RELATÓRIO ANUAL 1996

RELATÓRIO Nº 38/96
CASO 10.506
ARGENTINA 5/
15 de outubro de 1996

1. Em 29 de dezembro de 1989, a Comissão recebeu denúncia contra o Governo da Argentina, relacionada à situação da Senhora X e sua filha Y, de 13 anos.6/ A denúncia alega que o Estado argentino, e especialmente as autoridades penitenciárias do Governo Federal, que efetuam revisões vaginais rotineiras das mulheres que visitam a Unidade Nº 1 do Serviço Penitenciário Federal, violaram os direitos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Em todas as visitas realizadas ao seu esposo, que se encontrava detido na Prisão de Réus Processados da Capital Federal, a Senhora X, juntamente com a filha do casal, de 13 anos de idade, foi submetida a revistas vaginais. Em abril de 1989, a Senhora X impetrou recurso de amparo, solicitando a eliminação desses exames. A petição alega que a prática do Serviço Penitenciário Federal ("SPF") representa uma violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, já que é lesiva à dignidade das pessoas submetidas a tal procedimento (artigo 11), constituindo medida de caráter penal degradante que transcende a pessoa do condenado ou processado (artigo 5.3); além disso, é discriminatória em prejuízo das mulheres (artigo 24), em função do artigo 1.1.

 

I. OS FATOS

 

2. As autoridades penitenciárias da Unidade 1 do SPF da Argentina adotaram a prática de efetuar revistas vaginais em todas as mulheres que desejam manter contato pessoal com os presos. Por tanto, toda vez que a Senhora X visitou seu esposo, detido na Unidade 1 do SPF, em companhia da filha do casal, de 13 anos de idade, ambas tiveram que submeter-se a esses exames.

 

3. Segundo declarou o Major Mario Luis Soto, Chefe da Diretoria de Segurança Interna, no recurso de amparo impetrado neste casos, essas revistas já tinham começado a ser praticadas há certo tempo tendo em vista que, certas vezes, as familiares dos presos introduziam drogas e narcóticos na prisão, ocultas em suas vaginas. Acrescentou que, de início, utilizavam-se luvas para revisar essa área do corpo, mas que, dadas a concorrência de visitantes femininas — cerca de 250 —, a escassez de luvas cirúrgicas e o perigo de transmissão da AIDS e outras doenças às visitantes ou às inspetoras, decidiu-se realizar inspeções visuais.7/

 

4. Em relação a Senhora X, o Major Soto declarou que ela fora submetida aos dois tipos de revista, que sempre protestara contra o procedimento e que o pessoal da penitenciária lhe havia informado que não poderia abrir exceção para o seu caso.8/ No que se refere ao exame de menores, o Chefe da Diretoria de Segurança Interna afirmou que, nesses casos, as revisões sempre eram efetuadas na presença de pelo menos um progenitor da menor e que o procedimento era menos rigoroso para proteger seu sentimento de pudor.9/

 

5. Em 31 de março de 1989, durante uma inspeção de rotina das celas do estabelecimento, encontrou-se na cela do marido da Senhora X um frasco com um líquido amarelo e 400 gramas de explosivos plásticos.

 

6. Em 2 de abril de 1989, a Senhora X e sua filha compareceram à Unidade 1 para visitar seu esposo e pai. A autoridade penitenciária voltou a informar que, como condição necessária para autorizar a visita "corpo a corpo", ambas deveriam submeter-se a inspeção vaginal (ver a resposta do Governo, de 27 de abril de 1990, parágrafo 6). A Senhora X negou-se a aceitar a inspeção e a efetuar a visita separada por um vidro, alternativa que lhe fora proposta.

 

7. Em 5 de abril de 1989, a Senhora X e sua filha voltaram a procurar visitar seu marido e pai, ocasião em que a mesma situação voltou a se repetir. A Senhora X negou-se a aceitar a revista vaginal prévia à visita de contato pessoal e recusou a alternativa de efetuar a visita separada por um vidro divisório.

 

II. ATUAÇÕES JUDICIAIS

 

8. Em 7 de abril de 1989, a Senhora X e sua filha Y impetraram perante o Juizado Nacional de Primeira Instância na Vara de Instrução Penal Nº 17, Secretaria Nº 151, da Capital Federal, uma ação de amparo, requerendo uma ordem no sentido de que o SPF cessasse as revistas vaginais da senhora e sua filha. O juiz indeferiu a ação de amparo em 14 de abril de 1989, por considerar que a medida questionada era adequada para manter a segurança interna do estabelecimento penal. A Senhora X apelou da decisão.

 

9. Em 26 de abril de 1989, a Câmara Nacional de Apelações Penais e Correcionais da Capital Federal decidiu aceitar a ação de amparo e mandou que o SPF cessasse as revistas questionadas no caso em particular.

 

10. A Câmara considerou que as revistas corporais da Senhora X e sua filha constituem invasão ao direito de intimidade inerente a toda pessoa, tutelado pelo Código Civil, e que tais ações configuram violação da integridade física e um ato que ofende a consciência e a honra das apelantes, além de serem vexatórias à dignidade humana.

 

11. Contra essa decisão, interpuseram recursos extraordinários o SPF e o próprio Procurador de Câmara. A Corte Suprema de Justiça da Nação decidiu sobre o caso em 21 de novembro de 1989, deixando sem efeito a sentença apelada. A Corte Suprema argumentou que as medidas adotadas pelo Serviço Penitenciário Federal em relação à Senhora X não são manifestamente arbitrárias no sentido da lei de amparo, "... já que não parecem existir no momento meios alternativos — pelo menos no que se refere a substâncias entorpecentes — para detectar a presença de objetos perigosos nos visitantes que pretendem manter contato físico com os internos".

 

12. Posteriormente, a Corte Suprema deu conta da sua decisão à Câmara de Apelações, que a recebeu integralmente e decidiu, definitivamente, indeferir a ação de amparo ajuizada pela Senhora X.

 

III. TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

13. Mediante nota de 23 de janeiro de 1990, a Comissão recebeu a denúncia da Senhora X, apresentada por advogados argentinos em conjunto com "Americas Watch". A denúncia alegava que a prática do SPF de efetuar revistas vaginais nas pessoas da Senhora X e sua filha de 13 anos antes de permitir as visitas pessoais ao marido da Senhora X, recluso na Prisão de Réus Processados da Capital Federal, constituía uma violação aos seus direitos tutelados pela Convenção, a saber: artigo 11 (ofensa à dignidade); artigo 5.3 (por serem medidas de natureza penal degradante que transcendem a pessoa do réu); e o princípio geral contrário à discriminação enunciado no artigo 1.1 da Convenção (as medidas constituíam discriminação contra a mulher).

 

14. Em 31 de janeiro de 1990, a Comissão transmitiu ao Governo as partes pertinentes da denúncia, solicitando informação sobre os fatos ou outra informação que considerasse oportuna, dentro do prazo de 90 dias.

 

15. Em 30 de abril de 1990, a Comissão recebeu a resposta do Governo, em que este argumentou que a medida proposta pela autoridade penitenciária no caso da Senhora X e de sua filha não representava uma arbitrariedade manifesta ou generalizada do SPF, e sim, uma medida razoável de prevenção à luz das características particulares dos episódios ocorridos apenas 48 horas antes da pretendida visita. Além disso, nessa oportunidade, não se efetuou a revista. Portanto, o caso perante a Comissão revelava-se inadmissível.

 

16. Mediante nota de 3 de maio de 1990, a Comissão transmitiu aos peticionários as partes pertinentes do comunicado do Governo.

