RELATÓRIO Nº 22/02

INADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO 12.114

JESÚS CHUCRY ZABLAH E CLAUDIA ESTHER RODRÍGUEZ DE ZABLAH

HONDURAS

27 de fevereiro de 2002

 

 

I.        RESUMO

 

1.       Em 10 de junho de 1997, o senhor Jesús Chucry Zablah e sua esposa Claudia Esther Rodríguez de Zablah (doravante denominados os peticionários), apresentaram perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a Comissão ou a CIDH) uma denúncia contra a República de Honduras (doravante denominada “Honduras”, “o Estado” ou “o Estado hondurenho”). A petição denuncia a violação das garantias judiciais (artigo 8), direito à propriedade privada (artigo 21) e direito à igualdade perante a lei (artigo 24) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção”), em detrimento dos peticionários.

 

2.       Os peticionários, sócios da Sociedade Imobiliária “La Soledad S. de R.L” (doravante denominada “Sociedade Imobiliária”), assinaram, juntamente com duas pessoas naturais, um contrato com o Estado pela venda de três lotes de terreno num valor de três milhões de lempiras. Este contrato foi anulado posteriormente mediante sentença judicial de 13 de novembro de 1981. A sentença ordenou que as partes fossem restituídas ao estado em que se encontravam antes da existência do contrato e ordenou o embargo de duas contas bancárias que os peticionários tinham no Bank of America e no Banco El Ahorro Hondurenho, com o objetivo de devolver ao Estado o montante do dinheiro pago. A sentença também determinou o embargo de outros imóveis de sua propriedade, os quais foram estimados por peritos e arrematados.

 

3.       Os peticionários alegam que o Estado violou o devido processo na composição deste procedimento, pois o Juizado de Primeira Instância proferiu a sentença antes de que fosse realizadas as respectivas provas, e declarou a nulidade do contrato de ofício, depois da emissão de um acordo com o Poder Executivo mediante o qual desaprovava o contrato de compra e venda. Alegam que o congelamento de suas contas foi ilegal, e que seus bens  foram subvalorizados, tendo pago ao Estado dez vezes mais do que estariam obrigados a devolver. Argumentam que a sentença judicial e o relatório  pericial de avaliação dos  imóveis  apresentaram múltiplas irregularidades processuais que lhes os tornaram indefesos e levaram ao confisco flagrante de seus bens.

 

4.       As partes debateram amplamente sobre o esgotamento dos  recursos internos e o prazo de apresentação da petição. Os peticionários alegaram que esgotaram os recursos internos e que a petição foi apresentada dentro do prazo dos seis meses. O Estado alegou que não foram esgotados os recursos internos, e que, ainda que admitisse o esgotamento, a petição tinha sido apresentada de forma extemporânea porque enviada fora do prazo dos  seis meses.

 

5.       Após a análise dos fatos denunciados e das provas documentais que constam do expediente, a Comissão Interamericana, reunida no 114° período de sessões celebrado em 5 de fevereiro a 15 de março de 2002, decidiu declarar inadmissível o presente caso pela  falta de cumprimento do requisito de esgotamento dos  recursos internos prevista no artigo 46.1 (a) da Convenção Americana.

 

II.       TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.       Em 10 de junho de 1997, a Comissão recebeu a denúncia dos  peticionários, cuja data original era  29 de maio de 1997. Em 4 de novembro de 1997, a CIDH acusou  recibo da denúncia aos peticionários, informando-lhes que não se podia dar trâmite a sua denúncia conforme o artigo 38(1) do Regulamento, e solicitando-lhes informação que permitisse verificar se a denúncia tinha sido apresentada dentro de um prazo razoável.

