RELATÓRIO Nº 95/01

PETIÇÃO 12.203

LILIANA ZAMBRANO PACHECO

PERU

10 de outubro de 2001

 

 

I.          RESUMO

 

1.       Mediante petição de 25 de junho de 1998, apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a “Comissão”, a “Comissão Interamericana” ou “CIDH”) pela senhora Liliana Zambrano Pacheco (doravante denominada “peticionária”), se alega que a República do Peru (doravante denominada “Peru, ou "Estado” ou “Estado peruano”) violou os direitos humanos da Sra. Zambrano Pacheco, ao despedi-la ilegalmente de seu cargo de empregada administrativa do Conselho Da Província de Arequipa.

 

2.       O Estado peruano alegou a inadmissibilidade da petição, assinalando que esta foi apresentada depois de transcorrido o prazo de caducidade de seis meses a que se refere o artigo 46(1)(b) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”).

 

3.       A CIDH decide que a petição é inadmissível, de conformidade com os artigos 46(1)(b) e artigo 47(a) da Convenção Americana. A Comissão decide igualmente notificar esta decisão às partes, publicá-la e incluí-la no seu Relatório Anual a Assembléia Geral da OEA.

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.          Em 25 de junho de 1998 a peticionária remeteu a petição a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em Costa Rica. A Corte Interamericana recebeu a petição em 1° de julho de 1998, e a enviou a CIDH em 2 de julho de 1998, tendo esta recebido a referida petição em 27 de junho de 1998.

 

5.          Em 27 de agosto de 1999 a Comissão decidiu abrir o caso, de conformidade com o seu regulamento vigente à época, transmitiu as partes pertinentes da denúncia ao Estado peruano e lhe solicitou uma resposta dentro de um prazo de 90 dias. O Estado respondeu em 26 de novembro de 1999. A peticionária apresentou observações à resposta do Estado em 16 de fevereiro de 2000. O Estado apresentou uma comunicação adicional em 3 de maio de 2000.

 

III.          POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.          Posição da peticionária

 

6.          A peticionária informa que começou a prestar serviços como empregada  administrativa do Conselho da Província de Arequipa no ano de 1980, quando estava vigente o Estatuto e Escalão do Serviço Civil, aprovado pelo Decreto Legislativo 11377. Assinala que referida norma legal estabelecia que a capacidade do servidor público deveria ser avaliada no momento do ingresso na  função pública.

 

7.          A peticionária informa que em 28 de dezembro de 1992, o Governo do Peru expediu o Decreto Legislativo 26093, estabelecendo que todos os servidores públicos do país, sem importar sua data de ingresso no serviço público, deveriam submeter-se a um programa semestral de avaliação, e que aquele que não fosse aprovado no exame seria destituído do seu cargo por causal de excedencia (excesso do número de empregados).

 

8.          A peticionária aduz que o Prefeito do Conselho Da Província de Arequipa, Roger Cáceres Pérez, decidiu efetuar um programa de avaliação de pessoal em aplicação retroativa do Decreto Legislativo 26093  e aplicação do  2° parágrafo da 8a. Disposição Transitória e Final da Lei 26553,.

 

9.          A peticionária assinala que em cumprimento ao mencionado programa, teve que participar de um exame de avaliação, de mesma maneira que os demais empregados da prefeitura, caso contrário poderia ser despedida por não comparecer às provas. Aduz que a qualificação dos empregados nos exames estava a cargo dos funcionários do Conselho Da Província de Arequipa, e que “os critérios utilizados na sua qualificação eram privativos destes funcionários subordinados ao Prefeito Da Província de Arequipa”.

 

10.          A peticionária alega que o Prefeito aproveitou a ocasião para demitir a todos os trabalhadores que não gozavam de sua simpatia ou que não acompanhavam sua ideologia política, e que foi neste contexto que ele expediu a Resolução Municipal No. 279-E-96, demitindo a peticionária por causal de excedencia, a partir de 1° de dezembro de 1996, assinalando que não havia alcançado a pontuação mínima na avaliação.

 

11.          A peticionária argumenta que a resolução de demissão ocultou o fato de que não lhe foi entregue a prova escrita para que ela pudesse comparar com a classificação que lhe haviam outorgado; e desconsiderou que não lhe era aplicável o exame porque ela era funcionária de carreira que havia ingressado ao posto através de concurso público.

 

          12.          A peticionária informa que depois de esgotada a  via administrativa, interpôs uma ação de amparo contra o Prefeito da Província de Arequipa, por violação de seus direitos constitucionais ao emprego, ao devido processo legal e a irretroatividade da lei, e pediu de que fosse declarada inaplicável a mencionada Resolução Municipal que a despediu e sua reintegração ao cargo com os devidos pagamentos.

 

13.          A peticionária informa que a sentença de primeira instância No. 16-97, proferida pelo  Primeiro Juízo Especializado Civil de Arequipa, em 10 de janeiro de 1997, declarou fundada a demanda, estabelecendo que a mencionada resolução da demissão era inaplicável a peticionária, e ordenou a sua reintegração ao cargo além de pagamentos dos salários correspondentes e juros.

