RELATÓRIO Nº 70/01*

PETIÇÃO 12.055

GALANTE

ARGENTINA

3 de agosto de 2001

 

I.          RESUMO

 

1.          O presente relatório refere-se à admissibilidade da petição 12.055, recebido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana”, “Comissão” ou “CIDH”) em 21 de maio de 1998.  A petição foi apresentada pelos advogados Ernesto Galante, Raúl Zaffaroni e Alicia Oliveira (doravante denominados “os peticionários”) contra a República Argentina (doravante denominada “Argentina” ou “o Estado”).  Mediante uma nota de 12 de julho de 1999, os peticionários indicaram que a advogada Alicia Oliveira deixaria de participar do caso porque fora nomeada  “Defensora Pública” da cidade de Buenos Aires.  A partir de uma comunicação de 23 de junho de 1999, o advogado Alberto Bovino também colaborou como peticionário na apresentação da petição. Numa nota de 17 de julho de 2000, os peticionários indicaram que o advogado Zaffaroni deixaria de participar por ter sido nomeado Presidente do Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo.

 

2.          Os peticionários alegam que o Estado da Argentina é responsável pelas  violações dos artigos 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana” ou “Convenção”) como resultado de ações e omissões ilícitas e arbitrárias relacionadas com o trâmite das solicitações apresentadas pelo Sr. Galante perante os tribunais argentinos referentes à determinação dos seus honorários profissionais. Argumentam que as violações alegadas referem-se principalmente ao fato de que a Corte Suprema de Justiça da Nação não reparou as violações ao devido processo legal cometidas pelos tribunais inferiores e as graves irregularidades cometidas durante o processo do caso perante a Corte Suprema.

 

3.          Em resumo, os peticionários alegam em primeiro lugar que foi denegado ao Sr. Galante o acesso a um tribunal independente e imparcial. Argumentam que a parcialidade da Corte Suprema argentina deu-se através das tentativas de seus membros em solicitar subornos em troca de votos a favor do Sr. Galante, a postura incorreta de três juízes na avaliação do pedido de impugnação de dois dos co-juízes que participaram do processo, bem como as pressões exercidas sobre duas das co-juízas para que indeferissem seu recurso. Em segundo lugar, os peticionários alegam que foi denegado ao  Sr. Galante o direito a ser ouvido de forma justa e com as devidas garantias. Neste sentido, assinalam que a Corte Suprema aplicou incorretamente a disposição jurídica de certiorari, que as duas opiniões utilizadas para formar a maioria que indeferiu a primeira de suas apelações perante esse tribunal foram somadas ilegitimamente, que o tribunal se distanciou de sua própria doutrina e que cometeu graves erros na aplicação da lei substantiva. Em terceiro lugar, alegam que a duração de todo o processo foi prolongado sem justificativa, em violação ao direito de ter acesso a um recurso rápido e de ser ouvido com as devidas garantias dentro de um prazo razoável. Informam que o processo, durou aproximadamente nove anos desde a primeira instância até a decisão final.

 

4.          O Estado, por sua parte, alega que o Sr. Galante teve pleno acesso aos recursos judiciais eficazes, de conformidade com o devido processo. Afirma que a petição é inadmissível porque não expõe fatos que evidenciam uma violação da Convenção. Em relação às queixas de corrupção no processo apresentadas perante a Corte Suprema de Justiça da Nação, o Estado insiste que os peticionários não arguiram a impugnação durante a oportunidade processual prevista na lei e, não ofereceram provas concretas que sustentassem suas acusações. Com respeito às alegações dos peticionários relacionadas com o direito de serem ouvidos com justiça e as devidas garantias, o Estado afirma que se chegou as decisões impugnadas obedecendo devidamente as leis nacionais, e que os peticionários não sustentaram suas alegações de arbitrariedade. Defende que os peticionários estão, em essência,  solicitando a Comissão que substitua seu juízo sobre a interpretação e aplicação das leis internas em lugar da decisão dos tribunais argentinos, que atuaram dentro dos limites de sua esfera de competência, função que escapa ao mandato jurisdicional da Comissão. No que respeita, as alegações sobre demora indevida, o Estado argumenta que o exame das datas das decisões adotadas não revela tal demora.