 

17. Em 31 de maio de 1990, a Comissão recebeu uma nota dos peticionários em que estes solicitavam uma prorrogação de 30 dias para apresentar suas observações à resposta do Governo. A prorrogação foi concedida em nota da mesma data.

 

18. Mediante nota de 21 de junho de 1990, os peticionários apresentaram sua réplica à contestação do Governo, na qual refutam detalhadamente os argumentos apresentados pelo mesmo.

 

19. Em 26 de junho de 1990, a Comissão transmitiu ao Governo as partes pertinentes da réplica, solicitando suas observações no prazo de 45 dias.

 

20. Mediante nota de 13 de agosto de 1990, o Governo apresentou suas observações sobre a réplica à Comissão, em que reafirmava seus argumentos sobre a inadmissibilidade do caso. Em particular, assinalou-se que os fatos alegados pelos peticionários não correspondiam à realidade dos acontecimentos, já que se tratam de exames vaginais, e não de revistas que implicariam tatos ou manuseios. O Governo sustentou que, no caso presente, só se haviam previsto revistas.

 

21. Em 28 de agosto de 1990, a Comissão transmitiu aos peticionários as partes pertinentes da comunicação do Governo.

 

22. Em 8 de outubro de 1990, a Comissão recebeu a tréplica dos peticionários, em que estes questionavam os argumentos do Governo. Em particular, assinalaram que a distinção entre "inspeções" e "revistas" vaginais não revestia importância do ponto de vista de dignidade humana, já que ambas são igualmente vexatórias neste caso concreto.

 

23. Mediante nota de 19 de outubro de 1990, a Comissão transmitiu ao Governo as partes pertinentes desta última comunicação, solicitando suas solicitações a respeito dentro do prazo de 45 dias.

 

24. Em 31 de outubro de 1990, a Comissão recebeu uma nota em que o Governo solicitava uma prorrogação de 45 dias, que foi concedida.

 

25. Mediante nota de 27 de novembro de 1990, o Governo apresentou suas observações à Comissão, refutando os argumentos utilizados pelos peticionários.

 

26. Mediante nota de 16 de março de 1994, a Comissão dirigiu-se aos peticionários solicitando informação sobre o caso. Este pedido foi reiterado em 10 de maio de 1994.

 

27. Mediante nota de 28 de julho de 1994, o Centro Pro-Justiça e o Direito Internacional apresentou-se como peticionário no caso. Na mesma nota, este peticionário solicitou à Comissão a conclusão do trâmite do caso, a emissão do relatório previsto no artigo 20 da Convenção e a apresentação da correspondente demanda à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

28. Em 23 de fevereiro de 1995, a Comissão enviou carta a ambas as partes, colocando-se à sua disposição para alcançar uma solução amigável. Mediante nota de 21 de março de 1995, o Governo informou à Comissão que não estava em condições de negociar essa solução.

 

IV. POSIÇÃO DAS PARTES

 

A. Peticionários

 

29. O Governo, erroneamente, pretende justificar a "razoabilidade" ou a "arbitrariedade da medida", fundamentado na finalidade da mesma ou na possibilidade do uso da vagina como veículo de transporte de armas, explosivos e outros objetos, sem justificar a própria medida. Para o Governo, qualquer restrição de direitos no interesse da "segurança comum" é "razoável", independentemente do meio empregado.

 

30. Os peticionários refutam os argumentos apresentados pelo Governo para sustentar a razoabilidade das revistas, apresentando por sua vez os seguintes argumentos:

 

i. A circunstância de que o marido da Senhora X houvesse ocultado, em algum momento, 400 gramas de explosivos em sua cela nada tem a ver com a prática denunciada, já que a introdução desse material não poderia ocorrer por essa via.

 

ii. Existem meios técnicos de uso comum em outros âmbitos, que servem para detectar com rapidez e simplicidade qualquer tentativa de introdução de material perigoso, sem necessidade de recorrer à inspeção visual da vagina. Nessas condições, a única intenção das revistas e inspeções de que se trata consiste em estigmatizar, denegrir e humilhar as mulheres, por sua própria condição e por serem familiares de presos.

 

iii. Seja como for, o mais simples seria revistar posteriormente o preso antes de devolvê-lo ao seu pavilhão comum ou cela.

 

iv. A alternativa proposta, ou seja, a visita separada por um vidro divisório, implica a redução do preso à condição de um infectado em quarentena, ofende seu amor próprio e prejudica a relação com seus familiares; em conseqüência, é desumana.

 

31. O procedimento a que se refere a denúncia é de uso tão generalizado que quase todas as mulheres que visitam seus familiares presos são submetidas a esse tratamento degradante. Trata-se de uma prática discriminatória, já que as mulheres não são autoras de nenhum delito e nem estão indiciadas por sua prática. Também é discriminatória por atingir determinadas pessoas. Em outras situações, utilizam-se métodos distintos e menos degradantes para chegar ao mesmo fim, ou seja, para inspecionar uma pessoa a fim de garantir a segurança das instalações ou prevenir atos ilícitos. Nenhuma dessas outras medidas constitui invasão da intimidade ou atentado à dignidade, como o é o procedimento aplicado neste caso aos familiares dos reclusos.

 

32. Não se denuncia o artigo 32 da Lei Penitenciária Nacional, que não autoriza inspeções vexatórias, e sim, refere-se às condições de oportunidade, supervisão e censura determinadas nos regulamentos.10/ Também não se questiona todo tipo de inspeção, e sim aquela que constitui um tratamento degradante.

 

B. Governo

 

33. A regra penitenciária que permite a adoção de medidas de revista vaginal tem seu apoio legislativo no artigo 92 da Lei Penitenciária Nacional (Decreto Lei 412/58, ratificado pela Lei Nº 14.467), a qual, em sua parte pertinente, dispõe: "As visitas e a correspondência que o recluso receba ajustar-se-ão às condições de oportunidade, supervisão e censura determinadas pelos regulamentos..." Essa norma nacional é congruente com as "Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos", das Nações Unidas.

 

34. A restrição aos direitos protegidos é necessária em razão da natureza peculiar dos problemas que podem ocorrer no complexo desenvolvimento de uma unidade carcerária. A restrição dos direitos, necessária numa sociedade democrática, no interesse da segurança comum, conduziu à sanção da Lei 14.467. As autoridades penitenciárias necessitam de certo espaço para determinar o grau de liberdade que concedem a um detido.

 

35. Nas unidades do SPF, a revista vaginal é efetuada por mulheres inspetoras, que procedem a um exame de visu da cavidade vaginal sem a introdução de qualquer instrumento, já que não se trata de um exame.

 

36. Seu objetivo é impedir que as partes pudendas da mulher sejam utilizadas como meios para a introdução ilegal, na unidade de armas, explosivos, entorpecentes ou outros objetos perigosos para a população carcerária. Inspetores masculinos efetuam exame similar na área anal do homem, com a mesma finalidade.

 

37. Não se trata de uma medida compulsória ou generalizada. Não é compulsória, já que, no caso de o visitante, homem ou mulher, não aceitar a inspeção, a visita pode ser realizada com a utilização de um vidro divisório, assim evitando o contato pessoal. Também não é uma medida generalizada, já que depende, inter alia, de certas condições que, no caso presente, se acumularam.

 

38. Em 2 de abril, apenas 48 horas antes da visita da Senhora X, descobriram-se na cela do seu marido dois pedaços de massa de cor creme. O exame do perito químico concluiu que se tratava de um explosivo plástico destrutivo. Sendo plástico, tinha, entre outras, as seguintes propriedades: a) conservar a forma que lhe seja dada; b) aderir facilmente a superfícies lisas; c) ser insensível ao tato; e d) não ser nocivo à saúde.

