RELATÓRIO Nº 26/09[1]

CASO 12.440

ADMISSIBILIDADE E MÉRITO (PUBLICAÇÃO)

WALLACE DE ALMEIDA

BRASIL

20 de março de 2009

 

 

I.            RESUMO

 

1.                        Em 26 de dezembro de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “CIDH”) recebeu uma petição apresentada por Ivanilde Telacio dos Santos, Rafaela Telacio dos Santos, Rosana Tibuci Jacob e Fagner Gomes dos Santos, pelo Núcleo de Estudos Negros (NEN) e pelo Centro de Justiça Global (CJG) (doravante denominados “os peticionários”), na qual se alega a violação, por parte da República Federativa do Brasil (doravante denominada “Brasil” ou “o Estado”), dos artigos 4, 5, 8, 24, 25 e 1(1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”), em prejuízo de Wallace de Almeida (doravante denominado “a presumida vítima”).

 

2.                    Segundo a informação prestada, denuncia-se que policiais militares assassinaram a presumida vítima, que em vida foi um jovem negro, de 18 anos de idade e soldado do Exército, no dia 13 de setembro de 1998. Os peticionários aduzem que a investigação policial ainda está inconclusa, sem que sequer a denúncia do fato tenha sido apresentada à Justiça pelo Ministério Público. Sustentam que os fatos de que se trata aconteceram no contexto de uma escalada da violência policial/militar resultante da política que nessa matéria vinha sendo adotada pelo Estado do Rio de Janeiro desde fins de 1994. Alegam que também estão presentes no caso fatores raciais e sociais, pois denunciam que negros e pobres são vítimas desse tipo de supostas execuções extrajudiciais. Por fim, solicitam que se recomende ao Estado do Brasil que investigue, julgue e puna os responsáveis pelo crime praticado, que as vítimas sejam indenizadas e que se tomem medidas para evitar ações policiais violentas como a denunciada.

 

3.                 O Estado não contestou a denúncia, apesar de haver sido notificado na forma legal e devida, porém seus representantes compareceram à audiência realizada no 121° Período de Sessões da Comissão, em 21 de outubro de 2004, na qual foi dito que, efetivamente, a investigação policial deste caso se encontra paralisada, nenhuma novidade havendo sobre o mesmo.

 

4.                 Neste relatório, a Comissão analisa os requisitos de admissibilidade e considera que a petição é admissível nos termos dos artigos 46(2)(c) e 47 da Convenção Americana, arrogando-se também o estudo do mérito da questão denunciada, conforme o disposto no artigo 37(3) de seu Regulamento. Com relação a este último ponto, a Comissão conclui no presente relatório, redigido de acordo com o artigo 51 da Convenção, que o Estado violou em prejuízo do senhor Wallace de Almeida os direitos à vida, à integridade, à igualdade, às garantias judiciais e à proteção judicial garantidos pelos artigos 4, 5, 8, 24 e 25 da Convenção Americana, em concordância com as obrigações gerais de respeitar e garantir os direitos, previstas no seu artigo 1(1), e de adotar disposições de direito interno constantes do artigo 2 do mesmo instrumento. Finalmente, a CIDH faz as recomendações pertinentes ao Estado brasileiro.

 

II.        TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

5.                 A petição original foi recebida na Comissão em 26 de dezembro de 2001, sendo protocolada como Petição Número 872/2001 e posteriormente designada como Caso Número 12.440. Em 4 de janeiro de 2002, a Comissão comunicou aos peticionários o recebimento de sua petição. Em 24 de janeiro de 2002, a Comissão, de conformidade com o artigo 30 de seu Regulamento, transmitiu as partes pertinentes da denúncia ao Estado, ao qual solicitou uma resposta à petição, havendo-lhe concedido para tanto um prazo de 2 (dois) meses. Este fato foi comunicado aos peticionários na mesma data.

 

6.                 Mediante nota recebida em 9 de agosto de 2002, datada do dia 7 do mesmo mês e ano, o Estado solicitou uma prorrogação do prazo que lhe fora concedido pela Comissão para contestar a petição interposta contra ele.

 

7.                 Por meio da nota recebida em 16 de janeiro de 2004, datada do dia 15 do mesmo mês e ano, os peticionários solicitaram uma audiência perante a Comissão a fim de tratar das questões jurídicas referentes ao caso.

 

8.                 A Comissão, mediante nota de 24 de janeiro de 2003, comunicou ao Estado a recusa da prorrogação solicitada, em virtude do disposto no artigo 30 (3) de seu Regulamento, por não encontrar nenhum fundamento que justificasse esse pedido.  Até a data da redação deste relatório, o Estado não contestou a petição.

 

9.                 A Comissão, mediante nota de 22 de janeiro de 2004, comunicou ao Estado que, em obediência ao artigo 37 (3) de seu Regulamento, decidira dar ao caso o número 12.440 e prosseguir com as considerações sobre a admissibilidade da petição até o debate e a decisão sobre seu mérito. Pela mesma via fez-lhe saber que, de acordo com o disposto no artigo 38 (1) de seu Regulamento, havia solicitado aos peticionários que apresentassem observações adicionais quanto ao mérito da petição, no prazo de dois meses.

 

10.             Em 23 de março de 2004, as observações adicionais dos peticionários quanto ao mérito da questão foram recebidas via fax e, em 5 de abril desse ano, os mesmos dados foram recebidos por via postal. O recebimento dessas informações foi comunicado aos remetentes em 1º de junho de 2004.

 

11.             Mediante nota de 1º de junho de 2004, foram transmitidas ao Estado as partes pertinentes das observações adicionais apresentadas pelos peticionários quanto ao mérito da causa, havendo-lhe sido concedido um prazo de 2 (dois) meses para que apresentasse  observações às mesmas.

 

12.             Em 30 de agosto de 2004, os peticionários solicitaram à Comissão informação a respeito do caso.

 

13.             Em 21 de outubro de 2004, no 121° período de sessões da Comissão, houve uma audiência do caso à qual assistiram representantes dos peticionários e do Estado, sendo na ocasião sugerida pelo Presidente a possibilidade de que as partes chegassem a uma solução amistosa da questão.

 

III.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

A.        Posição dos peticionários

 

14.             Estes manifestam que a denúncia está baseada no assassinato, por policiais do 19° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, da presumida vítima, um jovem negro, soldado do Exército, de 18 (dezoito) anos de idade, ocorrido em 13 de setembro de 1998, no Morro da Babilônia, favela situada na Zona Sul dessa cidade. Afirmam que o fato ocorreu durante uma operação policial no lugar de referência executada de maneira arbitrária, na qual os policiais usaram de excessiva violência contra seus moradores. Aduzem que a investigação policial permanece até esta data inconclusa, sem que sequer uma denúncia tenha sido interposta junto à Justiça pelo Ministério Público. Entendem que essa situação constitui uma violação dos artigos 4, 5, 8, 24, 25 e 1(1) da Convenção, razão por que, ante a inoperância das autoridades competentes em lhe dar uma solução, solicitam a abertura de um caso contra o Estado, para que administre justiça e indenize as presumidas vítimas.

 

15.             Denunciam, como uma situação na qual a questão se enquadra, o emprego de excessiva violência pela força policial do Estado, especificamente no estado do Rio de Janeiro, invocando para tanto relatórios emanados desta Comissão e da Human Rights Watch sobre o tema, em 1997. De modo especial, indicam que o governo do estado do Rio de Janeiro e o Estado Federal acordaram, em fins de 1994, uma parceria com o propósito de que as Forças Armadas trabalhassem em conjunto com a Polícia Militar no combate ao tráfico de drogas, na chamada “Operação Rio”, a qual foi marcada por torturas, detenções arbitrárias, buscas sem prévio mandato e desnecessária violência policial, o que, alegam, se demonstra com relatórios semelhantes aos citados. Afirmam que em maio de 1995, em seguida à designação do general Nilton Cerqueira como Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, sendo governador deste último o Sr. Marcelo Alencar, foram incluídas novas disposições no Regulamento da Polícia, entre as quais as seguintes: 1) gratificação e promoção por bravura; 2) autorização para o uso de uma segunda arma pelos policiais em serviço; e 3) averiguação sumária ao invés de inquérito policial completo, a fim de acelerar o andamento dos casos de homicídio em que policiais/militares se achavam envolvidos. Essa situação, dizem, degenerou na perpetração de numerosos abusos, com o das provas forjadas nos casos de supostos delinqüentes mortos por policiais (por exemplo, a colocação no local do crime de uma arma atribuída à vítima). Alegam que essas práticas levaram ao aumento da violência policial no estado do Rio de Janeiro, fato que afirmam estar consignado na obra do Professor Ignacio Cano, que é juntada à petição como prova documental.

16.             Denuncia-se que a questão racial também constitui um dos fatores preponderantes no que respeita à violência policial. Os peticionários sustentam que, dos estudos levados a cabo pelo Professor Cano, se depreende de maneira categórica esse dado. Isso os leva a concluir que a violência policial é discriminatória, uma vez que atinge em maior número e intensidade às pessoas de raça negra. Alegam que um fator econômico-social está presente, pois na grande maioria dos casos as presumidas vítimas não só são pobres como vivem em favelas e zonas periféricas, e afirmam que tudo isso consta de dados estatísticos, como os emanados do Grupo de Pesquisa da Discriminação.

