família, porque a incursão
armada e o desalojamento à força de pelo menos 40 famílias provocou a
retirada de habitantes da região, afetando a estabilidade do núcleo
familiar das pessoas envolvidas, em particular, os menores. 14.
Com referência à investigação dos fatos por parte das
autoridades judiciais, assinalam que depois de um precário exame de corpo
e delito, a Promotoria Regional de Medellín abriu uma investigação prévia
que, posteriormente, foi transferida para a Unidade Nacional de Direitos
Humanos da Promotoria Geral da Nação.
Sustentam que esta investigação citou vários civis a comparecer
para prestarem uma declaração sem que houvesse outros avanços, e que o
Estado não cumpriu ordens de captura emitidas contra os chefes
paramilitares. 15.
Com base nestas alegações, os peticionários solicitam a Comissão
que declare o Estado responsável pela violação dos direitos a vida, a
integridade pessoal, a liberdade e o direito a proteção judicial das vítimas
em conjunção com a obrigação genérica de respeitar e assegurar o gozo
destes direitos protegidos pela Convenção Americana. 16.
Com relação ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade
contemplados na Convenção Americana, os peticionários alegam que o
presente caso deve ser considerado no contexto da exceção ao requisito
do prévio esgotamento dos recursos internos, prevista no artigo 46(2)(c)
do referido tratado, tendo em vista o atraso na investigação.[1]
Alegam que a investigação preliminar continua aberta depois de
mais de três anos de ocorridos os fatos e que, segundo a jurisprudência
da Corte Interamericana, não basta que os recursos internos tenham existência
formal, mas que devem ser idôneos e eficazes para a proteção da situação
infringida.[2] 17.
Com relação as justificações apresentadas pelo Estado com relação
a duração do processo em função da complexidade da situação (ver infra),
os peticionários sustentaram, durante a audiência celebrada durante o
110° período de sessões da Comissão que este não podia deixar de
cumprir com a sua obrigação de colher provas dentro do território
nacional.[3]
No que se refere a suposta duplicação de processos vis-à-vis o
caso 12.050 (La Granja, Ituango) (ver infra),
os peticionários alegam que a posição articulada pelo Estado é auto-contraditória.
B.
Posição do Estado
18.
O Estado assinala que, conforme a investigação conduzida dentro
do processo em trâmite perante os tribunais internos, as mortes ocorreram
no contexto de um enfrentamento entre um grupo armado dissidente
subversivo e as Autodefesas de Córdoba e Urabá. 19.
Com relação a investigação, informa que os fatos descritos no
presente caso foram inicialmente investigados pela então Promotoria
Regional de Medellín e que a investigação foi, posteriormente, remetida
a Unidade Nacional de Direitos Humanos da Promotoria Geral sob o número
UDH-525. Indica que em 1° de
junho de 1999 foi emitida uma ordem de captura contra Carlos Castaño Gil
e Francisco Villalba Hernández por homicídio em concurso e conformação
de quadrilha de justiça privada. Em
4 de julho de 1999 Carlos Castaño foi declarado ausente. Posteriormente, foi ordenada a vinculação de Salvatore
Mancuso Gómez, Alexander Mecado Fonseca e Héctor Darío Gallego Meza à
investigação. Em 10 de
setembro de 2001 o promotor expediu a resolução acusatória indiciando
como supostos co-autores do delito de acordo para delinqüir em concurso
com homicídio.[4]
O Estado também fez referência a um processo disciplinar
conduzido pela Promotoria Delegada para os Direitos Humanos por suposta
omissão de funcionários públicos em providência a captura dos responsáveis
do massacre de El Aro. Nas
comunicações de 5 de novembro de 2000 e 2 de outubro de 2001 o Estado
considerou que estes atos processuais demonstram que houve um avanço
significativo na investigação.[5]
Posteriormente, na audiência celebrada durante o 110° período de
sessões da CIDH, reconheceu que por razões de segurança as autoridades
judiciais encontraram dificuldades para dirigir-se a zona com a finalidade
de continuar com as diligências investigatórias.[6] 20.