 

39. Portanto, a razoabilidade da medida no caso presente é corroborada pelo fato de que a natureza maleável do material encontrado e suas características inofensivas à saúde e de insensibilidade ao tato sustentavam a hipótese de que poderia ser introduzido na penitenciária oculto na vagina da mulher durante sua visita.

 

40. No caso da Senhora X, existiram efetivamente uma suspeita fundamentada e a seriedade do fato delitivo justificante para a decisão da autoridade penitenciária de não autorizar a visita com contato físico. Tratava-se de uma medida preventiva cuja finalidade não era proibir a comunicação do recluso com sua família. Se a peticionária houvesse feito uso do seu direito, poderia ter-se comunicado com seu esposo separada por um vidro.

 

41. No caso concreto, a Senhora X e sua filha realmente negaram-se a aceitar as revistas, as quais, portanto, não foram realizadas.

 

42. Não parece aceitável argumentar que, existindo métodos alternativos menos agravantes, todos os demais métodos sejam arbitrários e, portanto, vexatórios, principalmente quando o método de que se trata é de uso escasso e limitado (como os bancos de detecção utilizados nos salões VIP dos aeroportos).

 

43. A revista vaginal é compatível com as políticas carcerárias dos países regidos pela Convenção Européia sobre Direitos Humanos e com procedimentos similares dos Estados Unidos para casos semelhantes a este sub examine.

 

V. ADMISSIBILIDADE

 

44. A denúncia satisfaz os requisitos de admissibilidade formal estabelecidos no artigo 46.1 da Convenção e no artigo 32 do Regulamento da Comissão.

 

i. A Comissão é competente para conhecer do presente caso, porque este expõe fatos que caracterizam violações de direitos consagrados na Convenção, ou seja, nos artigos 5, 11 e 17 e em relação ao artigo 1.1.

 

ii. Tal como consta nos autos, a suposta vítima esgotou os procedimentos estabelecidos na legislação da Argentina.

 

iii. Quanto ao procedimento de solução amigável previsto no artigo 48.1.f da Convenção e no artigo 45 do Regulamento da Comissão, esta colocou-se à disposição das partes, mas não foi possível chegar a um acordo.

 

iv. A petição não está pendente de outro procedimento de caráter internacional e não reproduz uma petição já examinada pela Comissão.

 

VI. ANÁLISE

 

A. Considerações gerais

 

45. Alega-se que a revista vaginal constitui tratamento degradante que, neste caso, equivaleu a uma invasão da intimidade e integridade física da Senhora X e a uma restrição ilegítima do direito de proteção à família. Por sua vez, o Governo argumenta que a revista vaginal é uma medida preventiva que se coaduna razoavelmente com o propósito de manter a segurança dos reclusos e do pessoal do SPF e que, por outro lado, a revista não foi efetuada porque a suposta vítima negou-se a aceitá-la.

 

46. Quanto à afirmativa do Governo de que nunca se realizaram as revistas, constam em documentos arquivados as declarações do Chefe da Diretoria da Segurança Interna 11/ e do Procurador-Geral 12/ e o texto das sentenças do Juizado de Primeira Instância, da Câmara Nacional de Apelações e da Suprema Corte de Justiça demonstram que, ainda que sob protesto, a Senhora X submeteu-se ao procedimento várias vezes antes de apresentar o recurso de amparo para que cessassem as revistas vaginais da sua pessoa e da filha.

 

47. Portanto, ao estudar o caso, a Comissão deve considerar dois aspectos em separado:

 

1. se o requisito de submeter-se a uma revista vaginal, previamente a uma visita de contato pessoal com o marido da Senhora X, é compatível com os direitos e garantias estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos; e

 

2. se o requisito e a revista efetuada privaram as duas mulheres do pleno gozo dos seus direitos protegidos na Convenção Americana, em particular os consagrados nos artigos 5 (direito ao tratamento humanitário), 11 (proteção da honra e da dignidade), 17 (proteção da família) e 19 (direito do menor), juntamente com o artigo 1.1, que dispõe pela obrigação dos Estados partes de respeitar e garantir o pleno e livre exercício de todas as disposições reconhecidas na Convenção, sem qualquer discriminação.

B. Requisito de que as visitantes se submetam a uma revista vaginal para serem autorizadas a realizar uma visita "corpo a corpo"

48. Os peticionários alegam que o requisito de que as visitantes da Unidade 1 se submetam a revistas ou inspeções vaginais para poderem manter contato pessoal com um recluso constituiu interferência ilegítima ao exercício do direito à família. Por outro lado, alega-se que a medida, ao não cumprir o disposto na Convenção, constituiu por si só uma violação dos direitos protegidos por esse instrumento e que a existência de tal requisito, bem como sua aplicação, contrariaram não apenas o direito à família, consagrado no artigo 17, como também o direito à intimidade, honra e dignidade, protegido pelo artigo 11, e o direito à integridade física, tal como disposto no artigo 5.

 

49. Embora os peticionários não tenham invocado o artigo 19, que protege o direito do menor, a Comissão opina que essa disposição também deveria ser examinada, dado que uma das supostas vítimas tinha 13 anos de idade ao ocorrerem os fatos. Em conformidade com o princípio geral da legislação internacional jura novit curia, os organismos internacionais têm o poder e, inclusive, o dever de aplicar todas as disposições jurídicas pertinentes, mesmo as que não tenham sido invocadas pelas partes.13/

 

50. O Governo da Argentina argüiu que todas as medidas adotadas constituem restrições aceitáveis às disposições da Convenção e que eram razoáveis em função das circunstâncias do caso. Portanto, a Comissão deve refletir sobre as obrigações que cabem ao Estado no que se refere às disposições da Convenção e sobre quais são as limitações aos direitos que podem ser consideradas permissíveis.

 

1. Obrigações do Estado de "respeitar e garantir" e imposição de condições aos direitos protegidos pela Convenção

a) Artigo 1.1: as obrigações de respeitar e garantir

51. O artigo 1.1 da Convenção requer que os Estados partes respeitem e garantam o pleno e livre exercício de todos os direitos reconhecidos pela Convenção. Essas obrigações limitam a autoridade do Estado de impor restrições aos direitos protegidos pela Convenção. A Corte Interamericana manifestou que.

 

O exercício da autoridade pública tem certos limites que decorrem do fato de os direitos humanos serem atributos inerentes à dignidade humana e, em conseqüência, superiores ao poder do Estado.14/

52. Além disso, a Corte declarou que a obrigação de garantir "implica o dever dos Estados Partes de organizar o aparelho governamental e, em geral, todas as estruturas mediantes as quais se manifesta o exercício do poder público, de modo tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos".15/

 

53. Portanto, a Corte determinou que existem certos aspectos da vida de uma pessoa e especialmente "certos atributos invioláveis da pessoa humana" que vão mais além da esfera de ação do Estado e que "não podem ser legitimamente desprezados pelo exercício do poder público". Além disso, os Estados Partes devem organizar sua estrutura de modo tal a assegurar o pleno gozo dos direitos humanos. O Estado que propõe medidas cuja a execução pode conduzir, seja por si próprias ou pela falta de garantias adequadas, à violação dos direitos consagrados na Convenção, ultrapassa o exercício do poder público legítimo reconhecido pela Convenção.

