RELATÓRIO Nº 13/02

ADMISSIBILIDADE

CASO 11.171

TOMÁS LARES CIPRIANO

GUATEMALA

27 de fevereiro de 2002[1]

 

 

I.          RESUMO

 

1.          Em 24 de junho de  1993, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a “Comissão” ou a “CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada pelo Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado de Guatemala e pelo International Human Rights Law Group (doravante denominados “os peticionários”) na qual se alegou a responsabilidade do Estado de Guatemala (doravante denominada “o Estado”, “Guatemala” ou “o Estado guatemalense”) pela violação, em detrimento de Tomás Lares Cipriano ou Tomás Cipriano Lares (doravante denominada “a suposta vítima”) dos  direitos tutelados nos  artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (liberdade individual), 8 (garantias judiciais), 16 (liberdade de associação) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção Americana”), em conjunção com a obrigação genérica do Estado de respeitar e garantir estes direitos, estabelecida no artigo 1(1) do mencionado instrumento.

 

2.          Em 9 de agosto de 2000, o Estado guatemalense, através do Presidente da  República, Dr. Alfonso Portillo, reconheceu a responsabilidade institucional em dez casos submetidos à CIDH, entre eles estava o presente assunto.

 

3.           Após analisar os argumentos das partes, o cumprimento dos requisitos de admissibilidade e o reconhecimento de responsabilidade estatal, a Comissão decidiu declarar admissível a presente petição conforme as disposições contidas nos  artigos 46 e 47 da  Convenção Americana.

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

A.          Abertura e Trâmite da Petição

 

4.          A petição foi apresentada à CIDH em 24 de junho de 1993. A Comissão deu início ao trâmite sob o número 11.171, transmitindo as partes pertinentes da mesma ao Estado em 25 de junho. Em 28 de outubro, o Estado remeteu à Comissão informação sobre a denúncia.

 

5.          Em 26 de outubro, os peticionários remeteram à CIDH informação adicional, cujas partes pertinentes foram trasladadas ao Estado em 5 de novembro. Em 3 de dezembro, o Estado solicitou à Comissão uma prorrogação para apresentar suas observações à informação proporcionada pelos peticionários. Em 17 de janeiro de 1994, a Comissão atendeu  positivamente a solicitação de prorrogação e, em 17 de fevereiro, recebeu a informação do Estado.

 

6.          Em 7 de março, a CIDH trasmitiu as observações do Estado guatemalense aos peticionários e lhes requereu que apresentassem as suas observações, as quais foram enviadas à Comissão em 15 de abril e trasladas ao Estado em 9 de maio.

 

7.          Em 13 de junho, o Estado voltou a solicitar uma prorrogação à CIDH para enviar suas observações à informação submetida pelos  peticionários. A Comissão comunicou ao Estado, em 15 de junho, que lhe outorgava uma prorrogação de 30 dias e, em 5 de agosto, quando o prazo concedido havia expirado, advertiu-lhe que se não recebesse a informação requerida, aplicaria a presunção de veracidade disposta no artigo 42 do Regulamento da  CIDH.[2]

 

8.          Em 22 de agosto de 1994, o Estado enviou à CIDH a informação solicitada, a qual foi posta ao conhecimento dos peticionários em 15 de setembro. Estes últimos, em 23 de janeiro de 1995, solicitaram uma prorrogação para enviar suas observações. Em 2 de março de 1995, a CIDH outorgou aos peticionários 30 dias de prorrogação. Em 25 de janeiro de 1995 os peticionários remeteram suas observações à CIDH, as quais foram enviadas ao Estado em 8 de maio. O Estado remeteu suas observações em 11 de julho.

 

9.          Em 9 de dezembro de 1998, a Comissão voltou a solicitar informação tanto ao Estado como aos peticionários. Em resposta a esse requeremento, o Estado solicitou uma  prorrogação em 20 de janeiro de 1999. Em 6 de fevereiro o Estado solicitou uma prorrogação à Comissão para proporcionar-lhe informação. A CIDH rejeitou o pedido do governo em 9 de abril e, em 25 de maio, o instou a enviar a informação requerida.

 

10.          O Estado remeteu a informação à Comissão em 16 de junho. A sua vez, em 7 de julho de 1999, os peticionários solicitaram à CIDH a pronunciar-se sobre o mérito do assunto.

 

B.          Procedimento de Solução Amistosa

 

11.          Em 17 de junho de 1996, a CIDH colocou-se à disposição das partes a fim de que o assunto fosse submetido ao procedimento de solução amistosa. Em 17 de julho, os peticionários comunicaram à CIDH seu desacordo para que o assunto fosse resolvido por essa via. A Comissão informou ao Estado a posição dos  peticionários em 24 de julho. Em 26 de julho, o Estado manifestou que estudaria a proposta formulada pela Comissão e que, mais adiante, informaria sua decisão de submeter-se ao procedimento de solução amistosa. Em 9 de fevereiro de 1998, os peticionários manifestaram sua vontade de que o assunto fosse  submetido a um acordo de solução amistosa.  O Governo guatemalense foi informado pela CIDH sobre esa posição em 16 de fevereiro do mesmo ano. Em 30 de março de 1999, o Estado enviou uma comunicação à CIDH esclarecendo que ainda não pronunciaria sua decisão de acolher ou não a solução amistosa. A Comissão comunicou esta posição aos peticionários em 30 de abril e lhes solicitou observações a respeito. Os peticionários, em 20 de maio, solicitaram um prorrogação à  Comissão, a qual foi concedida. Em 9 de março de 2000, os peticionários reiteraram a CIDH sua vontade de que o assunto fosse resolvido por meio de um acordo  amistoso, e a Comissão, em 24 de março, decidiu uma vez mais, colocar-se à  disposição das partes para este fim.