 

17.             No tocante ao assassinato da presumida vítima, informa-se que Wallace de Almeida, um jovem negro, de 18 anos de idade, que servia o Exército brasileiro como recruta no Quartel do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, era uma pessoa tranqüila e disciplinada que nenhuma repreensão havia recebido nos 4 (quatro) meses que servira o Exército, informação que está consignada nas declarações constantes do Anexo III da petição. No dia 13 de setembro de 1998, subia ele o Morro da Babilônia, onde morava, quando encontrou uma prima em um bar. Enquanto a cumprimentava, um grupo de policiais que seguia para o alto do morro ali parou e ordenou a todos os presentes que retornassem às suas casas, havendo fechado as portas do estabelecimento com violência. A presumida vítima e sua prima obedeceram à ordem recebida e retomaram a subida em direção às suas casas, o mesmo fazendo os policiais citados, que agora as seguiam.   Chegando à casa de sua prima e lhe havendo esta sugerido que ali ficasse, a presumida vítima respondeu que não podia fazê-lo porque tinha de levantar-se às 4h30 (quatro e trinta) da manhã e ir para o quartel, que seguiria em frente e que nada lhe aconteceria porque portava seus documentos de identidade. Até esse momento nenhum disparo fora feito. Os peticionários informam que, ao aproximar-se a vítima de sua casa, a polícia iniciou um tiroteio, simulando um confronto com os moradores, prática comum segundo eles. Essa situação provocou o corte da iluminação do local, e todos os moradores se recolheram às suas casas, inclusive a suposta vítima. Segundo pessoas que estavam com ela, os disparos se tornaram mais próximos, até que em um dado momento, após ouvir-se um tiro e um grito, eles cessaram. Um primo da presumida vítima ali presente, preocupado porque nem toda a família se encontrava na casa, olhou por um orifício na porta e ao ver que havia uma pessoa caída no quintal decidiu abri-la, quando então um policial invadiu a casa. Enquanto este se encontrava na casa, o primo citado podia ver que vários policiais, entre os quais um chamado Tenente Busnello, permaneciam no quintal. Via ainda, segundo informam os peticionários, a presumida vítima ali estendida no chão. O primo de referência disse aos policiais que eles haviam disparado contra um recruta do Exército, o que os fez mudar de atitude; alguns quiseram ajudar a presumida vítima, e os que comandavam a operação não o permitiram. Seus familiares também tentaram socorrê-la, mas os policiais tampouco deixaram que o fizessem. Informam que vinte minutos depois de consumar-se esse fato, os policiais carregaram a vítima com grosseria e de maneira inadequada à movimentação de um ferido e a levaram para o Hospital Miguel Couto, aonde chegou com vida às 22h16, vindo depois a falecer às 2h25 da madrugada do dia 14 do mês e ano indicados, em conseqüência da perda de sangue causada por uma hemorragia externa.

 

18.             O episódio descrito levou à instauração de um inquérito policial nesse dia 14 de setembro de 1998, no qual apenas sete policiais foram arrolados como participantes na ação, tendo os mesmos declarado que haviam ido ao local ajudar outros policiais que participavam de um tiroteio com delinqüentes. Afirmam que não foram identificados quais dentre esses policiais haviam trocado tiros com os presumidos marginais e que nenhuma prova pericial fora realizada no sentido de demonstrar a origem das marcas dactilares na arma encontrada junto ao corpo da presumida vítima, nem sobre os fuzis usados pelos policiais no episódio. Os familiares da vítima mencionam que foram chamados a depor em uma delegacia de polícia situada a mais de 15 (quinze) quilômetros do lugar de sua residência, onde lhes foi apresentado, para que identificassem os policiais que haviam invadido sua casa, um álbum com fotografias em formato 3 x 4 centímetros, em branco e preto, o que os impediu de reconhecer qualquer um deles. Mencionam que o inquérito policial permaneceu na delegacia de polícia o tempo máximo permitido, sendo então encaminhado, em 14 de outubro de 2001, ao Juiz de Direito da Vara Criminal, que solicitou um novo prazo para as averiguações.[2] Desde então a investigação vem-se arrastando. Inúmeras diligências desnecessárias foram empreendidas, sem que fosse possível, por meio de qualquer delas, identificar os presumidos responsáveis, havendo o delegado de polícia encarregado da investigação informado ao mencionado juiz, em duas oportunidades, a impossibilidade de levar a cabo as diligências[3], permanecendo a investigação inconclusa. Afirmam que nenhum processo administrativo foi aberto no âmbito da polícia estadual, a fim de apontar os agentes responsáveis pela prática do ato investigado, e que os peticionários haviam solicitado a essa instância, em 13 de setembro de 2001, informação sobre os indivíduos aos quais cabia a dita responsabilidade, obtendo como resposta um relatório relativo a outro caso.

 

19.             Afirmam que a Comissão tem competência rationae materiae, rationae personae, rationae temporis e rationae loci, bem como que não foram esgotados os recursos internos, embora se configure, no seu entender, a exceção prevista no artigo 31(2)(c) do Regulamento. Sobre esse tema, ressalta-se especificamente o atraso, no momento da interposição da petição, de mais de 3 (três) anos e 2 (dois) meses em relação ao prazo em que a investigação policial deveria estar concluída, ao qual se somam a falta de vontade, de parte das autoridades, de esclarecer os crimes cometidos por seus próprios agentes e o fato de a ação penal pública caber ao Estado, razão por que é difícil ou impossível para as vítimas agilizar o procedimento. No tocante à data em que a petição foi interposta, esta, segundo afirmam, se encontra dentro dos prazos regulamentares, pois se configurou, conforme exposto, a exceção ao esgotamento dos recursos internos.

 

20.             Em síntese, denunciam-se uma violação dos direitos à vida, à integridade e à igualdade, previstos nos artigos 4, 5 e 24 da Convenção, e a falta de prevenção do tipo de ato acusado, cuja responsabilidade recai sobre o Estado na forma de violação do artigo 1 (1) da Convenção, segundo uma interpretação que fazem da jurisprudência emanada da Corte no caso Velásquez Rodríguez, aduzindo também que existe impunidade em relação a crimes dessa natureza e que a política adotada pelo Estado do Rio de Janeiro, descrita em parágrafos anteriores, incentiva homicídios do tipo denunciado. Denunciam-se, ademais, a marginalização das vítimas pela autoridade policial do Estado e uma violação do direito às garantias judiciais previsto nos artigos 8 e 25 da Convenção, razão por que peticionam que o Estado seja condenado pelas violações relatadas, os responsáveis pelos atos puníveis sejam investigados, julgados e punidos, as vítimas sejam indenizadas, e as medidas necessárias para coibir ações policiais violentas sejam tomadas.

 

21.             Na audiência realizada no 121° Período de Sessões da Comissão, em 21 de outubro de 2004, os peticionários reiteraram o que haviam afirmado na petição.

 

B.        Posição do Estado

 

22.             O Estado não contestou a denúncia, apesar de haver sido notificado na forma legal e devida, em 24 de janeiro de 2002, de que estava correndo o prazo disposto no artigo 30 do Regulamento da Comissão que lhe dizia respeito.

 

23.             Os representantes do Estado compareceram à audiência realizada no 121° Período de Sessões da Comissão, em 21 de outubro de 2004, na qual foi dito que a legislação criminal é de competência federal, porém a administração de justiça é estadual. Sobre a legislação para fazer frente ao problema da violência policial, manifestou-se que existem projetos de reforma judiciária, como o que extingue a “lei de crimes hediondos”, considerada “maléfica” pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, bem como de reformas ao Código Penal e ao Código de Processo Penal. Indicou-se que o Governo Federal não possui, como os estados, uma polícia militarizada e que a Polícia Militar é outro problema, pois foi criada sob a ótica do “inimigo interno”. No âmbito federal, os esforços orientaram-se no sentido de transformar a polícia brasileira em uma polícia de inteligência e sustentou-se que o Governo Federal não tem ingerência na remuneração da polícia estadual e tampouco em suas outras atividades.

 

24.             O Secretário de Direitos Humanos do estado do Rio de Janeiro, Jorge Costa, admitiu a falta, infelizmente, de avanços na investigação do caso e disse que, se os peticionários o houvessem contatado diretamente, teria sido possível agilizar sua tramitação. Afirmou que o Governo do Estado vem apoiando a Secretaria de Direitos Humanos e que a sociedade civil deve procurar o contato direto com ele. Nessa ocasião, reiterou a sua posição pessoal em favor da extinção dos inquéritos policiais (IPL) na sua forma atual, pois o Código de Processo Penal dispõe tão-somente prazos para que eles sejam concluídos, sem estabelecer o que cabe fazer dentro do IPL, que ainda é um instrumento inquisitório, apesar de a Constituição Federal garantir o direito à contestação e a uma ampla defesa. Sugeriu que o IPL contraria a Constituição e é um elemento burocrático ineficaz. Com relação a este caso em particular, manifestou que dele havia tomado conhecimento depois de marcada a audiência na CIDH e que conseguira localizá-lo, possibilitando com isso o encaminhamento do IPL à Delegacia de Homicídios. Acrescentou que instaurará uma sindicância, por intermédio da Corregedoria Geral da Polícia, porém ressaltou que o caso que defrontamos é igual a muitos outros e que o problema está no fato de que no Brasil os crimes são investigados só quando as vítimas são pessoas importantes e que a sociedade pressiona as autoridades unicamente nesses casos, razão pela qual o que se encontra em causa possivelmente apresentará progresso no futuro, posto que seu estudo pela Comissão lhe havia dado relevância. Assinalou que toda a sociedade brasileira, e não apenas a polícia, discrimina os negros e que a idéia de democracia racial no Brasil é uma farsa.