 

14.          A peticionária indica que a sentença foi apelada pelo Conselho da Província de Arequipa, e a Primeira Sala Civil da Corte Superior de Justiça de Arequipa proferiu sentença em  27 de fevereiro de 1997, revogando a sentença de primeira instância por considerar que a via de amparo não era idônea para discutir a veracidade dos atos administrativos.

 

15.          A peticionária assinala que recorreu da sentença de segunda instância junto ao Tribunal Constitucional que,  em 22 de agosto de 1997, proferiu sentença declarando infundada a sentença de primeira instância, por considerar que não existia violação de direitos constitucionais da peticionária.

 

16.          A peticionária pontua que encaminhou a petição sob exame tão logo foi notificada da sentença do Tribunal Constitucional de 22 de agosto de 1997.

 

B.          Posição do Estado

 

          17.          O Estado alega que em 3 de janeiro de 1997, a Prefeitura da Província de Arequipa contestou a demanda de amparo intentada pela peticionária através do Primeiro Juízo Especializado Civil de Arequipa, e afirmou que o processo de avaliação de pessoal cumpriu com todos os requisitos e regulamentos.

 

          18.          O Estado assinala que, mediante sentença de 10 de janeiro de 1997, o Primeiro Juízo Especializado Civil de Arequipa declarou infundadas as exceções interpostas pela citada municipalidade e fundada a demanda de amparo, considerando principalmente que “a Lei N° 11377 bem como o Decreto Legislativo N° 276 eram aplicáveis à situação da autora; portanto não lhe era aplicável o disposto na Lei 26553 (…)”.

 

          19.          O Estado indica que a prefeitura demandada interpôs um recurso de apelação contra a referida sentença, em virtude do qual a causa foi elevada conhecimento da Primeira Sala Civil da Corte Superior de Justiça de Arequipa.

 

          20.          O Estado aduz que, mediante sentença de 27 de fevereiro de 1997, a mencionada Sala Civil revogou a sentença de primeira instância, e declarou improcedente a ação de amparo, por considerar que “o fato de que a autora tivesse ingressado no serviço público antes da expedição das normas que ordenam a avaliação não implica a aplicação retroativa das mesmas… [e] que a via residual do amparo não é a idônea para discutir a legalidade dos atos administrativos relativos à  avaliação”.

 

          21.          O Estado aponta que a Sra. Zambrano Pacheco interpôs recurso de cassação contra a sentença antes mencionada, “e que nesta linha de reconhecimento e respeito aos princípios processuais e à pluralidade de instâncias, observados ao largo do processo, os autos foram elevados ao Tribunal Constitucional de conformidade com o artigo 41° de sua Lei Orgânica”.

 

          22.          O Estado assinala que o Tribunal Constitucional editou sentença em 22 de agosto de 1997, “revogando a sentença da Primeira Sala Civil da Corte Superior de Justiça de Arequipa, em 7 de fevereiro de 1997, e declarou improcedente a ação de amparo, e a declarou infundada”, com base no argumento de que a demissão da Sra. Zambrano Pacheco ocorreu de conformidade com o Decreto Lei N° 26093, e que “não se observam elementos probatórios ou de juízo que corroborem com o menoscabo constitucional que alega a cidadã”.

 

          23.          O Estado alega que a referida sentença do Tribunal Constitucional foi notificada a peticionária em 28 de outubro de 1997, “com o qual foi esgotada a jurisdição interna”.

 

          24.          O Estado assinala que as partes pertinentes da petição foram transmitidas a este em  27 de agosto de 1999, e que como não lhe foi indicado a data em que a petição foi apresentada a CIDH, deve entender-se que, “de acordo com a presunção de boa-fé e de conformidade com o trâmite inicial (…) a data consignada nas partes pertinentes (…) corresponde à transcrição da data de recebimento constante na denúncia original apresentada pelo peticionário”.

 

25.          O Estado alega que, como consequência do disposto anteriormente, deve entender-se  que a data de apresentação da petição junto a CIDH é a de 27 de agosto de 1999, e como a sentença do Tribunal Constitucional foi notificada a peticionária em 28 de outubro de 1997, a petição deve ser declarada inadmissível, pois entre ambas datas transcorreu um lapso que excede em muito aquele estabelecido pelo artigo 46(1)(b) da Convenção Americana, conforme o qual a petição deve ser apresentada a CIDH dentro de um prazo de seis meses a partir da notificação da sentença que esgota os recursos da jurisdição interna.

 

IV.          ANÁLISE

 

26.         A Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade de uma petição estabelecidos na Convenção Americana.

 

A.      Competência ratione personae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da Comissão

 

27.          A peticionária encontra-se facultada pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH.  A petição assinala como supostas vítimas a pessoas individuais, as quais o Peru comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. A peticionária se encontra facultada por o artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. No que concerne ao Estado, a Comissão assinala que o Peru é um Estado parte na Convenção Americana desde 28 de julho de 1978, data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo.  Portanto, a Comissão tem competência ratione personae para examinar a petição.

