V.            ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO Nº 41/01

147.     A Comissão examinou este caso no curso de seu 110º período ordinário de sessões e em 6 de março de 2001 aprovou o Relatório N° 41/01, de conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana.

148.     Em 9 de março de 2001, a Comissão encaminhou o Relatório N° 41/01 ao Estado, solicitando que o Governo da Jamaica respondesse ao relatório da Comissão no prazo de dois meses acerca das medidas que tenha adotado para dar cumprimento as  recomendações formuladas para resolver a situação denunciada.

149.     Em 9 de maio de 2001, data de vencimento do prazo de dois meses, a Comissão não havia recebido resposta do Estado ao Relatório N° 41/01.           

VI.        CONCLUSÕES

A Comissão, com base nas considerações de fato e de direito que antecedem, e na falta de resposta do Estado ao Relatório N° 41/01, ratifica as seguintes conclusões:

150.     O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 4(1), 5(1), 5(2) e 8(1) da Convenção, em conjunção com a violação dos artigos 1(1) e 2 da mesma, por sentenciá-lo a uma pena de morte obrigatória.

151.     O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 4(6) da Convenção, conjuntamente com os artigos 1(1) e 2 do mesmo instrumento, por não lhe outorgar um direito efetivo a solicitar a anistia, indulto ou a comutação da pena.

152.     O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 5(1) e 5(2) da Convenção, conjuntamente com a violação do artigo 1(1) do mesmo instrumento, em razão das suas condições de detenção.

          153.     O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 8(1) e 8(2) da Convenção, conjuntamente com o artigo 1(1) da mesmo instrumento, pela maneira em que o juiz instruiu o júri durante o julgamento.

VII.       RECOMENDAÇÕES

Com base na análise e nas conclusões que constam do presente relatório,

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS REITERA AS SEGUINTES RECOMENDAÇÕES AO ESTADO DA JAMAICA:

1.         Outorgue ao Sr. Thomas um recurso efetivo, que inclua um novo julgamento, de acordo com as proteções do devido processo legal estabelecidas no artigo 8 da Convenção ou, se não for possível, ordene a sua liberação e indenização.

2.         Adote as medidas legislativas ou de outra índole necessárias para garantir que a pena de morte não seja imposta em contravenção aos direitos e liberdades garantidos na  Convenção, incluindo, em particular, o disposto nos artigos 4, 5 e 8.

3.         Adote as medidas legislativas ou de outra índole necessárias para garantir que tenha efeito na Jamaica o direito consagrado no artigo 4(6) da Convenção a solicitar a anistia, ou indulto ou a comutação da pena.

4.         Adote as medidas legislativas ou de outra índole necessárias para garantir que as condições de detenção do Sr. Thomas cumpram com as normas de um trato humano a que obriga o artigo 5 da Convenção.

VIII.      PUBLICAÇÃO

154.     Em 25 de outubro de 2001, de conformidade com o artigo 51(2) da Convenção, a Comissão transmitiu ao Estado e aos peticionários o relatório adotado sob o Nº 112/01, e concedeu ao Estado um prazo de um mês para apresentar informação sobre as medidas adotadas para dar cumprimento a suas recomendações.  O Estado não apresentou a informação solicitada dentro do prazo estabelecido pela Comissão.

155.     Com base nas considerações que antecedem e na falta de resposta do Estado ao Relatório 112/01, a Comissão, de conformidade com o artigo 51(3) da Convenção Americana e o artigo 48 de seu Regulamento, decide ratificar as conclusões e reiterar as recomendações contidas neste Relatório, fazê-lo público e incluí-lo no seu Relatório Anual a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.  A Comissão, conforme as disposições contidas nos instrumentos que regem seu mandato, continuará avaliando as medidas que forem adotadas pelo Estado da Jamaica a respeito das recomendações mencionadas, até que estas tenham sido totalmente cumpridas pelo referido Estado.

Dado e assinado na sede da Comissão no dia três de dezembro de 2001. Claudio Grossman, Presidente; Juan Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Membros da Comissão Robert K. Goldman, Peter Laurie e julho Prado Vallejo.  Anexo este relatório encontra-se a opinião concorrente do Dr. Hélio Bicudo.

 

OPINIÃO CONCORRENTE DO MEMBRO DA COMISSÃO HÉLIO BICUDO

1. Embora apóie as conclusões, fundamento e motivos de meus companheiros  membros da Comissão neste relatório, gostaria de analisar o assunto mais a fundo e expressar minha opinião com respeito a legitimidade da pena de morte no sistema interamericano.  

2. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na 9a. Conferência Internacional Americana, realizada em Santa Fé de Bogotá em maio/ junho de 1948, afirmou que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa” (Artigo 1°), e mais, que “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, sexo, idioma, credo religioso, ou qualquer outro que seja” (artigo 2°).

3.                  Em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, proclamada em 22 de novembro desse mesmo ano em São José da Costa Rica, dispõe em seu artigo 4°, que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida” e que “esse direito estará protegido pela lei, em geral, a partir do momento da concepção”. E mais, que "ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

4.       Ainda a Convenção Americana, ao incluir no âmbito dos direitos civis e políticos o direito a integridade pessoal, estabelece que “ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.