 

IV.      ANÁLISE DA COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE

 

A.        Competência ratione personae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da Comissão

 

25.             Os peticionários estão habilitados pelo artigo 44 da Convenção a apresentar denúncias à CIDH. A petição assinala, como presumida vítima, o Sr. Wallace de Almeida, cidadão do Estado, portanto a Comissão tem competência ratione personae para examinar a petição. Com relação ao Estado, este ratificou a Convenção Americana em 25 de setembro de 1992.

 

26.             A Comissão tem competência ratione loci para examinar a petição, uma vez que nela se alegam violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte no referido tratado.

 

27.             A CIDH tem competência ratione temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que teriam ocorrido os fatos alegados na petição.

 

28.             Finalmente, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição são denunciadas violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.

 

B.        Requisitos de Admissibilidade

 

1.        Esgotamento dos recursos internos

 

29.             O artigo 46(1) da Convenção Americana dispõe como requisito de admissibilidade de uma petição o esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna do Estado, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos.

 

30.             O item 2 do mesmo artigo estabelece que as disposições em relação ao esgotamento de recursos da jurisdição interna não se aplicarão quando:

 

a)      não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

 

b)      não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

 

c)      houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

 

31.             Os peticionários assinalaram que a denúncia teve sua origem no assassinato da presumida vítima por agentes do Estado, sem motivo aparente que o justificasse, que nenhuma resolução fora tomada sobre a investigação policial dos fatos até a data em que se estuda a petição, que o Ministério Público não havia iniciado a competente ação penal ou pelo menos apontado a existência de um responsável pelo ato praticado e que quase 8 (oito) anos haviam transcorrido desde a data do fato principal, sem que qualquer solução fosse dada ao assunto.

 

32.             O Estado não contestou a petição, apesar de haver sido notificado na forma legal e devida, razão pela qual não apresentou a exceção de falta de esgotamento dos recursos internos. A Corte Interamericana estabeleceu, em reiteradas oportunidades, que “a exceção de não esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna, deve ser alegada nas primeiras etapas do procedimento, à falta do que se presume a renúncia tácita ao recurso à mesma por parte do Estado interessado”. [4]

 

33.             Existem no expediente constâncias suficientes que determinam fidedignamente a ocorrência do fato, cuja investigação foi iniciada na esfera da polícia,[5] embora conste que a averiguação (inquérito) nunca foi concluída.[6]

 

34.             A Comissão entende que, embora os recursos internos não tenham sido esgotados neste caso, há na sua solução um atraso injustificado e por um período de tempo mais do que razoável, dadas as indicações de que a polícia iniciou a investigação pertinente, que se encontra excessivamente atrasada por diversas razões, sem que até esta data haja constância da sua conclusão, fato que logicamente impediu o Ministério Público de formular uma acusação e prosseguir com a ação penal pública, o que se presume verdadeiro ante a falta de contestação da denúncia por parte do Estado.

 

35.             Deduz-se dos autos que as autoridades tomaram conhecimento do fato em 14 de setembro de 1998.[7] Nesse sentido, a Comissão considera que, nas circunstâncias concretas do presente caso, um prazo de quase 8 (oito) anos até o momento de decisão na presente causa sem que se tenha sequer concluído a investigação dos fatos na esfera policial configura um atraso injustificado no processo criminal e constitui uma causa de exceção ao esgotamento dos citados recursos materializado na “demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos” a que se refere o artigo 46(2)(c) da Convenção Americana.

 

36.             Resta tão-somente assinalar que a invocação das exceções à regra do esgotamento dos recursos internos previstas no artigo 46(2) da Convenção tem estreita ligação com a determinação de possíveis violações de certos direitos nele consagrados, tais como as garantias de acesso à justiça. Entretanto, o artigo 46(2) da Convenção Americana é, por sua natureza e objeto, uma norma com conteúdo autônomo em relação às normas substantivas da Convenção. Por conseguinte, a determinação a respeito das exceções à regra do esgotamento dos recursos internos previstas na referida norma serem aplicáveis ao caso em tela deve ser feita previamente à análise do mérito do assunto e separadamente desta, já que depende de um padrão de apreciação distinto do utilizado para determinar a violação dos artigos 8 e 25 da Convenção. Cabe esclarecer que as causas e os efeitos que impediram o esgotamento dos recursos internos no presente caso serão analisados, no que for pertinente, no relatório que a Comissão aprovar sobre o mérito da controvérsia, a fim de constatar se efetivamente configuram violações da Convenção Americana.

 

2.        Prazo de apresentação da petição

 

37.             De acordo com o artigo 46(1)(b) da Convenção Americana, constitui um requisito de admissibilidade a apresentação das petições dentro do prazo de seis meses contado a partir da data da notificação ao presumido prejudicado da sentença sobre o esgotamento dos recursos internos. O artigo 32 (2) do Regulamento da Comissão consagra que “nos casos em que sejam aplicáveis as exceções ao requisito de esgotamento prévio dos recursos internos, a petição deverá ser apresentada dentro de um prazo razoável, a critério da Comissão. Para tanto a Comissão considerará a data em que haja ocorrido a presumida violação dos direitos e as circunstâncias de cada caso”.

 

38.             No presente caso, a Comissão pronunciou-se, conforme acima, sobre a aplicabilidade ao mesmo da exceção ao requisito de esgotamento dos recursos internos. Considera, a respeito, que a petição apresentada pelos peticionários em 26 de dezembro de 2001 foi interposta dentro de um prazo razoável, dadas as circunstâncias específicas do presente caso, no tocante particularmente à data em que os fatos ocorreram e à investigação policial inconclusa que estava a cargo do órgão competente.

 

39.             Sobre a petição que está sendo considerada, a CIDH concluiu que há um atraso injustificado no presente caso. Por conseguinte, cabe à Comissão Interamericana determinar se ela foi apresentada dentro de um prazo razoável. Observa-se, a esse respeito, que as autoridades do país tomaram conhecimento dos fatos denunciados em 14 de setembro de 1998,[8] sem que desde essa data sequer a investigação policial do caso haja sido concluída. A petição foi apresentada em 26 de dezembro de 2001, o que leva a Comissão a considerar que sua apresentação foi feita dentro de um prazo razoável em relação ao disposto no artigo 32 de seu Regulamento.

 

3.        Duplicação de procedimentos e coisa julgada internacional

 

40.             Não se infere do expediente que a matéria da petição se encontre pendente de outro processo de solução internacional ou que reproduza uma petição já examinada por este ou por outro organismo internacional. Cabe, por conseguinte, dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção.

 

4.        Caracterização dos fatos alegados

 

41.             Para os propósitos da admissibilidade, a CIDH deve decidir sobre a exposição de fatos que caracterizariam uma violação, conforme estipulado no artigo 47(b) da Convenção Americana, se a petição é “manifestamente infundada” ou se é “evidente sua total improcedência”, de acordo com a alínea c do mesmo artigo.

 

42.             O padrão de apreciação desses fundamentos é diferente do requerido para a decisão sobre o mérito de uma denúncia. A CIDH deve proceder a uma avaliação prima facie a fim de examinar se a denúncia fundamenta a aparente ou potencial violação de um direito garantido pela Convenção, e não para estabelecer a existência de uma violação. Esse exame é uma análise sumária que não implica prejuízo ou adiantamento de um parecer sobre o mérito.[9]

 

43.             A Comissão não considera que a petição seja “manifestamente infundada” ou que seja “evidente sua total improcedência”. Por conseguinte, considera-se, prima facie, que os peticionários atenderam às exigências do artigo 47, alíneas (b) e (c), da Convenção. 

 

44.             Levando em conta o acima exposto, a Comissão entende que, se forem comprovados os fatos expostos com relação à violação de direitos à vida, à integridade pessoal, à não discriminação, ao gozo de garantias judiciais e à proteção judicial, contra a presumida vítima e seus familiares, seria cabível a possibilidade de se estar diante de um desrespeito aos artigos 4, 5, 8, 24 e 25 da Convenção, em conexão com as obrigações gerais constantes dos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento.

 

V.        CONCLUSÕES SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE

 

45.             Com fundamento nas considerações de fato e de direito expostas, sem prejulgar o mérito da questão, a Comissão declara-se competente e conclui que o presente caso atende aos requisitos de admissibilidade enunciados nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

 

VI.      ANÁLISE SOBRE OS MÉRITOS

 

A.        Considerações prévias. Contexto em que ocorreu a situação

 

46.             Antes de arrogar-se a análise do caso, a Comissão assinala o contexto em que se perpetrou o crime denunciado, no qual a vítima, Wallace de Almeida, negro, de 18 anos de idade, conforme consta no Anexo VIII da petição,[10] soldado do Exército,[11] morreu em conseqüência de hemorragia provocada por um disparo de arma de fogo levado na perna,[12] durante uma operação policial, no quintal de sua própria casa.[13]

 

47.             A morte de Wallace de Almeida ocorreu em um contexto de violência na ação da polícia, cujos componentes, à época dos fatos referidos, a empregavam em suas operações de uma forma vista como desproporcionada. O argumento que os integrantes dessas corporações costumam invocar para justificar sua ação violenta, que geralmente resulta na morte do presumido delinqüente, é o da legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever que, segundo aduzem, os exime de responsabilidade em relação à mesma.[14]

 

48.             Embora a Comissão tenha informação que indique a existência de um clima generalizado de violência delinqüente no Estado do Rio de Janeiro, dispõe-se de evidências mais do que suficientes para concluir que na maioria das vezes a atuação violenta da polícia excede os limites do marco legal regulamentar e que seus agentes usaram, em não poucos casos, o poder, a organização e o equipamento de que dispõem em atividades ilegais. Ilustrando essa questão, a Comissão assim afirmou: Em 1994, dados parciais para 14 estados federais do Brasil indicam que ocorreram 6.494 homicídios de todo tipo e que em cerca da metade deles há atribuição de responsabilidade. Dos últimos, 8% são atribuídos a “policiais militares” e outros 4% a “esquadrões da morte”.[15] Uma porcentagem elevada desses casos ocorreu no estado do Rio de Janeiro. É firme a convicção deste órgão a respeito da grande maioria dos casos de morte referidos não haver sido produto da ação policial no estrito cumprimento do dever, pois é sabido que faz parte da ação desses elementos a prática das chamadas “execuções extrajudiciais”. Estas decorrem da participação de membros da polícia estatal em grupos de extermínio.[16]

 

49.             Os dados citados são reforçados pelos constantes do “Relatório de Desenvolvimento Humano 2005 – Racismo, pobreza e violência”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no qual se indica que houve, nas duas últimas décadas, um incremento de todas as formas de crimes no Brasil, especialmente os de homicídios. De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde do Estado, o país passou de 11,7 homicídios por 100 mil habitantes, em 1980, a 30,6 por 100 mil habitantes, em 2001.[17] Nesse período foram contabilizados 646.158 (seiscentos e quarenta e seis mil cento e cinqüenta e oito) assassinatos, quase 30 mil por ano. No ranking dos casos de homicídio elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o país só se encontra nesse aspecto numérico atrás da Colômbia, África do Sul e Venezuela.

