RELATÓRIO Nº 122/01

PETIÇÃO 0015/00

WILMA ROSA POSADAS

ARGENTINA*

 10 de outubro de 2001

 

 

I.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

1.          Em 26 de setembro de 1995 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma denúncia contra o Estado de Argentina relacionada com a situação de Wilma Rosa Posadas. Em 10 de outubro de 1995 a Comissão acusou o recebimento da denúncia e informou a peticionária que não poderia seguir com o trâmite de sua comunicação por falta de cumprimento dos requisitos estabelecidos no seu Regulamento. A Comissão assinalou que os fatos não caracterizavam uma violação dos direitos garantidos na Convenção, segundo o disposto no artigo 47(b) da Convenção. Em 30 de outubro do mesmo ano , a peticionária solicitou a Comissão esclarecimento sobre os alcances da nota por meio da qual lhe havia comunicado a impossibilidade de continuar com o trâmite da denúncia, em especial, quanto à competência da Secretaria Executiva da CIDH para adotar este tipo de decisões. Em 17 de novembro de 1995 a peticionária apresentou uma comunicação via fax na qual solicitava a revisão da decisão da Secretaria Executiva, e nas hipóteses de manutenção da mesma, solicitava uma decisão de inadmissibilidade devidamente fundamentada. Mencionada petição foi reiterada pela peticionária em comunicação sem data. Por último, em 14 de janeiro de 2000, através de um advogado, a peticionária apresentou perante a Comissão uma nova petição sobre os mesmos fatos, juntamente cópias dos mesmos documentos que aportou com a denúncia original. Esta segunda petição foi registrada sob  o  número 0015/00,

 

II.          VIOLAÇÕES ALEGADAS

 

2.          A peticionária alegou violações aos direitos protegidos nos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (direito às garantias judiciais), 21 (direito a  propriedade) e 25 (direito a proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

III.           DESCRIÇÃO DOS FATOS E ARGUMENTOS

 

3.          Wilma Posadas trabalhou na empresa Astilleros Aliança S.A. de Construções Navais, Industrial, Comercial e Financeira (doravante denominada  “Aliança”), como secretária do departamento legal, de 26 de março de 1979 a 27 de maio de 1991, data em que foi despedida mediante telegrama que aduzia a falta de trabalho não imputável à empresa como causa da despedida. Conforme a denúncia, Aliança se negou a pagar a peticionária o salário correspondente ao último mês trabalhado, as horas extras e diferenças salariais que lhe devia, assim como proceder ao registro relativos aos últimos anos de serviço, necessário para receber o benefício de aposentadoria antecipada.

 

4.          A peticionária rejeitou a causa de despedida invocada por Aliança em 2 de setembro de 1991, a peticionária apresentou demanda contra a empresa perante o Juízo Nacional do Trabalho Nº 11, exigindo o pagamento de US$ 19.440,12 dólares em razão do seu  último salário e as diferenças salariais vencidas, as horas extras não abonadas e a  indenização por despedida sem justa causa. Em 5 de maio de 1993 o Juiz do Trabalho proferiu sentença concluindo que a causal de falta de trabalho aduzida não estava justificada, motivo pelo qual deferiu parcialmente a ação promovida pela peticionária e condenou a Aliança ao pagamento de $10.900 pesos por despedida e remunerações, ou seja, pela indenização substitutiva do prévio aviso, por indenização pela despedida, pelo salário integral do último mês trabalhado, férias proporcionais e pelo salário anual complementar e proporcional. Entretanto, o juiz não concedeu o pagamento de horas extras nem as diferenças salariais tendo em vista que o pessoal administrativo superior – cargo correspondente ao da secretária legal – não estava incluído em convenção coletiva alguma e, em consequência, não tinha direito ao pedido. Em 27 de maio de 1993 a peticionária apelou da decisão de primeira instância perante a Câmara Trabalhista de Apelações, que mediante sentença de 29 de abril de 1994 admitiu a queixa referida as horas extras e decidiu elevar o montante para $13.601 pesos. Não satisfeita com a sentença proferida em segunda instância, a peticionária interpôs, em 28 de junho de 1994, recurso extraordinário que depois foi denegado pela mesma Câmara. Por último, a peticionária interpôs recurso de queixa perante a Corte Suprema da Nação, cuja decisão datada de 28 de março de 1995, desconsiderou a queixa por considerar que o recurso extraordinário era improcedente.

