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RELATÓRIO N° 68/01 CASO
12.117 SANTOS
SOTO RAMÍREZ e SERGIO CERÓN HERNÁNDEZ MÉXICO 14
de junho de 2001 I.
RESUMO
1.
Em 10 de fevereiro de 1999 a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão Interamericana” ou “a
CIDH”) recebeu uma denúncia apresentada por Bárbara Zamora López, do
escritório jurídico “Terra e Liberdade, A.C.” (“doravante
denominada “a peticionária’” ou “os peticionários”), na qual
alega a responsabilidade internacional
dos Estados Unidos Mexicanos (doravante denominado "o Estado")
pela detenção ilegal, incomunicabilidade e tortura de Santos Soto
Ramírez, bem como sua posterior condenação a 17 anos de prisão num
julgamento que não obedeceu às normas de devido processo legal,
pois
fez uso de uma confissão obtida sob tortura.
Adicionalmente, a denúncia também contém alegações no sentido de que Sergio
Cerón Hernández foi processado e condenado em violação de suas
garantias judiciais. A
peticionária alega que os fatos denunciados configuram a violação de várias
disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada "Convenção Americana"): direito à integridade
pessoal (artigo 5); liberdade pessoal (artigo 7); garantias judiciais (artigo
8); e proteção judicial (artigo 25). 2.
Sem
prejudicar o fundo do assunto, a CIDH conclui neste relatório que o caso
é admissível, pois reúne os requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. Portanto,
a Comissão Interamericana decide notificar as partes da decisão e
continuar com a análise de fundo relativa a suposta violação dos
artigos 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
INTERAMERICANA
3.
A petição foi recebida em 10 de fevereiro de 1999 e transmitida
ao Estado mexicano em 18 de março de 1999 sob o número 12.117.
O Estado apresentou suas observações em 16 de junho de 1999, as
quais foram transmitidas aos peticionários em 22 de junho de 1999.
Os peticionários apresentaram observações e informação
adicional em 18 de agosto de 1999, em 10 de janeiro de 2000 e em 24 de
junho do mesmo ano. As
correspondentes observações adicionais do Estado foram apresentadas em 7
de outubro de 1999. A Comissão Interamericana celebrou uma audiência sobre o
caso com ambas partes em 2 de março de 2000, durante seu 106°
período ordinário de sessões. O
Estado mexicano apresentou em 7 de março de 2000 cópias das causas
penais 56/995 e 224/996 referentes aos fatos do presente caso, que foram
transmitidas a peticionária. III.
POSIÇÕES DAS PARTES SOBRE A ADMISSIBILIDADE A.
A peticionária
4.
A peticionária alega que Santos Soto Ramírez foi detido em 11 de
agosto de 1995, sem ordem de prisão, por pessoas não identificadas, as
quais transferiram-no para um edifício desconhecido na localidade de
Xalapa, Veracruz. Alega também
que o Sr. Soto Ramírez foi torturado no mesmo lugar por 4 dias, durante
os quais seus agressores obrigaram-no a assinar várias folhas em branco. Posteriormente,
referidas folhas foram utilizadas para fabricar uma confissão na qual
Soto Ramírez declarava-se culpado do assassinato da Sra.
Gladys de los Angeles Avendaño Martínez, cometido em 23 de
outubro de 1994 em Ixhuatlán de Madero, Veracruz.
Em virtude deste delito, Santos Soto Ramírez e Sergio Cerón Hernández
foram condenados a 20 anos de prisão, pena reduzida a 17 anos pela sentença
proferida no recurso de apelação interposto pela sua defesa.
Como prova das alegações, a peticionária apresenta uma cópia de
uma comunicação da Anistia Internacional remetida em 13 de agosto de
1995 ao Governador de Veracruz, a qual denuncia a detenção clandestina
de Santos Soto, e da Recomendação N°
18/97 emitida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (doravante
denominada “a CNDH”).[1]
5.
A peticionária argumenta Santos Soto Ramírez e Sergio Cerón Hernández
foram transferidos para longe do seu lugar de origem e lhes foi designado
um defensor público quem, segundo a peticionária, não apresentou prova
alguma em sua defesa. Desta forma que a jurisdição aplicada pelas
autoridades judiciais de Veracruz ao caso deles foi arbitrária e ilegal.[2]
B.
O Estado
6.
De acordo com a resposta do Estado mexicano, o juízo na ação
penal iniciada em outubro de 1994 pelo homicídio da Sr.a Gladys Avendaño
em Veracruz, determinou ordens de prisão contra várias pessoas,
incluindo as supostas vítimas no presente caso.
Alega que a polícia judicial “executou a prisão” de Santos
Soto Ramírez e Sergio Cerón Hernández, “colocando-os imediatamente à
disposição do Juiz Penal que ordenou a sua captura”.
O Estado argumenta que a aplicação da jurisdição deu-se de
acordo com as normas processuais do estado de Veracruz, e que em todas as
etapas do caso “se observou um total respeito aos direitos fundamentais
dos indiciados, bem como as leis penais e de procedimento”.
