...continuación

          C.          O Estado

 

42.          O Estado, por sua parte, é categórico ao alegar que as apresentações dos peticionários não estabelecem fatos que demonstrem violação alguma da Convenção Americana. O Estado afirma que o Sr. Galante gozou de pleno acesso à proteção judicial pronta e efetiva, de conformidade com as devidas garantias.

 

43.          Com relação ao conjunto de argumentos dos peticionários relativos à alegada  parcialidade da Corte Suprema, o Estado indica que estas são de caráter genérico e que não  foram comprovadas. Por outra parte aduz que os peticionários mesmos reconhecem que as alegações carecem de provas.

 

44.          A respeito da impugnação, o Estado indica que o Sr. Galante não invocou  este recurso durante o trâmite de seu recurso de queixa perante a Corte Suprema de Justiça da Nação, porque naquele momento estava consciente dos fatos que agora alega perante a Comissão. O Estado considera que as acusações de tentativa de suborno e pressão não podem ser revistas pela Comissão porque carecem de provas e porque o Sr. Galante não invocou os recursos de impugnação aplicáveis da jurisdição interna durante o processo. Assinala que o Sr. Galante somente impugnou a um dos membros da Corte Suprema durante os procedimentos subsequentes a denegatória de seu recurso de queixa, e que o fez baseado nas alegações proporcionadas por uma fonte anônima. O Estado sustenta que a  utilização de informação anônima deste tipo é desqualificada tanto a nível nacional como na esfera internacional. O Estado indica também que a prática da Corte Suprema de rejeitar solicitações de impugnação interpostas depois da emissão de sua decisão sobre a matéria e questão — neste caso o recurso de queixa— tem muitos anos e é coerente.

 

45.          No que se refere aos co-juízes, o Estado indica que o Sr. Galante poderia ter interposto sua solicitação de impugnação no momento de sua incorporação. O Estado assinala que o simples fato de que dois dos co-juízes tenham votado contra o Sr. Galante de nenhuma maneira demonstra parcialidade e que os peticionários não apresentaram provas que demonstram que as co-juízas tenham estado submetidas a pressões ao tomar suas decisões. Qualifica de abstrata a tentativa dos peticionários de impugnar o sistema de designação de co-juízes perante a Comissão, dado que o Sr. Galante nunca tentou questioná-lo perante as autoridades judiciais competentes. A respeito das alegações dos peticionários de que um membro da Corte, o Ministro Boggiano, eximiu-se muito depois de iniciado o processo e portanto pode ter influído nele, o Estado indica que, dada sua abstenção nesse ponto e a consequente incapacidade de participar na decisão emitida, os peticionários não provaram nenhuma indicação de parcialidade que haja afetado a decisão. Pelo contrário, sustenta o  Estado, o Ministro Boggiano observou plenamente as regras aplicáveis para eximir-se do processo.

 

46.          Com respeito ao segundo conjunto de queixas em que os peticionários alegam violações ao devido processo legal, isto é, a arbitrariedade na interpretação e aplicação das leis nacionais dentro do processo judicial, o Estado indica que o que se manifesta na  documentação apresentada não é arbitrariedade mas sim descontentamento com a decisão. O Estado recorda que o Sr. Galante obteve três sentenças de instâncias judiciais locais. A  Suprema Corte de Justiça da Província de Santa Fe determinou que a lei de aduanas provinciais não se aplicava ao caso do Sr. Galante. O Estado indica que a Corte Suprema de Justiça da Nação, por sua parte, não interpreta as leis locais, mas sim pode desqualificar a interpretação de um tribunal inferior se determina que foi inconstitucional. Em consequência, dado que o mais alto tribunal local decidiu que a lei aplicável era a federal e não a local, de fato não havia nenhuma decisão contrária à lei federal e não havia base para fundamentar uma apelação extraordinária a nível federal. O Estado sustenta que a decisão da Corte Suprema de indeferir o  recurso de queixa obedece plenamente as leis aplicáveis. O Estado assinala que as decisões de todos os tribunais envolvidos no  caso coincidem em rejeitar as alegações do Sr. Galante a respeito da lei aplicável. 