O Estado alega que a denúncia dos peticionários não satisfaz o
requisito do prévio esgotamento dos recursos internos, previsto no artigo
46(1) da Convenção Americana. Assinala
que o atraso a que fazem referência os peticionários se justifica à luz
dos parâmetros estabelecidos na jurisprudência da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, em particular, a complexidade da situação naquela
zona rural. Sustenta,
portanto, que a denúncia deve ser declarada inadmissível. 21.
Cabe assinalar que em sua comunicação de 11 de julho de 2000, o
Estado apresenta uma série de considerações sobre a aplicação, inter
alia, do artigo 47(b) da Convenção Americana que estabelece que as
petições que substancialmente reproduzam uma petição anterior já
examinada pela Comissão ou outro organismo internacional devem ser
declaradas inadmissíveis. Neste contexto, o Estado aponta que a petição
12.266 “…parece estar integrada ” com a denúncia do caso 12.050,
relacionado com os fatos ocorridos em 1996 em La Granja, localidade também
localizada no município de Ituango. IV. ANÁLISE SOBRE
COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE
A. Competência
22.
Os peticionários encontram-se facultados pelo artigo 44 da Convenção
Americana para apresentar denúncias perante a CIDH.
A petição assinala como suposta vítima um indivíduo, a quem a
Colômbia comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na
Convenção Americana. No que
concerne ao Estado, a Comissão assinala que a Colômbia é um Estado
parte na Convenção Americana desde 31 de julho de 1973, data em que
depositou o instrumento de ratificação respectivo.
Portanto, a Comissão tem competência ratione
personae para examinar a petição. 23.
A Comissão tem competência ratione
loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações
de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro
do território de um Estado parte no mencionado tratado. Igualmente,
a CIDH tem competência ratione
temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos
protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o
Estado na data em que ocorreram os fatos alegados na petição.
Por último, a Comissão é competente ratione
materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana. B. Requisitos de
Admissibilidade
1.
Esgotamento dos recursos internos e prazo de apresentação da petição 24.
O Estado alega que a denúncia dos peticionários deve ser
declarada inadmissível, porque não cumpre com o requisito do prévio
esgotamento dos recursos internos, segundo o que dispõe o artigo 46(1) da
Convenção. Os peticionários,
por sua parte, alegam que a investigação penal permanece na fase de
investigação prévia por mais de três anos e que portanto, não
constitui um meio eficaz para julgar os responsáveis das graves violações
que são matéria do presente assunto. 25.
O artigo 46(2)(a) da Convenção estabelece que o requisito do prévio
esgotamento dos recursos internos não resulta aplicável toda vez que:
a) não exista, na legislação interna do Estado de que se tratar,
o
devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que
se
alega tenham sido violados;
b) não se haja permitido ao presumido prejudicado em seus direitos
o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou haja sido ele
impedido de esgotá-los; e
c) haja demora injustificada na decisão sobre os mencionados
recursos. Durante
o procedimento, os peticionários invocaram a aplicação da exceção
relativa ao atraso injustificado baseados na duração da etapa de
investigação prévia. 26.
Segundo sugere da informação aportada por ambas as partes,
durante a investigação prévia que foi estendida por quatro anos e
continua aberta, foi editada uma medida de detenção preventiva contra
uma série de pessoas, incluindo conhecidos líderes das AUC.
Entretanto, apesar da gravidade dos fatos denunciados, não foram
executadas as ordens de captura e, pelo menos, uma das pessoas vinculadas
manteve contato cotidiano com a imprensa e com autoridades do Estado.
Esta situação constitui uma manifestação de atraso. 27.
Embora não haja notícias sobre a vinculação de agentes do
Estado com a investigação, reconhece-se que as diligências destinadas a
colher as provas necessárias foram suspendidas devido a situação de
segurança na zona. A Comissão
considera que, como regra geral, uma investigação penal deve ser
realizada prontamente para proteger os interesses das vítimas, preservar
a prova e salvaguardar os direitos de toda pessoa que, no contexto da
investigação seja considerada suspeita.