Com relação à declaração que Santos Soto Ramírez prestou
diante o juiz a cargo do processo, alega o Estado que “os depoimentos
dos membros adjuntos da [CNDH] não podem prevalecer sobre as declarações
feitas diante um juiz competente”.
7.
O Estado mexicano controverte alegações sobre a tortura de Santos
Soto Ramírez. A posição do Estado ao respeito é que referida pessoa
declarou livremente diante o juiz do caso, com todas as garantias, e que
em tal momento não denunciou haver sido sujeito a nenhuma coação. Com relação à Recomendação N°
18/97 da CNDH, o Estado mexicano destaca que os investigadores de referido
órgão não constataram que o Sr. Santos Soto Ramírez tivesse sido
torturado. 8.
Quanto ao esgotamento dos recursos internos, o Estado alega que o
recurso de reconhecimento de inocência previsto na legislação do estado
de Veracruz é idôneo e está disponível às supostas vítimas neste
caso.[3]
Com base nas suas alegações, o Estado solicita que a Comissão
Interamericana declare o caso inadmissível. IV.
ANÁLISE A.
Competência,
ratione personae, ratione materiae, ratione temporis e ratione
loci da Comissão Interamericana 9.
Os peticionários relatam fatos
que caracterizam como supostas violações aos direitos reconhecidos e
consagrados na Convenção Americana, e que haviam ocorrido dentro
da jurisdição territorial do México, quando
a obrigação de respeitar e garantir todos os direitos estabelecidos em
referido instrumento encontrava-se em vigor para mencionado Estado.[4]
Portanto, a CIDH é competente ratione
personae, ratione materiae, ratione temporis e ratione
loci para conhecer sobre o fundo da denúncia.
B.
Outros requisitos de
admissibilidade da petição
a.
Esgotamento dos recursos internos 10.
No caso sob análise, existe uma controvérsia a respeito do
recurso idôneo e efetivo que deve ser interposto em México para remediar
a situação denunciada. Cabe
a Comissão Interamericana determinar se o recurso
de amparo interposto pelos representantes de Santos Soto Ramírez e
Sergio Cerón Hernández em México, o qual foi decidido em setembro de
1998, esgotou a jurisdição interna; ou se o recurso de reconhecimento de
inocência invocado pelo Estado é idôneo para efeitos do presente caso,
hipótese em que estaria pendente o cumprimento do requisito previsto no
artigo 46(1)(a) da Convenção Americana. 11.
O Estado mexicano descreve referido recurso nos seguintes termos: O
reconhecimento de inocência está previsto nos artigos 560 à 568 do Código
Federal de Procedimentos Penais do estado de Veracruz, e procede nos
seguintes casos: I.
Quando a sentença fundamenta-se exclusivamente em provas que
posteriormente se declarem falsas. II.
Quando, depois da sentença, aparecerem documentos públicos que
invalidem a prova em que se fundamentou a sentença, ou aquelas
apresentadas ao jurado e que serviram de base à acusação e ao veredicto. III.
Quando condenada alguma pessoa por homicídio de outra que tivesse
desaparecido, fosse apresentada prova irrefutável de que esta vive. IV.
Quando dois réus tenham sido condenados pelos mesmos fatos em juízos
diversos. Neste caso prevalecerá a sentença mais benigna.[5] 12. A posição da
peticionária sobre a questão é que os Srs. Santos Soto Ramírez e
Sergio Cerón Hernández não se encontram compreendidos em nenhuma das
hipóteses acima mencionadas, e que o recurso de reconhecimento de inocência
“trata-se de uma figura extraordinária”. O Estado observa ao respeito que bastaria aduzir a falsidade
da prova supostamente obtida sob tortura perante a Corte Suprema de Justiça.
Entretanto, a peticionária reitera que como tal “prova não foi
declarada falsa em instância alguma no México, o requisito previsto na
legislação processual do referido país não se encontra cumprido para
que se interponha o recurso invocado pelo Estado”.
13.
Tendo em vista a informação disponível no expediente, a Comissão
Interamericana considera que a situação jurídica de Santos Soto Ramírez
e Sergio Cerón Hernández não se enquadra dentro dos casos taxativamente
estabelecidos na legislação mexicana para a interposição do recurso de
reconhecimento de inocência. A
peticionária demonstrou que recorreu a todas as instâncias ordinárias
previstas no México para tratar de estabelecer a inocência das supostas
vítimas neste caso. Com
efeito, nota-se que a sentença emitida pelo juízo penal foi apelada e
que um recurso de amparo foi interposto a fim de tentar que o órgão
jurisdicional competente pudesse reverter a condenação imposta aos Srs.
Soto Ramírez e Cerón Hernández. Adicionalmente,
a CIDH observa que o Estado mexicano incorre em contradição, pois uma
parte afirma que não há elemento algum que permita demonstrar a tortura
infringida contra Santos Soto Ramírez, e por outra, que a peticionária
deve esgotar um recurso que – no presente caso - requereria precisamente
estabelecer a tortura como causa de falsidade da confissão da referida
pessoa.