 

5.          Conforme está disposto em seguida, a Comissão conclui neste relatório, através do exame das alegações de fato e de direito de ambas partes, que a petição 12.055 é inadmissível.  O primeiro conjunto de reclamações, aquelas em que se alega a parcialidade no trâmite do caso perante a Corte Suprema de Justiça da Nação é inadmissível porque não se invocou, ou não o fizeram de forma adequada, os recursos de jurisdição interna. O segundo conjunto de reclamações relativo à arbitrariedade manifestado na aplicação das leis nacionais é inadmissível em razão da  fórmula da quarta instância. Ademais, estas e o terceiro conjunto de queixas no que se alega demora indevida são inadmissíveis porque foram apresentadas em forma extemporânea.

 

II.                 TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.          Em 7 de outubro de 1998 a Comissão informou aos peticionários que se havia dado início ao trâmite do assunto de conformidade com seu Regulamento e que se tinha transmitido ao Estado, mediante uma nota dessa mesma data, às partes pertinentes da petição. A CIDH solicitou ao Estado que remitisse informação pertinente com respeito aos fatos alegados, bem como ao requisito sobre o esgotamento dos recursos de jurisdição interna dentro de um prazo de 90 dias.

 

7.          Em 7 de agosto e em 7 de outubro de 1998, a Comissão recebeu informação adicional dos peticionários, que foi remitida ao Estado em 19 de outubro de 1998, solicitando a apresentação de toda a informação pertinente no mais tardar em 7 de janeiro de 1999. Mediante uma nota datada de 6 de janeiro de 1999, o Estado solicitou uma prorrogação. Mediante notas de 8 de janeiro de 1999, foi concedido ao Estado outros 60 dias, e notificaram os peticionários. O Estado remeteu sua resposta em 14 de abril de 1999, que foi transmitida aos peticionários em 21 de abril de 1999, solicitando-lhes seus comentários dentro de um prazo de 60 dias. Em 29 de abril de 1999, os peticionários apresentaram informação adicional, que foi transmitida ao Estado em 29 de abril de 1999, e se lhes solicitou uma resposta dentro de um prazo de 60 dias. Em 23 de junho de 1999, os peticionários solicitaram uma breve prorrogação para remitir sua resposta, e em 30 de junho de 1999, o Estado também solicitou tempo adicional.

 

8.          Os peticionários encaminharam novamente informação adicional em 12 de julho de 1999. Ademais, solicitaram que a Comissão lhes concedesse uma audiência para discutir o assunto  durante seu próximo período de sessões. A informação foi transmitida ao Estado em 20 de julho de 1999, solicitando-lhe a apresentação de uma resposta dentro de 30 dias. A Comissão informou aos peticionários, numa nota de 7 de setembro de 1999, que não seria possível  conceder uma audiência devido ao elevado número de audiências programadas.

 

9.          O Estado encaminhou informação adicional em 20 de setembro de 1999, a qual foi transmitida aos peticionários em 29 de setembro de 1999, solicitando-lhes suas observações dentro de um prazo de 60 dias. Mediante uma nota de  30 de novembro de 1999, os peticionários solicitaram uma prorrogação de 60 dias. Mediante notas de 7 de novembro de 1999, a Comissão informou aos peticionários que lhes havia concedido outros 30 dias, e notificou sua decisão ao Estado.

 