Conforme assinalado pela Corte Interamericana, ainda que uma
investigação penal deva cumprir com uma série de requisitos legais, a
regra do prévio esgotamento dos recursos internos não deve conduzir a
que a atuação internacional em auxílio das vítimas seja interrompida
ou demore até a inutilidade.[7]
No presente caso, as perspectivas de efetividade da investigação
judicial não resultam equivalentes as de um recurso que necessariamente
deva ser esgotado antes de recorrer a proteção internacional dos
direitos humanos. Segundo a
jurisprudência da Corte Interamericana, para que um recurso possa ser
considerado como efetivo deve ser capaz de produzir o resultado para o
qual foi concebido.[8] 28.
Por conseguinte, dadas as características e o contexto do presente
caso, a Comissão considera que resulta aplicável a exceção prevista no
artigo 46(2)(c) da Convenção Americana, relativa aos requisitos
previstos na Convenção Americana em matéria de esgotamento dos recursos
internos e, em consequência, não resulta aplicável o prazo de seis
meses para a apresentação da petição. 2.
Duplicação de procedimentos e coisa julgada 29.
O
expediente não contém informação alguma que pudesse levar a determinar
que este assunto encontra-se pendente de outro procedimento de acordo
internacional. Nas suas alegações
iniciais o Estado formulou uma série de apreciações sobre supostas
vinculações entre
dois assuntos pendentes perante a CIDH identificados sob os números
12.050 (La Granja, Ituango) e P12.266 (El Aro, Ituango). 30.
Nesta oportunidade cabe esclarecer que a petição apresentada
junto a CIDH em 3 de março de 2000 sobre os fatos ocorridos entre os dias
22 de outubro e 6 de novembro de 1997 na comunidade de El Aro (P12.266) não
constitui uma reprodução das denúncias contidas na petição
apresentada perante a CIDH em 14 de julho de 1998 com relação aos fatos
ocorridos em 11 de junho de 1996 na comunidade de La Granja (Caso 12.050),
cujo exame sobre o fundo encontra-se pendente tendo em vista a
impossibilidade de corroborar a identidade entre os fatos denunciados e as
vítimas afetadas em ambos os casos.
Frente ao exposto, a Comissão considera cumpridos os requisitos
estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção Americana. 3.
Caracterização dos fatos alegados 31.
Na sua nota de 2 de outubro de 2001, o Estado solicitou a Comissão
que aclarara se as alegações apresentadas pelo peticionário em 24 de
agosto de 2001 sobre a suposta violação do artigo 21 da Convenção
Americana constituíam uma ampliação de sua denúncia, já que esta
alegação não havia sido incluída na petição original.
Adicionalmente, o Estado solicitou à Comissão que determinara
“a pertinência, oportunidade e procedência” desta ampliação à denúncia
inicial. 32.
Efetivamente, em sua comunicação de 24 de agosto de 2001 os
peticionários argumentaram que o Estado havia violado o direito a
propriedade consagrado no artigo 21 da Convenção Americana.[9]
A Comissão aponta que em sua denúncia original de fecha 3 de março
de 2000 os peticionários haviam já alegado que durante a incursão em El
Aro haviam sido incendiadas aproximadamente 40 casas do centro urbano e
que algumas cabeças de gado de propriedade dos habitantes da comunidade
haviam sido roubadas. 33.
Neste sentido cabe assinalar que as normas que estabelecem os
requisitos necessários para que uma petição seja admitida pela Comissão
– o artigo 46(1) da Convenção Americana e o artigo 32 do Regulamento
vigente ao momento da apresentação da denúncia — não exigem a
especificação imediata dos artigos considerados violados com relação
aos fatos denunciados. Segundo
já estabelecido recentemente pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos, ainda que os peticionários postulem na denúncia fatos nos quais
baseiam suas alegações sobre violações a Convenção e estes sejam
relevantes para levar a cabo uma determinação legal, não existe a
obrigação de invocar disposições específicas da Convenção na petição
inicial, bem como impedimentos a formulação de considerações legais em
escritos posteriores com base nos mesmos fatos.