5.      Entretanto, a pena de morte e consentida pela Convenção Americana, na sua versão original. Nesse sentido, o seu artigo 4°, inciso 2°, admite a pena capital naqueles Estados partes que não a tenham abolido até o momento de sua edição e, naturalmente, posterior ratificação, e, assim mesmo, de forma excepcional: para os delitos de maior gravidade.

6.      Trata-se, sem dúvida, de uma contradição, relativamente aos dispositivos citados, que repelem a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

7.      Realmente, a Declaração Americana resguarda a vida como um direito primordial e a seguir, a Convenção Americana repudia, como vimos, a tortura ou a imposição de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Ora, tenha-se, desde logo, que a eliminação de uma vida e o que se poderia qualificar como o ponto culminante da tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

8.      Tem-se, assim, a impressão de que a tolerância expressa no inciso 2°, do artigo 4° da Convenção Americana, revela, tão somente a adoção de uma posição política de conciliação entre as Partes contratantes, para aprovar-se o dispositivo mais geral, relativo ao direito a vida.

9.      Antes, entretanto, de aprofundarmos uma reflexão sobre o verdadeiro alcance da aludida permissão para a permanência da pena capital naqueles países que já continham em suas leis penas, no momento de sua aprovação aos termos da Convenção, convêm notar que a Convenção Interamericana para prevenir e sancionar a Tortura, subscrita em Cartágena de Índias, Colômbia, a 9 de dezembro de 1985, define o que se deve entender por tortura: “é todo ato realizado intencionalmente pelo qual se inflijam a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio intimidatório, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim” (artigo 2°).

10.  Veja-se que esse dispositivo fala em tortura como pena ou castigo pessoal, segundo qualquer finalidade.

11.  Pois bem, a condenação à morte, por si só, impõe ao condenado um sofrimento que não é, sequer, mensurável. Já se imaginou a angustia a que se sujeita um condenado a morte, ao ouvir a sentença, ao depois, ao aguardar o momento da execução? Seria, sequer, possível avaliar o sofrimento de pessoas que esperam, nos chamados “corredores da morte”, pela sua execução, por vezes postergada por vários anos? Nos Estados Unidos da América, menores de 15, 16, 17 anos, que praticaram homicídio e foram condenados a morte, aguardam, por vezes, quinze anos ou mais anos, pela sua execução. Pode-se considerar maior sofrimento? Entre a esperança e a desesperança, até o encontro final com o carrasco?

12.  Acrescente-se que os Estados Membros da OEA, ao adotarem a Convenção Americana sobre desaparecimento forçado de pessoas, reafirmaram que “o sentido da solidariedade americana e de boa vizinhança não pode ser outro que o de consolidar neste Hemisfério, dentro do espírito das instituições democráticas, um regime de liberdade individual e da justiça social, fundado no respeito aos direitos essenciais do homem”.

13.  Caberia recordar que nos anos de 1998 e 1999, os Estados Unidos da América foram o único país do mundo conhecido por executar jovens menores de 18 anos. A esse propósito vale observar que os Estados Unidos da América são parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e políticos desde setembro de 1992 e que o inciso 5° do artigo 6°desse Pacto estipula que a pena de morte não será imposta a menores de 18 anos nem a mulheres grávidas. Embora ao ratificar o aludido Pacto o Senado norte-americano tenha emitido reserva relativamente a esse dispositivo, existe hoje um consenso internacional quanto à nulidade dessa reserva a luz do disposto na alínea “c”, do artigo 19 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Esta, em suma, delega ao Estado a faculdade de formular reservas, desde porém, que não sejam incompatíveis com o objeto e propósito do Tratado.

14.  Em junho deste ano (2000), no Estado do Texas (USA), foi executado Shaka Sankofa, antes conhecido como Gary Graham, condenado por um crime que teria cometido quando contava 17 anos de idade. Foi executado depois de 19 anos de espera no corredor da morte, apesar das solicitações formalmente apresentadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ao Governo Americano, com o fim de que se suspendesse o ato extremo, até que se decidisse sobre queixa apresentada em seu nome à aludida Comissão, pois havia sérias dúvidas sobre a autoria do delito atribuído ao paciente. O não atendimento por parte do Governo Americano, que não poderia escapar à competência da CIDH, no âmbito da proteção dos Direitos Humanos no hemisfério, segundo a Declaração Americana, provocou um comunicado a imprensa, estranhando e profligando esse procedimento, em tudo contrário ao funcionamento do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos. [61](ver em nota de rodapé o inteiro teor do comunicado de imprensa da CIDH).