 

C.          Reconhecimento de Responsabilidade do Estado.

 

12.          Em 9 de agosto de 2000, o governo da Guatemala, representado pelo  Presidente da  República, Dr. Alfonso Portillo, reconheceu:

 

a responsabilidade institucional do Estado pelo descumprimento do artigo 1 (1) da  Convenção Americana de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção … a respeito das pessoas ou casos seguintes:

(…)

 

3. Tomas Lares Cipriano (CIDH 11171)

 

(…)

 

[o] Governo guatemalense aceitou a exposição dos fatos constitutivos que deram lugar à apresentação das denúncias perante a Comissão…e se obrigou a empreender negociações sobre tais casos.[3]

 

III.          POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.                Posição dos  Peticionários

 

13.          Os peticionários alegaram em sua comunicação inicial que, em 19 de fevereiro de 1993, três mil membros vindos de vários frentes do município de Joyabaj, departamento de Quiché, incluido o senhor Tomás Lares Cipriano, apresentaram perante diversas autoridades civis sua renúncia aos comitês voluntários de autodefesa.[4] No documento que contém a renúncia, os assinantes manifestaram:

 

[1]. Que desde a década de 80 temos prestado serviço na Patrulha Civil sem ganhar nenhum salário, hoje chamado “Comitê Voluntário de Defesa Civil”, o que na prática é totalmente obrigatório em nossas comunidades; porque os Chefes dos  Patrullheiros, comissionados militares de nossas comunidades, quem atuam sob a direção do destacamento militar de nosso município nos dizem que se não formamos parte da Patrulha Civil, somos guerrilheiros e que devemos abandonar nossas residências, que levemos a nossos filhos para a montanha, caso contrário algum dia nos matariam.

 

2. Ademais os chefes da  Patrulha Civil nos obrigam a levar lenha ao destacamento militar … por meio de ameaças e intimidações, e para que salvassemos nossas vidas tivemos que participar da Patrulha Civil…

(…)

 

4. Em face desta situação tão difícil estamos cansados, motivo pelo qual decidimos  renunciar à Patrulha Civil, amparando-nos no artigo 34 da  Constituição Política da  República que diz literalmente em seu segundo parágrafoo: NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A ASSOCIAR-SE NEM A FORMAR PARTE DE GRUPOS OU ASSOCIAÇÕES DE AUTODEFESA OU SIMILARES…[5]

 

14.          A renúncia foi publicada em diferentes meios de comunicação, entre outros, no  El Gráfico, edição de 24 de fevereiro de 1993 Prensa Libre, edição de 25 de fevereiro de 1993, Siglo Veintiuno, edições de 25 e 26 de fevereiro de 1993.[6]

 

15.          Em 26 de março do mesmo ano, os senhores Tomás Lares Cipriano, Diego Lares, Marcos Ambrosio Sacarías, Manuel Ambrosio Sacarías e Domingo Gutiérrez  apresentaram-se ao Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado de Guatemala  para informar sobre as ameaças proferidas contra eles por membros das patrulhas de autodefesa civil do município de Joyabaj. As ameaças foram uma resposta à renúncia aos comitês de autodefesa. Nessa mesma oportunidade, o senhor Tomás Lares Cipriano e seus acompanhantes manifestaram que, também haviam sido ameaçados de ser expostos a sérias consequências –o que segundo os peticionários constitui ameaça de morte- caso não assistissem a uma manifestação de patrulheiros civis organizada para o dia 28 de março de 1993 e que para esse efeito se levantaria uma lista com os nomes dos  ausentes, os quais seriam acusados de pertencer as organizações vinculadas à Unidade Revolucionária Nacional Guatemalense.

 

16.          A gravidade da denúncia impulsionou o Escritório de Direitos Humanos  do Arcebispado de Guatemala a apresentar um recurso de habeas corpus preventivo perante a Corte Suprema de Justiça em favor de Tomás Lares Cipriano e as outras pessoas que renunciaram à Patrulha de Autodefesa Civil de Joyabaj. No referido recurso, os peticionários solicitaram ao órgão jurisdicional:

 

que se garantisse a integridade física dos membros das patrulhas de autodefesa que renunciaram a formá-las, em virtude das ameaças proferidas contra eles …

 

que imediatamente se tomasse medidas necessárias para proteger a vida, a integridade e a liberdade destas pessoas.

 

Que o juiz competente no Município de Joyabaj ordenasse … no domingo 28 de março … que não fossem praticadas detenções ilegais nem ameaças contra aquelas pessoas que se negam a ser parte do serviço de Patrulhas de Autodefesa Civil …

 

17.          Em 30 de abril, aproximadamente as 11:30 horas, segundo um comunicado do Comitê de Unidade Camponesa (CUC), Tomás Lares Cipriano “foi emboscado e covardemente assassinado com 6 tiros (2 balas na mão esquerda, 1 bala no peito, 1 bala entre os olhos, 1 bala na cabeça), lhe cortaram a orelha direita e lhe quebraram e cortaram a cabeça”.[7] De acordo com o relatório da necrópsia médico forense realizada em 29 de junho de 1993 pela  Dra. Lissette García de Crocker, as causas da morte de Tomás Lares Cipriano foram fissura cerebral, fratura multifragmentária de crâneo, feridas por projétil de arma de fogo e ferida corto-contundente no pescoço.[8]

 

18.             No comunicado do CUC foi mencionado:

 

[Q]ue o Comandante Geral das PAC (de Joyabaj) Leonel Nogales, deu órdens para sequestrar  o Sr. Tomás Lares Cipriano … Ao mesmo tempo, os Sres. Catarino Juárez e Santos Chich Us, primeiro e segundo chefe das PAC da frente de Chorraxaj, fizeram listas de todos os vizinhos que se encontram organizados em cooperativas, atividades religiosas e organizações populares …[9]

 

19.          Em 19 de maio de 1993, quando o assassinato de Tomás Lares Cipriano já era um fato de conhecimento público,[10] o Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado de Guatemala foi notificado da resolução de 11 de maio de 1993 pronunciada pelo  Dr. Roderico Haroldo López Robles, titular do Segundo Juizado de Primeira Instância Penal de Quiché, dentro do recurso de habeas corpus interposto pelos  peticionários. No recurso, que foi considerado improcedente, o juiz determinou que “as supostas vítimas não se encontram na situação contemplada no artigo 82 do Dto. 1-86 da  Assembléia Nacional Constituinte [e] que não foram localizados em nenhum lugar”.