10.          Em 14 de dezembro de 1999, os peticionários solicitaram que a Comissão concedesse uma audiência para expor o assunto durante seu próximo período de sessões. As observações dos peticionários foram recebidas em 29 de dezembro de 1999 e transmitidas ao Estado em 3 de janeiro de 2000, solicitando-se que apresentasse uma resposta dentro de um prazo de 30 dias. Em 2 de fevereiro de 2000, o Estado solicitou uma nova prorrogação.  Mediante uma nota de 4 de fevereiro de 2000, a Comissão informou aos peticionários que não seria possível conceder a audiência solicitada. Em 10 de fevereiro de 2000, a CIDH concedeu ao Estado outros 45 dias para responder e notificou devidamente aos peticionários. Os peticionários enviaram informação adicional em 19 de janeiro de 2000, a qual foi transmitida ao Estado em 16 de fevereiro de 2000, solicitando-lhe uma resposta dentro de 30 dias. Em 11 de abril de 2000, o Estado solicitou uma prorrogação adicional, e por notas de 24 de abril de 2000, a Comissão concedeu ao Estado aproximadamente um mês adicional, e notificou aos peticionários. Em 22 de maio de 2000, o Estado remeteu informação adicional, a qual foi transmitida aos peticionários em 24 de maio de 2000, solicitando-lhes remeter uma resposta opcional no prazo de 60 dias.

 

11.          Em 17 de julho de 2000, a Comissão recebeu duas comunicações dos peticionários, as quais foram transmitidas ao Estado em 24 de agosto de 2000, solicitando-lhe sua resposta, dentro de um prazo de 60 dias. O Estado apresentou informação adicional em 24 de outubro de 2000, a qual foi transmitida aos peticionários em 1º de novembro de 2000, solicitando-lhes comentários dentro de 60 dias. Os peticionários encaminharam informação  adicional em 29 de dezembro de 2000, a qual foi transmitida ao Estado em 3 de janeiro de 2001, solicitando-lhe enviar comentários dentro de um prazo de 60 dias. Em 7 de março de 2001, o Estado enviou comentários adicionais, e os peticionários apresentaram informação adicional em 6 de abril de 2001. As comunicações respectivas foram transmitidas à outra parte em 15 de maio de 2001.

 

III.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.          Resumo dos trâmites jurídicos nacionais pertinentes

 

12.          Esta parte do relatório apresenta um breve resumo dos trâmites jurídicos perante os tribunais nacionais pertinentes às reclamações feitas na petição. Este resumo baseia-se nas comunicações de ambas partes, e referem-se a fatos objetivos como datas de decisões de recursos. A seguir está o resumo das posições de cada parte a respeito das questões de fato e de direito formuladas nos processos.

 

13.          O Sr. Galante representou legalmente a Celulosa Argentina entre 1982 e 1988 nos processos relativos à falência da filial da empresa. Em outubro  de 1988 interpôs uma  petição perante o tribunal de primeira instância de Rosario, província de Santa Fe, solicitando-lhe que estabelecera o montante dos honorários profissionais que a empresa estaria obrigada a pagar pelos serviços jurídicos prestados por ele entre novembro de 1983 e fevereiro de 1988. (Este recurso exige que o tribunal a cargo do processo de falência emita uma decisão  declarando o montante dos honorários profissionais correspondentes aos síndicos, advogados, etc.)

 

14.          Na sentença de 22 de dezembro de 1989, o tribunal de primeira instância determinou que a lei aplicável quanto à determinação de honorários do Sr. Galante era federal e não local. Ao referir-se o que identificou como uma lacuna, na medida em que a lei não prescreve expressamente a determinação do montante dos honorários profissionais em  processos com filiais, o tribunal utilizou a legislação nacional referente aos honorários dos síndicos em procedimentos dessa índole. Consequentemente os honorários do Sr. Galante foram estabelecidos de conformidade com o limite máximo fixado para os honorários dos síndicos previstos na Lei de Concurso Federal (Lei 19.551).

 

15.          O Sr. Galante apelou desta sentença, alegando, entre outras coisas, que, dada a suposta lacuna e o princípio de que todas as faculdades não expressamente delegadas ao governo federal recaem nas províncias, sua solicitação deveria ser resolvida de acordo com as leis provinciais. Em 8 de fevereiro de 1991, o Segundo Tribunal da Câmara de Apelações Civil e Comercial de Rosario resolveu, por maioria de dois votos a um, rejeitar a apelação e afirmar a sentença emitida na primeira instância.

 

16.          O Sr. Galante impugnou a constitucionalidade da Lei Nº 7055 da província de Santa Fe perante a Câmara de Apelações de Rosario, invocando violações as garantias do direito à propriedade, igualdade, devido processo, defesa e separação de poderes. Esta apelação foi indeferida em 26 de setembro de 1991, aduzindo que não se formulava uma questão constitucional.