15.  Por outro lado, a Convenção Americana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher, proclamada em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, impede a submissão da mulher à pena de morte. É o que se deduz do disposto em seu artigo 3°, ao afirmar “que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no 6ambito público, como privado”, e repete no artigo seguinte que dentre seus direitos compreende-se o “direito a que se respeite sua vida”. Entre os deveres do Estado, dispõe, ainda, a Convenção de Belém do Pará, inclui-se a de “abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal, agentes ou instituições se comportem na conformidade com esta obrigação”. Ora, com a afirmativa de que toda a mulher tem direito à vida, e uma vida livre de violência, negando-se ao Estado qualquer ação ou prática contra a mulher, parece evidente que a Convenção de Belém do Pará proíbe a aplicação da pena de morte à mulher. Não se pode ver nos dispositivos citados uma discriminação com relação aos homens ou às crianças e jovens. E nem se argumente com a chamada discriminação positiva, pois esta existe para preservar direitos inerentes à qualificação de uma pessoa, para preservar direitos que só a ela pertencem. Por exemplo: a mulher grávida ou com filhos tem direitos próprios a sua condição de gestante e de mãe e que não se estendem, por evidente, aos homens. Além disso, uma medida de discriminação positiva tem que visar realizar a igualdade entre grupos de pessoas entre as quais persistem desigualdades de fato, de modo temporário e proporcional. Não existe uma desigualdade entre homens e mulheres no que diz respeito ao direito à vida. E em qualquer caso, a imposição da pena de morte não é uma medida proporcional, como veremos adiante. Quando se trata de direitos comuns – como direito à vida – não se pode falar em discriminação positiva. Nesse caso, todos são iguais perante a lei. Naturalmente, ao se proibir a imposição da pena de morte, às mulheres, teve-se em atenção não apenas sua condição feminina, mas, sobretudo, sua qualificação enquanto pessoa humana.

16.  Nesse sentido, o artigo 24, da Convenção Americana, enuncia que “todas as pessoas são iguais perante a lei”. E, em conseqüência, "têm direito, sem discriminação, à igual proteção da lei”. Não obstante essa norma defina o termo discriminação, a CIDH considera que essa expressão inclui toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em algum motivo que tenha por objeto ou por resultado anular ou menoscabar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, ou em qualquer outra esfera da vida pública”. (cf., Manual de Preparações de Informes sobre os Direitos Humanos, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 26).

17.  Convém anotar, ademais, que a Convenção sobre os direitos da criança proíbe a imposição da pena de morte a menores de 18 anos de idade, nos termos de seu artigo 37, letra “a”,

18.  Trata-se de instrumento jurídico dotado de significativa universalidade no campo dos direitos humanos (apenas os Estados Unidos da América e a Somália não o ratificaram).

19.  O citado artigo 37 da aludida Convenção dispõe que “nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou outras formas cruéis, desumanas ou degradantes de tratamento ou punição. Nem a pena de morte, nem a prisão perpétua serão impostas nos casos de delitos cometidos por pessoas menores de 18 anos”.

20.  Observe-se, entretanto, que embora os Estados Unidos da América não tenham ratificado a Convenção sobre os direitos da criança, o simples fato de haverem assinado aquele instrumento em fevereiro de 1995 gera obrigações no plano jurídico. O artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estabelece que os países signatários de um tratado, mesmo que não o tenham ratificado, devem abster-se de qualquer ato contrário a seu objeto e propósito, até que tenham decidido anunciar sua intenção de não tornar-se parte do tratado. No caso, apesar de os Estados Unidos da América não serem parte da Convenção de Viena, o Departamento de Estado Americano já reconhece como texto básico na área de tratados e atos processuais. Segundo a premissa de que a reserva é incompatível com o objeto e a finalidade de um tratado e que os Estados Unidos da América não são parte da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o Departamento de Estado desse País entende que as normas da Convenção de Viena se constituem numa declaração do direito internacional costumeiro. E nesse caso, devem ser reconhecidas. Isto porque, segundo, ainda a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, deve-se reconhecer a importância progressiva dos tratados como fonte do direito internacional e como meio do desenvolvimento pacífico e cooperativo entre as nações, qualquer que sejam sua Constituição e sistema social.

21.  Ora, da mesma forma, como se anotou na hipótese da imposição de pena de morte a mulheres, não se pode ver no dispositivo em questão uma discriminação a afastar homens e mulheres, pois, como se afirmou, não se trata, ainda neste caso, de uma discriminação positiva, uma vez que o artigo 37, letra “a”, da Convenção sobre os direitos da criança, objetiva preservar direitos que não são próprios, apenas, das crianças ou jovens, mas de todo ser humano.

22.  Se isto é verdade, como sem dúvida o é, o disposto no artigo 4° da Convenção Americana perdeu seu significado anterior, de sorte que os Estados que a subscreveram e a ratificaram, bem como a instrumentos internacionais posteriores não podem impor a pena de morte a qualquer pessoa, independentemente de seu sexo, ou outra qualquer condição.

23.  Examinaremos a matéria tendo em vista princípios de hermenêutica consagrados no direito positivo. O direito internacional pressupõe disposições que estão acima do Estado. Conforme acentua o ilustre jurista italiano Norberto Bobbio, o universalismo – que o direito internacional pretende normatizar – ressurge hoje, em especial depois da segunda guerra mundial e da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), não mais como crença num eterno direito natural, como vontade de constituir um direito positivo único do desenvolvimento social e histórico (como o direito natural e o estado de natureza), mas no fim. E pondera que a idéia do Estado mundial único e a idéia-limite do universalismo jurídico contemporâneo, isto é, a constituição de um direito positivo universal (cf. Teoria do Ordenamento Jurídico. Universidade de Brasília, 1991, p. 164).