 

20.          Na informação adicional e nas observações aos relatórios apresentados pelo  Estado no trâmite do caso instaurado perante à CIDH, os peticionários manifestaram que em 20 de maio de 1993, o senhor Diego Lares Ambrosio havia apresentado uma queixa formal contra Próspero Leonel Ogaldez García, Santos Chich Us, Catarino Juárez, Diego Granillo Juárez, Santos Tzi y Gaspar López Chiquiaja, como supostos responsáveis pelo assassinato do senhor Tomás Lares Cipriano.

 

21.          Os peticionários também informaram que os patrulheiros de autodefesa civil haviam impedido a realização da  autopsia médico legal[11], motivo pelo qual solicitaram ao Segundo Juizado de Primeira Instância de Quiché a realização da  exumação e necrópsia do cadáver, diligências efetuadas em 29 de junho de 1993. Quanto à reconstrução dos  fatos, os peticionários manifestaram que a ameaça de uma emboscada por parte dos membros das patrulhas de autodefesa foi a verdadeira razão pela qual não se pode praticar esta diligência, e não aquela atribuida pelo Estado, o qual atribui ao mal tempo a falta de realização da referida diligência.[12]

 

22.          Os peticionários também assinalaram que em 29 de julho de 1993 decretou ordem de detenção contra os acusados, mas que somente  efetivou a detenção de Catarino Juárez  e Gaspar López Chiquiaja e que Próspero Leonel Ogaldez García havia apresentado-se voluntariamente diante do  Segundo Juizado de Instrução de Quiché. A tempo de prestar seus depoimentos, os mencionados indivíduos negaram serem membros das autodefesas, vinculação que, segundo os peticionários, estava devidamente acreditada, documentada e testemunhada  nos autos de maneira pública. A autoridade judicial somente tomou em conta os depoimentos dos acusados e das testemunhas propostas por eles,  deixando de lado os outros elementos probatórios. Como resultado, o juiz decidiu não revogar os autos de liberdade simples sob fiança emitidos em favor de Próspero Leonel Ogaldez García e Catarino Juárez, respectivamente. Com relação a Gaspar López Chiquiaja, os peticionários informaram que o juiz havia decretado sua liberdade, apesar dos depoimentos contradictórios de diferentes testemunhas. Segundo os peticionários, a parte acusadora não teve a oportunidade de examinar apropriadamente as testemunhas de defesa e, ademais, foram suscitadas outras irregularidades de caráter processual.[13]

 

23.          Quanto à ordem de prisão contra Santos Chich Us, Diego Granillo Juárez e Santos Tzi, emitida em 29 de julho de 1993, os peticionários informaram que esta não foi executada, não obstante os indivíduos permanecerem em suas comunidades. Para os peticionários, a razão pela qual não foi executada a ordem está no temor das autoridades policiais frente as ameaças proferidas contra eles pelos membros da  Zona Militar Nº 20. Segundo os denunciantes, o Chefe da Polícia de Quiché havia manifestado que preferia ir a prisão por desobediência a que o matassem.

 

24.          Os peticionários também manifestaram que em janeiro de 1994, tomou posse no Segundo Juizgado de Primeira Instância de Quiché um novo juiz, pois o  anterior havia sido destituído por acusações de corrupção. Assinalaram também que os arquivos do juizado tinham sido incendiados em 19 de janeiro, e que o juiz tinha denunciado que o incêndio poderia ter sido provocado por membros das patrulhas e que ele mesmo era objeto de ameaças por parte destes indivíduos. Os peticionários afirmaram que o Exército da Guatemala e, especialmente, o Comandante da  Zona Militar Nº 20 de Quiché tem participação como autores intelectuais e encobriram os  fatos alegados.

 

25.          Por último, os peticionários indicaram que o Estado não tinha realizado as gestões necessárias para dar cumprimento as órdens de detenção[14] pendentes por mais de seis anos contra três dos  principais acusados pela morte de Tomás Lares Cipriano, e que este descumprimento constitui uma omissão imputável ao Estado e genera responsabilidade internacional, pois baseado na denegação de justiça.

 

B.   Posição do Estado

 

26.          Em sua resposta inicial, o Estado da Guatemala manifestou que tinha sido aberta uma investigação com o número Nº 79-93 perante o Segundo Juizado de Primeira Instância Penal de Instrução e que nela se encontravam pendentes diversas diligências destinadas a esclarecer o fato. Informou que Ministério de Defesa Nacional e o Ministério Público foram instruídos para realizar as investigações do caso e impulsionar o processo.[15]

 

27.          Posteriormente, o Estado oferceu informação mais detalhada e indicou que de acordo com suas primeras investigações, tinha estabelecido que o senhor Tomás Lares Cipriano havia renunciado as Patrulhas de Autodefesa Civil em 26 de março de 1993 e que no dia 28 do mesmo mês tinha  participado de uma manifestação organizada para dissolver estas organizações, motivo pelo qual recebeu ameaças de morte pelos membros destes grupos.[16]

 

28.          Quanto às diligências judiciais, o Estado informou que em 1° de maio de 1993 o Juiz de Paz do Município de Joyabaj abriu um auto de instrução ordenando a verificação dos  fatos e solicitando a Polícia Nacional que iniciara as investigações necessárias. Em 3 de maio do mesmo ano, o referido juiz ficou impedido de continuar conhecendo o caso por ter perdido competência sobre o mesmo e elevou os autos ao Segundo Juizado de Primeira Instância Penal de Instrução. Em 12 de maio, o Ministério Público interveniu no  processo dada a denúncia formulada pelo filho do senhor Tomás Lares Cipriano.