 

7.       Em 19 de dezembro de 1997, a Comissão recebeu uma comunicação datada de 10 de dezembro dos peticionários, a qual assinalava que a denúncia cumpria com os requisitos do artigo 38(1) do Regulamento da Comissão. Em 5 de junho de 1998, a Secretaria Executiva da Comissão acusou recibo desta nota e reiterou aos peticionários que a informação contida na denúncia no satisfazia os requisitos estabelecidos no artigo 38(1) do Regulamento, e lhes pediu para enviar a informação pertinente a fim de dar trâmite a sua denúncia. Em 11 de fevereiro de 1999, os peticionários enviaram cópia de uma resolução da Secretaria da Corte Suprema de Justiça de 6 de janeiro de 1999, em que declarou improcedente o recurso de revogação interposto pelos peticionários.

 

8.       Em 12 de abril de 1999 foi transmitida a denúncia ao Estado hondurenho. Em 21 de setembro de 1999, a Comissão recebeu a resposta do Estado, de 9 de julho de 1999. Em 26 de outubro de 1999 foram enviadas as partes pertinentes desta comunicação aos peticionários. Em 17 de dezembro de 1999 a CIDH recebeu as observações dos  peticionários, as quais foram encaminhadas ao Governo em  24 de janeiro de 2000. Em 17 de fevereiro do memo ano a CIDH recebeu adendum dos  peticionários a suas observações, as quais foram transmitidas ao Estado em 1º. de março de 2000, outorgando-lhe um prazo de 30 dias para apresentar seus comentários finais. Em 23 de junho de 2000, a CIDH reiterou ao Estado a solicitação de comentários as observações dos  peticionários e lhe concedeu um prazo adicional de 30 dias.

 

9.       Em 5 de setembro de 2000, a CIDH recebeu os comentários finais do Estado sobre as observações dos peticionários e o addendum apresentado por estes, de 30 de agosto de 2000. Em 13 de setembro do mesmo ano a CIDH acusou recibo desta comunicação e foram transmitidas as partes pertinentes aos peticionários. Em 4 de outubro de 2000, a CIDH recebeu as observações dos peticionários aos comentários finais do Estado, cujas partes pertinentes foram enviadas ao Estado em 16 de outubro de 2000, concedendo-lhe o prazo de 20 dias para apresentar os comentários pertinentes caso formulasse uma argumento novo.

 

10.     Em 11 de setembro de 2001, o Estado hondurenho apresentou seus comentários a CIDH,  e esta acusou recibo ao Estado e os enviou aos peticionários em 20 de setembro de 2001. Em 20 de dezembro de 2001, os peticionários enviaram sua contestação a estes comentários, a qual foi recebida na Comissão em 2 de janeiro de 2002. Em 8 de janeiro a CIDH acusou recibo aos peticionários e encaminhou as partes pertinentes desta comunicação ao Estado.

 

III.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.      Posição dos  peticionários

 

11.     Os peticionários alegaram que o Estado hondurenho violou seu direito as garantias judiciais, à propriedade privada e à igualdade perante a lei ao declarar a nulidade absoluta de uma Escritura Pública de compra e venda por meio da qual o Estado de Honduras adquiriu vários bens imóveis compostos em lotes de terreno que eram propriedade da Sociedade Imobiliária (representada legalmente pelo  senhor Jesús Zablah) e da senhora Rodríguez de Zablah, entre outros. Alegam que houve fraude  e intervenção direta de outros poderes do Estado na decisão judicial que confiscou os seus bens[1] de forma flagrante, superando em mais de 1000% o valor das quantidades que estavam obrigados a devolver ao Estado de Honduras.[2]

 

12.     Os peticionários alegaram que esgotaram todos os recursos internos que permite a legislação hondurenha: apelação, cassação, revisão e revogação, sucessivamente, sendo que todos os recursos foram indeferidos pelo  Estado.[3]

 