24.  No caso, não se pode permitir a prevalência de norma anterior, do mesmo conteúdo da posterior que pretende ilidir a esta última. Trata-se do que os juristas denominam antinomia e como tal precisa ser encarada e solucionada. Qual das regras deve prevalecer? Que elas são incompatíveis não há dúvida. Mas como resolver o problema?

25.  Segundo, ainda, Noberto Bobbio, as regras fundamentais para a solução das antinomias são três: a) o critério cronológico; b) o critério hierárquico; e c) o critério da especialidade (op. Cit., p.92).

26.  No primeiro caso, prevalece a norma posterior – lex posterior derogat priori. No segundo, a natural prevalência do direito internacional sobre o direito nacional. Finalmente, enquadra-se, ainda, a hipótese, no último critério, pois se trata de uma regra especial, com especial destinação.

27.  Nem se alegue, entretanto, que a aceitação da pena de morte no parágrafo 2, do artigo 4°, da Convenção Americana, é uma disposição especial com relação ao direito “Geral”à vida. E, muito menos, que ao aceitar a pena de morte, foi ela considerada como um caso particular de pena a não alcançar uma violação do direito à vida ou à proibição da tortura ou de outro tratamento cruel ou desumano.

28.  A Corte Interamericana de Direitos humanos, em sua opinião consultiva OC-3/83, de 8 de setembro de 1983, assinalou que em se tratando de restrições à pena de morte, não se deveria contornar o problema, senão, pôr-lhe um limite definitivo, mediante um processo progressivo e irreversível destinado a cumprir-se tanto nos países que não tenham ainda resolvido aboli-la, como naqueles que já tomaram essa determinação.

29.  Nesta matéria, continua a Corte, a Convenção expressa uma clara tendência de progressividade, consistente em que, sem chegar a decidir a abolição da pena de morte, adota as disposições requeridas para limitar definitivamente sua aplicação e seu âmbito, de modo tal a que estes se vão reduzindo até sua supressão final.

30.  A esse propósito, vale a pena recordar os trabalhos preparatórios da Convenção Americana que confirmam o sentido resultante da interpretação textual de seu artigo 4°. Com efeito, a proposta de várias delegações para que proscrevesse a pena de morte de modo absoluto, ainda quando não tivesse alcançado a maioria regulamentar de votos afirmativos, não teve um só voto contrário. A atitude geral e a tendência amplamente majoritária da Conferência foram registradas na seguinte declaração apresentada ante a Sessão Plenária de Clausura, por quatorze das dezenove delegações participantes (Costa Rica, Uruguai, Colômbia, Equador, El Salvador, Panamá, Honduras, República Dominicana, Guatemala, México, Venezuela, Nicarágua, Argentina e Paraguai):

“As delegações, que assinam abaixo, participantes da Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, tendo em vista o sentimento altamente majoritário, expressado no curso de debates sobre a proibição da pena de morte, concorde com as mais puras tradições humanistas de nossos povos, declaramos solenemente nossa firme aspiração de ver desde logo erradicada do âmbito americano a aplicação da pena de morte e nosso indeclinável propósito de realizar todos os esforços possíveis para que, a curto prazo, se possa subscrever um Protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos humanos “Pacto de São José, Costa Rica”, que consagre a definitiva abolição da pena de morte e coloque uma vez mais a América na vanguarda da defesa dos direitos fundamentais do homem” (atas e documentos, OEA-serv.K-XVI-12, Washington, D.C., 1973; adiante Atas e Documentos (repr.1978, esp.p. 161, 195, 296 e 449/441).

31.  Coincide, ademais, com tais afirmativas o que foi assinalado pelo Relator da Comissão, no sentido de que a Comissão fez notar, nesse artigo, sua firme tendência à supressão da pena de morte. (atas e documentos, supra n° 296).

32.  Por demais, o Estado de Direito implica, quando da imposição de uma pena, no conhecimento do que essa pena realmente importa. Quando se aplica uma pena que tem pó objetivo, além da punição, a recuperação do detento, este o que vai acontecer com sua pessoa no futuro. Se lhe é imposta uma pena somente punitiva, no caso da prisão perpétua, o réu visualiza, ainda nesta hipótese, o se futuro. Mas, se a pena é de morte, o Estado não aponta ao condenado o que lhe vai suceder com sua eliminação enquanto pessoa humana. É que a ciência, com todo o seu desenvolvimento, não chegou, até hoje, a desvendar o pós-morte; vida futura, com castigo ou prêmio? Pura e simples eliminação?

33.  Assim, ao Estado de Direito é defeso aplicar uma pena cujas conseqüências, não pode desvendar.

34.  Na verdade, todas as penas de que lança mão o legislador, constituem espécies de sanções, distribuindo-se elas segundo uma graduação racional que procura levar em conta uma série de fatores peculiares a cada hipótese de ilicitude.