 

47.          O Estado rejeita o argumento dos peticionários de que o Sr. Galante foi discriminado devido à  aplicação de lei federal para resolver seus recursos ao invés da lei local. O Estado afirma que a legislação federal aplicada em seu caso havia sido promulgada em substituição a uma lei precedente com o objetivo explícito de evitar abusos relativos à regulamentação dos honorários profissionais num contexto de falência. O Estado discorda da alegação dos peticionários no sentido de que os assuntos correspondentes aos honorários profissionais são aceitos, em geral, pela  Corte Suprema mediante recurso extraordinário, pois estes assuntos são aceitos em circunstâncias excepcionais nas quais se formulam questões de suposta arbitrariedade, que não foram comprovadas no  caso do Sr. Galante. Assinala que a arbitrariedade não pode ser fundamentada simplesmente numa questão que pode estar sujeita a diversas opiniões, e que deve cumprir um padrão mais rígido. A Argentina insiste que, as alegações dos peticionários referentes à interpretação e aplicação das leis nacionais e a  composição da maioria para adoção de decisões na Corte Suprema de Justiça da Nação, são assuntos que correspondem devidamente à esfera nacional e como tais escapam a  competência jurisdicional da Comissão.

 

48.          Com relação ao terceiro conjunto de alegações dos peticionários relativo à demora injustificada, o Estado indica que uma simples revisão das datas de expedição das decisões judiciais demonstra que cada uma delas foi emitida num prazo razoável em relação às circunstâncias do caso. Aponta que essa revisão demonstra que o Sr. Galante teve acesso rápido e sem impedimentos a múltiplos níveis de apelação.

 

49.          Em suma, o  Estado sustenta que a questão essencial que se apresenta na  petição refere-se à diferença entre o montante de honorários profissionais estabelecido para o Sr. Galante conforme as disposições jurídicas aplicadas e aquelas que, segundo alegam os peticionários, deveriam ser aplicadas. Afirma que o sistema judicial nacional proporcionou ao Sr. Galante a devida oportunidade para expor suas reclamações e a ser ouvido  efetivamente por um tribunal. Assim, o  Estado considera que a petição, da maneira que está apresentada, solicita que a Comissão imponha sua decisão para substituir aquelas proferidas pelos tribunais nacionais que atuaram dentro dos limites de sua competência para interpretar e aplicar o direito argentino, função que está além do mandato da Comissão (a chamada “fórmula da quarta instância”).

 

50.          Por último, quanto à solução amistosa, o Estado sustenta que não negociou nenhum acordo com os peticionários com o objetivo de resolver a situação denunciada mediante o  procedimento prescrito no artigo 48 da Convenção Americana. O Estado indica que o instrumento firmado pela Secretaria de Assuntos Consulares e Gerais na época foi declarado nulo e insanável por ser ilegítimo. Alega, entre outras coisas, que o instrumento foi assinado sem que existisse o requisito essencial para qualquer decisão dessa natureza, que é a emissão de uma opinião precedente pelo Secretário de Assuntos Legais da Secretaria Legal e Técnica da Presidência e que o Ministério em questão carecia da competência jurídica para firmar esse tipo de instrumento. Além disso, o Estado argumenta que chegaram a negociar uma  solução amistosa citada pelos peticionários em respaldo a sua reclamação de que o suposto acordo deveria ter caráter vinculante,  mas não se tratava de um  acordo mútuo entre as partes e conforme a aplicação dos procedimentos institucionais pertinentes.

 

51.          O Estado informa que o instrumento foi declarado de nulidade absoluta e insanável por meio da Resolução Nº 1300 da Secretaria de Culto em 19 de maio de 2000. Posteriormente, o Sr. Galante apelou desta decisão perante a autoridade superior — o  Ministério de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto — em 7 de julho de 2000. Entre as opiniões administrativas emitidas ao respeito figura a da Procuradoria do  Tesouro, de 23 de janeiro de 2001, a qual afirma a nulidade do instrumento em questão e indica que a Resolução Nº 1300 foi emitida em plena observância dos requisitos aplicáveis. Em 26 de fevereiro de 2001, o Ministério emitiu a Resolução Nº 495 a qual afirma a absoluta nulidade do instrumento em questão e indefere a apelação do Sr. Galante, esgotando dessa maneira os recursos administrativos aplicáveis.