13.     Os peticionários assinalaram que em 22 de outubro de 1981 a Procuradoria  Geral da República interpôs uma Ação Ordinária de Nulidade Absoluta do Contrato de Comprae Venda contra a Sociedade Imobiliária, solicitando o cancelamento de sua inscrição no  Registro da Propriedade e a rescisão do contrato. Posteriormente, o processo foi aberto à dilação probatória, e interrompido em 13 de novembro de 1981 pelo mesmo juiz que o conhecia, o qual proferiu a sentença, anulando as escrituras públicas objeto de litígio e cancelando sua inscrição, embora, segundo os peticionários, isto não seja permitido pela  legislação hondurenha.[4] Os peticionários indicaram que, como medida preventiva, seus bens imóveis e contas bancárias pessoais no Bank of America e no  Banco El Ahorro Hondurenho foram embargados, e que posteriormente, na execução da sentença, foram transferidos ao  Estado as somas de $2,037,378.67 lempiras e $4,999.50 lempiras, depositadas respectivamente nestas contas.

 

14.     Os peticionários argumentaram que a Sociedade Imobiliária era uma sociedade de responsabilidade limitada, razão pela qual o Estado deveria ter atuado unicamente contra os bens da sociedade, e não contra o patrimonio individual dos sócios e alegam que a sentença os deixou sem defesa já que lhes impediu de aportar provas a seu favor.[5] Alegam que o senhor Jesús Zablah não foi ouvido em nenhuma oportunidade durante o processo, apesar de terem embargado suas contas bancárias e seus bens.[6]

 

15.     Com relação ao embargo de seus bens, os peticionários alegaram uma série de violações processuais, inter alia, que o Estado, ao solicitar a medida preventiva de embargo sobre bens móveis e imóveis, não determinou o montante destes, nem ofereceu fiança ou garantia suficiente para responder sobre os prejuízos que poderia ocorrer, e que o procedimento de nomeação dos peritos avaliadores foi completamente ilegal. Argumentam que durante o processo não foi estabelecido prazo legal para que os peritos apresentassem o relatório sobre valor dos  bens embargados, e que posteriormente lhes foi notificado o prazo de forma tardia, pois eles apresentaram o seu relatório 23 dias depois de notificados sobre o prazo legal. Aduzem que isto os tornou indefesos, pois lhes impediu demonstrar o valor real dos  bens imóveis embargados, e que este perícia deveria ter sido realizada durante o processo e não na etapa de execução da sentença.[7]

 

16.     Os peticionários alegaram que sendo a soma adequada de três milhões de lempiras, foram arrematados bens imóveis pelo  valor de 10 milhões de lempiras, e que no  proceso de avaliação das propriedades arrematadas várias irregularidades que violaram o direito à propriedade dos  peticionários.[8]

 

17.     Os peticionários argumentam que este montante excessivo era injustificável, pois, no pior dos  casos, a responsabilidade da empresa, ademais do montante de três milhões de lempiras, consistiria unicamente no benefício econômico obtido ao atuar como intermediária na venda e que tal obrigação nem sequer  existiria posto que a relação contratual era entre o Estado hondurenho e os vendedores dos imóveis, de modo que se por causas alheias a sua vontade, a relação contratual entre o Estado e os vendedores fosse anulada, a Sociedade Imobiliária não estaria na obrigação de devolver um centavo. Alegam que no caso de que alguém tivesse que responder por estes benefícios econômicos, essa obrigação corresponderia unicamente as pessoas que assinaram o contrato em seu carácter pessoal.[9]

 

18.     Em relação a controvérsia entre os peticionários e o Estado sobre se os recursos internos foram esgotados com o recurso de revisão e o recurso de revogação, os peticionários argumentaram que a jurisdição interna foi esgotada com o recurso de revogação, e acreditaram que este foi interposto em 5 de novembro de 1996, e resolvido pelo  poder judicial três anos mais tarde, em 6 de janeiro de 1999.