35.  O pode-dever de punir, que compete ao Estado, abre-se, desse modo, em um leque de figuras ou medidas, segundo soluções escalonadas, mensuráveis em dinheiro ou em quantidade de tempo. Essa ordenação gradativa é da essência mesma da Justiça penal, pois esta não se realizaria se um critério superior de igualdade ou de proporção não presidisse a distribuição das penas, dando a cada infrator mais do que ele merece.

36.  Pois bem, quando se decreta a pena de morte, rompe-se abrupta e violentamente a apontada harmonia serial; dá-se um salto do plano temporal para o não-tempo da morte.

37.  Com que critério objetivo ou com que medida racional (pois ratio significa razão e medida) se passa de uma pena de 30 anos ou de prisão perpétua para a pena de morte? Onde e como se configura a proporcionalidade? Qual a escala asseguradora da proporcionalidade?

38.  Dir-se-á que também há uma diferença qualitativa entre a pena de multa e a de reclusão, mas o cálculo daquela é redutível a critérios cronológicos, podendo ser fixada, por exemplo segundo o que representara em termos de jornadas de trabalho perdido, par que possa significar privação e sofrimento à pessoa do infrator, em função de sua situação patrimonial. De qualquer modo, são critérios racionais de conveniência, suscetíveis de contraste na experiência, que governam a passagem de um para outro tipo de pena, enquanto a idéia de “proporcionalidade”submerge-se na perspectiva da morte.

39.  Em suma, a opção pela pena de morte, é de tal ordem que, como afirma Simmel, matiza todos os conteúdos da vida humana, podendo-se dizer que ela é inseparável de um halo de enigma e de mistério, de sombras que à luz da razão não é dado dissipar: querer enquadrá-la em soluções penais equivale a despojá-la de seu significado essencial para reduzi-la à violenta desagregação física de um corpo (apud Miguel Reale, in O Direito como Experiência).

40.  Daí a conclusão do eminente filósofo jurista Miguel Reale: analisada à luz de seus valores semânticos, o conceito de pena e o conceito de morte são entre si lógica e ontologicamente irreconciliáveis e que, assim sendo, “pena de morte” é uma “contradictio in terminis” {cf. O direito como experiência, Saraiva, 2a ed., São Paulo, Brasil).

41.  O jurista Héctor Fáundez Ledesma escreve, a propósito: “quanto aos direitos consagrados na Convenção, estes são direitos mínimos, ela não pode limitar o exercício desses direitos numa medida maior que a permitida por outros instrumentos internacionais. Por conseguinte, qualquer outra obrigação internacional assumida pelo Estado em outros instrumentos internacionais de diretos humanos é da maior relevância, e sua coexistência com as obrigações derivadas da Convenção deve ser tida em conta em  todo aquele que resulte mais favorável ao  indivíduo”.

42.  “O mesmo entendimento, prossegue o jurista, se faz extensivo a qualquer outra disposição convencional que proteja o indivíduo de uma maneira mais favorável, quando esta esteja contida num tratado bilateral ou multilateral, e independentemente de qual seja seu objeto principal” (O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, 1996, pg. 92 e 93).

43.  Acresce que o artigo 29, “b”, da Convenção Americana estabelece, nessa mesma linha de pensamento, que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possa estar reconhecido de acordo com as leis de qualquer dos Estados partes”. E oportuno, a propósito, ler o informe da CIDH sobre Suriname e a consulta OC-8/87 à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

44.  Nessa oportunidade, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmava que a proibição de impor a pena capital por delitos cometidos por menores de 18 anos, era um princípio emergente do direito internacional. Doze anos mais tarde não há dúvida alguma de que este princípio está hoje totalmente consolidado. A ratificação por 192 Estados, da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que proíbe a imposição da pena capital àqueles que cometeram delitos quando menores de idade, e, dentre outras, uma prova irrefragável da consolidação desse princípio (cf. Relatório da Anistia Internacional apresentado à CIDH, Washington, 5 de março de 1999).

45.  É certo que a Declaração Universal de Direitos humanos não se refere especificamente à proibição da pena de morte, mas consagra em seu artigo 3° o direito de cada um à vida, liberdade e segurança (o mesmo preceito figura no artigo 1°da Declaração Americana dos Direitos e Deveres dos Homem). Adotada pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, sob a forma de mera resolução/recomendação, a Declaração Universal é hoje considerada por insignes doutrinadores como parte do Direito Internacional Costumeiro e como norma obrigatória (jus cogens) – artigo 53, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Mutatis mutandi, seria lícito afirmar que a Convenção sobre os direitos da criança, por sua abrangência e caráter obrigatório, deva também ser observada pelos dois únicos Estados que não a ratificaram, como, aliás, já se salientou e observa o próprio Departamento de Estado, dos Estados Unidos da América.