 

IV.      ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE 

Observações preliminares em relação à solução amistosa

 

52.          A Comissão assinala que o procedimento de solução amistosa que contempla o  artigo 48(1)(f) da Convenção Americana pode ser utilizado em qualquer etapa do trâmite da petição apresentada perante esta, inclusive na etapa da admissibilidade. O procedimento oferece as partes a oportunidade de resolver a situação denunciada por meios não contenciosos, com  base no respeito pelos direitos consagrados na Convenção Americana. Este procedimento vem sendo utilizado em muitas instâncias para benefícios de ambas partes.[1] 

 

53.          Após analisar as alegações de ambas partes quanto a possível celebração de um acordo desta índole, e revisar os documentos de apoio, a Comissão formula as seguintes observações. O instrumento assinado por Ernesto Galante e a Secretaria de Assuntos Consulares e Gerais em 14 de novembro de 2000 está identificado efetivamente como um acordo de solução amistosa na medida em que reflete o ponto de vista da Secretaria de que este procedimento seria viável nas circunstâncias do caso e estabelece um compromisso em favor da conclusão de uma solução amistosa de conformidade com o previsto no artigo 48(1)(f) da Convenção Americana. O instrumento estabelece ademais o marco básico do referido acordo. Não obstante, também indica expressamente que o “acordo” está sujeito à aceitação do Estado: “’O Poder Executivo Nacional’, no caso de aceitar o presente acordo, se compromete a promulgar o correspondente Decreto ordenando a execução do mesmo”. [A ênfase é nossa.] Portanto, e de acordo com os termos do instrumento, cabe determinar se o Estado — através do Poder Executivo— aceitou os termos e se comprometeu com o procedimento. Os registros indicam que o instrumento foi repetidamente rejeitado pelo Estado, através de seus canais administrativos, que o considerou nulo e inválido, de maneira que não existem bases sobre as quais a  Comissão possa concluir que os peticionários e o  Estado tenham se comprometido a cumprir o acordo para resolver a situação denunciada.

 

A.      Competência da Comissão ratione personae, ratione matériae, ratione temporis e ratione loci

 

54.          A Comissão é competente para examinar a petição. Em relação à questão da legitimidade processual, os peticionários são indivíduos competentes conforme o que prescrevem os artigos 44 da Convenção e o 23 do Regulamento da Comissão para apresentar uma denúncia de violação de direitos protegidos pela Convenção Americana. A suposta vítima, Ernesto Galante, é um indivíduo cujos direitos estão protegidos pela Convenção Americana, a qual o Estado comprometeu-se a respeitar. A  Argentina está sujeita à jurisdição da Comissão segundo os termos da Convenção desde 5 de setembro  de 1984, data em que foi depositado o instrumento de ratificação.

 

55.          Na medida em que os peticionários invocaram violações dos artigos 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana, a petição recai na jurisdição ratione matériae da Comissão. A petição alega fatos que, se provados verdadeiros e cumpridos outros requisitos, poderiam configurar violações dos direitos protegidos pela Convenção Americana.

 

56.          A Comissão tem jurisdição temporal para revisar a petição. A petição se baseia em alegações que remontam a 1988, ano em que o  Sr. Galante solicitou que o tribunal de primeira instância estabelecera o montante dos honorários profissionais . Consequentemente, os fatos alegados sucederam depois da entrada em vigor das obrigações do Estado como parte da Convenção Americana.

 

57.          Por último, A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro do território de um Estado parte no mencionado tratado.