 

17.           Em seguida, o Sr. Galante apresentou um recurso de queixa (este recurso tem  por objetivo obter a revisão de uma instância superior uma vez que o acesso a referido recurso haja sido solicitado e denegado previamente pelo tribunal cuja decisão está sendo impugnada) perante a Suprema Corte de Justiça de Santa Fe. O recurso foi denegado por decisão unânime em 4 de novembro de 1992, devido à falta de uma questão constitucional e um desacordo sobre os critérios aplicados pelo tribunal de primeira instância.

 

18.          O Sr. Galante interpôs um recurso extraordinário junto a Suprema Corte de Justiça de Santa Fe para que esta revisara a sentença com base nas alegações formuladas anteriormente, mas agregou que a sentença prévia foi arbitrária. A Suprema Corte de Justiça de Santa Fe indeferiu esta apelação em 27 de abril de 1993 porque carecia de justificativa suficiente e não argüia questão constitucional.

 

19.          Posteriormente, o Sr. Galante interpôs em recurso de queixa perante a Corte Suprema de Justiça da Nação em 24 de maio de 1993. Nos dias 24 e 29 de agosto de 1995 e 20 de fevereiro de 1996, os Ministros Petracchi, Boggiano e Bossert, respectivamente,  eximiram-se de participar na votação. Em 17 de dezembro de 1996, a Corte Suprema de Justiça, integrada por seis ministros e três co-juízes nomeados para substituir aqueles que se haviam eximido da votação, indeferiram o recurso por cinco votos a quatro.

 

20.          Em 23 de dezembro de 1996, o Sr. Galante interpôs perante a Corte Suprema de Justiça um recurso de revogação e nulidade da sentença de 17 de dezembro de 1996, com base nas alegações de que a decisão de indeferir o recurso de queixa não havia sido apoiada na maioria legitimamente constituída, que os artigos que permitiram à Corte recusar-se a conhecer o assunto foram aplicados de maneira inadequada, e que um dos juízes havia aplicado incorretamente as citações de jurisprudência contidas no seu voto. Apresentou então uma petição de impugnação dos Ministros Fayt, Belluscio e Moliné O’Connor com o fim de  impedir suas participações no processo.

 

21.          Na mesma data, o Sr. Galante apresentou uma denúncia perante a Câmara Nacional de Deputados solicitando juízo político (requisito constitucional para remover um ministro da Corte Suprema do seu cargo) dos Ministros Fayt, Boggiano, Belluscio e Moliné O’Connor, bem como as Co-juízas Tyden de Skanata e Corchuelo de Huberman. Este processo encontra-se tramitando no Congresso da Nação.

 

22.          Em 30 de setembro de 1997, o Sr. Galante formulou uma denúncia penal perante o Procurador Geral da Nação alegando irregularidades penais cometidas no seu processo na Corte Suprema, envolvendo os Ministros Boggiano e Fayt, e as Co-juízas Tyden de Skanata e Corchuelo de Huberman. A denúncia foi transmitida para a Sala III da Câmara Nacional de Apelações no Criminal e Correcional. O assunto continua na fase de instrução.

 

23.          Em 3 de outubro de 1997, a Corte Suprema de Justiça da Nação indeferiu o recurso de revogação e nulidade interposto pelo Sr. Galante, ao mesmo tempo em que rejeitou sua petição de impugnação de três ministros pois o objeto da petição de impugnação era o mesmo do recurso de queixa.

 

24.          Em 13 de outubro de 1997, o Sr. Galante interpôs outro recurso de revogação e nulidade da decisão de 3 de outubro de 1997, e reiterou sua solicitação de impugnação dos Ministros Fayt, Belluscio e Moliné O’Connor. Nessa oportunidade também solicitou a impugnação das co-juízas Tyden de Skanata e Corchuelo de Huberman a fim de que estas não participassem do processo. A Corte indeferiu o recurso de revogação e nulidade e a solicitação de impugnação por inadmissível numa decisão emitida em 25 de novembro de 1997.