14.
O requisito de esgotamento dos recursos internos estabelecido no
artigo 46 da Convenção Americana refere-se aos recursos judiciais disponíveis,
adequados e eficazes para solucionar a suposta violação de direitos
humanos. Conforme reiterado pela Corte Interamericana em várias
oportunidades, se num caso específico o recurso não é idôneo para
proteger a situação jurídica infringida e capaz de produzir o resultado
para o qual foi concebido, é óbvio que não é necessário esgotá-lo.[6]
15. A CIDH conclui que o reconhecimento de inocência previsto na legislação mexicana não deve ser esgotado no caso de Santos Soto Ramírez e Sergio Cerón Hernández. Por conseguinte, a Comissão Interamericana determina que os recursos da jurisdição interna mexicana foram esgotados com a sentença emitida em 25 de setembro de 1998 pelo Tribunal Colegiado em Matéria Penal do Sétimo Circuito.
b.
Prazo de apresentação 16.
A petição foi recebida em 10 de fevereiro de 1999, dentro do
prazo de seis meses que estabelece o artigo 46(1)(b) da Convenção
Americana; conseqüentemente, referido requisito encontra-se cumprido.
c.
Duplicidade de procedimentos e coisa julgada 17.
O expediente
não contém informação alguma que pudesse levar a determinar que este
assunto encontra-se pendente de outro procedimento de acordo internacional
ou que tenha sido previamente decidido pela Comissão Interamericana.
Desta forma, a CIDH considera que não são aplicáveis as exceções
inseridas no artigo 46(1)(d) e no artigo 47(d) da Convenção Americana.
d.
Caracterização dos fatos
alegados
18.
A CIDH
considera que os fatos alegados, no caso de virem a ser comprovados,
caracterizariam violações dos direitos garantidos nos artigos 5, 7, 8 e
25 da Convenção Americana.
V.
CONCLUSÕES 19.
A
Comissão conclui que é competente para conhecer o fundo do caso e que a
petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da Convenção
Americana. Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos e
sem prejudicar o fundo da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1.
Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 14 dias do mês de junho de 2001.
(Assinado): Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro
Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Robert K.
Goldman, Peter Laurie, Julio Prado Vallejo, Hélio Bicudo, Membros da
Comissão.
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[1]
A
comunicação dirigida ao Governador expressa a preocupação da
Anistia Internacional (“AI”) pela segurança de Santos Soto Ramírez
e outra pessoa de nome Mascario de la Cruz Martínez, quem foram
detidos em 11 de agosto de 1995 “por membros da Polícia Judicial de
Tantoyuca, de Veracruz e levados em um veículo Chevrolet sem placas a
um lugar desconhecido”. A
AI pede ao Governador que informe seu lugar de detenção, que permita
sua comunicação com a família e defensores e que “se não são
culpados de nenhum crime, providencie sua imediata liberação”
(sic). Além disso, a
Recomendação 18/97 da CNDH (“Caso das comunidades indígenas de
Huasteca veracruzana”) emitida em 24 de março de 1997, expressa que
“não passa desapercebido para esta Comissão Nacional que os
agentes detiveram a Sr. Santos Soto em 11 de agosto de 1995, e que
este foi posto à disposição do juiz da causa [somente] em 16 de
agosto do mesmo ano, havendo retido-lhe indevidamente por mais de 72
horas”. Em virtude
disto, a CNDH recomendou ao Governador de Veracruz que “iniciara o
procedimento de investigação administrativa e penal para determinar
a responsabilidade dos servidores públicos que ordenaram, executaram
e consentiram na detenção prolongada do Sr. Santos Soto Ramírez”.
Recomendação citada, págs. 34 e 55, respectivamente. [2]
A respeito, a peticionária expressa que a aplicação da jurisdição
implicou na transferência do caso primeiramente ao Julgado de
Primeira Instância de Tuxpan e na segunda ao Julgado de Primeira Instância
de Jalacingo, o que significou distanciar os processados de seu lugar
de origem e a designação do defensor de ofício perante a
impossibilidade de designar inicialmente um advogado próprio. [3]
A respeito, o Estado manifesta o seguinte: Não
obstante a autoridade das distintas resoluções judiciais adotadas no
presente caso e a provada improcedência das impugnações dos
sentenciados, estes ainda dispõe do recurso de reconhecimento de inocência
do indiciado, como um meio de impugnação previsto pela ordem jurídica
mexicana que permitiria que obtivessem sua liberdade, na hipótese de
cumprir com os requisitos para sua procedência e acreditar suas
asseverações. Comunicação
do Estado de 16 de junho de 1999, pág. 8. [4]
O Estado mexicano depositou o instrumento de ratificação da
Convenção Americana em 3 de abril de 1982. [5]
Comunicação do Estado de 16 de junho de 1999, págs. 8 e 9. [6] Ver, por exemplo, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Exceções ao esgotamento dos recursos internos (Art. 46.1, 46.2.1 e 46.2.b da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990, par. 36. |