 

B.       Outros requisitos para a admissibilidade da petição

 

1.          Esgotamento dos recursos de jurisdição interna

 

58.          O artigo 46 da Convenção Americana especifica que, para que uma petição seja admitida pela Comissão, é necessário “que hajam sido interpostos e esgotados os recursos de jurisdição interna, conforme os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos”. Este requisito existe para assegurar ao Estado a oportunidade de resolver controvérsias dentro de seu próprio marco normativo. O artigo 46 reconhece exceções a este requisito quando não existe recursos de jurisdição interna de fato ou de direito.[2]  O artigo 46(2) da Convenção especifica que esta exceção é aplicada quando: a) não exista na legislação interna do Estado de que se trata as garantias do devido processo legal para a proteção dos direitos que se alega foram violados; b) quando não se haja permitido o acesso da suposta vítima ao direito de utilizar os recursos de jurisdição interna; c) em caso de atraso injustificado na adoção de uma sentença definitiva. 

59.          Em primeiro lugar, com relação à suposta parcialidade dos membros da Corte Suprema de Justiça da Nação que participaram dos trâmites judiciais instituídos pelo Sr. Galante, os peticionários assinalam  que a impugnação é o recurso apropriado para reparar as violações denunciadas. Reconhecem que o Sr. Galante não interpôs uma solicitação de impugnação depois das supostas tentativas de subornos e pressões que, segundo os  peticionários, afetaram o trâmite de seu recurso de queixa. O Sr. Galante invocou referido mecanismo duas vezes, durante o trâmite de suas respectivas solicitações de revogação e  nulidade, mas alegam os peticionários que estes foram denegados injustamente. Discordam da noção de que a denúncia penal pendente e a solicitação de juízo político oferecem um recurso efetivo para as violações denunciadas. O Estado, por sua parte, afirma que as duas solicitações de impugnação foram claramente extemporâneas. Indica que a Corte Suprema rejeitou ambas solicitações por que haviam sido interpostas depois do indeferimento do recurso de queixa, e que eram, portanto inadmissíveis.

60.          Os peticionários, em essência, alegam que a solicitação de impugnação é o  recurso apropriado para as violações alegadas, mas que o Sr. Galante deveria poder invocá-lo no momento em que este assim desejasse. Neste sentido, a documentação remitida pelos peticionários indica que o Sr. Galante estava consciente dos aspectos mais graves que, segundo alega perante esta Comissão, afetaram a independência e a  imparcialidade da Corte Suprema, isto é, as supostas tentativas de subornos e o sistema de designação e suposta pressão a que foram submetidas as juizas durante o trâmite de seu recurso de queixa. Todavia, o Sr. Galante não tentou impugnar os ministros nem as juizas envolvidas nessa oportunidade.

61.          O fato de que o Sr. Galante tenha declinado de invocar este recurso durante o trâmite do recurso de queixa, sobretudo quando os peticionários admitem a impossibilidade de oferecer provas de suas alegações relativas às tentativas de suborno e pressões, significa que o Estado não foi notificado oportuna e adequadamente para que pudesse atender as suas reclamações através de recursos da jurisdição interna normalmente aplicáveis. A razão pela qual o Sr. Galante declinou do exercício de seu direito de impugnação durante o trâmite do recurso de queixa foi porque lhe preocupava que o fato de acusar aos autores das supostas tentativas de subornos implicasse no risco de desaparecimento da única prova que existia neste sentido. Tendo em conta este racionamento, e de que a preocupação citada supostamente surgia em relação aos procedimentos iniciados posteriormente pelo Sr. Galante nas esferas penal e política, esta explicação não é suficiente para justificar o fato de não ter esgotado em sua oportunidade os recursos de jurisdição interna que, em princípio, eram efetivos e  estavam a sua disposição.

62.          As reclamações apresentados perante esta Comissão com respeito ao sistema de designação de co-juízes nunca foi arguido perante o sistema judiciário nacional, nem os peticionários ofereceram justificativa para o não cumprimento deste requisito. Os peticionários alegam que o sistema de designação levou as condições que fizeram com que as co-juízas se vissem pressionadas durante o trâmite do recurso de queixa. Os peticionários insistem que o tipo de  sistema de designação colaborou para que as duas co-juízas votassem  contra as pretensões do Sr. Galante. O Sr. Galante não solicitou a impugnação das co-juízas no momento de sua incorporação ao processo, nem tratou de impugnar a constitucionalidade do sistema de designação.