 

29.          O Estado informou que em 20 de fevereiro de 1993, o senhor Domingo Lares Ambrosio interpôs uma denúncia  contra Santos Chich Us, Leonel Ogaldes e Catarino Juárez,[17] sobre a qual o juiz abriu auto de instrução, e o  Ministério Público voltou a intervir no processo depois de ser notificado da denúncia. Posteriormente foram cumpridas uma série de diligências processuais[18] até que a parte acusadora solicitou que fosse decretado mandado de prisão  contra  Leonel Ogaldez García, Santos Chich Us, Catarino Juárez, Diego Granillo Juárez, Santos Tzi e Gaspar López Chiquiaja. Em 3 de agosto Catarino Juárez foi detido e prestou seu depoimento. Em 5 de agosto, depois de ouvidos os depoimentos das  testemunhas de defesa, foi posto em liberdade provisória por falta de motivo suficiente para a prisão preventiva. Em 9 de agosto,  Próspero Leonel Ogaldez García apresentou-se de forma voluntária para prestar depoimento. Depois de ouvir as testemunhas de defesa, o juiz determinou sua liberdade simples porque não encontrou motivos suficientes para decretar mandado de prisão. O Ministério Público interpôs recurso de apelação contra as resoluções que concederam a liberdade aos acusados. A Corte de Apelações confirmou as resoluções anteriores e determinou a detenção de Catarino Juárez. Quanto a Gaspar López Chiquiaj, o Estado informou que este foi capturado por ordem judicial em 17 de outubro de 1993 e depois posto à  disposição do tribunal. Em 21 de outubro a autoridade judicial, depois de ouvir os depoimentos dos acusados e das testemunhas propostas por eles, determinou a sua liberdade provisória. Esta decisão foi impugnada pelo  Ministério Público em 22 de outubro e a Corte de Apelações acolheu esta impugnação revogando o mandado de liberdade provisória, motivo pelo qual o juiz da  causa deveria ter ordenado seu regresso a prisão.

 

30.          Em outra comunicação,[19] o Estado retificou perante a observação dos  peticionários, que a renúncia de Tomás Lares Cipriano às Patrulhas de Autodefesa Civil ocorreu no dia 19 e não no dia 26 de fevereiro de 1993. Também assinalou que a autópsia do cadáver tinha sido ordenada pelo Juiz de Paz e que não foi realizada porque os filhos do falecido e os Prefeitos  Auxiliares de Cantón Chorraxaj opuseram-se ao procedimento além de uma multidão de 400 pessoas armadas com machados, que impediram o traslado do corpo à funerária.[20] Posteriormente o corpo foi exumado e feita a necrópsia. Quanto à reconstrução dos  fatos, o Estado assinalou que a mesma não havia sido realizada devido ao mau tempo.[21]

 

31.          Com relação aos outros acusados que foram postos em liberdade, o Estado indicou que se procedeu conforme a legalidade e o livre arbítrio do juiz em atenção aos elementos postos em conhecimento das autoridades judiciais. Do mesmo modo, assinalou que era necessário que os reclamantes aportassem provas ao  processo e que esta investigação era o canal previsto pela  legislação guatemalense para a realização de justiça de conformidade como novo Código Processual Penal. O Estado invocou o artigo 37 do (anterior) Regulamento da  CIDH, indicando que os reclamantes deveriam, primeiro, esgotar os recursos previstos na jurisdição interna através do devido processo.

 

32.          Com relação as ordens de prisão decretadas contra Santos Chich Us, Diego Granillo Juárez e Santos Tzi, o Estado informou que foi solicitado ao Ministério de Governo e à Direção Geral da  Polícia Nacional que procedesse à captura dos mencionados acusados e seu traslado ao juiz da causa.

 

33.          A respeito da informação proporcionada pelos peticionários[22] sobre o incêndio ocorrido nos arquivos do juizado que conhecia a causa, o Estado informou que foi aberto o  processo identificado com o  No. 127-94 no qual foi ordenada a verificação sumária correspondente na Promotoria Geral e que as investigações estavam sendo realizadas pela  Direção Geral da  Polícia Nacional.

 

34.          Nas comunicações posteriores remitidas à CIDH, o governo manifestou que em 10 de maio de 1995 o Primeiro Juizado de Primeira Instância Penal de Huehuetenango decretou auto de processamento contra Santos Chich Us dentro da  causa 758-93 pelo  delito de assassinato contra Tomás Lares Cipriano e que, depois de esgotados os procedimentos correspondentes, em 5 de novembro de 1996, o referido indivíduo foi condenado a 28 anos de prisão sem possibilidade de comutação da pena. A sentença transitou em julgado depois que, em 4 de dezembro de 1996, a Nona Sala de Apelações declarou a inadmissibilidade de um  recurso de apelação  especial apresentado pela defesa do condenado.

 

35.          O Estado informou que as ordens de prisão emanadas em 30 de julho de 1993 e reiteradas em 6 de maio de 1995 contra outros quatro acusados da  morte de Tomás Lares Cipriano estavam pendentes de cumprimento. Em 28 de dezembro de 1998, o Estado, através da  Comissão Presidencial de Direitos Humanos, reiterou `a Direção Geral da  Polícia Nacional  para que agilizasse a execução dos mandados de prisão contra Diego Granillo Juárez, Santos Tzit e Gaspar López Chiquiaj.