 

50.             De modo geral, em casos como o presente no qual um suposto criminoso foi morto por um policial e ante a exigência de atribuição de responsabilidade, argumenta-se que sua morte resultou de um ato de legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever. A Comissão apóia-se no parecer de que tais explicações, dadas freqüentes vezes pelas autoridades nesses casos, materializam a existência de uma ação repressiva por parte dos órgãos de segurança do Estado, principalmente do segmento militar.  Não obstante as profundas transformações políticas por que passou o país desde o fim do governo militar, é perceptível que seus integrantes continuam a seguir o modelo repressivo posto em prática por aquele governo. Isso leva os membros dessas polícias a orientar sua ação para uma corrente de violência, com o suposto objeto de prevenir ou subjugar possíveis movimentos que eram então considerados subversivos. Daí o fato de que muitos policiais militares continuam a cometer abusos no desempenho de suas funções. Estes, inclusive, são notados quando se infere, da autópsia das vítimas, que estas foram mortas por disparos fatais em partes vitais do corpo ou nas costelas, verificando-se claramente que não haviam esboçado resistência e que estavam, em muitos casos, desarmadas.[18]

 

51.             Determinou-se de maneira patente que hoje, segundo opiniões abalizadas, os excessos cometidos por agentes da polícia do Estado estão voltados para a criminalidade comum, a qual, na visão de alguns setores policiais, e mesmo civis, é identificada com estereótipos de que provém dos “negros”, dos “desempregados”, dos “pobres”, das “meninas de rua” ou dos “meninos de rua”.[19]

 

52.             Na época em que os fatos em estudo ocorreram, um fenômeno alarmante havia atingido o Rio de Janeiro, a partir de maio de 1995, quando assumiu um novo Secretário de Segurança Pública, Nilton Cerqueira. Desde esse mês e ao longo de um período que se estendeu até fevereiro de 1996, o número médio mensal de mortos pela polícia “militar” subiu de 3,2 para 20,55 pessoas, um total de 201 pessoas em 1996.[20]

 

53.             De maneira especial, chama a atenção da Comissão o fato de que, embora o padrão habitual em confrontos armados seja o de uma proporção muito maior de feridos do que de mortos, o número de civis mortos pela polícia militar em confrontos no Rio de Janeiro, no período citado, foi três vezes maior do que o de civis neles feridos. Essa situação demonstraria de maneira patente um abuso no uso de força e, inclusive, um padrão de execuções extrajudiciais pela polícia do Rio de Janeiro. As citadas ações policiais abalaram a confiança da população em sua polícia – elemento-chave do império do direito –, que no Rio de Janeiro foi apontada como muito baixa. É oportuno assinalar que os casos de execuções extrajudiciais por policiais militares não estão limitados exclusivamente às horas em que  desempenham suas funções oficiais, mas também ocorrem fora delas. Esses casos são relatados com freqüência por fontes locais e internacionais e demonstram, no entender da Comissão, um padrão de conduta que merece uma atenção especial.[21]

 

B.        Estrutura da Polícia do Estado

 

54.             Convém fazer uma breve descrição da estrutura da segurança do Estado. A competência para exercer, organizar e garantir a segurança pública é distribuída entre a União e os estados, existindo uma Polícia Federal e, em cada estado, uma polícia civil e outra chamada de polícia militar. A Polícia Federal, nos limites da competência da União, está subordinada ao Ministério da Justiça e atua em todo o território nacional. Sua principal função é comprovar as infrações penais contra a ordem política e social, bem como contra os bens, serviços e interesses da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas, inserindo-se igualmente nesse âmbito outras infrações que tenham repercussão interestadual ou internacional ou exijam repressão uniforme segundo a lei dispõe. Também se encarrega de prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e seu contrabando e desvio. Inserem-se ainda no seu âmbito as policias marítima, aérea e de fronteiras, bem como o exercício das funções de polícia da União.

 

55.             As polícias estaduais dividem-se em polícia civil e polícia “militar”. Esta última cumpre tarefas próprias das polícias civis típicas, está diretamente subordinada ao Poder Executivo (Governador e Secretário de Segurança Pública de cada estado) e não é uma força interna do aparato militar nacional. Contudo, mantém o nome de polícia “militar” que lhe foi atribuído ao ser criada em 1977, durante o período de governo militar.[22]  A denominação de “militar” da polícia encarregada da segurança pública teve na realidade origem nos governos militares, quando as polícias se encontravam sob o seu controle direto.  Essa dependência direta desapareceu com a reforma da Constituição Federal, em 1988, quando as polícias passaram a subordinar-se às autoridades civis federais constitucionalmente eleitas.

 

56.             Cabe à “polícia militar” a responsabilidade do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública. Quer isso dizer que ela se ocupa, primordialmente, das tarefas diárias de patrulhamento e de perseguição a criminosos. No tocante à hierarquia, as polícias estaduais, tanto militares quanto civis, estão subordinadas aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.[23] O chefe das polícias estaduais é o Secretário de Segurança Pública, auxiliar direto do Governador e responsável pelos atos que pratica ou referenda no exercício de seu cargo.

 

57.             Cabe à polícia civil a função de polícia judicial do Estado, encarregando-se de investigar as infrações penais, com exceção dos crimes militares e dos que são de competência da Polícia Federal.

 

C.        A Operação Rio

 

58.             Mediante essa operação, em cujo contexto se afirma que houve a violação denunciada, o estado do Rio de Janeiro e o Governo Federal acordaram, em fins de 1994, uma ação coordenada a fim de que as Forças Armadas colaborassem com a polícia militar no combate ao tráfico de drogas e na eliminação de grupos criminosos existentes na cidade. As forças empregadas nessa operação singular, de importantes dimensões em termos logísticos, empreenderam dezenas de ocupações de favelas do Rio de Janeiro, muitas das quais duraram vários dias. Nos primeiros dois meses e meio da operação, em seu período mais intenso, foram detidas mais de 500 (quinhentas) pessoas e confiscadas cerca de 300 (trezentas) armas de fogo, apreendendo-se também 74 (setenta e quatro) quilogramas de maconha e mais de 7 (sete) quilogramas de cocaína. O tráfico de drogas nas favelas viu-se momentaneamente interrompido. A maioria dos observadores é, entretanto, coincidente em afirmar que os traficantes de drogas reiniciaram suas transações habituais, tão logo as tropas se retiraram das favelas.  A operação foi marcada por torturas, detenções arbitrárias e buscas e apreensões sem prévio mandado, bem como pelo uso desnecessário de força letal. Muitos desses abusos, como o da submissão de uma vizinhança inteira a uma inspeção casa por casa, foram expressamente autorizados e de fato ordenados com base nos objetivos estratégicos perseguidos pela operação. Outros abusos, como as torturas, não foram incluídos entre os objetivos estratégicos traçados. Apesar disso, é notório o insucesso das autoridades civis e militares em responder de maneira ágil e efetiva às denúncias de abusos e violações cometidos no curso dessa operação. A esses excessos somaram-se declarações públicas de oficiais entendidas geralmente como uma tentativa de justificar os desmandos praticados durante a operação. Em quase nenhum dos casos de abuso houve uma condenação judicial conexa, tudo sugerindo uma indiferença, por parte das autoridades brasileiras, às violações dos direitos humanos. Na pior das hipóteses, depreende-se uma aquiescência tácita de parte dessas autoridades a tais violações. Na operação acima referida, o Exército foi chamado a combater os grupos de traficantes de drogas em razão precisamente da notória violência e corrupção imperante na polícia local.[24]

 