63.          A Comissão considera que as alegações sobre corrupção dentro do poder judiciário são questões da mais alta seriedade. Todavia, a CIDH é competente apenas para  examinar referidas denúncias quando a petição reúne os requisitos da Convenção e de seu Regulamento, inclusive quanto ao esgotamento dos recursos internos. [3]  À luz da análise  precedente, fica descartada a admissibilidade do primeiro conjunto de queixas dos peticionários,  no qual se alega a parcialidade nos trâmites perante a Corte Suprema tendo em vista o prescrito no artigo 46 da Convenção. A respeito do segundo e terceiro conjuntos de queixas, que se referem a supostas violações do devido processo legal em virtude da  aplicação arbitrária da lei nacional e a demora indevida nos procedimentos judiciais, respectivamente, os registros demonstram e as partes coincidem em que o Sr. Galante invocou e esgotou os recursos internos a sua disposição para resolver sobre o montante dos honorários profissionais vencidos.

 

2.          Duplicidade de procedimentos e res judicata

 

64.          O artigo 46(1)(c) estabelece que a admissão de uma petição está sujeita ao requisito de que o assunto  “não esteja pendente de outro procedimento de acordo  internacional”, e o artigo 47(d) da Convenção estipula que a Comissão não admitirá uma petição que “seja substancialmente a reprodução de petição ou comunicação anteriormente  examinada pela Comissão ou outro organismo internacional”. No presente caso, as partes não reclamaram e os procedimentos não sugerem a existência de nenhuma destas circunstâncias de inadmissibilidade.   

 

3.          Caracterização dos fatos alegados

 

65.          O artigo 47(b) da Convenção Americana estabelece que a Comissão considerará inadmissível toda petição que “não exponha fatos que caracterizem uma violação dos direitos garantidos por esta Convenção”. A respeito do segundo conjunto de queixas dos peticionários referentes à suposta arbitrariedade na interpretação e aplicação da lei nacional, de conformidade com a “fórmula da quarta instância”, a Comissão não pode, em princípio, revisar decisões emitidas por tribunais nacionais que atuam dentro dos limites de sua competência e com as devidas garantias judiciais, a menos que considere que está perante uma possível violação da Convenção Americana.[4]  “Corresponde, em primeira instância, às autoridades nacionais, e em especial aos tribunais, interpretar e aplicar o direito interno”.[5] 

66.          A Comissão determinou previamente que tem plena autoridade para examinar supostas irregularidades nos trâmites judiciais nacionais que resultem em violações manifestas do devido processo legal ou de qualquer dos direitos protegidos pela Convenção. Entretanto, a denúncia que simplesmente alega que a decisão interna foi equivocada ou injusta deverá ser rejeitada conforme a fórmula mencionada anteriormente.[6] A função da Comissão é assegurar a observância das obrigações assumidas pelos Estados Partes da Convenção, mas não pode atuar como tribunal de quarta instância para examinar supostos erros de fato ou de direito interno cometido pelos tribunais nacionais que hajam atuado dentro dos limites de sua competência.[7]   

67.          As denúncias dos peticionários alegando arbitrariedade formulam questões de direito interno relativamente complexas.  Por um lado trata-se de aspectos relacionados com os conflitos entre lei federal e  provincial; e por outro lado, aspectos como a maneira com a qual a Corte Suprema de Justiça da Nação estabelece sua maioria de votos, as condições para denegar o certiorari e aquilo que constitui uma questão federal sujeita a revisão. Estas são as questões jurídicas cuja resolução está sujeita a debate, como demonstra as opiniões das partes, os especialistas e a jurisprudência citadas, bem como as opiniões minoritárias formuladas em algumas etapas dos procedimentos nacionais.