 

36.          Na informação submetida pelo  Estado à CIDH em 24 de agosto de 1999, o governo guatemalense reiterou que os recursos internos não haviam sido esgotados e solicitou à Comissão não tomar em conta as apreciações dos  peticionários no sentido de que o atraso  na execução efetiva das ordens de prisão emitidas contra três dos acusados constituía uma exceção ao requisito do esgotamento dos  recursos internos de acordo com a premissa de que os procedimentos no âmbito interno evidenciavam a denegação de justiça. O Estado assegurou que realizou os maiores esforços para buscar as pessoas requeridas nas ordens de prisão.

 

37.          Em 9 de agosto de 2000, na cidade de Guatemala, com a presença do Presidente e o Secretário Executivo da  CIDH, o Presidente da  República, Dr. Alfonso Portillo, manifestou que seu governo

 

a responsabilidade institucional do Estado pelo descumprimento do artigo 1 (1) da  Convenção Americana de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção … a respeito das pessoas ou casos seguintes:

(…)

3.                  Tomas Lares Cipriano (CIDH 11171)

 

O reconhecimento anterior está fundamentado na omissão incorrida pelo  Estado quanto a sua obrigação de garantir às pessoas o gozo e o respeito de seus direitos fundamentais, conforme a Constituição Política da Guatemala, a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais subscritos e ratificados por Guatemala…

 

(…)

[o] Governo guatemalense aceitou a exposição dos fatos constitutivos que deram lugar à apresentação das denúncias perante a Comissão…e se obrigou a empreender negociações sobre tais casos.

 

 

IV.          ANÁLISE SOBRE ADMISSIBILIDADE

 

38.          A Comissão considera que o reconhecimento de responsabilidade institucional do Estado implica na aceitação tácita sobre a procedência da  admissibilidade da  petição. Sem prejuizo do anterior, e tendo em vista o princípio de segurança jurídica, a Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade exigidos pela  Convenção Americana na presente petição.

 

A.          Competência

 

39.          A Comissão tem competência ratione materiae para conhecer a presente petição porque nela são denunciadas violações a direitos protegidos na Convenção Americana.[23]

 

40.          A Comissão tem competência ratione pessoae para conhecer a presente petição porque tanto a natureza dos  peticionários como a da suposta vítima satisfaz os requerimentos assinalados respectivamente nos  artigos 44 e 1(2) da  Convenção.

 

41.          A CIDH tem competência ratione temporis para conhecer a presente petição dado que a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já  se encontrava em vigor para o Estado na data em teriam ocorrido os fatos alegados na petição.

 

42.          Finalmente,  a Comissão tem competência ratione loci para conhecer a presente petição visto que nela  se alegam violações de direitos que teriam ocorrido dentro da  jurisdição do Estado denunciado.

 

B.          Requisitos de Admissibilidade

 

1.        Esgotamento dos  recursos internos

 

43.          A Comissão adverte que no presente assunto os peticionários e o Estado referiram-se a dois tipos de processos tramitados na jurisdição interna guatemalense. O primeiro deles foi o recurso de habeas corpus preventivo interposto pelo Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado de Guatemala em 26 de março de 1993 e resolvido em 11 de maio do mesmo ano. O segundo processo, de natureza penal, teve início com as primeiras diligências ordenadas e o auto de instrução foi aberto pelo  Juiz de Paz de Joyabaj em 1° de maio de 1993. Desde 3 de maio desse mesmo ano, os autos foram elevados ao Segundo Juizado de Primeira Instância Penal de Instrução.

 

44.          O artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana estabelece que para que uma petição possa ser admitida, se requer “que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos”. Como já determinado pela Corte, estes princípios não se referem somente a existência formal de tais recursos, mas também  que estes sejam adequados e efetivos… Que sejam adequados significa que a função destes recursos, dentro do sistema de direito interno, seja idônea para proteger a situação jurídica infringida”.[24] A sua vez, um recurso eficaz é o que permite produzir o resultado para o qual foi concebido.[25]

 

45.          O primeiro parágrafo do artigo 263 da Constituição de Guatemala, invocado dentro do recurso de habeas corpus interposto em favor da  suposta víctima, assinala

 

Aquele que estiver ilegalmente preso, detido ou coibido de qualquer outro modo do gozo de sua liberdade individual, ameaçado da perda dela … tem direito a pedir sua imediata exibição perante os tribunais de justiça, seja com o objetivo de que lhe seja restituída ou garantida a sua liberdade, seja para fazer cessar a detenção ou termine a coação a que estiver sujeito.

 

46.          A Comissão observa que o recurso de habeas corpus interposto em 26 de março de 1993 e declarado improcedente em 11 de maio do mesmo ano, onze dias depois que a morte de Tomás Lares Cipriano foi publicada por diferentes meios de comunicação, foi interposto justamente com a finalidade de garantir não somente sua liberdade mas tabém a sua vida e integridade pessoal.

 

47.            Em oportunidade anterior, a Corte Interamericana de Direitos Humanos manifestou que:

 

[É] essencial a função que cumpre o habeas corpus como meio para controlar o respeito à vida e integridade da  pessoa, para impedir seu desaparecimento … bem como para protegê-la  contra a tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.[26]

 

48.          Consequentemente, a Comissão considera que o recurso de habeas corpus interposto pelo Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado de Guatemala era o recurso previsto pela  legislação guatemalense adequado para proteger tanto a liberdade individual de Tomás Lares Cipriano como também sua vida e integridade pessoal.