46.  Convém, ademais, assinalar que a Corte Européia de Direitos Humanos, ao decidir o caso Soering - Jens Soering, nascido na Alemanha, em detenção na Inglaterra e submetido a um pedido de extradição pelos Estados Unidos da América para responder a uma acusação de homicídio praticado no Estado de Virgínia, que pune esse crime com pena de morte - fez oportunos comentários ao artigo 3°, da Convenção Européia, onde se diz que ninguém pode ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamento desumano, cruel ou degradante. Considerou a Corte que o pedido não poderia ser atendido a não ser que se tivesse a certeza de que o extraditando seria beneficiado, pelo menos, pelas garantias do aludido dispositivo do artigo 3°, da Convenção (cf. Jurisprudence de la Cour Européenne des Droits de l’homme, 1998, 6a ed., Sirey, os. 18 e seguintes).

47.  Quer dizer, a Corte concluiu que a extradição a um país que conhece a pena de morte não constituiria uma violação do direito à vida ou do direito à integridade pessoal, pois a pena de morte em si não é, explicitamente, proibida pela Convenção Européia. Todavia, a possibilidade de que o réu passasse anos em detenção à espera do momento – aliás, totalmente imprevisível – da execução da pena, a chamada “síndrome do corredor da morte” foi considerada pela Corte como constituindo um tratamento cruel e, de conseguinte, uma violação do direito a integridade pessoal.

48.  Trata-se, sem dúvida, de uma ambigüidade: se há espera, viola-se o direito; se a imposição da pena for imediata, a atuação do Estado não seria considerada uma violação do direito fundamental `vida.

49.  Essa decisão permite, a conclusão de que abandona-se, pouco a pouco, a visão tradicional, positivista, na aplicação do direito. Ao invés de uma interpretação literal dos textos em questão, busca-se uma hermenêutica teleológica, no caso, da Convenção Européia, para chegar-se à conclusão maior, de não se permitir a aplicação da pena de morte em qualquer hipótese.

50.  Assim, a proibição absoluta, pela Convenção Européia, da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes mostra que o artigo 3°, em referência, consagra um dos valores fundamentais das sociedades democráticas. Salienta o julgado que no mesmo sentido dispõem o pacto Internacional de 1966 relativo aos direitos civis e políticos e a Convenção Americana dos Direitos do Homem, de 1969, ao proteger, em toda sua extensão e profundidade, os direitos da pessoa humana. Trata-se, conclui, de uma norma internacionalmente aprovada.

51.  É bem verdade que o conceito de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes depende de todo um conjunto de circunstâncias. Não é por outro motivo que se deve ter todo o cuidado para que se assegure um justo equilíbrio entre as exigências de interesse geral da comunidade e os imperativos maiores da salvaguarda dos direitos fundamentais do indivíduo, na forma dos princípios inerentes ao conjunto da Convenção Européia.

52.  A Anistia Internacional vem afirmando que a evolução das normas na Europa Ocidental quanto à existência e ao uso da pena capital leva à consideração de que se trata de uma pena desumana, no sentido apontado pelo artigo 3°, da Convenção Européia. É nesse sentido que deve-se entender a decisão da Corte no caso Soering.

53.  Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já afirmou que “o  direito à vida e sua garantia e respeito pelos Estados não pode ser concebido de modo restritivo. O mesmo não somente  supõe que ninguém deve ser privado arbitrariamente da vida (obrigação negativa). Exige dos Estados, ainda mais, tomar todas as providências apropriadas para postergá-la e preservá-la (obrigação positiva)” (cf. Repertório de jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, 1998, Washington College of Law, American University, 1/ 102).

54.  Não foi por outro motivo que a Corte Européia, na decisão apontada, ponderou que “la Convention est sans conteste “un instrument vivant à interpreter (...) à lumière des conditions de vie actuelle [pour déterminer s’il lui faut considérer un traitment ou une peine donné comme inhumains ou dégradants auxfins de l’article 3° la Cour ne peut pás ne pás être influencée par l’évolution et lês normes communément acceptées de la politique pénale des Etats membres du Conseil de l’Europe dans ce domaine”.

55.  Realmente, para saber se a pena de morte, em razão de alterações atuais, tanto do direito nacional, como do direito internacional, constitui um tratamento proibido pelo artigo 3° , é preciso tomar em conta os princípios que regem a interpretação da Convenção. Neste caso, tanto da Convenção Européia, como da Convenção Americana: “ninguém pode ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes (artigo 3°, da Convenção Européia); “ninguém pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”(artigo 5°, inciso 2°, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

56.  Na mesma linha de pensamento, ao apreciar o caso Irlanda versus Reino Unido, a Corte Européia, já decidira que “a Convenção proíbe em termos absolutos a tortura e as penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, quaisquer que sejam as incriminações à vítima. O artigo 3° não prevê restrições: “... seule entrent en ligne de compte lês notions de “torture”et de “traitements inhumain ou dégradants”, à l’exclusionde celle de “peine inhumaine ou degradante”.