 

68.          Após revisar o expediente, a Comissão determina que as denúncias dos  peticionários essencialmente formulam questões de direito interno que não se referem ao cumprimento estatal das garantias da Convenção. (A Corte Suprema de Justiça da Nação de Argentina, por exemplo, tem necessariamente jurisdição para determinar o que constitui um voto majoritário válido). As decisões dos três níveis dos tribunais locais, bem como as da Corte Suprema de Justiça da Nação são coerentes com o enfoque global das denúncias apresentadas pelo Sr. Galante. As várias decisões a nível local e federal indicam que a aplicação da lei nacional pelo tribunal de primeira instância não havia sido arbitrária. Além disso, os peticionários concentraram suas alegações na suposta arbitrariedade dos trâmites perante a Corte Suprema, vinculando suas alegações de violações de garantias substanciais e processuais com aquelas que se referem à parcialidade, sem expor especificamente por que e como as decisões dos tribunais locais sobre a apelação haviam sido arbitrárias em si. Dada a natureza das reclamações e a prova em questão, a Comissão conclui que a admissibilidade fica descartada em virtude do que prescreve o artigo 47(b) da Convenção Americana e a aplicação da fórmula da quarta instância.

 

4.           Prazo para a apresentação da petição

 

69.          Conforme o artigo 46(1)(b) da Convenção, toda petição deve ser apresentada em tempo para que possa ser admitida; especificamente, dentro de seis meses contados a partir do momento em que o denunciante haja sido notificado da sentença definitiva no  âmbito interno.  A regra dos seis meses garante segurança e estabilidade jurídica uma vez adotada uma decisão. Esta regra não se aplica quando seja impossível esgotar os recursos internos por falta do devido processo, denegação de acesso aos recursos ou atrasos injustificados na edição de uma sentença definitiva.

 

70.          Com relação à demora indevida, o cálculo do prazo para a apresentação junto a  Comissão remonta a data em recursos de jurisdição interna foram efetivamente esgotados. Como está indicado na documentação das partes, o recurso de queixa que o Sr. Galante interpôs perante a Corte Suprema é um recurso de jurisdição interna previsto pela lei. As  partes também concordam que, embora o direito argentino não estabeleça expressamente nenhum outro recurso para impugnar a decisão final relativo a esse recurso, em casos excepcionais a Corte Suprema de Justiça da Nação já admitiu uma nova apelação do tipo interposto pelo Sr. Galante. No presente caso, os registros indicam que o Sr. Galante interpôs posteriormente uma segunda impugnação fundada nas mesmas bases jurídicas e fáticas, a qual foi indeferida por ser claramente improcedente.

 

71.          O prazo para a apresentação é calculado sobre a base da decisão final que representa uma resolução efetiva da situação denunciada. A  invocação de recursos que não representam uma resolução efetiva não é tomada em conta neste cálculo. A Comissão determinou que o período de seis meses considerado no assunto sob análise deve ser calculado a partir de 3 de outubro de 1997, data da decisão denegatória do primeiro recurso de revogação e nulidade interposto contra a decisão da Corte Suprema que indeferiu o recurso de queixa. A petição foi apresentada perante a Comissão e recebida em 21 de maio de 1998, aproximadamente sete meses e meio depois da data dessa decisão e, portanto, de forma extemporânea.

 

          V.          CONCLUSÕES

 

72.          Com base na documentação enviada pelas partes e da análise dos requisitos para a admissão de uma petição, a Comissão conclui que a presente petição é inadmissível de  conformidade com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana. O primeiro conjunto de denúncias dos peticionários, em que se alega a parcialidade no trâmite do caso perante a Corte Suprema de Justiça da Nação é inadmissível porque não foram invocados ou não invocaram de forma adequada os recursos de jurisdição interna. O segundo conjunto de denúncias em que se alega a arbitrariedade manifesta na aplicação das leis nacionais é inadmissível em razão da fórmula da quarta instância. Ademais, estas e o terceiro conjunto de denúncias em que se alega demora indevida são inadmissíveis porque foram apresentadas de forma extemporânea.