 

49.          A CIDH também observa que o recurso de habeas corpus foi interposto e resolvido na jurisdição interna antes de que os peticionários apresentassem sua denúncia perante o órgão regional, o que não foi controvertido tácita nem expressamente pelo  Estado em nenhuma de suas comunicações enviadas à Comissão. Portanto, a CIDH considera, com relação a este procedimento, que foram esgotados os recursos da  jurisdição interna.

 

50.          O Estado, ao contrário, opôs expressamente em três ocasiões perante a CIDH a exceção referida a falta de esgotamento dos  recursos internos com relação ao processo penal aberto em razão da morte de Tomás Lares Cipriano.

 

51.          O Estado indicou em suas últimas comunicações[27] que em 5 de novembro de 1996, dentro da  causa 758-93, foi prolatada sentença condenatória de 28 anos de privação de liberdade contra o réu Santos Chich Us pelo assassinato de Tomás Lares Cipriano e que a sentença transitou em julgado em 4 de dezembro do mesmo ano. Também informou que as ordens de prisão emitidas em 30 de julho de 1993 e reiteradas em 6 de maio de 1995,[28] contra outros quatro acusados pela  morte de Tomás Lares Cipriano encontravam-se pendentes de cumprimento, não obstante que a Comissão Presidencial de Direitos Humanos tivesse  reiterado à Direção Geral da  Polícia Nacional a agilização das diligências.

 

52.          Posteriormente, o governo guatemalense reiterou que os recursos internos não haviam sido esgotados e solicitou à Comissão não considerar as apreciações dos  peticionários no sentido de que a demora na execução efetiva das ordens de prisão emitidas contra três dos  acusados dava passo à inaplicabilidade da  regra de esgotamento dos  recursos internos, pois o Estado estava realizando os maiores esforços para buscar as pessoas requeridas nas referidas ordens de prisão. Alega que o fato de que não tenha sido materializada a detenção dos mesmos não significa que o Estado não tivesse mostrado vontade nem compromisso de investigar e punir aqueles que são responsáveis pelos  fatos.

 

53.          Os peticionários, a sua vez, manifestaram à Comissão que o descumprimento das ordens de prisão emitidas em 30 de julho de 1993 e reiteradas em 6 de maio de 1995, constitui uma omissão imputável ao Estado que gera responsabilidade deste diante da  denegação de justiça. Os peticionários assinalaram uma série de fatos para demonstrar que as investigações no âmbito policial e judicial não foram conduzidas de maneira séria a fim de conseguir resultados efetivos e que estes fatos perpetuaram uma investigação iniciada em 1993 sem que se tivesse conseguido prender três dos dois principais suspeitos da morte de Tomás Lares Cipriano.

 

54.          A Comissão observa que um dos acusados pela morte de Tomás Lares Cipriano, Santos Chich Us, foi condenado a 28 anos de privação de liberdade em novembro  de 1996. Entretanto, também observa que a captura do resto ainda não foi efetivada, não obstante as ordens judiciais para esse efeito tenham sido emitidas em 29 de julho de 1993 e reiteradas em 5 maio de 1995. A Comissão entende que a investigação penal contra  demais supostos responsáveis pela morte de Tomás Lares Cipriano foi iniciada em 1° de maio de 1993 com a abertura do auto de instrução feita pelo Juiz de Paz do município de Joyabaj.

 

55.          A Comissão nota que os argumentos apresentados pelo governo para desvirtuar a imputação formulada pelos  peticionários, no sentido de que as ações empreendidas pelos  órgãos do Estado a respeito do resto dos acusados são ineficazes e dilatórias, não são suficientemente contundentes para convencê-la de que estas medidas fossem mais que um simples formalismo.

 

56.          Por conseguinte, a Comissão considera, como o fez num caso anterior submetido a seu conhecimento,[29] que a investigação criminal levada a cabo há mais de oito anos contra o resto dos  acusados não avançou além da etapa inicial, o que a leva a concluir, sem que isto constitua um prejulgamento sobre as alegadas violações aos artigos 8 e 25 da  Convenção, que o processo penal esteve sujeito a demoras não imputáveis à parte autora; de modo que, conforme o artigo 46(2)(c) da  Convenção, rejeita a exceção formulada pelo  Estado a respeito do esgotamento dos recursos da  jurisdição interna.

 

57.          Desde sua comunicação inicial, os peticionários formularam que o Estado tinha  violado o artigo 16 (liberdade de associação) da  Convenção. No transcurso do procedimento perante a Comissão, o Estado não refutou essa alegação. Ao contrário, em 9 de agosto de 2000, o Estado guatemalense, através de seu Presidente, reconheceu responsabilidade institucional no assunto sub examine e aceitou os  fatos constitutivos da violação à Convenção Americana que deram lugar à apresentação da denúncia perante a Comissão.

 

58.          Do mesmo modo, a Comissão observa que a respeito da violação deste direito, o Estado não alegou expressamente, nem de nenhum outro modo, a falta de esgotamento dos  recursos internos. A Corte Interamericana entendeu no caso da  Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni que “para opor-se válidamente à admissibilidade … o Estado deveria ter invocado de maneira expressa e oportuna a regra de não esgotamento dos  recursos internos”.[30] Com relação à noção de oportunidade, a mesma Corte determinou que “a exceção de não esgotamento dos  recursos internos, para ser oportuna, deve ser formulada nas primeiras etapas do procedimento, caso contrário  presumir-se-á a  renúncia tácita contra o Estado interessado”.[31] Por conseguinte, a CIDH conclui que o Estado guatemalense não ha interposto a exceção que ocupa a presente análise, tendo renunciado tácitamente a mesma ao não  tê-la invocado expressa e oportunamente em nenhum das  comunicações dirigidas à Comissão.