59.             Em 8 de novembro de 1995 foi promulgado o Decreto Nº 21.753 que autorizava o pagamento de bonificação aos oficiais que demonstrassem bravura em serviço. Os fatos que estão sendo denunciados ocorreram no contexto dessa política, conforme assinalam os peticionários. O decreto em questão foi revogado pela Lei Nº 2.993, de 30 de junho de 1998, aprovada pela Assembléia Legislativa estadual. Os denunciantes afirmam que, paralelamente, o Secretário de Segurança Pública restabeleceu uma antiga disposição que permitia a promoção de policiais que praticassem atos de bravura em serviço. Na realidade dos fatos, essas gratificações e promoções foram usadas para premiar agentes que haviam matado suspeitos da prática de crimes, sem que as circunstâncias importassem. As fontes que se seguem indicam que foram examinadas 92 (noventa e dois) situações que resultaram em recomendação de promoção, entre 1995 e 1996. Nos casos em que houve envolvimento de “bravura”, a Polícia Militar do Rio de Janeiro matou 72 (setenta e dois) civis, enquanto sofreu, comparativamente, apenas seis baixas. Citando veículos da imprensa como fontes, assinala-se que tais políticas levaram a um grande aumento dos casos de civis mortos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro. A Comissão também tomou conhecimento de instâncias em que os policiais acusados de eliminar os presumidos “criminosos” foram premiados ou promovidos, como ocorreu, por exemplo, com um sargento que, apesar do seu envolvimento em 49 assassinatos como seu presumido responsável, recebeu o título de “Policial do Ano”.[25] Por sua vez, relata-se que o coronel Gilson Lopes, que o condecorou, tem 24 anos de carreira policial e 44 mortes à sua conta.[26]

 

60.             No parecer da Comissão, mesmo quando uma nítida aura de violência cerca todo o âmbito de ação do tráfico de drogas, constituindo uma séria ameaça para a população do Rio de Janeiro e de outras áreas do Brasil, as políticas em matéria criminal contra-ofensivas que ataquem essa situação sem que sejam observados o devido respeito e o cumprimento dos padrões internacionais de direitos humanos ratificados em tratados internacionais pelo Estado subvertem a congruência que este é consensualmente obrigado a respeitar em sua legislação, ao não se harmonizarem com os mesmos.

 

D.        Violência policial e raça

 

61.             A Comissão percebe uma importante influência do fator racial no assunto em tela. A esse respeito, já se ressaltou em ocasiões anteriores a existência de uma preocupação com a violência contra os jovens no Brasil, atribuindo-se uma ênfase especial ao nexo existente entre essa relação e os fatores raciais. Por essa razão, no seu Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, a Comissão sublinhou que os indicadores sociais mostravam que a população afro-brasileira era mais suscetível de ser suspeitada, perseguida, processada e condenada do que o restante da população.[27] Com base no grande volume de denúncias recebidas, a CIDH recomendou ao Estado brasileiro que “tomasse medidas orientadas para a educação dos funcionários da justiça e da polícia a fim de evitar ações que implicassem parcialidade e discriminação racial na investigação, no processo ou na condenação penal”.

 

62.             De igual modo, a Comissão observou que, conforme se depreendeu do Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos dos Afro-Brasileiros que lhe foi apresentado em seu 114° Período de Sessões por advogados de organizações brasileiras,[28] no Brasil o perfil racial respondia por um elevado número de detenções ilegais e a população negra era mais vigiada e abordada pelo sistema policial.

 

63.             Em outra investigação levada a efeito pelo ISER (Instituto de Estudos Religiosos, de autoria do Professor Ignacio Cano) comprovou-se que “a incidência da raça no uso da força policial letal talvez seja a fonte das violações mais graves dos direitos humanos no Brasil”. Após avaliar mais de 1.000 homicídios praticados pela polícia do Rio de Janeiro entre os anos de 1993 e 1996, o ISER conclui em seu relatório que “a raça constituiu um fator que – conscientemente ou não – incidia sobre a polícia quando esta atirava para matar. Quanto mais escura a pele de uma pessoa, mais suscetível ela se tornava de ser vítima de uma violência fatal por parte da polícia”. Isso, por sua vez, nos demonstra que a violência policial é discriminatória, dado que atinge em maior número e com maior violência os indivíduos com caracteres próprios da raça negra. Outro fator determinante, no contexto da análise da violência policial no Brasil, é a questão econômico-social, pois na grande maioria dos casos as vítimas são pessoas pobres que vivem nas favelas e zonas periféricas.

 

64.             Segundo os registros do sistema de saúde do Brasil baseados em certidões de óbito, há dados sobre a cor/raça das vítimas de homicídio em 20 (vinte) unidades da Federação. As estatísticas não deixam dúvidas: ser negro, jovem, do sexo masculino e solteiro significa ser um alvo preferencial da violência letal no Brasil. Dos 20 (vinte) estados analisados, somente em um, o Paraná, a proporção de brancos assassinados é maior do que a de negros. Note-se, entretanto, que nesse Estado a proporção de negros em relação à população total é de 24,7%. À população branca corresponderiam os outros 74,3%. Esses dados são do Censo Demográfico, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, IBGE, 2003.[29]

 

65.             A Comissão assinala que a maioria das vítimas da violência policial no território do Estado são jovens pobres, de raça negra ou mestiça, e que muitos deles não possuem antecedentes criminais. Segundo a UNESCO, 93% das vítimas de homicídio no Brasil em 2000 eram homens. Os jovens entre 15 e 24 anos de idade têm 30 vezes mais probabilidades de serem vítimas de homicídio. Os negros jovens estão sujeitos ao dobro de homicídios. Dos 17.900 jovens que morreram em 2002 vítimas de homicídio, 11.308 eram negros e 6.592, brancos.[30]

 

66.             A quantidade desproporcionalmente alta de indivíduos com traços próprios da raça negra entre as vítimas fatais das ações da polícia é um indício claro da tendência racista existente nos aparelhos de repressão do Estado. Pode-se argumentar que o grupo em questão não é o alvo mais freqüente da ação policial por causa do fenótipo, mas, sim, porque os negros e pardos fazem parte, na sua maioria, da população de mais baixa renda, razão por que estariam envolvidos em maior número nos crimes violentos. Outro estudo coordenado pelo já citado sociólogo Ignacio Cano[31] sugere, entretanto, que tal hipótese não tem sustentação. O referido estudo mostrou que no Rio de Janeiro a proporção de negros mortos pela polícia era maior do que a de brancos, tanto dentro como fora das favelas. A análise dos dados confirmou que a diferença na possibilidade de sobrevivência entre pessoas de fenótipo distinto é estatisticamente significativa e não depende do lugar onde ocorrem os confrontos com a polícia. A probabilidade de que morram negros nesses confrontos é muito maior nas favelas, uma vez que eles conformam a maioria da população local. Mas a diferença no número de brancos e negros mortos pela polícia em outras zonas também é ostensivamente marcante e formada, na maioria das vezes, por indivíduos do último grupo.

 

67.              Por mais que no caso submetido à análise não existam elementos objetivamente concludentes que determinem com absoluta fidedignidade que o assassinato de Wallace de Almeida se deveu à sua raça, esta oportunidade é propícia para que a Comissão ressalte novamente a sua preocupação com a grave relação existente no Brasil, especialmente na área do Rio de Janeiro, entre a violência policial e a raça das pessoas por ela afetadas, afirmação que foi confirmada pelo Estado na audiência realizada no 121° Período de Sessões da Comissão, em 21 de outubro de 2004.

 

E.         Impunidade e violência policial

 

68.              As forças de segurança brasileiras foram repetidas vezes acusadas de violar de forma sistemática os direitos dos cidadãos. Também é forte a convicção de que há um sistema que garante a impunidade dessas violações, bem como uma história de práticas violatórias por parte da polícia, conforme a justiça brasileira comprovou e o próprio Governo reconheceu em seu Plano Nacional de Direitos Humanos.[32]

 

69.              Quando da ocorrência de qualquer ato delituoso, abre-se um inquérito policial que é conduzido pela polícia civil. Esse inquérito pode ser instaurado de ofício por ordem escrita da autoridade policial competente, a pedido da vítima ou da parte ofendida, ou por ordem do juiz ou do Parquet do estado. Uma vez instaurada a investigação, a polícia deve coletar o maior volume possível de dados sobre o crime, proceder a todos os exames necessários na cena onde foi cometido e, havendo suficiente evidência, apontar quem for considerado responsável  por sua prática. A polícia deve tomar uma declaração da vítima e pode proceder a qualquer investigação que lhe pareça necessária ao esclarecimento dos fatos envolvidos na ocorrência. Dispõe, nos termos do artigo 10 do Código de Processo Penal brasileiro, de 30 (trinta) para concluir a investigação, se não houver nenhum detido, e de 10 (dez) dias, se tiver havido a detenção de algum suspeito. Na hipótese de que esse limite de tempo seja ultrapassado, o juiz (a pedido geralmente do Promotor) pode prorrogar a investigação por mais 30 (trinta) dias. Na prática, os prazos fixados pela lei para a conclusão da investigação policial nunca são cumpridos.[33]

 

70.              A Comissão constatou que são muitas as dificuldades que se antepõem à investigação da violência policial. Quando as autoridades decidem investigar os casos concretos, é pertinente ressaltar, primeiramente, que a responsabilidade pelo inquérito preliminar dos crimes cometidos por integrantes de uma corporação cabe a policiais da mesma força, os quais raras vezes investigam com diligência os crimes cometidos por policiais. Uma vez que esses casos fracamente documentados são enviados para o Ministério Público, nunca lhes é dada prioridade. Quando são apresentados com indícios, os tribunais brasileiros falham em cumprir sua obrigação legal de condenar e sentenciar policiais violentos. Além disso, encontram-se enormes dificuldades em reunir provas que identifiquem os responsáveis pelas violações dos direitos humanos. Uma de suas causas é o conceito errôneo de corporativismo policial que encobre a violência praticada por membros da polícia mediante a obstrução da justiça. Nesse sentido, os Princípios das Nações Unidas para a Prevenção Eficaz e a Investigação de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias aprovados em 24 de maio de 1989, mediante a Resolução 1989/65 do Conselho Econômico e Social, dispõem, inter alia, que deverá haver, em relação a atos semelhantes aos citados, uma investigação imediata e imparcial de todos os casos em haja suspeita de execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias e que tal investigação se orientará para determinar a existência de qualquer padrão ou prática que tenha levado à ocorrência de morte. O parágrafo 11 do referido texto assim estabelece:

 

“Em casos nos quais os procedimentos investigativos são inadequados devido à falta de perícia ou à imparcialidade, em razão da relevância do fato ou da existência de um padrão de abusos, quando houver queixas de parte das famílias das vítimas que apontem a existência dessas inadequações ou de outros motivos fortes, os governos devem proceder a investigações por meio de uma comissão de investigação independente ou de um procedimento semelhante. Os membros dessa comissão devem ser selecionados em virtude de sua reconhecida imparcialidade, competência e independência. De modo particular, devem ser independentes de qualquer instituição, agência ou pessoa que esteja sendo investigada. A comissão em questão deve ter autoridade para obter toda a informação de que necessite para a investigação, que deve conduzir em conformidade com o disposto nestes princípios”.