 

b) A imposição de limitações

 

54. O texto da Convenção não estabelece restrições explícitas ao gozo dos direitos sob consideração e, de fato, três das suas disposições, ou seja, o direito a tratamento humanitário (artigo 5), os direitos da família (artigo 17) e os direitos do menor (artigo 19) figuram na lista contida no artigo 27.2, referente aos direitos que não podem ser suspensos, inclusive em circunstâncias extremas. Portanto, a Comissão não pode examinar a legitimidade da suposta imposição de restrições a esses direitos no contexto do artigo 30, que define o alcance das restrições à Convenção,16/ devendo, isso sim, referir-se ao contexto mais amplo do artigo 32.2, que reconhece a existência de limitações a todos os direitos.

 

55. No artigo 32.2, reconhece-se a existência de certas limitações inerentes aos direitos de todas as pessoas que convivem numa sociedade.

 

56. Nos termos do artigo 32.2:

Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa sociedade democrática.

57. Ao examinar o artigo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos manifestou que a imposição de limitações deve ser aplicada de maneira sempre estrita. A Corte opinou que:

 

A esse respeito, cumpre salientar que não se pode invocar, de maneira alguma, a "ordem pública" ou o "bem comum" como meios para suprimir um direito garantido pela Convenção ou para desnaturá-lo ou privá-lo de conteúdo real (v. artigo 29, a da Convenção). Esses conceitos, quando invocados como fundamento de limitações aos direitos humanos, devem ser objeto de uma interpretação estritamente atinente às "justas exigências" de "uma sociedade democrática" que leve em conta o equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo e a necessidade de preservar o objetivo e a finalidade da Convenção.17/

58. Segundo a jurisprudência da Corte, para que exista congruência com a Convenção, as restrições devem ser justificadas por objetivos coletivos de importância tal que exerçam claramente maior peso do que a necessidade social de garantir o pleno exercício dos direitos consagrados na Convenção e que não sejam mais limitadores do que o estritamente necessário. Por exemplo: não é suficiente demonstrar que a lei cumpre um objetivo útil e oportuno.

 

59. Não cabe ao Estado discrição absoluta para decidir sobre os meios a serem adotados para proteger o "bem comum" ou a "ordem pública". As medidas capazes de condicionar de certo modo os direitos protegidos pela Convenção sempre devem ser regidas por certos requisitos. Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou que as restrições aos direitos consagrados na Convenção "devem ser estabelecidos em função de certos requisitos formais que guardam relação com os meios através dos quais se manifestam e de condições essenciais, representadas pela legitimidade dos fins que se pretende alcançar através dessas restrições".18/

 

60. A Comissão opina que, para determinar se as medidas cumprem o disposto na Convenção, devem elas satisfazer três condições específicas. A medida que afete de certa forma os direitos protegidos pela Convenção deve necessariamente: 1. ser prescrita por lei; 2. ser necessária para a segurança de todos e guardar relação com as justas demandas de uma sociedade democrática; e 3. ter sua aplicação estritamente limitada às circunstâncias específicas enunciadas no artigo 32.2 e ser proporcionais e razoáveis a fim de alcançar esses objetivos.

 

1. a legalidade da medida

 

61. A Corte Interamericana declarou que:

 

Portanto, a proteção dos direitos humanos requer que os atos estatais que os afetam fundamentalmente não fiquem sujeitos ao arbítrio do poder público, e sim, sejam cercados por um conjunto de garantias destinadas a assegurar a invulnerabilidade dos atributos invioláveis da pessoa, entre as quais, talvez a mais importante, deva ser a de que as limitações sejam estabelecidas por lei adotada pelo Poder Legislativo, de acordo com o estabelecido pela Constituição.19/

62. Portanto, qualquer ação que afete os direitos básicos deve ser prescrita por uma lei aprovada pelo Poder Legislativo e deve ser congruente com a ordem jurídica interna. O Governo sustenta que as revistas vaginais das pessoas que visitam as penitenciárias argentinas estão autorizadas por lei e por regulamentos internos.

 

63. Os artigos 91 e 92 do Decreto-Lei 412/58 (Lei Penitenciária Nacional) da Argentina estabelecem uma série de condições a que os visitantes se devem sujeitar. Além disso, o artigo 28 do Boletim Público Nº 1266 do SPF estipula que "os visitantes deverão submeter-se ao método de revista vigente na Unidade se não preferirem desistir da entrevista. Em todos os casos, a revista será efetuada por pessoal do mesmo sexo do revistado". A respeito, o artigo 325 do Boletim Público Nº 1294 regulamenta as equipes de revista e autoriza um controle completo e detalhado. O Boletim Público Nº 1625 estipula que "...o tratamento humanitário deve ser prioritário nas revistas, evitando todo procedimento que possa implicar vexação ao recluso..." e que "igual procedimento deverá ser adotado nas revistas dos visitantes dos reclusos...".

 

64. Estes regulamentos outorgam às autoridades penitenciárias um amplo poder discricionário ao não especificarem as condições ou os tipos de visita a que são aplicáveis. É duvidoso que essa norma revista o grau de precisão necessário e essencial para determinar se uma ação está prescrita em lei.20/ É inquestionável que tal deferência a essas autoridades em matéria de segurança interna guarda relação com sua experiência e seu conhecimento das necessidades concretas de cada centro penitenciário e do caso particular de cada preso. Não obstante, uma medida extrema como a revista ou inspeção vaginal das visitantes, que representa uma ameaça de violação a uma série de direitos garantidos pela Convenção, deve ser prescrita por uma lei que especifique claramente as circunstâncias em que se pode impor uma medida dessa natureza e que enumere as condições que devem ser observadas pelos responsáveis pelo procedimento, de modo que todas as pessoas sujeitas ao mesmo possam contar com a maior garantia possível de que não estarão sujeitas a arbitrariedade e a tratamento abusivo.21/

 

2. a necessidade numa sociedade democrática para a segurança de todos

 

65. O Governo sustenta que as restrições aos direitos protegidos são necessárias em razão da natureza dos problemas que podem ocorrer na complexa situação de uma penitenciária. Em relação a este caso em particular, o Governo afirma que a medida adotada representou uma restrição necessária dos direitos numa sociedade democrática, aplicada no interesse da segurança pública.

 

66. A Comissão está consciente de que existe, em todos os países, regulamentos referentes ao tratamento de prisioneiros e detidos, bem como normas que regem seus direitos a visitas, estabelecendo horários, locais, formas, tipos de contato, etc. Também se reconhece que as revistas corporais e, certas vezes, o exame físico intrusivo dos detidos e prisioneiros, poderiam ser necessários em certos casos.

 

67. Não obstante, este caso envolve visitantes, cujos direitos não estão automaticamente limitados em razão do seu contato com os reclusos.

 

68. A Comissão não questiona a necessidade de revistas gerais antes de se permitir o ingresso numa penitenciária. Contudo, as revistas ou inspeções vaginais são um tipo de verificação excepcional e muito intrusiva. A Comissão deseja salientar que o visitante ou membro da família que procure exercer seu direito a uma vida familiar não se deve converter automaticamente em suspeito de um ato ilícito, não se podendo considerá-lo, em princípio, como fator de grave ameaça à segurança. Embora a medida em questão possa ser excepcionalmente adotada para garantir a segurança em certos casos específicos, não se pode sustentar que sua aplicação sistemática a todos os visitantes seja necessária para garantir a segurança pública.

 

3. razoabilidade e proporcionalidade da medida

 

69. O Governo sustenta que a medida é uma restrição razoável dos direitos dos visitantes para proteger a segurança. Além disso, o Governo afirma que não se tratava de procedimento obrigatório e que se aplicava tão somente às pessoas que desejavam manter contato pessoal durante as visitas, razão pela qual tinham liberdade para recusá-lo.