57.  Mais recentemente, na opinião consultiva OC – 16/99, de 1° de outubro de 1999, solicitada pelos Estados Mexicanos à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre o direito à informação a respeito da assistência consular, no conjunto das garantias do devido processo legal, estimou útil “recordar que no exame realizado, em sua oportunidade, sobre o artículo 4°, da Convenção Americana, advertiu que a aplicação e imposição da pena capital esta limitada em termos absolutos pelo princípio segundo o qual “[ninguém] poderá ser privado da vida arbitrariamente”. Tanto o artigo 6° do Pacto Internacional de Diretos Civis e Políticos, como o artigo 4° da Convenção, ordenam a restrita observância do procedimento legal e limitam a aplicação desta pena a “aos mais graves delitos”. Em ambos instrumentos existe, pos, uma clara tendência restritiva à aplicação da pena de morte até a sua supressão final”.

58.  O que falta, pergunta-se, para chegar-se à eliminação universal da pena capital? Tão somente o pleno reconhecimento dos direitos emanados dos tratados.

59.  Vem, justamente, apelo, na linha da posição do jurista e do aplicador da lei sobre a matéria, o voto concorrente, na aludida opinião consultiva – solicitada pelo Estado Mexicano, do juiz Cançado Trindade, ao fazer considerações relevantes, a propósito da hermenêutica do direito frente a novas necessidades de proteção.

60.  O ilustre internacionalista e atual presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (1999/2001) nesse voto concorrente assinala que “as próprias emergências e consolidação do corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos devem-se à reação da consciência jurídica universal perante os recorrentes abusos cometidos contra os seres humanos, frequentemente convalidados pela lei positiva: com isto, o Direito veio ao encontro do ser humano, destinatário último de suas normas de proteção”.

61.  No mesmo sentido, adverte o autor do voto concorrente, “indica a jurisprudência dos tribunais internacionais de diretos humanos até esta data, portanto, os tratados de diretos humanos são, efetivamente, instrumentos vivos, que acompanham a evolução dos tempos e do meio social em que se exercem os direitos protegidos”.

62.  A esse propósito, a Corte Européia de Direitos Humanos, no caso Tyrer versus Reino Unido (1978), ao determinar a ilicitude de castigos corporais aplicados a adolescentes na Ilha de Mana, afirmou que a Convenção Européia de Direitos Humanos “é um instrumento vivo a ser interpretado à luz das condições da vida atual”.

63.  Em remate, com a desmistificação dos postulados do positivismo jurídico voluntarista, tornou-se evidente que somente se pode encontrar uma resposta ao problema dos fundamentos e da validade do direito internacional geral na consciência jurídica universal, a partir da afirmação da idéia de uma justiça objetiva.

64.  Acrescente-se, ainda, que em reunião realizada por representantes dos órgãos de supervisão internacionais baseados em tratados de direitos humanos (os chamados “human rigths treaty bodies”), assinalou-se que os procedimentos convencionais formam parte de um amplo sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o qual tem como postulado básico a indivisibilidade dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). De modo a assegurar na prática a universalidade dos direitos humanos, a referida reunião recomendou a “ratificação universal”, até o ano 2000, dos seis tratados centrais de Direitos Humanos das Nações Unidas (os dois pactos de Direitos Humanos, as convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e de discriminação contra a mulher; a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura; e a Convenção sobre os direitos da Criança), das três Convenções Regionais (a européia, a americana e a africana) sobre Direitos Humanos, e das convenções da OIT atinentes a direitos humanos básicos. A reunião advertiu, a seguir, que o não cumprimento pelos Estados Partes do dever de ratificar constituía uma violação das obrigações convencionais internacionais e a invocação da imunidade estatal neste particular equivaleria a um “doube-standard” que penalizaria os Estados que cumpriram devidamente tais obrigações (Cançado Trindade, Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. 1, Fabris ed., 1997,os. 199/200).

65.  O artigo 27, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados impede que se invoquem normas de direito interno para justificar o não cumprimento de uma obrigação internacional. E mais, uma disposição convencional deve ser interpretada de boa-fé, conforme o sentido comum dos seus termos (artigo 31, da Convenção de Viena, de 23 de maio de 1969: “A treaty shall be interpreted in good faith in accordance with the ordinary meaning to be given to the terms of the treaty in their contest and in the light of its object and purpose”). Deve-se, pois, buscar valorizar a cada um dos termos que não podem ser interpretados como não tendo sido escritos (doutrinas do “efeito útil”).

66.  Aliás, a Corte interamericana, na opinião consultiva OC-14/94, já sustentou que: “segundo o direito internacional as obrigações que este impõe devem ser cumpridas de boa-fé e não pode invocar-se para seu não cumprimento i direito interno. Estas regras podem ser consideradas como princípios gerias de direito e têm sido aplicadas, ainda em se tratando de disposições de caráter constitucional, pela Corte Permanente de Justiça Internacional e pela Corte Internacional de Justiça (caso das comunidades gréco-búlgaras (1930); caso de nacionais poloneses de Dantzig (1931); caso das Zonas livres (1932); e aplicabilidade da obrigação de arbitrar segundo o Convênio da sede das Nações Unidas (caso da missão OLP, 1988).