 

71.              No tocante às investigações levadas a cabo no âmbito territorial do Estado, a Comissão também recebeu informações, por exemplo, de que a tortura é utilizada com freqüência pelas unidades policiais do Estado como método investigativo. De acordo com essas informações, quando as autoridades querem averiguar as denúncias de torturas, encontram dificuldades e mesmo desobediência aos mandados judiciais.[34]

72.              Outro obstáculo real enfrentado consiste em que no Brasil prevalece a chamada “lei do silêncio”, segundo a qual as testemunhas oculares se negam a esclarecer as circunstâncias dos atos que presenciaram por temor a possíveis represálias. Este é tão forte que muitas vezes as próprias vítimas da violência policial preferem calar-se a ser alvo de represálias.[35] No Brasil ainda não existe um sistema efetivo de proteção às testemunhas.

 

73.              O medo de prestar testemunho tem fundamento, já que nos casos em que a “lei do silêncio” não é respeitada, a testemunha põe em risco a própria vida. É ilustrativo o fato ocorrido, em 6 de novembro de 1994,  com o jovem Eduardo de Araújo, de 14 anos de idade, sobrevivente da chamada “chacina da Candelária”. Este jovem foi baleado e morto por dois homens que todos os dias passavam pela rua onde ele morava, fazendo disparos para o alto. No dia em que Eduardo foi assassinado, os homens repetiram a rotina, porém mandaram que ele corresse, transformando-o em um alvo móvel.[36]

 

74.              Nas considerações da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas acerca do relatório apresentado pelo Brasil sobre o artigo 40 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, publicadas em 11 de abril de 2005, consignou-se que um dos problemas centrais que levam à violência policial está na chamada “lei do silêncio”, que induz as testemunhas oculares de atos puníveis a se negarem a esclarecer os fatos do incidente que presenciaram por temor de uma represália. O Comitê mencionou expressamente que a criação de um programa eficaz para proteger essas testemunhas é essencial ao enfrentamento do problema. Segundo esse relatório, o primeiro programa de proteção às testemunhas em vigor no Brasil foi implementado no estado de Pernambuco, em fins de 1990, mediante uma iniciativa conjunta do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), uma organização não-governamental, e do Governo estadual. Esse programa é conhecido pela sigla PROVITA (o mesmo nome foi dado ao programa de proteção em nível nacional). Também o estado do Rio Grande do Sul, nesse ínterim, aprovou a primeira lei brasileira que previa a assistência às vítimas de violência, juntamente com um programa de proteção às testemunhas, precisamente no ano de 1998. Este foi chamado de PROTEGE. Na data da publicação do relatório acima citado, havia no Brasil 16 (dezesseis) programas estaduais de proteção às testemunhas funcionando em conjunto com o Governo Federal.  Há também um programa federal de proteção às testemunhas responsável pelos casos nos estados que não disponham de um próprio. Todos os programas de proteção às testemunhas no Brasil carecem do necessário investimento que lhes deve ser proporcionado por seus responsáveis, fato que diminui o seu potencial de expansão. De igual modo, não há nenhum procedimento que permita a concessão de novas identidades às testemunhas e seus familiares. Deixando de lado as limitações relatadas, os programas de proteção às testemunhas são um fato recente no Brasil, além de um instrumento essencial ao combate à impunidade que tem dado importantes resultados.[37]

 

75.              Por outro lado, quando uma testemunha se dispõe a colaborar com a justiça na identificação de criminosos, depara-se com a lentidão do próprio processo judicial e com a possível espera durante meses por sua convocação para depor, além de carecer de qualquer serviço de proteção, o que a desestimula de colaborar com a justiça. Foi este o caso de Wagner dos Santos, lavador de carros de 23 anos de idade e principal testemunha da “chacina da Candelária”, que foi vítima de atentado. Depois dessa chacina, Santos mudou-se para a Bahia em busca de proteção, porém 15 dias depois de haver regressado ao Rio de Janeiro e enquanto residia na Casa de Proteção à Testemunha, sob a proteção da Guarda da Justiça do Estado, sofreu um segundo atentado praticado por policiais militares envolvidos nessa chacina.[38]

 

76.              A Comissão tem conhecimento de que uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os assassinatos de crianças e adolescentes no Brasil chegou à conclusão de que grande parte da responsabilidade por crimes desse tipo recaía sobre integrantes da polícia militar, concluindo, ademais, que os policiais acusados de praticá-los eram apoiados em diversas frentes, a começar pelas deficientes investigações policiais e, em seguida, pela maneira indulgente com que eram tratados pela justiça militar.

 

77.              A desconfiança da polícia em relação à população marginalizada e ao respeito à lei gera, por sua vez, a conseqüente desconfiança da população contra a polícia. Embora essa desconfiança varie de um estado para outro, é muito forte na maioria deles e reflete a situação de insegurança em que se vive em alguns estados, insegurança essa propícia à violação dos direitos humanos. No estado da Bahia, por exemplo, pesquisas realizadas em 1995 revelaram que 85% da população não confia na polícia “militar” e 82% não confia na polícia civil, o que levou o Legislativo a constituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para tratar da matéria. Essas cifras confirmam as que foram citadas antes relativamente ao Rio de Janeiro.

 

78.              Considera-se que o fator que mais estimula a violência policial contra pessoas suspeitas da prática de atos passíveis de punição é a impunidade que favorece os policiais que cometeram graves violações dos direitos humanos dessa categoria de vítimas. A impunidade resulta da ineficácia geral do sistema brasileiro de justiça que é fortemente acentuada quando passam a influir no caso de que se trate fatores associados ao fato de a vítima ser pobre e moradora de uma favela e de os suspeitos da prática do crime serem policiais.

 

79.              Em outro relatório já citado, assinalou-se que no Brasil a justiça militar é administrada de maneira a tornar quase impossível as condenações de policiais por motivo de crimes violentos praticados contra civis.[39] Os crimes cometidos por integrantes da polícia são investigados por membros dessa mesma força que, surpreendentemente, quase sempre concluem que os homicídios resultaram de fogo cruzado.

 

80.              Segundo a imprensa brasileira, em casos de crimes praticados por policiais tanto militares como civis, o caminho da impunidade é freqüentemente traçado já na origem do ato de violência policial. Após a morte de um suspeito, a polícia geralmente leva a vítima a algum hospital próximo para que receba os “primeiros socorros”. Essa prática desacredita a investigação da cena do crime, enquanto faz parecer que a polícia se preocupa com o bem-estar da vítima. No Rio de Janeiro, em dezenas de casos que resultaram em promoções, os policiais transportaram vítimas de tiroteios para hospitais locais onde foram declaradas mortas. Em julho de 1996, a Dra. Maria Emília Amaral, diretora do Hospital Souza Aguiar, situado no centro do Rio de Janeiro, informou que em um período de 20 (vinte) dias a polícia havia trazido 10 (dez) corpos para a emergência do seu hospital. Essa médica escreveu ao Secretário de Segurança Pública, Nilton Cerqueira, para solicitar-lhe que determinasse a seus policiais a suspensão da remoção de cadáveres para a área de emergência do hospital, para primeiros socorros.[40]

 

81.              Conforme descrição feita em um estudo realizado pelo Juiz Criminal do Estado do Rio de Janeiro Sergio Verani, que analisou dezenas de casos de assassinatos cometidos por policiais ao longo de duas décadas, o caminho para a impunidade começa freqüentemente com o preenchimento de um “auto de resistência à prisão” antes da imediata instauração de uma investigação de homicídio cometido por policiais. Esse formulário, elaborado para os casos em que indivíduos resistem a ordens de prisão legalmente tramitadas, é utilizado para transferir a responsabilidade da polícia para a vítima:

 

O procedimento adotado pelas autoridades policiais na situação em análise é uniforme: ao invés de prender os policiais responsáveis pelo homicídio cometido em flagrante, um “auto de resistência à prisão” é preenchido, encerrando-se o assunto. Uma investigação policial é instaurada, mas nada investiga e averigua, dado que geralmente o policial que assina o formulário é citado como testemunha. Ninguém é indiciado, e quando alguém o é, costuma ser a própria vítima.[41]

 

82.               Informa-se, na citada fonte, que quando um auto de resistência à prisão não é utilizado (e mesmo em alguns casos quando o é), o passo seguinte para a impunidade é a investigação policial. Nos casos de violência policial, como em todos os demais crimes, a própria polícia leva a cabo a investigação de seus abusos: tanto a polícia militar como a civil investigam seus próprios pares. A Comissão assinala que, previsivelmente, a tendência dessas investigações policiais é de cumprir com as exigências legais, antes de investigar e corroborar a ação policial ou de identificar o indivíduo responsável pela conduta abusiva. É sabido que em muitas das investigações empreende-se um esforço sério no sentido de determinar os antecedentes criminais da vítima, caso existissem. Uma vez estabelecido que a vítima era um “marginal”, encerravam-se as investigações. Esse procedimento tem implícita a noção de que os policiais podem matar criminosos sem temer as conseqüências, dada a habitual deficiência dessas investigações.

