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RELATÓRIO Nº 26/09 - CASO 12.440 ADMISSIBILIDADE E MÉRITO (PUBLICAÇÃO) WALLACE DE ALMEIDA


 

VIII.   VIOLAÇÕES DE DIREITOS DA CONVENÇÃO AMERICANA

 

A.        Direito à vida (artigo 4 da Convenção Americana)

 

93.            A Convenção Americana estabelece, em seu artigo 4, o seguinte:

 

“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”

 

94.            O direito humano à vida é um direito fundamental, base para o exercício dos demais direitos humanos. A Corte Interamericana já declarou que o gozo do direito à vida é um pré-requisito para o exercício de todos os demais direitos humanos. Se não for respeitado, todos os demais direitos deixam de ter sentido. Dado o caráter fundamental do direito à vida, não são admissíveis enfoques que o restrinjam. Em essência, o direito fundamental à vida compreende não só o direito que assiste a toda pessoa de não ser arbitrariamente privada da vida, mas também o de que não lhe seja impedido o acesso a condições que lhe assegurem uma existência digna. Os Estados têm a obrigação de garantir que se criem as condições necessárias para que não ocorram violações desse direito básico e, em particular, o dever de impedir que seus agentes atentem contra ele.[55] 

 

95.            O direito à vida implica para os Estados a obrigação de garanti-lo. Isso, de acordo com o artigo 1(1) da Convenção Americana, acarreta a obrigação de prevenir violações desse direito, investigar as que forem cometidas, punir seus responsáveis e proporcionar reparação aos familiares da vítima, quando os responsáveis forem agentes do Estado.

 

96.            No presente caso os peticionários sustentam que Wallace de Almeida, de 18 anos de idade, negro e pobre foi, durante uma operação realizada no bairro onde morava, atingido na coxa direita por um tiro disparado por agentes da Polícia Militar que, sem lhe prestar assistência, o deixaram morrer em conseqüência de uma hemorragia, o que confere a esse fato as características de uma execução sumária.

 

97.            Aduziram também que a investigação policial não produziu resultados, não se havendo sequer chegado à Denúncia pelo Ministério Público de alguma pessoa como responsável, o que levou a que o crime permanecesse impune.

 

98.            A Comissão deu por estabelecido que foram os policiais militares que assassinaram Wallace de Almeida em 14 de setembro de 1998. De fato, consta do presente caso um depoimento do sargento da Polícia Militar Luís Fernando dos Santos Silva, que tomara parte na operação na qual a presumida vítima foi ferida e havia relatado que, para os policiais se resguardarem da situação criada, o comando da operação dela fora informado, o que havia motivado, segundo o seu depoimento, a remoção da vítima para um hospital.[56] Consta do Anexo VII da petição[57] que a vítima deu entrada no hospital às 22h16min e faleceu às 2h45min. No Anexo VIII da petição, laudo do exame cadavérico, é dito que sua morte violenta foi conseqüência de um tiro recebido na coxa direita, com lesão da artéria femoral direita e de vasos venosos femorais que produziu uma hemorragia externa. Iguais dados constam da certidão de óbito incluída no Anexo IX da petição. Ao ter por certa a afirmação dos peticionários de que a vítima não foi socorrida pela polícia após ter sido ferida, tendo permanecido durante várias horas estendida no chão sem assistência, deve-se concluir que Wallace de Almeida faleceu em conseqüência do ferimento em questão.

 

99.            O Estado não questionou nenhuma das provas juntadas pelos peticionários, o que, ante a falta de contestação da petição e a ausência de algum elemento que as impugnem, lhes dá plena fé, demonstrando a veracidade do que é afirmado. Os indícios que delas se depreendem podem bem servir à elucidação do caso. A jurisprudência da Corte assim sustentou: “A prática dos tribunais internacionais e internos demonstra que a prova direta, seja testemunhal ou documental, não é a única apta a ser legitimamente considerada para fundamentar a sentença. A prova circunstancial, os indícios e as presunções podem ser utilizados desde que deles se possam inferir conclusões consistentes sobre os fatos”.[58] Conforme afirmado na petição e corroborado por seus anexos, o tiroteio durante o qual a vítima foi ferida aconteceu às 21h00min,[59] e sua entrada no hospital deu-se às 22h16min.[60] Isso leva a inferir que houve um longo lapso até lhe fosse prestado algum auxílio, considerando-se principalmente que tampouco foram contestadas as afirmações dos peticionários de que a vítima havia sido transportada para o hospital em precárias condições, depois de permanecer  sem atendimento durante bastante tempo, havendo o tiroteio cessado, conforme por eles foi dito,  quando a presumida vítima gritou ao receber o impacto da bala, não se havendo permitido aos seus familiares que a socorressem. Todas essas afirmações levam a inferir que o óbito resultou da falta de socorro tempestivo à vítima, após haver sido ferida.

 

100.        É oportuno que a Comissão ressalte a gravidade especial que o presente caso reveste, por se tratar do assassinato de um jovem de 18 anos de idade.  Assinale-se também que essa hipótese não é isolada, mas antes reflete um perfil de conduta à margem da lei por parte da polícia civil/militar do Estado. Há anos que a Comissão vem sendo informada sobre a escalada da ação violenta dos integrantes das polícias estatais, que são acusados de agir com truculência. Em seu Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, do ano de 1997, a Comissão destacou que “no período que se estende de fevereiro de 1996 até a data de sua redação, a média mensal de pessoas mortas pela Polícia Militar passou de 3,2 a 20,55 óbitos, ou seja, um total de 201 óbitos em 1996”.