 

2.          Prazo de apresentação da petição

 

59.          Conforme o artigo 46(1)(b) da  Convenção Americana, a regra geral é que uma petição deve ser apresentada no prazo de seis meses contados “a partir da data em que o suposto ofendido em seus direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva”. Conforme o artigo 32(2) do Regulamento da  Comissão, o prazo do artigo 46(1)(b) não é aplicável quando há exceções à regra do prévio esgotamento dos  recursos. Neste sentido, o Regulamento prevê que a petição deve ser apresentada dentro de um prazo razoável, tomando em conta a data suposta violação e as circunstâncias especiais do caso.

 

60.          Com relação ao procedimento de habeas corpus, a denúncia foi apresentada perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 24 de junho de 1993, ou seja, um mês depois que os peticionários foram notificados da  resolução de habeas corpus proferida em 11 de maio desse mesmo ano. Portanto, a petição foi apresentada dentro do prazo estabelecido no artigo 46(1)(b) da Convenção, motivo pelo qual a Comissão é competente para conhecê-la.

 

61.          Com  relação à investigação penal, como já  manifestado pela Comissão em uma oportunidade anterior, [e]m vista da  ausência de uma sentença final no presente caso, as determinações indicadas na seção precedente sobre recursos internos, e as afirmações dos  peticionários de que o caso envolve uma denegação continuada de justiça, é necessário que a Comissão determine se a petição foi apresentada dentro de um tempo razoável nas circunstâncias específicas.[32]

 

62.          A Comissão, durante o trâmite do assunto, recebeu em repetidas e  contínuas oportunidades alegações dos peticionários sobre supostas irregularidades, dilações e inação nas investigações penais iniciadas por causa do assassinato de Tomás Lares Cipriano, motivo pelo qual a CIDH considera que as denúncias sobre este particular aspecto da  petição foram apresentadas num prazo razoável.

 

63.          Quanto à oportunidade da  apresentação da  denúncia sobre a suposta violação ao direito de associação, a Comissão considera que também foi cumprido o pressuposto do  prazo razoável, considerando que esta alegação foi formulada na petição original, ou seja,  dentro dos  seis meses de sucedidos os fatos contra Tomás Lares Cipriano.

 

C.          Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

64.          Não surge do expediente que a matéria da  petição encontre-se pendente de outro procedimento de acordo  internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional.  Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da  Convenção.

 

D.          Caracterização dos  fatos alegados

 

65.          A Comissão considera que as alegações dos peticionários sobre supostas violações ao direito à vida, integridade pessoal, garantias judiciais, direito de associação e proteção judicial poderiam caracterizar violação dos  direitos garantidos nos  artigos 4, 8, 16 e 25 da  Convenção Americana, em conjunção com a obrigação genérica do Estado de respeitar e garantir os precitados direitos, estabelecida no artigo 1(1) do mencionado instrumento.

 

66.          No que se refere à alegada violação do artigo 5 (integridade pessoal) da  Convenção Americana, a Comissão observa que os peticionários não alegaram atos específicos de tortura ou tratamento desumano cometidos contra a suposta vítima antes dela ser assassinada. Tampouco o relatório elaborado pela  médico forense revela que a mutilação da  orelha direita e outras feridas sofridas por Tomás Lares Cipriano tivessem sido inflingidas antes de sua morte. Consequentemente, a Comissão, de conformidade com o artigo 47(c) da  Convenção, considera que a alegação a respeito da violação deste direito em particular é infundada.

 

67.          Com relação à alegada violação do artigo 7 (liberdade pessoal) da  Convenção Americana, a Comissão observa que os peticionários, em sua denúncia, assinalaram que Tomás Lares Cipriano foi emboscado e depois assassinado.[33] Não existe nenhum indício no expediente em curso perante à CIDH de que o falecido tenha sido privado de sua liberdade pessoal antes de ser assassinado. Portanto, a Comissão, de conformidade com o artigo 47(c) da  Convenção, considera que a alegação a respeito da violação deste direito em particular é infundada.

 

68.          A Comissão conclui que tem competência para conhecer a  presente petição e que esta é admissível, de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana, em relação aos direitos tutelados nos  artigos 4, 8, 16 e 25 da  Convenção e inadmissível a respeito dos artigos 5 e 7 deste instrumento.

 

          69.          Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

  

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.         Declarar admissível o  presente caso no que se refere às supostas violações dos  artigos 4, 8, 16, 25 e 1(1) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

2.         Declarar inadmissível o presente caso em relação as supostas violações dos  artigos 5 y 7 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

3.         Continuar com a análise de mérito da questão.

 

4.         Publicar esta decisão e incluí-la no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 27 dias do mês de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan E. Méndez, Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; membros da Comissão Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Clare K. Roberts.


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[1] A Membro da Comissão Sra. Marta Altolaguirre, de nacionalidade guatemalense, não participou na discussão e votação do presente relatório, em cumprimento do artigo 17(2)(a) do novo Regulamento da  Comissão.

[2] Artigo 39 del nuevo Reglamento da  CIDH vigente desde el 1° de mayo de 2001.

[3] O documento no qual Estado guatemalense reconheceu os fatos e sua responsabilidade institucional foi assinado, ademais do Presidente da  República de Guatemala, pelos então Presidente e Secretário Executivo da CIDH Decano Claudio Grossman e Embaixador Jorge E. Taiana, respectivamente.

[4] O Decreto-Lei Nº 19-86, vigente a partir de 10 de janeiro de 1986, dispõe, entre outras coisas, “Que atualmente existem Comitês de Defesa Civil, integrados voluntariamente por cidadãos guatemalenses … para procurar a defesa de suas comunidades, suas famílias, seus bens, acidentes naturais … e conflitos armados, tais como a nova modalidade de ataque que implementaram as bandas subversivas…

Que estas organizações civis contribuem de forma positiva a alcançar os níveis de desenvolvimento,  paz e tranquilidade de que goza o país nos  momentos atuais…

Que… é necessário que o Estado assegure a existência e funcionamento das referidas organizações com natureza civil, sob o auxílio e coordenação do Ministério de Defesa Nacional, para o qual se deve emitir a correspondente disposição legal …

Artigo 1° Se reconhece a existência dos Comitês de Defesa Civil, como organizações de natureza civil e como expressão da  Reserva Disponível Mobilizadora e Territorial estabelecida pela  Lei, o que sem prejuízo de sua própria organização, devem ser auxiliados e coordenados pelo  Ministério da  Defesa Nacional.