 

70. A restrição aos direitos humanos deve ser proporcional ao interesse que a justifica e ajustar-se estritamente à obtenção desse legítimo objetivo.22/ Para justificar as restrições dos direitos pessoais dos visitantes, não basta invocar razões de segurança. Trata-se, em última análise, de procurar um equilíbrio entre o interesse legítimo dos familiares e reclusos por visitas sem restrições arbitrárias ou abusivas e o interesse público de garantir a segurança nas penitenciárias.

 

71. A razoabilidade e a proporcionalidade de uma medida só podem ser determinadas mediante o exame de um caso específico. A Comissão opina que uma revista vaginal é muito mais do que uma medida restritiva ao implicar a invasão do corpo da mulher. Portanto, o equilíbrio de interesses que deve reger na análise da legitimidade dessa medida, requer necessariamente que o Estado se sujeite a uma norma mais alta em relação ao interesse de efetuar uma revista vaginal ou qualquer tipo de revista corporal invasiva.

 

72. A Comissão opina que, para estabelecer a legitimidade excepcional de uma revista ou inspeção vaginal, num caso em particular, é necessário que se cumpram quatro condições: 1) deve ser absolutamente necessária para alcançar o objetivo de segurança no caso específico; 2) não deve existir qualquer alternativa; 3) deveria, em princípio, ser autorizada por ordem judicial; e 4) deve ser realizada unicamente por profissionais da saúde.

 

a) necessidade absoluta

 

73. A Comissão opina que esse procedimento não deve ser aplicado, salvo se for absolutamente necessário para alcançar o objetivo de segurança num caso em particular. O requisito de necessidade significa que as revistas e inspeções dessa natureza só devem ser efetuadas em casos específicos, quando existem razões para acreditar na existência de perigo real para a segurança ou que a pessoa de que se trate possa estar transportando substâncias ilícitas. O Governo argumentou que as circunstâncias excepcionais do caso do marido da Senhora X tornam legítima a aplicação de medidas que limitam acentuadamente as liberdades individuais, já que tais medidas foram adotadas em prol do bem comum, identificado nesta circunstância como a preservação da segurança dos prisioneiros e do pessoal da prisão. Contudo, segundo o Chefe da Segurança, a medida foi uniformemente aplicada a todos os visitantes da Unidade 1. Poderia argumentar-se que a medida era justificável imediatamente após haverem sido encontrados explosivos em poder da Senhora X, mas não nas numerosas ocasiões em que foi aplicada antes desse fato.

 

b) inexistência de alternativa

 

74. A Comissão considera que a prática de efetuar revistas e inspeções vaginais e a conseqüente interferência no direito de visita deverá não apenas satisfazer um interesse público imperativo, como também levar em conta que "entre diferentes opções para alcançar esse objetivo, deve ser escolhida a que menos restrinja o direito protegido".23/

 

75. Os fatos sugerem que a medida não era a única e talvez nem a mais eficiente para controlar o ingresso de entorpecentes e outras substâncias perigosas nas penitenciárias. Como foi admitido, tanto a Senhora X como sua filha foram submetidas ao procedimento em todas as visitas que efetuaram ao seu marido e pai e, mesmo assim, uma revista rotineira da sua cela revelou que o detido estava de posse de 400 gramas de explosivos.

 

76. Há indícios de que outros procedimentos menos restritivos, como a revista dos reclusos e suas celas, constituem meios mais razoáveis e eficientes para garantir a segurança interna. Também não se deve ignorar que a situação legal especial dos reclusos acarreta uma série de limitações ao exercício dos seus direitos. O Estado, que tem a seu cargo a custódia de todas as pessoas detidas e é responsável pelo seu bem-estar e segurança, dispõe de maior latitude para aplicar as medidas que sejam necessárias para garantir a segurança dos reclusos. Por definição, as liberdades pessoais de um detido são restritas e, portanto, é possível justificar em certos casos a revista corporal e, inclusive, a revista física invasiva dos detidos e presos, por métodos que também respeitem sua dignidade humana. Obviamente, teria sido muito mais simples e razoável inspecionar os reclusos após uma visita de contato pessoal, em vez de submeter todas as mulheres que visitam as penitenciárias a um procedimento tão extremo. Somente em circunstâncias específicas, quando existe fundamento razoável para acreditar que representam um período concreto para a segurança ou que estão transportando substâncias ilícitas, é necessário revistar os visitantes.

 

77. O Governo também sustenta que o procedimento não era obrigatório e que só se realizava com o consentimento das visitantes. Portanto, depreende-se que, dado que o Estado propusera uma alternativa ao procedimento e os peticionários decidiram não utilizá-lo, não podem, por isso, reclamar que o Estado interferir de maneira indevida. A Comissão assinala que o Estado não pode propor ou solicitar que as pessoas sob sua jurisdição se submetam a condições ou procedimentos que possam representar violação dos direitos protegidos pela Convenção. Por exemplo: as autoridades estatais não podem propor a uma pessoa que escolha entre uma detenção arbitrária e outra mais restritiva, embora lícita, porque as ações do Estado devem observar os princípios básicos de legalidade e devido processo.

 

78. Em certas circunstâncias, as inspeções ou revistas vaginais podem ser aceitáveis sempre que a aplicação da medida seja regida pelos princípios do devido processo e de salvaguarda dos direitos protegidos pela Convenção. Não obstante, se certas condições, como a legalidade, a necessidade e a proporcionalidade não forem observadas e se o procedimento não for aplicado sem o devido respeito a certos padrões mínimos que protegem a legitimidade da ação e a integridade física das pessoas ao mesmo submetidas, não se pode considerar que exista respeito aos direitos e garantias consagrados na Convenção.

 

79. Por outro lado, a Comissão deseja assinalar que no caso da menina Y, não era possível contar com um consentimento real dado que, naquele momento, tratava-se de uma menina de 13 anos de idade, totalmente dependente da decisão adotada pela Senhora X, sua mãe, e da proteção que o Estado lhe oferecesse. Além disso, pelo evidente motivo da idade da menina, o método de inspeção vaginal utilizado resultava absolutamente inadequado e irracional.

 

80. Portanto, na opinião da Comissão, as autoridades penais, no caso presente, dispunham de outras opções razoáveis para garantir a segurança na penitenciária.

 

c) a existência de um mandado judicial

 

81. Supondo, inclusive, que não existisse um meio menos invasivo, a Comissão opina que, para efetuar uma revista corporal intrusiva, que havia sido suspensa em razão do perigo de infecção do pessoal da penitenciária, é necessário que exista um mandado judicial. Em princípio, um juiz deveria avaliar a necessidade de efetuar essas inspeções como requisito indispensável para uma visita pessoal sem infringir a dignidade e a integridade do indivíduo. A Comissão considera que as exceções a esta regra deveriam estar expressamente estabelecidas por lei.

 

82. Em quase todos os sistemas legais internos do Continente, existe o requisito de que os agentes policiais ou o pessoal de segurança estejam munidos de mandado para realizar certas ações que se consideram especialmente intrusivas ou que dão margem à possibilidade de abuso. Um exemplo claro é a prática segundo a qual o domicílio de uma pessoa goza de proteção especial e não pode ser invadido sem o devido mandado de busca. A inspeção vaginal, por sua natureza, constitui uma intrusão tão íntima do corpo de uma pessoa, que exige proteção especial. Quando não existe controle e quando a decisão de submeter uma pessoa a esse tipo de revista íntima depende da discrição total da polícia ou do pessoal de segurança, existe a possibilidade de que a prática seja utilizada em circunstâncias desnecessárias, sirva de meio de intimidação e constitua alguma forma de abuso. A determinação de que este tipo de inspeção é um requisito necessário para a visita de contato pessoal deveria emanar, em todos os casos, da autoridade judicial.