 

B.          Os peticionários

 

25.       Os peticionários formulam três argumentos principais a respeito do processo em questão. Em primeiro lugar, alegam que o acesso a um tribunal independente e imparcial foi denegado ao Sr. Galante. Em termos gerais, alegam que a Corte Suprema de Justiça da Nação deixou de ser um órgão judicial neutro quando incrementou o número de juízes de cinco para nove  em 1990, quando então começou a tornar-se cada vez mais uma órgão politizado. Sustentam que o trâmite perante a Corte Suprema de Justiça esteve sujeito a numerosas e graves irregularidades derivadas de uma falta de imparcialidade. Afirmam que esta falta de imparcialidade está demonstrada da seguinte maneira: nos intentos dos ministros de solicitar subornos em troca de votos favoráveis; a maneira incorreta em que trataram  as solicitações do Sr. Galante de recusar três ministros e duas co-juízas, e a pressão exercida sobre outras  co-juízas para que estas rejeitassem suas petições.

 

26.          Com respeito à tentativa de suborno, os peticionários alegam que em maio de 1995, depois de interpor o recurso de queixa perante a Corte Suprema de Justiça da Nação, o Sr. Galante reuniu-se com  o Ministro Boggiano em seu escritório a fim de perguntar sobre a demora do julgamento.  Os peticionários alegam que o Ministro Boggiano mencionou que o  Ministro Belluscio estava pressionando-o para que indeferisse o recurso do Sr. Galante. Os peticionários indicam que o Sr. Galante reuniu-se também com o Ministro Boggiano pela mesma razão, e este lhe disse: “Eu votei a seu favor, mas terá que me dar 5 milhões”. De acordo com os peticionários, o Sr. Galante perguntou-lhe se aquilo era sério ou se estava louco, e imediatamente depois deixou o escritório.  Os peticionários assinalam que o Sr. Galante ficou sabendo, posteriormente, que o Ministro Boggiano mudou o seu voto, e em lugar de admitir o recurso, decidiu rejeitá-lo.

 

27.          Os peticionários indicam que o expediente de circulação interna da Corte Suprema argentina para este recurso demonstra que o Ministro Boggiano efetivamente mudou o seu voto, dado que originalmente havia aderido à opinião que favorecia o recurso do Sr. Galante, mas depois aderiu à opinião contrária ao recurso dos Ministros Belluscio e Moliné O’Connor. Os peticionários alegam que esta mudança de voto deve-se a recusa do Sr. Galante em aceitar pagar a exigência de suborno do Ministro Boggiano. Antes de proferir a sentença, o Ministro Boggiano eximiu-se de participar da votação por razões de foro íntimo , motivo previsto em lei. Os peticionários sustentam que, embora o Ministro Boggiano não tenha participado da decisão final, sua participação até o momento em que se eximiu pode ter tido influência informal no conteúdo desta.

 

28.          Os peticionários alegam ademais que o Ministro Fayt tentou obter um suborno em troca de uma decisão favorável quando conversou com um outro advogado do escritório do Sr. Galante. Em 1995, o advogado Durañona y Vedia comunicou o Sr. Galante que o Ministro Fayt havia  emitido uma decisão a favor das reclamações apresentadas e havia indicado que “uma vez que alcançassem o decisão final deveriam acordar um montante para ele”. Os peticionários indicam que o Sr. Galante respondeu ao seu colega que não aceitaria a proposta. O advogado faleceu em  2 de setembro de 1995. De acordo com a petição, o Sr. Galante tomou conhecimento uns dias depois que o Ministro Fayt havia mudado o seu voto favorável para um voto contra, o qual foi refletido na sentença. Sustentam que isto ocorreu porque o Ministro havia perdido seu interlocutor no caso e portanto a  oportunidade de obter um suborno.