 

19.     Quanto ao recurso de revogação, indicaram que este foi resolvido em 28 de novembro de 1996, que a notificação do mesmo foi feita no dia 27 de novembro desse mesmo ano e a sentença transitou em julgado em 29 de novembro. Sendo assim, segundo os peticionários   ainda que este recurso fosse considerado como o recurso mediante o qual foi esgotada a jurisdição interna, a petição, enviada a CIDH em 29 de maio de 1997, preencheria o  requisito do prazo dos  seis meses, conforme o artigo 46(1)(b) da Convenção Americana.[10] Em resposta ao manifestado pelo Estado sobre o indeferimento do recurso de revisão por não ter anexado a sentença que demonstrara a existência de uma fraude do Poder Judicial, os peticionários alegaram que nesse momento era impossível a ação penal correspondente, porque na época havia falecido a pessoa que ocupou, durante a tramitação do processo, a titularidade do juizado que havia conhecido causa.[11]

 

20.     Os peticionários alegam que interpuseram ambos recursos porque, ademais do recuso de revisão, o recurso de revogação está previsto no  Código de Procedimentos como um remédio ordinário que deve ser esgotado antes de dirigir-se às susequentes instâncias internas ou internacionais.[12]

 

21.     Por último, os peticionários assinalaram que não continuaram com o trâmite da ação  ordinária por danos e prejuízos porque, tendo em vista que nunca foi declarada a ilegalidade da sentença de primeira instância, esta ação não teria  nenhuma possibilidade de prosperar e resultava improcedente [13]. Ademais, alegaram que existia uma sentença definitiva  que anulava o contrato, motivo pelo qual a ação de danos e prejuízos não seria reberta, que a tramitação desta demanda leva geralmente de 5 a 10 anos e que o sistema judicial hondurenho não tinha naquela época um mínimo de independência para emitir suas decisões, de  modo que seria  inútil esgotar esta via.[14]

 

 

B.       Posição do Estado

 

22.     O Estado alegou que no  contrato de compra e venda foi omitida a aprovação do contrato pelo  Poder Executivo, que é requisito formal de validade,[15] razão pela qual foi declarada a nulidade do contrato de compra e venda. Assinalou que durante o processo, o Presidente da República emitiu o acordo Nº. 0779 que anulou o contrato de compra e venda origem do litígio e indicou que o Código Civil da República de Honduras estabelece que quando existe nulidade absoluta dos atos e contratos, os tribunais devem, quando consta dos autos, declarar de ofício tal nulidade. Indicou que, no presente caso, o juiz decidiu dessa forma por considerar que não tinha sentido seguir as demais fases do processo, com a subsequente perda de tempo e esforço, posto que o acordo emitido pelo Poder Executivo declarava a nulidade absoluta do contrato.[16]  Ademais, argumentou que os peticionários atacam unicamente o aspecto formal ou procedimental mediante o qual foi decretada a nulidade do contrato de compra e venda, sem controverter o aspecto material da nulidade.[17]

 

23.     O Estado alegou que o fato de que os tribunais tenham decidido contra as pretensões dos  peticionários não configura uma violação ao direito à defesa nem a nenhum outro direito humano.[18]

 

24.     O Estado assinalou que pagou três milhões de lempiras a Sociedade Imobiliária pela  venda de três terrenos, e que ao ser declarada a nulidade do contrato foi também ordenada a restituição das partes em sua totalidade no estado em que se encontravam antes da celebração do contrato, de maneira que o Estado de Honduras deveria cobrar novamente os três milhões de lempiras pagas a contraparte, razão pela qual embargou suas contas bancárias. Indicou que, desta quantia, somente pode recuperar $2,042,378.17 lempiras que os senhores Zablah tinham no Bank of America e no Banco El Ahorro Hondurenho, de modo que teve que embargar outros bens dos senhores Zablah, que foram avaliados e arrematados de acordo com a lei hondurenha, portanto não procede o argumento de que houve um confisco flagrante dos  bens dos  peticionários.[19]

 

25.     O Estado informa que a demanda foi interposta contra a mencionada Sociedade Imobiliária e contra três pessoas naturais, sendo uma delas Claudia Rodríguez de Zablah, e que estas três pessoas agiram a título pessoal no  contrato de compra e venda subscrito com o Estado. Alega que os peticionários foram, nesse contrato, “partes vendedores”, atuando a sociedade como intermediária ou representante de aqueles[20] e que a execução da sentença recaiu sobre bens de propriedade dos  peticionários e dos  demais demandados, por serem os donos dos imóveis objeto da venda.[21]

 

26.     Com respeito as alegações dos  peticionários de que as notificações aos peritos que avaliaram as propriedades dos  senhores Zablah não foram feitas corretamente, o Estado alegou que ainda que estas tivessem incorretas (o que discordou), seriam convalidadas de acordo com a legislação hondurenha quando as partes fossem fossem informadas, o que aconteceu no presente caso, no momento em que os peritos emitiram seu parecer[22].