 

83. Ainda que, no presente caso, encontraram-se materiais explosivos na cela do marido da Senhora X e existissem razões para suspeitar de seus visitantes, cabia ao Estado, em conformidade com o seu dever estabelecido na Convenção, a obrigação de organizar sua estrutura interna para garantir os direitos humanos e solicitar um mandado judicial para efetuar a revista.

 

d) o procedimento deve ser efetuado por profissionais da saúde

 

84. Além disso, a Comissão insiste em que a realização deste tipo de inspeção corporal invasiva, tal como a aplicada quando as autoridades ainda efetuavam inspeções dessa natureza, só pode estar a cargo de profissionais da saúde, com a estrita observância de regras de segurança e higiene, dado o possível risco de lesão física e moral a uma pessoa.

 

85. Ao condicionar a visita a uma medida altamente intrusiva, sem oferecer garantias apropriadas, as autoridades penitenciárias interferiram indevidamente nos direitos da Senhora X e de sua filha.

 

C. Os direitos protegidos pela Convenção

 

1. O direito à integridade pessoal: artigo 5

 

86. Os peticionários alegaram violação do artigo 5 — em particular dos seus incisos 2 e 3 —, segundo o qual:

 

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

 

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes...

 

3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente.

87. O procedimento não é ilegal per se. Contudo, quando o Estado procede a qualquer tipo de intervenção física numa pessoa, deve observar certas condições para garantir que não ocorra angústia e humilhação maior do que a inevitável. Para aplicar essa medida, sempre deverá existir um mandado judicial que assegure certo grau de controle sobre a decisão referente à necessidade da sua aplicação e para que a pessoa que seja submetida à mesma não se sinta indefesa em face das autoridades. Por outro lado, o procedimento sempre deve ser realizado por pessoal idôneo, que utilize o devido cuidado para não produzir lesões físicas, e o exame deve ser efetuado de tal maneira que a pessoa ao mesmo submetida não sinta que a sua integridade mental e moral esteja sendo afetada.

 

88. No que se refere ao artigo 5.3, a Comissão não dispõe de evidência indicativa de que a revista vaginal foi efetuada com a intenção de estender o castigo do marido da Senhora X à sua família. Além disso, não compete à Comissão presumir razões que não tenham sigo objetivamente verificadas.

 

89. Em conclusão, a Comissão opina que as autoridades do Estado argentino, ao realizarem revistas vaginais sistemáticas de X e Y, violaram seus direitos à integridade física e moral, incorrendo assim em transgressão do artigo 5 da Convenção.

 

2. O direito da proteção da honra e da dignidade: artigo 11

90. Em conformidade com o artigo 11 da Convenção:

 

1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

 

2. Ninguém deve ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

 

3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

91. O direito à intimidade, garantido por estas disposições, visa, ademais da proteção contra a publicidade, à integridade física e moral da pessoa.24/ Essencialmente, o objeto do artigo 11, bem como a premissa total da Convenção, é a proteção do indivíduo contra a ingerência arbitrária de funcionários públicos. Não obstante, também requer que o Estado adote a legislação necessária para assegurar a eficácia desta disposição. O direito à intimidade garante uma esfera que ninguém pode invadir e uma área de atividade que é absolutamente própria de cada indivíduo. Nesse sentido, diversas garantias da Convenção que protegem a inviolabilidade da pessoa estabelecem zonas de intimidade.

 

92. O artigo 11.2 proíbe especificamente a interferência "arbitrária ou abusiva" desse direito. A disposição indica que, ademais da condição de legalidade que deve ser observada sempre que se imponha uma restrição aos direitos consagrados na Convenção, cabe ao Estado a obrigação especial de prevenir interferências "arbitrárias ou abusivas". A idéia de "interferência arbitrária" refere-se a elementos de injustiça, impossibilidade de previsão e falta de razoabilidade, que a Comissão já levou em conta ao examinar os aspectos de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade das revistas e inspeções.

 

93. Contudo, a Comissão deseja salientar que este caso representa um aspecto íntimo especial da vida privada de uma mulher e que o procedimento em questão, seja a sua aplicação justificável ou não, pode provocar angústia e vergonha profunda em quase todas as pessoas ao mesmo submetidas. Ademais, a aplicação do procedimento a uma menina de 13 anos pode resultar em grave dano psicológico, difícil de avaliar. A Senhora X e sua filha tinham direito ao respeito de sua intimidade, dignidade e honra ao procurarem exercer o direito à família, apesar de um dos seus membros estar detido. Tais direitos só deveriam ter sido limitados no caso de uma situação muito grave e em circunstâncias muito específicas e, nesse caso, com o estrito cumprimento, pelas autoridades, das regras anteriormente definidas para garantir a legalidade da prática.

 

94. A Comissão conclui que, ao efetuarem as autoridades revistas vaginais da Senhora X e de sua filha sempre que desejam manter contato pessoal com o marido da Senhora X, violaram seu direito à proteção da honra e dignidade, consagrado no artigo 11 da Convenção.

 

3. Direitos da família: artigo 17

 

95. Alegou-se que a interferência indevida no caso da visita da Senhora X e de sua filha transgrediu o direito à família consagrado no artigo 17 da Convenção, segundo o qual:

 

1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

96. O artigo 17 reconhece o papel central da família e da vida familiar na existência de uma pessoa e na sociedade em geral. Trata-se de um direito tão básico da Convenção que se considera que não pode ser derrogado ainda em circunstâncias extremas. Neste caso, os peticionários alegam que o exercício desse direito ficou sujeito a uma restrição ilegítima e que diversos direitos protegidos pela Convenção, especialmente o direito à integridade pessoal e o direito à honra e à dignidade foram transgredidos ao pretenderem exercer o direito à família.

 

97. O direito à vida familiar pode sofrer certas limitações inerentes ao mesmo. Existem circunstâncias especiais, tais como o encarceramento ou o serviço militar, que embora não suspendam o direito, afetam inevitavelmente seu exercício e não permitem o seu pleno exercício. Embora o encarceramento limite necessariamente o pleno gozo do direito da família ao separar forçosamente um dos seus membros, cabe ao Estado a obrigação de facilitar e regulamentar o contato entre os reclusos e suas famílias e de respeitar os direitos fundamentais de todas as pessoas em face de interferências abusivas e arbitrárias do Estado e de seus funcionários.25/

 

98. A Comissão tem sustentado invariavelmente que cabe ao Estado a obrigação da facilitar o contato do recluso com sua família, não obstante as restrições às liberdades pessoais que o encarceramento acarreta. Nesse sentido, a Comissão reiterou em diferentes ocasiões que o direito de visita é um requisito fundamental para assegurar o respeito à integridade e liberdade pessoal dos reclusos e, como corolário, o direito de proteção à família de todas as partes afetadas.26/ Justamente em razão das circunstâncias excepcionais que caracterizam o encarceramento, o Estado tem a obrigação de adotar medidas conducentes à efetiva garantia do direito de manter e desenvolver relações familiares. Portanto, a necessidade de qualquer medida que restrinja este direito deve ajustar-se aos requisitos ordinários e razoáveis do encarceramento.

 

99. As visitas com contato pessoal não são um direito e, em muitos países, nem sequer constituem uma opção. Em geral, a possibilidade de visitas de contato pessoal é deixada à discrição das autoridades penitenciárias. Porém, quando o Estado regulamenta o modo pelo qual os reclusos e suas famílias exercem o direito à família, não pode impor condições ou aplicar procedimentos que constituam transgressão de qualquer um dos direitos consagrados na Convenção, pelo menos sem o devido processo. Todos os Estados Partes da Convenção têm obrigação de certificar-se de que a ação do Estado e a organização da sua estrutura interna e do seu sistema jurídico se situem dentro de certos limites de legalidade.