 

29.          Os peticionários assinalam que o Sr. Galante não tentou solicitar a impugnação dos Ministros Boggiano e Fayt durante o julgamento do recurso de queixa. Afirmam, sem maior explicação, que o Sr. Galante considerou que o tivesse feito, teria instituído um processo contra “os próprios autores do fato ilícito, com altíssimas probabilidades de perder as únicas provas as quais poderia fundamentar [suas] alegações”. Indicam que, em lugar disto, o Sr. Galante optou por denunciar essas tentativas apresentando em 23 de dezembro de 1996 perante o Congresso da Nação a solicitação de juízo  político, ademais da denúncia penal que formulou em 30 de setembro de 1997. Os peticionários assinalam que estas tentativas de obter subornos, pela sua natureza, aliado ao fato de que não teve testemunhas, são de difícil comprovação. Afirmam que as numerosas mudanças de votos que figuram no expediente de circulação interna entre ministros, sobretudo dos Ministros Fayt, Boggiano e Moliné O’Connor, respaldam suas denúncias. Sustentam que, embora o expediente penal aberto para investigar os supostos fatos de corrupção neste sentido não prova nem desmente os fatos denunciados perante a Comissão, este tende a prová-los.

 

30.          Os peticionários alegam que, depois da emissão da decisão de 17 de dezembro  de 1996 a qual rejeita o recurso de queixa, o Sr. Galante recebeu, em 22 de setembro de 1997, uma comunicação anônima em seu escritório que continha várias páginas de informação que descreviam atos corrupção por parte dos ministros da Corte Suprema. Estavam incluídos neste papéis, indicações de que o Ministro Fayt estava irritado porque o Sr. Galante havia iniciado um processo de juízo político contra ele e outros juízes, e também se referiam a “cumplicidade” entre os Ministros Belluscio e Moliné O’Connor para “dividir os benefícios” de Celulosa Argentina. A comunicação também continha cópias das opiniões internas dos Ministros Fayt, Moliné O’Connor e Belluscio em relação ao seu recurso de revogação e nulidade.

 

31.          Três dias mais tarde, o Sr. Galante apresentou uma solicitação para recusar os Ministros Fayt, Belluscio e Moliné O’Connor de sua participação no trâmite do recurso de revogação e nulidade devido à parcialidade e animosidade. Os peticionários indicam que, em 3 de outubro de 1997, aproximadamente uma semana depois de apresentada a solicitação de  impugnação, a Corte Suprema indeferiu o recurso de revogação e nulidade interposto pelo Sr. Galante e também denegou sua solicitação de impugnação, sem ter seguido o procedimento disposto em lei. Como assinalado anteriormente, a tentativa subsequente do Sr. Galante para impugnar ambas decisões foi rejeitada através da sentença de 25 de novembro de 1997, a qual declara a inadmissibilidade manifestada. Com respeito à solicitação de impugnação, a Corte aponta que havia considerado manifestamente inadmissível porque havia sido apresentada com posterioridade a emissão da decisão da Corte sobre o assunto em questão, isto é, o recurso de queixa.

 

32.          Os peticionários argumentam que o fato de que cada solicitação de impugnação fora decidida simultaneamente com o recurso relacionado de revogação e nulidade, e que estes tenham sido indeferidos in limine, negou ao Sr. Galante o processo exigido e a revisão da substância do seus recursos. Sustentam que, de acordo com o  procedimento aplicável por lei, era necessário que os juízes impugnados respondessem as acusações e que fosse aberta a etapa de colheita de provas. Insistem em que, ainda que três dos juízes cuja  impugnação foi solicitada não participaram da primeira decisão, quatro dos juízes cuja  impugnação foi solicitada, efetivamente participaram da segunda decisão, o que constitui uma violação da lei. Os peticionários sustentam que se transgrediram o princípio de imparcialidade porque se negou ao Sr. Galante a possibilidade de formular circunstâncias supervenientes específicas que exigiam uma impugnação  posterior à emissão da sentença no recurso de queixa.