 

83.              Outro sério impedimento a uma diligente investigação e ação penal em casos de abusos praticados por policiais é a falta de autonomia dos peritos criminais. Estes, na maioria dos estados brasileiros, estão subordinados à polícia, embora a Associação Brasileira de Peritos em Criminalística venha desde 1989 insistindo na necessidade de independência funcional para seus membros. Segundo notícias de jornais, um exemplo da mediocridade do trabalho realizado por esses peritos sem autonomia envolve o caso do massacre, pela polícia, de 21 (vinte e um) moradores de Vigário Geral, uma favela do Rio de Janeiro, ocorrido em julho de 1993.  Três anos depois desse fato, um juiz ordenou a exumação de 17 (dezessete) corpos dentre as vítimas. Os exames realizados em 7 de outubro de 1996 revelaram a presença de 9 (nove) balas e 2 (dois) fragmentos que a perícia criminal inicialmente feita não havia encontrado nesses corpos, antes de serem enterrados.[42]

 

84.              Entendemos que existem dados suficientes indicando que, no Brasil, cabe ao próprio Poder Judiciário parte da responsabilidade pela impunidade de abusos cometidos por policiais.[43] Em muitos casos, mesmo quando todos os obstáculos processuais são superados,  o favorecimento judicial aos policiais envolvidos permite a impunidade. Esse fato é particularmente verdadeiro nos tribunais militares cujas raras instâncias de condenação de oficiais que cometeram abusos contra direitos humanos são de conhecimento público. Muitos juízes de competência ordinária também demonstram favoritismo em relação a policiais, sobretudo quando suas vítimas são pessoas suspeitas da prática de crimes comuns.

 

VII.     FATOS ESTABELECIDOS

 

85.              O Estado não contestou na devida forma a petição, embora seus representantes tenham comparecido à audiência realizada no 121° Período de Sessões da Comissão, em 21 de outubro de 2004, na qual admitiram os fatos sustentados na petição, havendo inclusive o Presidente lhes observado na ocasião que até aquele momento não se tinha por contestada a petição no referente ao Estado.

 

86.              O artigo 39 do Regulamento da Comissão determina o seguinte: “Presumir-se-ão verdadeiros os fatos relatados na petição, cujas partes pertinentes hajam sido transmitidas ao Estado de que se trate, se este, no prazo máximo fixado pela Comissão de conformidade com o artigo 38 do presente Regulamento, não proporcionar a informação respectiva, desde que, de outros elementos de convicção, não resulte conclusão diversa”. Nesse mesmo sentido, a Corte sustentou que “...o silêncio do demandado ou a sua contestação elusiva ou ambígua podem ser interpretados como aceitação dos fatos da demanda, pelo menos enquanto o contrário não for inferido dos autos ou não resultar da convicção judicial...”[44]. Ao não ter contestado a petição e existindo o assentimento do Estado à situação factual da matéria, deve-se presumir como verdade que:

 

Wallace de Almeida era um jovem negro, soldado do Exército, de 18 (dezoito) anos de idade,[45] que foi ferido na coxa direita[46] por policiais do 19° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1998, no Morro da Babilônia, favela situada na Zona Sul da mencionada cidade onde tinha sua residência, durante uma operação policial no lugar de referência,[47] onde permaneceu sem que lhe fosse prestada assistência médica, cujo resultado foi a sua morte por hemorragia.[48]

 

87.             No dia em que foi morta, a presumida vítima subia o Morro da Babilônia, durante a tarde, em direção à sua casa, quando encontrou sua prima em um bar e parou para cumprimentá-la. Enquanto estavam nesse local, chegou um grupo de policiais que seguia para o alto do morro e ordenou a todos os presentes que fossem para suas casas,[49] tendo tanto Wallace quanto sua prima obedecido a essa ordem. Os policiais continuaram a subir, agora atrás dos dois. Havendo chegado à casa da prima situada antes da sua e ante o oferecimento de sua parenta de que ali se refugiasse, a presumida vítima se negou a fazê-lo, dizendo que devia apresentar-se de manhã cedo no quartel onde prestava serviço militar, mas que nada lhe aconteceria porque portava seus documentos de identidade, tendo seguido seu caminho. A mãe de Wallace, que se encontrava na casa de um amigo situada em frente à sua, chegou a ver o filho aproximar-se da porta de sua casa quando começaram os disparos de armas de fogo. A família da presumida vítima, à exceção de sua mãe, estava na casa.[50] A luz elétrica foi cortada em conseqüência dos disparos, quando um grito foi ouvido em meio ao tiroteio e este cessou. Preocupado porque nem todos os moradores da casa se encontravam presentes, um primo da presumida vítima, de nome Fagner, olhou por um orifício na porta e viu o corpo de uma pessoa caído no quintal, quando então abriu a porta e um policial armado entrou na casa perguntando onde estavam os bandidos.[51] Enquanto isso acontecia, Fagner podia ver que havia outros policiais no quintal da casa, aos quais disse que haviam atirado num membro do Exército.  Alguns policiais queriam aparentemente ajudar a presumida vítima, mas outros os impediam. Os familiares procuraram socorrê-la, pois aparentava estar viva, embora perdesse muito sangue. Depois de transcorridos mais de 20 (vinte) minutos, os policiais decidiram socorrer Wallace, tomando-o pelos braços e pernas para carregá-lo, depois arrastando-o e jogando-o no compartimento de transporte de presos da viatura policial. Dali foi ele levado para o Hospital Miguel Couto, aonde chegou com vida às 22h16min, vindo a falecer às 2h25min do dia 14 de setembro, em conseqüência de uma hemorragia externa.[52]

 

88.             A investigação policial do caso foi instaurada em 14 de setembro de 1998, conforme consta da portaria da Delegacia da Polícia Civil, que se reportava ao Boletim de Ocorrências N° 975.461/98,[53] da mesma dependência, do qual constava a morte da presumida vítima.[54] A investigação dessa ocorrência, que recebeu o número 544/98, permanece até a presente data inconclusa, sem que o Ministério Público tenha apresentado uma denúncia ao Judiciário.

 

89.             Excessiva violência foi empregada na operação empreendida pela força policial militar que vinha trabalhando em conjunto com a Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, no âmbito da “Operação Rio”, desde o final de 1994.

 

90.             O Estado vinha adotando uma política que estimulava, mediante gratificação e promoção por bravura em serviço, a prática de abusos contra direitos humanos de supostos delinqüentes.

 

91.             Tanto a questão racial quanto a social tiveram incidência no episódio, pois o fato de  Wallace de Almeida ser negro, pobre e morador de uma zona marginalizada levou ao seu abandono até a morte, sem que os policiais que o haviam ferido lhe prestassem assistência.

 

92.             Em razão do exposto, a Comissão entende que se deixou a presumida vítima morrer por falta de assistência e em conseqüência de hemorragia provocada por um ferimento à bala causado por policiais, encontrando-se até a data da redação deste relatório paralisada e inconclusa a investigação do caso, que foi paupérrima, não lhe tendo sido dada a devida diligência. Essa investigação foi marcada por atrasos, falhas e negligências, o que impediu, até a presente data, que se tivesse apontado um responsável pela prática dos atos denunciados.


CONTINUA...


[1] Conforme o disposto no artigo 17(2)(a) do Regulamento da CIDH, o membro da Comissão Paulo Sérgio Pinheiro, de nacionalidade brasileira, não participou da discussão ou da decisão sobre este caso.

[2] Ofício encaminhado pelo Delegado da 12ª Delegacia de Polícia ao juiz competente solicitando prorrogação, Anexo XI da petição.

[3] Ofício encaminhado pelo Delegado da 12ª Delegacia de Polícia ao juiz competente do qual consta essa informação, Anexo XIV.

[4] A Corte Interamericana assim se pronunciou: “[A] exceção de não esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna, deve ser alegada nas primeiras etapas do procedimento, à falta do que se poderá presumir a renúncia tácita ao recurso à mesma por parte do Estado interessado”.  Ver: Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, Série C, Nº 1, parágrafo 88; Caso Fairén Garbi e Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, Série C, Nº 2, parágrafo 87; Caso Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, Série C, Nº 3, parágrafo 90;  Caso Gangaram Panday, Exceções Preliminares, Sentença de 4 de dezembro de 1991, Série C, Nº 12, parágrafo 38;  Caso Neira Alegría e Outros, Exceções  Preliminares, Sentença de 11 de dezembro de 1991, Série C, Nº 13, parágrafo 30;  Caso Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença de 30 de janeiro de 1996, Série C, Nº 24, parágrafo 40;  Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de Janeiro de 1996, Série C, Nº 25, parágrafo 40.

[5] Portaria de Instauração do Inquérito Policial, Declaração de Integrante da Polícia Militar, Boletim do 14° Distrito Policial, Anexos X, VI, VII da petição.

[6] Ofícios enviados por policiais da 12ª Delegacia de Polícia ao juiz da causa, Anexos XI, XII, XIV da petição.

[7] Portaria de Instauração do Inquérito Policial, Anexo X da petição.

[8] Portaria de Instauração do Inquérito Policial, Anexo X da petição.

[9] CIDH, Relatório N° 21/04, Petição 12.190, Admissibilidade, José Luís Tapia González e outros, Chile, 24 de fevereiro de 2004, parágrafo 33.

[10] Laudo de Exame Cadavérico.