67.  A vista do exposto, a norma do artigo 4°,  inciso 2°, da Convenção Interamericana, pode-se dizer, está superada pelas disposições contratuais citadas, segundo a melhor hermenêutica do direito internacional dos direitos humanos, sendo-lhe defesa a aplicação, mediante normas de direito interno, ainda que anteriores à Convenção Americana, de penas aflitivas, como a pena de morte.

68.  Isto, porque é princípio do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que toda ação deve ter por objetivo primordial a proteção das vítimas.

69.  Nessa perspectiva, dispositivos como aqueles já mencionados (artigo 4°, parágrafo 2°) da Convenção Americana sobre os direitos humanos devem ser desconsiderados em favor de instrumentos jurídicos que melhor protejam os interesses das vítimas de violações de direitos humanos.

Dado e firmado por Hélio Bicudo em 3 de dezembro de 2001

 

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[61] COMUNICADO DE IMPRENSA

N° 9100

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos deplora a execução de Shaka Sankofa anteriormente conhecido como Gary Graham, no Estado de Texas, em 22 de junho de 2000. O Sr. Sankofa foi executado apesar das solicitações formalmente  apresentadas pela Comissão ao governo dos Estados Unidos com o fim de que fosse suspendida dua execução, até que a CIDH tivesse decidido sobre uma denúncia apresentada em seu nome.

Em 1993, a Comissão recebeu uma denúncia em nome do Sr. Sankofa, conforme a qual os Estados Unidos, como Estado Membro da Organização dos Estados Americanos, tinha violado os direitos do Sr. Sankofa consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem incluindo seu direito à vida, previsto no artigo 4 desse instrumento. O peticionário aelgou que o Sr. Sankofa foi sentenciado à morte por um crime que, segundo alegações, foi cometido quando tinha 17 anos,  que era inocente e que tinha sido sujeito a procedimentos em que não deram cumprimento aos padrões internacionais sobre devido processo legal.

Em 11 de agosto de 1993, a Comissão abriu o Caso n° 11.193 com base na denúncia do Sr. Sankofa depois de uma audiência celebrada em 4 de outubro de 1993. A Comissão transmitiu aos  Estados Unidos, em 27 de outubro  de 1993, uma solicitação formal para a adoção de medidas cautelares de acordo com o artigo  29 (2) do Regulamento da Comissão, solicitando que os Estados Unidos garantisse a suspensão da execução do Sr. Sankofa, tendo em conta que seu caso se encontrava pendente perante a Comissão. Nessa oportunidade, se propôs a execução do Sr. Sankofa, cuja data havia sido fixada previamente para 17 de agosto de 1993, até que fossem concluídos certos processos judiciais internos.

Em fevereiro de 2000 a Comissão foi informada sobre a conclusão dos procedimentos internos e a iminente expedição de uma nova ordem de execução. Em resposta, em 4 de fevereiro  de 2000 a Comissão reiterou aos Estados Unidos sua solicitação de medidas cautelares de outubro de 1993. Subsequentemente, em maio de 2000, a Comissão recebeu informação de que a petição do Sr. Sankofa perante a corte Suprema dos Estados Unidos havia sido denegada e sua execução programada para o dia 22 de junho de 2000. Em resposta, em 15 de junho de 2000, durante seu 107 período de sessões, a Comissão adotou o Relatório n°51/00 mediante o qual  declarou admissível a queixa do Sr. Sankofa e decidiu proceder a examinar o fundo do seu caso. Nesse mesmo informe, a Comissão voltou a reiterar aos Estados Unidos sua solicitação de suspensão da execução do Sr. Sankofa enquanto seu caso se encontrasse pendente de decisão final.

Numa comunicação de 21 de junho de 2000, os Estados Unidos acusou o recebimento da nota da Comissão de 4 de fevereiro de 2000 e indicou que a tinha enviado ao Governador e ao Procurador-Geral do Texas. Em 22 de junho, porém, a Comissão tomou conhecimento de que a Junta de Indultos e Liberdade Condicional de Texas havia recusado recomendar o Sr. Sankofa para uma suspensão, comutação ou indulto, e que sua execução teria lugar em 22 de junho de 2000 pela tarde. Em consequência, mediante uma comunicação da mesma data, a Comissão solicitou aos Estados Unidos uma resposta urgente a seu pedido prévio de medidas cautelares. Infelizmente, os  Estados Unidos não responderam à solicitação apresentada pela Comissão em 22 de junho  de 2000, e a execução do Sr. Sankofa foi efetuada conforme o programado.

A Comissão está  preocupada pelo fato de que, apesar de ter admitido o  caso do Sr. Sankofa para sua consideração por um órgão internacional de direitos humanos com competência, os Estados Unidos não respeitou eficazmente no contexto de suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Tendo em vista o dano irreparável provocado por essas circunstâncias, a Comissão exorta os Estados Unidos e outros Estados Membros da OEA a cumprir com as solicitações de medidas cautelares da Comissão, particularmente naqueles casos que envolvem o direito mais fundamental, o direito à vida.

Washington D.C., 28 de junho de 2000.