Em resumo, [a]
Corte considera que a interpretação adequada consiste em que, quando
haja alegações adicionais de direito, sobre os mesmos fatos essenciais,
como está postulado na denúncia original do peticionário, mencionadas
alegações não podem ser descartadas pela falta de invocação de um
artigo específico da Convenção.[10] Consequentemente,
as observações sobre a suposta violação do artigo 21 da Convenção não
podem ser consideradas como uma ampliação da denúncia do peticionário
e devem ser consideradas de forma conjunta com a petição original. 34.
A Comissão considera que as alegações dos peticionários com
relação a suposta violação do direito a vida, a integridade e
liberdade pessoais de Arnulfo Sánchez, José Darío Martínez, Olcris
Fail Díaz, Wilmar Restrepo (menor de idade), Omar Ortiz, Fabio Antonio
Zuleta, Otoniel de Jesús Tejada Tejada, Omar Iván Gutiérrez, Guillermo
Andrés Mendoza, Nelson Palacio Cárdenas, Luis Modesto Múnera, Marco
Aurelio Areiza, Rosa Barrera, Dora Luz Areiza e Alberto Correa, e o
direito a proteção da família e propriedade, puderam caracterizar infrações
aos direitos garantidos na Convenção Americana.
Portanto, a Comissão entende preenchidos os requisitos
estabelecidos nos artigos 47(b) e (c) da Convenção Americana. V.
CONCLUSÕES
35.
A Comissão conclui que é competente para examinar a denúncia
apresentada pelos peticionários sobre a suposta violação do direito a
vida, a integridade pessoal, a liberdade pessoal, proteção da família e
propriedade, cometidas em prejuízo das vítimas e que o caso é admissível,
os requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana. 36.
Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos e sem
prejudicar o fundo da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1. Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações de direitos protegidos nos artigos 4, 5, 6, 7, 8, 17, 21, 25 e 1(1) da Convenção Americana. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001. (Assinado): Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Robert K. Goldman, Peter Laurie, Julio Prado Vallejo, Hélio Bicudo, Membros da Comissão.
[ Indice | Anterior | Próxima ]
[1]
Petição inicial de 3 de março de 2000. [2]
Comunicação dos peticionários de 10 de outubro de 2000. [3]
Audiência celebrada durante o 110° período ordinário de sessões
da CIDH, 26 de fevereiro de 2001. [4]
Nota EE 36301 da Direção Geral de Assuntos Especiais do Ministério
de Relações Exteriores da República de Colômbia, 2 de outubro de
2001. [5]
Nota EE 2841 do Vice-ministro de Europa, Ásia, África e Oceania do
Ministério de Relações Exteriores, 5 de novembro
de 2000 e Nota EE 36301 da Direção Geral de Assuntos
Especiais do Ministério de Relações Exteriores da República de Colômbia,
2 de outubro de 2001. [6]
Audiência celebrada durante o 110° período ordinário de sessões
da CIDH, 26 de fevereiro de 2001. [7]
Corte I.D.H. Caso Velásquez
Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 93. [8]
Corte I.D.H. Caso Velásquez
Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 66. [9]
A alegação assinala que: “como foi descrito na apresentação dos
fatos, o grupo paramilitar incendiou, destruiu as residências dos
habitantes da comunidade e apropriou-se de pelo menos 1.200 cabeças
de gado[…] o direito a propriedade que foi violado pelo incêndio e
destruição das casas e pela subtração do gado encontra-se
garantido na Convenção Americana”.
Comunicação dos peticionários de 24 de agosto de 2001. [10]
Corte I.D.H. Caso Hilaire,
Sentença de 1° de setembro de 2001, parágrafo 42. |