[11] Anexo II da petição, declarações do comandante do Arsenal de Guerra onde a vítima servia.   Anexo IX da petição, Certidão de Óbito.

[12] Anexo IX da petição, Certidão de Óbito.

[13] Anexos III, IV, VI da petição, Declarações de Testemunhas.

[14] Diário do Congresso Nacional (Seção i), dezembro de 1992, terça-feira, 1o. 25433. Justificativa do Projeto de Lei Nº 3.322, de 1992, dos doutores Hélio Bicudo e Cunha Bueno.

[15] Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, CIDH, 29 de setembro de 1997.

[16] Relatórios oriundos da Human Rights Watch intitulados “Police brutality in urban Brazil”, de abril de 1997, e ”Fighting violence with violence. Human rights abuse and criminality in Rio de Janeiro”, de janeiro de 1996.

[17] *Cano, Ignacio. 1997. Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ISER.

   *Cano, Ignacio e Meireles, Elisabeth. 2004. "Análise de viés racial nas sentenças penais". UERJ. Mimeo.

   *Cardia, Nancy (coord.). 1999. Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à Violência. Brasília. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.

   *Carvalho, J.A.M., Wood, C.H. e Andrade, F.C.D. 2004. "Estimating the stability of census-based racial/ethnic classifications: The case of Brazil”. Population Studies 58. (3): 331-43.

[18] Humans Right Watch, “Informe Anual 1998. Hechos de 1997. Brasil”.

[19] Hélio Bicudo. O Brasil Cruel e Sem Maquiagem, São Paulo, Editora Moderna, pág. 68 (1994).

[20] Human Rights Watch. Police Brutality in Urban Brazil. pág. 44, April 1997.

[21] Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, CIDH, 29 de setembro de 1997.

[22] Embora os membros das “polícias militares” exerçam funções civis e estejam subordinados ao Governador do estado, suas atividades são chamadas de serviços militares estaduais, apesar de não haver uma relação típica com as Forças Armadas, que são federais e subordinadas ao seu comandante em chefe, o Presidente da República. A Constituição estabelece que essas polícias estaduais também atuem como forças auxiliares de reserva do Exército a fim de assegurar a ordem pública e a paz social ameaçadas (artigo 144, parágrafo 6, e artigo 42 da Constituição do Brasil).

[23] Constituição do Brasil, artigo 144, parágrafo 6º.

[24] *Conforme se depreende do relatório da Human Rights Watch,”Fighting violence with violence. Human rights abuse and criminality in Rio de Janeiro”, de janeiro de 1996.

   *Coimbra, C. Operação Rio: O mito das classes perigosas. Intertexto/Oficina do Autor: Niterói/Rio de Janeiro, 2001.

   *Jorge Atilio Silva Lualineli, Luiz Paulo Guanabara, Paulo César Pontes Fraga e Tom Blickman. “Drogas e conflito”; “Uma guerra inútil. Drogas e violência no Brasil”. Documentos de debate. Editora Amira Armenta. “O Brasil urbano: narcotráfico e violência”. Paulo Cesar Pontes Fraga, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Santa Cruz/BA. Págs. 16/25.

   *C. Caldeira: “Operação Rio e cidadania: as tensões entre o combate à criminalidade e a ordem jurídica”, em Elisa Reis, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Peter Fry (orgs.): Política e Cultura: Visões do Passado e Perspectivas Contemporâneas, Hucitec-Anpocs, São Paulo, 1996, págs. 50-74.

[25]  O caso do cabo Adeval de Oliveira é um exemplo claro da premiação de um policial militar, não obstante a sua conduta violenta. Em 1992, ele matou o traficante Edmilson com um tiro na cabeça e outro no coração. Uma testemunha declarou em seu depoimento que havia visto Edmilson levantar as mãos e pedir que não o matassem, mas o cabo disparou assim mesmo.

[26] Documentos do processo No. 25.122.85-3 descrevem a história do estudante Delton da Mota, de 20 anos de idade, que foi morto por uma patrulha, liderada pelo oficial Gilson Lopes, quando conversava com três amigos perto de sua casa. Nenhum dos quatro amigos portava armas, consumia tóxicos ou possuía antecedentes criminais. Delton foi atingido por quatro projéteis e morreu em conseqüência de traumatismo craniano e hemorragia interna aguda. Segundo o coronel Lopes, a morte de Delton foi um ato de legítima defesa. Até hoje a justiça não o condenou em nenhum dos 42 processos que tramitam contra ele. A reputação do coronel Lopes começou a formar-se em 1978, quando matou Paulo Bueno, de 18 anos de idade (filho de um sargento da Polícia Militar) e dois menores. Os três estavam em um veículo roubado por um conhecido deles. Os menores foram descobertos pela patrulha de Lopes e executados sem nenhuma possibilidade de defesa. Conforme testemunhas declararam, um dos jovens foi morto quando tendo subido na carroceria de um caminhão gritava por socorro.

[27] Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, Capítulo IX, parágrafo 24.

[28] Audiência geral sobre os direitos humanos dos afro-brasileiros, realizada em 8 de março de 2002, na sede da CIDH, em seu 114° Período de Sessões.

[29] “Relatório de Desenvolvimento Humano 2005 - Racismo, pobreza e violência”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

[30] Anistia Internacional, La Revista, número 77, fevereiro-março de 2006.

[31] Cano, Ignacio. 1997. Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ISER.

Cano, Ignacio e Meireles, Elisabeth. 2004. “Análise de viés racial nas sentenças penais". UERJ. Mimeo.

[32] Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, Capítulo III, parágrafo I.

[33] Relatório “Police brutality in urban Brazil”; Human Rights Watch, abril de 1997.

[34] Foi este o caso enfrentado no Estado do Rio de Janeiro pelo promotor de justiça Nilo Cairo, que procurando comprovar a tortura sofrida por André Melo Nascimento, em janeiro de 1995, requereu ao Juiz de Direito da 20ª Vara Criminal da capital do Estado que determinasse a realização de um exame de lesões corporais. Acatado seu pedido, dirigiu-se ao Hospital Central do Exército, juntamente com dois médicos e um fotógrafo designado pelas autoridades, para que o citado exame fosse realizado. Apesar disso, um tenente-coronel do Exército não permitiu seu acesso ao paciente, sob a alegação de que a ordem judicial devia estar dirigida ao seu comando para que fosse autorizada. Embora tivesse sido alertado pelo promotor de que a sua atitude configurava desobediência à ordem legal e obstrução da justiça, o militar permaneceu irredutível. (Ofício da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro/PRDC/Nº 128, documento nº XIII, de abril de 1995).

[35] Outro exemplo desta situação é o caso de J.H., proprietário de um bar em uma favela no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, que em 1996 foi atingido por uma bala perdida disparada da arma de um policial que patrulhava a favela.  Quando se encontrava no hospital para tratar de seu ferimento, foi agredido a golpes no rosto por cinco policiais civis armados que o confundiram com outra pessoa que haviam acabado de balear no morro. Os policiais só pararam de desferir golpes em J.H. quando um médico do hospital lhes mostrou seus documentos e o registro da vítima, explicando que esta ali se encontrava em tratamento. A fim de evitar represálias, J.H. preferiu não apresentar denúncia e manter-se no anonimato.

[36] Gilberto Dimenstein, Democracia em Pedaços, São Paulo, Editora Companhia das Letras, 1996.

[37] Human Rights Committee. “Consideration of reports submitted by states parties under article 40 of the covenant. Second periodic report.  Brazil”, 11 de abril de 2005.

[38] Gilberto Dimenstein, Democracia em Pedaços, São Paulo, Editora Companhia das Letras, pág. 79, 1996.

[39] "Urban police violence in Brazil: Torture and police killings in São Paulo and Rio de Janeiro after five years," A Human Rights Watch Short Report, vol. 5, nº  5 (Human Rights Watch, Nova York, 1993).

[40] "Polícia deixa cadáveres na emergência de hospital", O Globo (Rio de Janeiro), 11 de julho de 1996.

[41]  Sérgio Verani, Assassinatos em Nome da Lei (Rio de Janeiro: Adelarã, 1996),  pág. 33.

[42] "Vigário: juiz exige que os corpos sejam exumados", O Globo, 11 de setembro de 1996; "Exumação traz novas balas", Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 8 de outubro de 1996; "Peritos deixaram 9 balas nos corpos de chacinados", O Globo, 8 de outubro de 1996; e "Exumados corpos de vítimas de chacina", Folha de São Paulo, 8 de outubro de 1996.

[43] Human Rights Watch. “Police brutality in urban Brazil”, abril de 1997.

[44] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C, Nº 4.

[45]Anexo VIII da petição, Laudo de Exame Cadavérico, Anexo IX da petição, Certidão de Óbito.

[46] Anexo VII da petição, Registro Policial da 14ª Delegacia de Polícia, e Anexo IX da petição, Certidão de Óbito.

[47] Anexo III, Declaração da Mãe da Vítima, IV, Declaração de Testemunha, VI, Declaração do Integrante da Polícia Militar Luís Fernando dos Santos (todas constantes da petição).

[48] Anexo IX da petição, Certidão de Óbito.

[49] Anexo III da petição, Declaração da Mãe da Vítima.

[50] Anexo IV da petição, Declaração de Testemunha.

[51] Anexo V da petição, Declaração de Testemunha.

[52] Anexos VII, Registro da 14ª Delegacia de Polícia, VIII, Laudo de Exame Cadavérico, e IX, Certidão de Óbito (todos constantes da petição).

[53] Anexo X da petição, Portaria de Instauração do Inquérito Policial.

[54] Anexo VIII da petição, Laudo de Exame Cadavérico, pág. 3.