 

5.          A peticionária argumenta, entre outros aspectos, que as decisões emitidas pelos três níveis judiciais que intervieram no caso distanciaram-se da mais elementar noção de justiça ao negar-lhe arbitrariamente a sua propriedade. Adiciona que durante o trâmite da causa em primeira instância houve uma “sistemática e arbitrária `mutilação’ de importantes medidas probatórias oferecidas”; e, que mediante um “flagrante ultraje a verdade objetiva”  congelaram mais de 50% do montante de salário de aposentadoria que deveria receber  baseado no seu melhor salário e lhe haviam outorgado um valor inferior àquele que legalmente lhe correspondia por conceito de horas extras.

 

IV.          ANÁLISE

 

6.          É possível depreender, através da informação disponível no expediente, que a peticionária teve acesso aos diferentes recursos da jurisdição interna, e que a administração de justiça atendeu à parte substancial de suas pretensões.  Com efeito, a justiça de primeira instância declarou a despedida sem justa causa e ordenou a empresa Aliança a pagar a peticionária não somente o último salário mas também todas as prestações sociais a que tinha direito, assim como uma indenização pelos danos ocasionados pela despedida. A justiça de  segunda instância confirmou a decisão anterior e reconheceu o direito ao pagamento das horas extras estimadas conforme previsto em lei, diante da impossibilidade de proceder a um cálculo exato. 

 

7.          Sendo assim, a única pretensão não alcançada pela peticionária na esfera interna é aquela relativa às diferenças salariais. Entretanto, tanto a primeira como a segunda instâncias julgaram que a peticionária não tinha direito ao reconhecimento dos incrementos dispostos pelo Sindicato Argentino de Obreiros Navais, uma vez que, como a própria peticionária admitiu na causa,  “não se encontrava compreendida no convênio e atas subscritas por essa entidade”,[1] tendo em vista que o seu cargo estava catalogado dentro do pessoal administrativo superior.[2] 

 

8.          Com base no  material probatório aportado pela peticionária, a Comissão conclui que a denegação da prática de provas alegada ocorreu porque estas foram solicitadas de maneira extemporânea. Conforme a sentença de segunda instância, a solicitação de provas deveria haver sido feita dentro do prazo legal, consequentemente, sua extemporaneidade determinou sua inadmissibilidade.

 

9.          A Comissão observa um profundo descontentamento da peticionária com os resultados da causa, mas não vislumbra nenhuma arbitrariedade na mesma. A obrigação do Estado de administrar justiça é uma obrigação de meio e não resultado, e não se considera descumprida porque não produz um resultado satisfatório para as pretensões da peticionária.[3] De tal sorte que o mero descontentamento com o resultado obtido da administração de justiça não é suficiente para considerá-lo arbitrário.

 

10.          Conforme o preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a proteção internacional outorgada aos órgãos do sistema regional tem caráter complementar.[4] Em consequência, a Comissão não pode fazer o papel de um tribunal de alçada para examinar supostos erros de fato ou de direito que possam ter cometido os tribunais nacionais que hajam atuado dentro dos limites de sua competência, salvo que existisse evidência inequívoca de vulneração das garantias do devido processo legal consagrada na Convenção Americana. No presente caso, a Comissão não observa fato algum imputável à administração de justiça argentina que tende a caracterizar uma violação dos direitos consagrados no referido instrumento.

 

V.                DECISÃO

 

11.          Tendo em vista o exposto, a Comissão considera que os fatos matéria da petição sob exame não tendem a caracterizar uma violação a Convenção Americana e em consequência a declara inadmissível, de conformidade com o estabelecido no artigo 47(b) da Convenção Americana.

 

12.            Com base na análise e conclusões expostas no presente relatório, 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.             Declarar inadmissível a presente petição.

 

2.             Notificar o peticionário desta decisão.

 

3.             Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e aprovado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo, Membros da Comissão.


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* O membro da Comissão  Juan Méndez, nacional da Argentina, não participou da discussão e  votação da presente petição em cumprimento do artigo 17(2)(a) do Novo Regulamento da Comissão.

[1] Câmara Trabalhista de Apelações, sentença de 29 de abril de 1994.

[2] Juízo Nacional do Trabalho Nº 11, sentença de 5 de maio de 1993.

[3] Assim expressou a Corte IDH no  Caso Godinez Cruz a respeito da obrigação de prevenir e investigar os delitos. Sentença de 20 de janeiro de 1988, pár. 188.

[4] O preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos justifica uma proteção internacional de natureza convencional, coadjuvante ou complementar àquelas oferecidas pelo  direito interno.