 

73.          Com base na análise e nas conclusões expostas no presente relatório,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
 
DECIDE:

 

1.     Declarar inadmissível a presente petição.

 

2.     Notificar as partes desta decisão.

 

3.     Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e aprovado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo, Membros da Comissão.


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[1] Veja em geral, Relatório Nº 33/00 (solução amistosa), Caso 11.308, Hagelin (Argentina), publicado no Relatório Anual da CIDH 1999, OEA/Ser.L/V/II.106, Doc. 3 rev., 13 abril 2000; Relatório No 90/99 (solução amistosa), Caso 11.713, Comunidades Indígenas Enxet-Lamenxay y Kayleiphapopyet -Riachito (Paraguai), publicado em Relatório Anual da CIDH 1999, supra.

[2] Ver CIDH, Exceções ao esgotamento dos recursos de jurisdição interna (Art. 46.1, 46.2.a e 46.2.b Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinião Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990, Ser. A No. 11, par. 17.

 

[3] Os peticionários sustentam que, não obstante a falta de prova inequívoca, se deve admitir a petição com  base na simples possibilidade de que foram violados os direitos do Sr. Galante. Como se indica, tal possibilidade somente pode existir quando se encontram presentes os requisitos para estabelecer a jurisdição, inclusive quanto ao esgotamento dos recursos internos. Ademais, embora não seja necessário estabelecer a prova na etapa de admissibilidade, os peticionários tem em princípio a carga de prova de aduzir os elementos de fato e de prova suficiente para caracterizar uma possível violação de conformidade com os términos do artigo 47(b) da Convenção (examinado abaixo em mais detalhes). As especulações ou preocupações subjetivas apresentadas pelos  peticionários como fundamento de várias denúncias não oferecem, em si mesmas, uma fundamentação suficiente para exercer referida jurisdição. Ver, em geral, Relatório Nº 9/98, caso 11.537, Correa e Payan (México, Relatório Anual da CIDH 1997, OEA/Ser.L/V/II.98. Doc. 7 rev., 13 abril 1998, par. 47 (que explica num caso de supostas parcialidade, que denúncias desta natureza devem ser fundamentadas com “elementos específicos no caso concreto” –elementos suficientes para caracterizar a nível prima facie uma violação de acordo  com o artigo 47(b)).

[4] Ver, por exemplo,  Relatórios 87/98, caso 11.216, Vila-Masot (Venezuela), Relatório Anual da CIDH 1998, par. 15; 4/97, petição Jiménez (Colômbia), Relatório Anual da CIDH 1996, OEA/Ser.L/V/II.95, Doc. 7 rev., 14 março 1997, par. 25; 39/96, Caso 11.673, Marzioni (Argentina), Relatório Anual da CIDH 1996, supra, par. 50.

[5] Marzioni, supra, par. 57, citando a Comissão Européia de Direitos Humanos, Alvaro Baragiola contra Suiza, App. Nº 17625/90, decisão sobre admissibilidade, Yearbook of the European Convention on Human Rights 1992, páginas 103, 105-06.

[6] Marzioni, supra, para. 51; ver também as referências dos parágrafos 52-56 deste relatório – Res. Nº 29/88, Caso 9260, Wright (Jamaica), Relatório Anual da CIDH 1987-88, OEA/Ser.L/V/II.74, Doc. 10 rev. 1, 16 de setembro de 1988, e Res. Nº 74/90, Caso 9850, López Aurelli (Argentina), Relatório Anual da CIDH 1990-91, OEA/Ser.L/V/II.79 rev., Dec. 12, 22 fevereiro 1991, par. 20 – as quais demonstram a distinção entre as denúncias referentes a  violação do direito ao devido processo legal e as denúncias  consideradas inadmissíveis com base na fórmula da quarta instância.

[7] Ver, por exemplo, Vila-Masot, petição Jiménez, e Marzioni, supra, n. 4, parágrafos 16, 26 e 51, respectivamente.