(…)

Artigo 4. O Ministério de Defesa Nacional … poderá outorgar prestações aos membros dos Comitês de Defesa Civil que no exercício de suas atividades de autodefesa, resultarem com lesões que lhes provoquem invalidez física e/ou psíquica …”

[5] Esta comunicação estava dirigida ao Presidente da  República, ao Ministro de Defesa, aos Procuradores Geral da  Nação e de Direitos Humanos e ao Presidente da  Corte Suprema de Justiça, entre outros.

[6] Constam do expediente tramitado perante a CIDH.

[7] Comunicado de 4 de maio de 1993 que consta do expediente tramitado perante a CIDH.

[8] Esta informação encontra-se contida numa carta de 1° de julho de 1993 dirigida pela referido médico forense ao Escritório de Direitos Humanos do Arcebispado. Esta carta consta do expediente tramitado perante a CIDH.

[9] Ver acima n. 7.

[10] O assassinato do senhor Tomás Lares Cipriano foi fato público em diferentes meios de comunicação, entre eles, Siglo Veintiuno, “Responsabilizam a PAC por assassinato”, edição de 5 de maio de 1993 e La Hora, “CERJ denuncia assassinato de ativista de direitos humanos”, edição de 4 de maio de 1993.

[11] Dada a informação submetida pelo  governo à CIDH a respeito de uma multidão de 400 homens que, armados de manchetes havia levado o cadáver de Tomás Lares Cipriano para enterrá-lo,  negando a obedecer a ordem da lei de realização de autópsia, os peticionários assinalaram que estes argumentos não são verdadeiros

[12] Esta afirmação foi apresentada pelos  peticionários na sua comunicação à CIDH em 25 de janeiro de 1995.

[13] Os peticionários destacam as diligências que foram solicitadas à autoridade judicial, entre elas, reconhecimento pessoal dos  acusados para que fossem reconhecidos pelas testemunhas que declararam no processo; remissão por parte do Comandante da  Zona Militar No. 20, com sede em Santa Cruz de Quiché, das atas de posse dos Chefes de Patrulhas do Município de Joyabaj e a lista de patrulheiros civis, ademais de sua declaração testemunhal e a ampliação das declarações das testemunhas apresentadas pela acusação. Segundo os peticionários, todas estas diligências foram rejeitadas pelo  tribunal, com exceção da  declaração do Comandante militar, quem depois negou-se a rendê-la.

[14] Estas ordens contra Diego Granillo Juárez, Santos Tzit e Gaspar Chiquiaj foram decretadas pelo Juizado de Primeira Instância Penal em 30 de julho de 1993 e foram reiteradas em 6 de maio de 1995.

[15] Informação enviada à CIDH em 28 de outubro de 1993.

[16] Informação enviada à CIDH em 17 de fevereiro de 1994.

[17] Na informação proporcionada pelos  peticionários observa-se que a referida queixa foi apresentada em 23 de maio de 1993, e não 23 de fevereiro desse mesmo ano.

[18] Entre outras, depoimentos testemunhais e solicitação da  parte acusadora de exumação e necrópsia médico legal que, depois foi realizada pela  Médica Forense Departamental Ana Lissette García de Crocker.

[19] Comunicação apresentada à Comissão em 22 de agosto de 1994.

[20] Na informação proporcionada em 14 de julho de 1995, o Estado ratificou sua posição a respeito dos motivos que impediram a realização da  autópsia de Tomás Lares Cipriano, indicando que estes extremos constam dos autos do processo.

[21] Na informação proporcionada em 14 de julho de 1995, o Estado ratificou sua posição a respeito dos motivos que impediram a realização da  diligência de reconstrução  dos  fatos que rodearam a morte de Tomás Lares Cipriano.

[22] Em sua comunicação datada de….

[23] Guatemala é um Estado parte da  Convenção Americana desde a sua ratificação datada de 25 de maio de 1978.

[24] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988. Série C Nº 4, párs. 63-64; Caso Godínez Cruz, Sentença de 20 de janeiro de 1989. Série C No. 5, párs. 66-67; Caso Fairén Garbi e Solís Corrales, Sentença de 15 de março de 1989. Série C No. 6, párs. 87-88.

[25] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Ibídem, párs. 66-68.

[26] Opinião Consultiva OC-8/87 de 30 de janeiro de 1987. Série A, pár. 35.

[27] 29 de março de 1999.

[28] Em algunas de suas comunicações, o Estado e os peticionários indicam que as ordens de detenção foram emitidas e reiteradas, respectivamente, em 30 de julho de 1993 e  6 de maio de 1995.

[29] Relatório Nº 33/99, Caso 11.763, Masacre de Plan de Sánchez, Guatemala, 11 de março de 1999, párs. 24-28.

[30] Corte IDH, Caso da  Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni, Exceções Preliminares, Sentença de 1º de fevereiro de 2000, Série C No. 67 párs. 54 e 55.

[31] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Série C Nº 1, pár. 88; Caso Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Série C Nº 3, pár. 90; Caso Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de jundo de 1987. Série C Nº 2, párs. 87; Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996. Série C Nº 25, pár. 40.

[32] Massacre Plan de Sánchez, ver acima  n. 29,   pár. 30.

[33] Ver acima pár. 17.