 

27.     O Estado hondurenho solicitou que fosse declarada inadmissível a denúncia por falta de esgotamento de recursos internos, já que os peticionários poderiam ter proposto ação judicial contra o Governo de Honduras, reclamando danos e prejuízos pelos fatos ocorridos. Alegou que existe a possibilidade de interpor esta demanda, como de fato fizeram os peticionários quando interpuseram uma Ação Ordinária de Danos e Prejuízos no Primeiro Juizgado de Letras Civil do estado de Francisco Morazán, a qual foi admitida. Alegou que eles mesmos abandonaram o processo o que ensejou a caducidade da ação naquela instância.[23]

 

28.     Com relação ao recurso de revogação, o Estado indicou que o recurso de revogação, na legislação hondurenha, somente pode ser interposto frente as providências e sentenças interlocutórias proferidas em primeira instância, e aquelas que recaem na na composição dos  recursos de apelação e cassação; isto é,  que os peticionários não deveriam  ter pedido a revogação da decisão emitida no  recurso de revisão, motivo pelo qual  a Corte Suprema de Justiça o declarou improcedente. Alegou que os peticionários interpuseram este recurso sabendo que seria improcedente, com a intenção de preencher um requisito a fim de apresentar a petição perante a CIDH, e expressou que uma ação improcedente ou ilegal não pode ser tomada em conta para preencher uma requisito para a inadmissibilidade da petição.[24] Ademais, assinalou que este recurso foi resolvido em 1999, e a petição foi apresentada em maio de 1997, quando os peticionários continuavam esgotando os recursos da jurisdição interna, mesmo depois de ter apresentado sua petição perante a CIDH.[25]

 

29.     Alegou que o último recurso válido que os peticionários apresentaram na jurisdição interna foi o recurso de revisão perante a Corte Suprema de Justiça, contra o qual  não cabe recurso posterior na legislação hondurenha, e que este somente pode ser interposto, quando a sentença declarar a existência de cofato ou fraude. Assinalou que os peticionários não apresentaram no  recurso uma sentença que tivesse declarado a existência de fraude, de modo que o recurso foi indeferido. Argumenta que, ainda que este recurso fosse considerado como aquele que esgotou a jurisdição interna, a petição tinha sido apresentada de forma extemporânea, já que a decisão havia sido emitida em 5 de novembro de 1996 e notificada em 27 de novembro de 1996, sendo que a petição deveria ter sido apresentada entre dezembro de 1996 e maio de 1997.[26]

 

IV.      ANÁLISE SOBRE A INADMISSIBILIDADE

 

30.     A Comissão passa a analisar os requisitos de inadmissibilidade da petição estabelecidos na Convenção Americana, começando pelo  esgotamento dos  recursos internos, principal ponto de controvérsia na presente petição.

 

Esgotamento de recursos internos

 

31.     Em primeiro lugar, a Comissão observa que as partes apresentaram  diferentes argumentos a fim de calcular o prazo de seis meses estabelecido no artigo 46(1) (b), com relação ao esgotamento dos recursos internos. Não obstante, a Comissão observa que esta discussão não tem relevância, pois o  Estado, desde sua  contestação a denúncia, alegou a exceção de falta de esgotamento dos  recursos internos, e argumentou que os peticionários “ainda podem propor ação judicial contra o Governo de Honduras”,[27] reclamando danos e  prejuízos pelas violações alegadas.