 

28.          A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações de direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro do território de um Estado parte no mencionado tratado.

 

29.          A CIDH tem competência ratione temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado peruano na data em que ocorreram os fatos alegados na petição.   

 

30.          Por último, a Comissão tem competência ratione materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

B.          Requisitos de admissibilidade da petição

 

1.          Prazo de apresentação

 

31.          A Comissão passa a analisar o requisito de admissibilidade da petição estabelecido no artigo 46(1)(b) da Convenção, conforme a qual 

 

Para que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, se requer: (…)  b. que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em  que a suposta lesionado de seus direitos haja sido notificado da decisão definitiva.

 

          32.          Na presente petição, o Estado peruano alega que a sentença que esgotou os recursos da jurisdição interna foi notificada a peticionária em 28 de outubro de 1997. Ao respeito, a Comissão observa que diante das alegações do Estado a peticionária limitou-se a assinalar que havia enviado a petição tão logo foi notificada da sentença do Tribunal Constitucional, mas não questionou o argumento do Estado nem provou ter sido notificada de referida sentença em uma data distinta àquela aduzida pelo Estado. A respeito, a CIDH presume que a peticionária foi notificada em 28 de outubro de 1997da sentença do Tribunal Constitucional de 22 de agosto de 1997.

 

          33.          Em relação à data de apresentação da petição à Comissão, o Peru argumenta que as partes pertinentes da petição lhe foram transmitidas em 27 de agosto de 1999, e que como nas partes pertinentes não lhe indicaram a data em que a petição foi apresentada a CIDH, deve entender-se que foi nessa mesma data, ou seja, em 27 de agosto de 1999, que a petição foi apresentada a CIDH.

 

          34.          Cabe a Comissão assinalar que certamente a data de apresentação da petição a CIDH não equivale à data de transmissão das partes pertinentes da petição ao Estado. A CIDH recebe as petições através de sua Secretaria Executiva, as estuda, e transmite posteriormente ao Estado as partes pertinentes de aquelas petições que cumprem, prima facie, com os requisitos respectivos. A data determinante para contar o prazo do artigo 46(1)(b) da Convenção é aquela da apresentação da petição a Comissão, e não a da transição das partes pertinentes da petição ao Estado.[1] 

 

          35.          Na petição sob exame consta uma cópia certificada emitida pelos Serviços Postais de Lima S.A. (Serpost) que evidencia que na data de 25 de junho de 1998 a peticionária remeteu sua petição a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, Costa Rica.[2]  A Corte Interamericana recebeu esta  petição em 1° de julho de 1998, e a encaminhou no dia seguinte a CIDH, informando a peticionária do trâmite. A CIDH recebeu a petição em 27 de julho de 1998, e a incluiu nesta mesma data no registro de petições recebidas.

         

36.          A respeito, cabe assinalar que ainda que se optasse pela interpretação mais favorável a peticionária, ou seja, assumir que a petição tenha sido apresentada em 25 de junho de 1998, data certa de encaminhamento da denúncia a Corte Interamericana, de todas as maneiras a petição resulta extemporânea. Isto devido a que entre 28 de outubro de 1997, data de notificação da sentença do Tribunal Constitucional que esgotou os recursos da jurisdição interna, e 25 de junho de 1998, data de apresentação da petição, transcorreram 7 meses e 28 dias. Isto é, o prazo de seis meses estabelecido no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana foi ultrapassado em um mês e  28 dias.

37.          Pelas razões expostas anteriormente, e tendo em vista que a presente petição foi apresentada a Comissão Interamericana depois de expirado o prazo de seis meses estabelecido no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana, a Comissão conclui que a petição é inadmissível. Em consequência, a CIDH abstém-se de examinar os demais requisitos de admissibilidade contemplados na Convenção.

 

V.          CONCLUSÃO

 

38.       A Comissão decide que a petição não reúne o requisito previsto no artigo 46(1)(b) da Convenção Americana e, em consequência conclui que a petição é inadmissível, de conformidade com o artigo 47(a) da Convenção Americana.

 

39.          Com base na análise e conclusões expostas no presente relatório,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

DECIDE:

 

1.    Declarar inadmissível a presente petição.

 

2.    Notificar as partes desta decisão.

 

3.    Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e aprovado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001.  (Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan Méndez, Primeiro Vice-presidente, Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Hélio Bicudo, Robert K. Goldman, Peter Laurie, e Julio Prado Vallejo, Membros da Comissão.

 

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[1] A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em um caso no qual o  Peru alegou como exceção preliminar à caducidade da petição, sustentando que quando a petição lhe foi transmitida já haviam  transcorridos seis meses, decidiu que a data a ser considerada era a data de apresentação da denúncia a Comissão. Ver a respeito, Corte I.D.H., Caso Cantoral Benavides, Exceções  Preliminares, sentença de 3 de setembro de 1998, parágrafos 36, 37, 39 e 40.

[2] No cabeçalho da petição aparece que a mesma está dirigida ao “Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.