 

100. Portanto, a Comissão conclui que, ao requererem as autoridades do Estado argentino que a Senhora X e sua filha se submetessem a revistas vaginais sempre que desejavam manter contato pessoal com o marido da Senhora X, exerceram interferência indevida no direito à família dos peticionários.

 

4. Direitos da criança: artigo 19

 

101. Em conformidade com o artigo 19:

Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

102. A Argentina também ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que dispõe:

 

Artigo 3

1. Em todas as medidas concernentes ao menor, adotadas pelas instituições públicas ou privadas de bem-estar social, pelos tribunais, pelas autoridades administrativas ou pelos órgãos legislativos, o interesse superior da criança será uma consideração primordial a atender.

103. O texto da Convenção Americana reconhece que a criança deve receber cuidados e atenções especiais e que cabe ao Estado a obrigação de adotar todas "as medidas de proteção que sua condição requer". Um menor é especialmente vulnerável às violações dos seus direitos porque, devido à sua própria condição, na maioria dos casos não dispõe de autoridade legal para adotar decisões em situações que podem ser de graves conseqüências para o seu bem-estar. O Estado tem a obrigação especial de proteger a criança e de certificar-se que, quando as autoridades públicas empreendam ações capazes de afetá-lo de alguma maneira, adotem-se as precauções para garantir os direitos e o bem-estar do menor.

 

104. No caso presente, o Estado argentino propôs e aplicou numa menor que não dispunha de capacidade legal para consentir, um procedimento de conseqüências possivelmente traumáticas que, potencialmente, poderia ter transgredido uma série de direitos consagrados pela Convenção, sem observar os requisitos de legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade que constituem algumas das condições necessárias para impor qualquer restrição aos direitos consagrados da Convenção. Ademais, o Estado não outorgou à menor Y uma proteção mínima contra abusos ou lesões físicas, que poderia ter sido oferecida recorrendo às autoridades judiciais pertinentes para que decidissem se o procedimento era pertinente e, em caso afirmativo, que fosse realizado por pessoal médico. A Comissão não considera que os requisitos existentes para proteger os menores, descritos pelo Chefe da Segurança Interna, ou seja, que as inspeções se realizem na presença de pelo menos um dos progenitores da menor e que a revista seja menos rigorosa e procure respeitar o sentimento de pudor, tenham constituído proteção adequada para a peticionária.

 

105. Portanto, a Comissão conclui que, quando as autoridades da penitenciária propuseram e efetuaram revistas vaginais na menor Y antes que ela visitasse pessoalmente o seu pai, o Estado argentino violou o artigo 19 da Convenção.

 

 

VII. OBSERVAÇÕES DO GOVERNO AO RELATÓRIO Nº 16/95

 

106. Em 14 de setembro de 1995, no seu 90º período de sessões, a Comissão aprovou o relatório Nº 16/95, com base no artigo 50 da Convenção. Em conseqüência, o mesmo foi encaminhado de forma reservada ao Governo, tal como disposto no parágrafo 2 do artigo citado.

 

107. O Governo da Argentina enviou suas observações sobre o relatório em 7 de dezembro de 1995.

 

108. O Governo informou que o conteúdo do Relatório Nº 16/95 foi levado ao conhecimento do Serviço Penitenciário Federal.

 

109. Além disso, em 6 de julho de 1995, elevou-se ao Congresso da Nação Argentina o projeto de lei "Execução da pena privativa de liberdade", destinado a substituir o regime penitenciário vigente. A iniciativa faz parte de uma política de reforma penitenciária integral, que inclui a criação da Secretaria de Política Penitenciária e Readaptação Social, em 1994, bem como o início da vigência do Plano Diretor da Política Penitenciária Nacional, em 1995.

 

110. A Mensagem do Poder Executivo Nacional que acompanhou o citado projeto de lei declara que:

 

... o texto oferecido abrange os preceitos constitucionais sobre a matéria, o conteúdo de tratados e pactos internacionais e as recomendações de congressos nacionais e internacionais, principalmente as emanadas das Nações Unidas em matéria de prevenção de delito e tratamento de delinqüente, da legislação comparada mais avançada e de diversos projetos nacionais.

111. Transcrevem-se a seguir as disposições do projeto de lei referentes ao presente caso:

 

Art. 158 — O recluso tem o direito de se comunicar periodicamente, oralmente ou por escrito, com sua família, amigos, parentes, curadores e advogados, e com representantes de organismos oficiais e instituições privadas com personalidade jurídica que se interessem pela sua reinserção social. Em todos os casos será respeitada a privacidade dessas comunicações, sem outras restrições a não ser as dispostas por juiz competentes.

 

Art. 160 — As visitas e a correspondência recebida ou remetida pelo recluso e as comunicações telefônicas ajustar-se-ão às condições, oportunidade e supervisão que os regulamentos determinem, que não poderão desvirtuar o estabelecido nos artigos 158 e 159.

 

Art. 161 — As comunicações orais ou escritas previstas no artigo 160 só poderão ser suspensas ou restringidas temporariamente, mediante resolução fundamentada do diretor do estabelecimento, que a comunicará imediatamente ao juiz de execução ou juiz competente. O recluso será notificado da suspensão ou restrição transitória do seu direito.

 

Art. 162 — O visitante deverá respeitar as normas regulamentares vigentes na instituição e as indicações do pessoal e abster-se de introduzir ou procurar introduzir qualquer elemento que não haja sido expressamente autorizado pelo diretor. Se não observar essa prescrição ou se for comprovada conivência culposa com o recluso, ou se não guardar a devida compostura, seu ingresso no estabelecimento será suspenso, temporária ou definitivamente, mediante resolução do diretor.

 

Art. 163 — O visitante e seus pertences, por razões de segurança, serão revistados. A revista, observado o respeito à dignidade da pessoa humana, será realizada ou dirigida, observado o procedimento previsto nos regulamentos, por pessoal do mesmo sexo do visitante. A revista manual, na medida do possível, será substituída por sensores não intensivos ou outras técnicas não tácteis apropriadas e eficazes.

VIII. CONCLUSÕES

 

112. A Comissão reconhece as medidas adotadas pelo Estado argentino para modificar seu sistema penitenciário, especificamente no que se refere à violação denunciada no presente caso.

 

113. A Comissão considera que o Estado tomou iniciativas para o cumprimento de algumas das conclusões e recomendações do Relatório Nº 16/95, concretamente em relação à necessidade de estabelecer, por lei, as restrições aos direitos e garantias consagrados na Convenção.

 

114. A Comissão também concluiu, em seu relatório Nº 16/95, que, para estabelecer a legitimidade de uma revista ou inspeção vaginal, num caso em particular, é necessário observar os seguintes requisitos:

1. deve ser absolutamente necessária para alcançar o objetivo legítimo no caso específico;

 

2. não deve existir nenhuma medida alternativa;

 

3. deveria, em princípio, ser autorizada por mandado judicial; e

4. deve ser realizada unicamente por profissionais da saúde.

115. O artigo 163 do projeto de lei, que se refere à substituição da revista manual por sensores não invasivos ou outras técnicas não tácteis apropriadas e eficazes é, em princípio, compatível com as recomendações da Comissão. Não obstante, o citado artigo deixa de mencionar expressamente o tipo de inspeção corporal invasiva que foi analisada no presente relatório. A Comissão reitera que as revistas vaginais ou outras inspeções corporais de tipo invasivo devem ser realizadas por pessoal médico credenciado.