 

32.     A Corte Interamericana dediciu anteriormente que “o Estado que alega o não esgotamento deve indicar quais os recursos internos que devem ser esgotados e sua efetividade”,[28] e que “se um Estado que alega o não esgotamento, prova a existência de determinados recursos internos que deveriam ser utilizados, corresponderá a parte contrária demostrar que esses recursos foram esgotados ou que o caso cabe dentro das exceções do artigo 46.2”.[29]

 

33.     No  presente caso, o Estado assinalou que a ação por danos e prejuízos ainda estava disponível  para os peticionários. Também ifnormou que os peticionários propuseram perante o Primeiro Juizado de Letras Civil do estado de Francisco Morazán uma Ação  Ordinária de Danos e Prejuízos, com o objetivo de obter a reparação dos  danos que lhes causou o embargo e venda de seus bens por uma quantia inferior a seu valor real, mas abandonaram o processo. O Estado indicou que ao não impulsionar o curso do procedimento, os peticionários deixaram que a ação viesse a caducar, conforme o artigo 147 do Código de Procedimentos Civis que estabelece que se considerará abandonada a instância e caducará o direito, se as partes não impusionarem o andamento processo por três anos, quando este estiver em curso na primeira instância.

 

34.     Os peticionários alegaram que este recurso tinha sido inefetivo e que esta demanda não teria possibilidade alguma de prosperar devido a existência de uma sentença definitiva em favor do Estado. Igualmente alegaram que a tramitação destas demandas duram geralmente entre 5 e 10 anos, e que naquele momento, o  sistema judicial hondurenho carecia de um mínimo de independência no seu processo decisório.

 

35.     A Comissão considera que, embora os peticionários aleguem que este  recurso seria improcedente por exisitir uma sentença definitiva no  caso, isto contradiz com o fato de que efetivamente interpuseram a demanda e que esta foi admitida. Igualmente, o temor dos peticionários de obter uma sentença desfavorável do poder judicial não é razão suficiente para configurar uma excepção ao  esgotamento dos  recursos internos neste caso.

 

36.     Quanto à falta de independência do Poder Judicial e a parcialidade dos  juizes alegadas pelos peticionários, a Comissão recorda que esta não pode ser presumida prima facie, pois a questão não é o temor subjetivo dos  peticionários com respeito à imparcialidade que dever ter o tribunal que examina o processo, mas sim o  fato de que as circunstâncias possam fundamentar e justificar seus temores objetivamente. Neste sentido, a Corte Européia manifestou que "a princípio, a imparcialidade dos  membros de um tribunal será presumida até que se prove o contrário".[30] Os peticionários não aportaram provas suficientes neste sentido.

 

37.     Portanto, a Comissão considera que este recurso não foi esgotado pelos peticionários por motivos não imputáveis ao Estado, e que estes não apresentaram elementos de convicção que permitissem a Comissão aplicar as exceções ao esgotamento dos  recursos internos estabelecidas no  artigo 46(2)(a) e (b).

 

38.     Pelas razões antes expostas e tendo em vista que a petição sob estudo não cumpriu com o requisito de esgotamento dos  recursos internos estabelecidos no  artigo 46(1)(a) da Convenção Americana, a Comissão conclui que a petição é inadmissível. Sendo assim, a CIDH abstem-se, por subtração de matéria, de examinar os demais requisitos de inadmissibilidade contemplados na Convenção.

 

V.      CONCLUSÕES

 

39.             A Comissão entende que a presente petição não reúne o requisito previsto no  artigo 46(1)(a) e (a) da Convenção Americana. Portanto, a Comissão conclui que a petição é inadmissível, de conformidade com o artigo 47(a) da Convenção Americana.

 

40.     Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos.

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Declarar inadmissível a presente petição.

 

2.       Notificar o Estado e os peticionários desta decisão.

 

3.       Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, e Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts.

 

 

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[1] Ver Nota do advogado. Milton Jiménez Puerto a Secretaria Executiva de 19 de dezembro de 2001.

[2] Ver Denúncia do caso Nº 12.114 recibida na CIDH em 10 de junho de 1997.