 

33.          Os peticionários reclamam que entre as deficiências que atentaram contra o  direito do Sr. Galante a uma audiência justa perante a Corte Suprema de Justiça da Nação estão a maneira em que são designados os co-juízes para substituir os ministros que se eximem de atuar nos casos. No caso do Sr. Galante, três ministros da Corte Suprema, os doutores Petracchi, Bossert e Boggiano eximiram-se de participar na decisão, sendo que os primeiros dois aduziram conflitos de interesses e o terceiro por razões de foro íntimo. Os peticionários indicam que, conforme a lei, três co-juízes foram selecionados entre os presidentes das Câmaras Federais de Apelações da Capital Federal e das províncias. Sustentam que este sistema de designação de co-juízes é incompatível com os requisitos de independência e imparcialidade judicial porque os ministros da Corte Suprema exercem faculdades disciplinárias sobre os tribunais federais inferiores. Cada ministro tem jurisdição sobre o sistema judicial federal em uma região geográfica particular do país.

 

34.          Os peticionários afirmam que o potencial de abuso ao qual se refere o parágrafo anterior se materializou no processo jurídico perante a Corte Suprema quando duas das co-juízas, as Dras. Tyden de Skanata e Corchuelo de Huberman, foram pressionadas pelos  Ministros Boggiano, Belluscio e Fayt para que votassem contra os recursos do Sr. Galante. Os peticionários reconhecem que é difícil comprovar esta pressão, mas citam como prova a  subordinação hierárquica das co-juízas a esses ministros e sua votação conjunta com o  Ministro Fayt para rejeitar o recurso de queixa. Os peticionários sustentam que o Sr. Galante tomou conhecimento da totalidade destas circunstâncias relativas as co-juízas depois do indeferimento do seu recurso de queixa, e portanto não pode recusá-las durante o processo.

 

35.          Em segundo lugar, os peticionários alegam que foi negado ao Sr. Galante o direito a ser ouvido com as devidas garantias porque a interpretação e aplicação da lei nacional no seu caso foi manifestamente arbitrária. Dizem que a sentença da Corte Suprema de 17 de dezembro de 1996 era inválida porque os votos que a integram não constituem uma decisão por maioria necessária para rejeitar o recurso do Sr. Galante. Insistem que os dois votos somados para constituir a maioria baseiam-se em interpretações incorretas das leis nacionais. Indicam que o primeiro dos três votos que conformam a sentença, firmado pelo Ministro Fayt e as co-juízas Tyden de Skanata e Corchuelo de Huberman, rejeitaram a matéria do caso porque não argüia uma questão federal. Afirmam que esta decisão contradiz a jurisprudência da Corte em decisões proferidas antes e depois do presente caso. O segundo voto, firmado pelos  Ministros Belluscio e Moliné O’Connor, rejeitaram a matéria do caso com base na discricionariedade outorgada a Corte através dos artigos 280 e 285 do Código Processual Civil e Comercial de desacolher os casos que não formulam uma questão federal, ou resultam infundados ou carentes.  Sustentam que a lei outorga esta discricionariedade à “Corte” em sua totalidade e não a juízes individuais. O terceiro voto, firmado por quatro membros restantes opinava em favor da admissibilidade da matéria, indicando que o caso deveria retornar novamente ao tribunal inferior para que este emitisse uma nova decisão aplicando a lei local. Dada a divergência de critérios invocados no primeiro e segundo votos (no primeiro não foi encontrada a questão federal, e no segundo, sugerem, que a questão federal encontrada não é suficiente para merecer uma revisão), os peticionários alegam que o terceiro voto é o que estabelece a decisão da maioria simples da Corte.

 

36.          Os peticionários consideram que a decisão do tribunal de primeira instância, confirmada em nível de apelação, foi manifestadamente arbitrária porque se baseou na lei federal aplicável a honorários profissionais no contexto de uma falência em lugar da lei local que, conforme os peticionários alegam, era a lei a ser aplicada.  Sustentam que a jurisprudência dos tribunais federais apóiam sua alegação. Afirmam que a Corte Suprema mantém uma longa prática de admitir recursos extraordinários com respeito à determinação de honorários profissionais (que deixou de respeitar somente neste caso) e que na hipótese de dúvida relacionada ao conflito entre leis federais e locais, as decisões, em geral, tem sido a favor da aplicação da lei local. Alegam que poucos dias depois da denegação do recurso de queixa do Sr. Galante pela Corte Suprema de Justiça da Nação, esta aceitou um recurso extraordinário num caso similar sobre honorários profissionais. Para respaldar suas alegações, citam um memorando de expediente de circulação interna do recurso de queixa preparado pelo Ministro López no qual critica a minuta de voto do Ministro Fayt, entre outras razões, porque não toma em conta os pedidos de ordem constitucional formulados, não considera a índole claramente arbitrária da sentença impugnada e não aplica a doutrina judicial consistente. Os peticionários também enviaram opiniões de vários prestigiosos juristas argentinos que sustentam suas alegações neste ponto.