 

116. Portanto, a Comissão conclui que, ao impor uma condição ilegal para a realização das visitas à penitenciária sem dispor de mandado judicial ou oferecer as garantias médicas apropriadas, e ao efetuar revistas e inspeções nessas condições, o Estado argentino violou os direitos da Senhora X e sua filha Y consagrados nos artigos 5, 11 e 17 da Convenção, em correlação com o artigo 1.1, que dispõe pela obrigação do Estado argentino de respeitar e garantir o pleno e livre exercício de todas as disposições reconhecidas na Convenção. No caso da menor Y, a Comissão conclui que o Estado argentino também transgrediu o artigo 19 da Convenção.

 

 IX. RECOMENDAÇÕES

 

117. Com base nas conclusões precedentes,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

118. Recomenda ao Estado argentino que adote as medidas legislativas ou de outra natureza para ajustar suas previsões às obrigações estabelecidas pela Convenção, expressas nas presentes conclusões e recomendações.

 

119. Recomenda ao Estado argentino que mantenha a Comissão informada sobre o processo de estudo e sanção das medidas mencionadas no parágrafo anterior.

 

120. Recomenda que as vítimas sejam adequadamente compensadas.

 

121. Decide publicar o presente relatório no Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

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1. O Doutor Oscar Luján Fappiano, membro da Comissão, de nacionalidade argentina, não participou dos debates e da votação deste caso, em conformidade com o artigo 19 do Regulamento da Comissão.

2. Por solicitação das peticionárias, a identidade das vítimas mantêm-se em reserva devido à menor idade de uma delas e à natureza das violações denunciadas.

3. Câmara de Apelações, 35972-X e outra; s/ação de amparo-17/151-Int. IIª, Buenos Aires, 25 de abril de 1989, parágrafo IV.

4 . Ibid.

5. Corte Suprema de Justiça, sentença sobre o recurso de amparo, Tomo 207 do Livro de Sentenças, Buenos Aires, 21 de novembro de 1989, parágrafo 3, página 105.

6. No caso presente, o regulamento aplicável, que não foi cumprido, é o do artigo 28 do Boletim Público Nº 1266 do Serviço Penitenciário Federal, que estabelece textualmente: "Os visitantes deverão submeter-se ao método de inspeção adotado na unidade, se não preferem desistir da entrevista. Em todos os casos, a inspeção será efetuada por pessoal do mesmo sexo do revistado". No Boletim Público Nº 1625, prevê-se que "o tratamento humanitário deverá ser prioritário nas inspeções, evitando todo procedimento que possa implicar vexação interna..." e que "igual procedimento deverá ser adotado nas inspeções a que sejam submetidos os visitantes dos internos".

7. Ibid.

8. O Procurador-Geral da Nação, no parecer que apresentou na ação de amparo iniciada pela Senhora Arena, declarou que: "...a oportunidade da reclamação, depois que a peticionária foi submetida por muito tempo a essas inspeções, o que significou o conhecimento do regulamento que impugnou, torna pelo menos duvidoso que lhe cabesse, no caso, outra possibilidade senão de utilizar os mecanismos administrativos e judiciais comuns...". Procuradoria Geral da Nação, 24 de julho de 1989, 531, L.XXXII.

9. Corte Permanente de Justiça Internacional, caso Lotus, Sentença Nº 9, 1927, Série A, Nº 10, página 31, e Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Handyside, sentença de 7 de dezembro de 1976, Série A, Nº 24, parágrafo 41.

10. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, Série C, Nº 4, parágrafo 165.

Em seu parecer consultivo sobre o vocábulo "Leis", a Corte afirma também que:

...a proteção dos direitos humanos, especialmente dos direitos civis e políticos acolhidos pela Convenção, parte da afirmativa da existência de certos atributos invioláveis da pessoa humana que não podem ser legitimamente desprezados pelo exercício do poder público. Tratam-se de esferas individuais que o Estado não pode vulnerar ou em que só pode penetrar limitadamente. Assim, na proteção dos direitos humanos, está necessariamente incluída a noção da restrição ao exercício do poder estatal.

Corte Interamericana de Direitos Humanos: "O vocábulo _Leis¢ no artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", Parecer Consultivo OC-6/86 de 9 de maio de 1986. Série A, Nº 6, parágrafo 21.

11. Ibid, parágrafo 166.

12. A Corte declarou que:

...os critérios do artigo 30 certamente são aplicáveis a todos os casos em que o vocábulo "Lei" ou locuções equivalentes são empregadas pela Convenção a propósito das restrições que ela própria autoriza em relação a cada um dos direitos protegidos. Nesse sentido, a Convenção não se limita a proclamar o conjunto de direitos e liberdades cuja inviolabilidade se garante a todo ser humano, mas também faz também referência às condições particulares em que é possível restringir o gozo ou o exercício desses direitos ou liberdades, sem transgredi-los. O artigo 30 não pode ser interpretado como uma espécie de autorização geral para estabelecer novas restrições aos direitos protegidos pela Convenção, que seriam acrescidas às limitações permitidas na regulamentação particular de cada um deles.

Corte Interamericana de Direitos Humanos: "O vocábulo _Leis¢ no artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", Parecer Consultivo OC-6/86 de 9 de maio de 1986. Série A, Nº 6, parágrafo 17.

13 . Corte Interamericana de Direitos Humanos: "O Colegiado Obrigatório de Jornalistas" (artigos 13 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) Parecer Consultivo OC-5/85 de 13 de novembro de 1985, Série A, Nº 5, parágrafo 67.

14. OC-5, parágrafo 37.

15 . Corte Interamericana de Direitos Humanos: "O vocábulo _Leis¢ no artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", Parecer Consultivo OC-6/86 de 9 de maio de 1986, Série A, Nº 6, parágrafo 22.

16 . Nesse sentido, ver o Sunday Times Case, sobre o qual a Corte Européia opinou que:

"...uma norma não pode ser considerada lei, a não ser que esteja dotada de precisão suficiente para permitir que um cidadão administre sua conduta: deve poder, com assessoramento adequado, se necessário, prever até onde que seja razoável em função das circunstâncias, as conseqüências que resultarão de determinada ação". Decisão de 26 de abril de 1979, Série A, Vol. 30 (1979), página 31.

17. Em relação a este aspecto, a Corte declarou que:

O vocábulo "leis" no contexto da proteção dos direitos humanos careceria de sentido se não aludisse à idéia de que a simples determinação do poder público não basta para restringir tais direitos. O contrário equivaleria a reconhecer uma virtualidade absoluta dos poderes dos governantes em relação aos governados. OC-6, Série A, Nº 6, parágrafo 27.

18. OC-5, parágrafo 46, citando "The Sunday Times Case", decisão de 26 de abril de 1979 da Corte Européia de Direitos Humanos, Série A, Nº 30, parágrafo 62.

19. OC-5, parágrafo 46.

20. Ver, a respeito, o caso X & Y x Países Baixos, em que a Corte Européia estabeleceu esta conexão relativamente à disposição homóloga do artigo 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos, decisão de 26 de março de 1985, Série A, Vol. 91, parágrafo 22.

 

21 . O artigo 37 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos dispõe:

Os reclusos estarão autorizados a comunicar-se periodicamente, sob a devida vigilância, com sua família e seus amigos de boa reputação, tanto por correspondência como mediante visitas.

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos adotadas no Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, realizada em Genebra, em 1995 e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social mediante as resoluções 663 C (XXIV), de 31 de julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de maio de 1977.

22. Sobre o tema, ver os seguintes relatórios da Comissão: Caso Miskito, páginas 31-2, Caso Cuba, página 62 (1983) e Caso Uruguai (1983-84), página 130, parágrafo 10.