[3] Ver Denúncia do caso Nº 12.114 recibida na CIDH em 10 de junho de 1997

[4] Ver Denúncia do caso Nº 12.114 recibida na CIDH em 10 de junho de 1997

[5] Ver Denúncia do caso Nº 12.114 recibida na CIDH em 10 de junho de 1997.

[6] Ver Nota do advogago. Milton Jiménez Puerto ao Secretário Executivo Jorge Taiana de 17 de dezembro de 1999.

[7] Ver Denúncia do caso Nº  12.114 recebida na CIDH em 10 de junho de 1997.

[8] Ver Nota do advogado. Milton Jiménez Puerto ao Secretário Executivo Jorge Taiana de 17 de dezembro de 1999.

[9] Ver Observações dos  peticionários a contestação governamental de  30 de agosto do ano 2000, de 4 de outubor  de 2000.

[10] Ver Nota do advogado. Milton Jiménez Puerto ao Secretário Executivo Jorge Taiana de 17 de dezembro de 1999.

[11] Observações dos  peticionários a contestação governamental de 30 de agosto do ano 2000, de 4 de outubro  de 2000.

[12] Ver Addendum as Observações a Contestação Governamental , remetido pelo  senhor Jesús Zablah a Secretaria Executiva da CIDH, em 24 de fevereiro de 2000.

[13] Ver Addendum as Observações a Contestação Governamental , remetido pelo  senhor Jesús Zablah a Secretaria Executiva da CIDH, em 24 de fevereiro de 2000..

[14] Ver Nota do  advogado. Milton Jiménez Puerto ao Secretário Executivo Jorge Taiana de 17 de dezembro de 1999.

[15] Ver Oficio Nº 215-DDHN, Nota da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 30 de agosto de 2000, pág. 11.

[16] Ver Oficio Nº. 081-DDHN da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 9 de julho de 1999.

[17] Ver Oficio Nº. 191-DGAE, da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 11 de setembro de 2001.

[18] Ver Oficio Nº. 191-DGAE, da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 11 de setembro de 2001.

[19] Ver Ofício Nº. 081-DDHN da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jore Taiana, de 9 de julho de 1999 y Oficio Nº 215-DDHN, Nota da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 30 de agosto de 2000, págs.10 e 11.

[20] Ver Ofício Nº. 081-DDHN da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 9 de julho de 1999.

[21] Ver Oficio Nº 215-DDHN, da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 30 de agosto de 2000, pág.10.

[22] Ver Oficio Nº 215-DDHN, da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 30 de agosto de 2000, pág.11.

[23] Na legislação hondurenha, a caducidade da instância é produzida pela falta de andamento da ação. No  caso da primeira instância, o litigio caduca aos três anos desde a última notificação feita as partes, sem que nenhuma  delas tenha instado seu curso.

[24] Ver Oficio Nº 081-DDHN da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 9 de julho de 1999.

[25] Ver Oficio Nº 215-DDHN, da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 30 de agosto de 2000, pág.7.

[26] Esta data corresponde a abertura do caso, e não a apresentação da denúncia perante a CIDH, como indicou o Estado.

[27] Oficio Nº 081-DDHN da da Secretaria de Relações Exteriores da República de Honduras ao Secretário Executivo Jorge Taiana, de 9 de julho de 1999. A respeito, o Estado indicou  que, conforme o artigo 2292 do Código Civil da República de Honduras que estipula que “as ações pessoais que não tenham assinalado prazo especial, prescrevem em dez anos”, a ação ainda não precreveu, pois não transcorreu o mencionado período de dez anos, de modo que os peticionários poderiam propor nova demanda.

[28] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 88.

[29] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 29 de julho de 1988, par. 60.

[30] Corte Européia de Direitos Humanos, Albert and Le Compte v. Bélgica, 10 de fevereiro  de 1983, Series A Nº 58, Aplicação Nº 7299/75 & 7496/ 76, (1983) 5 EHRR 533, & 32.