 

37.          Em terceiro lugar, os peticionários alegam que o processo instituído para conseguir um objetivo claro e simples como a determinação de honorários profissionais do Sr. Galante, acabou sendo objeto de demora injustificada, violando o direito ao acesso a um recurso rápido e de ser ouvido com as devidas garantias dentro de um prazo razoável. Indicam que o processo, desde a primeira instância até a decisão definitiva, durou nove anos, quatro e meio dos quais esteve tramitando na Corte Suprema de Justiça da Nação. Assinalam que não se tratava de um caso complicado e que o Sr. Galante, como parte que apresentou os recursos, atuou com diligência. Alegam que a demora injustificada deve-se a inércia das  autoridades judiciais.

 

38.          Como resultado das irregularidades mencionada, os peticionários argumentam que a Argentina é responsável pela violação do  direito do Sr. Galante a proteção judicial efetiva por um tribunal independente e imparcial, e com as devidas  garantias, previstos nos artigos 1(1), 8(1) e 25 da Convenção Americana.

 

39.          Quanto às alegações do Estado referentes à admissibilidade, os peticionários indicam que foram esgotados os recursos de jurisdição interna disponíveis com relação aos fatos, mas que foi denegada a justiça ao Sr. Galante. No que concerne especificamente a suas queixas de parcialidade, indicam que, ainda que as ações penais relativas ao juízo  político contra certos juízes são uma parte importante do contexto de sua petição, estes não são os recursos efetivos para sanar as violações alegadas, motivo pelo que não há necessidade de esgotá-los. Sustentam que a impugnação era a medida adequada, mas que as tentativas do  Sr. Galante foram denegadas indevidamente.

 

40.          Os peticionários acentuam que não estão solicitando a Comissão que substitua o juízo executado pelos tribunais nacionais na interpretação e aplicação de leis nacionais, mas que examinem as numerosas e sérias violações ao devido processo legal. Em relação aos problemas de apresentação de provas que admitem certos fatos denunciados, alegam que, ainda que a Comissão determinasse que as reclamações apresentadas não foram  comprovadas de maneira inequívoca, a simples possibilidade de que os direitos do Sr. Galante e consagrados na  Convenção Americana pudessem ter sido violados permite que petição seja admitida.

 

41.          Por último, os peticionários assinalam que o acordo de solução amistosa deveria ser obrigatório para ambas partes. Remeteram uma cópia do suposto acordo em 10 de janeiro de 2000. O instrumento em questão foi firmado em 14 de novembro de 1999 por Ernesto Galante e a Secretaria de Assuntos Consulares e Gerais do Ministério de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto, a qual transferiu-o para a Secretaria Legal e Técnica da Presidência. Em 19 de maio de 2000, o Secretário de Culto emitiu a Resolução Nº 1300, mediante a qual declarava absolutamente nulo e insanável o instrumento por ser ilegítimo. O Sr. Galante apelou desta decisão perante o Ministério de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto, o qual emitiu a Resolução Ministerial Nº 495 que afirma a nulidade do instrumento e indefere a apelação. Os peticionários sustentam que a Secretaria de Assuntos Consulares e Gerais tinha aparente autoridade para assinar o instrumento e comprometer o Estado a seu cumprimento. Citam como análogas outras soluções amistosas conduzidas pela Comissão e a Argentina.

 

         continúa...


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* O Primeiro Vice-presidente da Comissão, Juan E. Méndez, nacional da Argentina, não participou da discussão e decisão deste Relatório, em cumprimento ao  artigo 17(2) do Regulamento da Comissão.