 

101.        Ao analisar o presente caso, a CIDH considerou como elementos centrais de convicção as declarações, depoimentos e provas incluídos como anexos, bem como os indícios que deles se depreendem.

 

102.        Como o artigo 4 da Convenção Americana determina que ninguém pode ser arbitrariamente privado de sua vida, essa disposição abrange não só as mortes que são produto de uma  ação culposa, ou não intencional, mas também as hipóteses em que a privação da vida é um resultado não pretendido.  Apesar disso, o uso deliberado ou não pretendido da força letal é tão-somente um fator que deve ser avaliado em conexão com essa disposição. Todo uso da força por agentes da ordem deve estar limitado ao estritamente necessário à consecução dos fins que se perseguem. Isso nos mostra que uma avaliação rigorosa dessa necessidade deve ser levada a cabo, a fim de determinar se a ação do Estado é “necessária” numa sociedade democrática, segundo os padrões do mencionado artigo. Por conseguinte, a força empregada deve ser rigorosamente proporcional à finalidade da consecução dos objetivos perseguidos.

 

103.        À luz da relevância que o artigo 4 da Convenção Americana atribui à proteção da vida, todo caso que implique sua potencial privação deve ser submetido a um cuidadoso escrutínio, levando em consideração não só as ações dos agentes do Estado, mas também as circunstâncias que envolvem a matéria. De modo especial, é preciso examinar se a operação foi planejada e controlada pelas autoridades com vistas a minimizar, na medida do possível, o recurso ao uso letal da força. As autoridades têm a obrigação de assegurar que esse risco tenha sido adequadamente minimizado. Também deve ser analisada a questão da possível negligência de parte das autoridades ao escolherem o curso de ação na situação de que se trate. Algumas decisões da Corte Européia de Direitos Humanos avalizam este parecer.[61]

 

104.        Tem-se como fato provado que Wallace de Almeida se encontrava no quintal de sua casa, à qual chegara às primeiras horas da noite, quando se viu envolvido numa operação policial que procurava presumidos delinqüentes.  Ele estava desarmado e o local do fato ficou às escuras em conseqüência dos disparos feitos pela polícia. Sua situação não apresentava nenhum risco para os policiais que executavam a operação. Nenhum indício leva a inferir que se pudesse esperar qualquer violência de sua parte. Apesar disso, uma quantidade desnecessária de projéteis foi disparada na operação, um dos quais feriu a presumida vítima. A Comissão considera que, comparando-se a necessidade imperiosa de preservar a vida como um valor fundamental com a hipótese que defrontamos, uma operação policial que não persiga um delinqüente em particular não pode justificar a colocação em risco de qualquer vida humana, pois as pessoas que se encontram no seu entorno, como a presumida vítima, prima facie, não representam perigo algum para quem quer que seja. Qualquer outra apreciação dessa matéria seria incompatível com os princípios fundamentais de toda sociedade democrática hoje universalmente reconhecidos.[62]

 

105.        O uso de armas de fogo pesadas por agentes da autoridade expõe vidas humanas a um perigo potencial, mesmo quando existam regras destinadas a minimizar esse risco. Por conseguinte, a Comissão considera que seu uso desnecessário ultrapassa o máximo de arbitrariedade que o artigo 4 da Convenção Americana estabelece, mais ainda quando  prejudica um indivíduo desarmado de quem não se suspeitava a autoria de qualquer ato punível e que por isso não era alvo de uma perseguição específica. A única situação em que a morte de uma pessoa por agentes da ordem não contraria a norma em questão seria a da existência de proporcionalidade entre a agressão sofrida pela autoridade e a resposta desta. Como no presente caso a presumida vítima não era suspeita de prática criminosa, estava desarmada e materialmente impossibilitada de agredir os policiais, e o local estava às escuras, a quantidade de tiros por eles disparados não foi rigorosamente necessária, motivo pelo qual não encontra justificativa. Isso leva a concluir que houve uso excessivo de força neste caso.

 

106.        No tocante à efetiva materialização da obrigação do Estado de proteger a vida de seus cidadãos, conforme o artigo 4 da Convenção Americana, a Comissão considera que o planejamento adequado de toda operação levada a cabo por suas forças da ordem que demande o uso de armas de fogo é um elemento crucial. Nesse caso deve-se levar em conta, como mínimo, o âmbito físico em que ela se desenvolverá, a natureza das contravenções praticadas pelas pessoas cuja detenção se pretende e o grau de perigo que as mesmas possam representar, se ele de fato existir. Não é admissível que simplesmente se dispare a esmo. As circunstâncias nas quais cabe o recurso ao uso de armas de fogo devem limitar-se aos casos de autodefesa e de ameaças iminentes de morte ou ferimento grave de terceiros, para impedir a prática de crimes particularmente graves que envolvam uma séria ameaça à vida humana, para deter uma pessoa que represente um perigo e resista à autoridade, ou para impedir sua fuga, e somente quando meios menos extremos sejam insuficientes para a consecução desses fins. Como se infere de todo o material probatório operante nos autos, nenhuma dessas hipóteses efetivamente se concretizou, razão por que a operação não encontra nenhuma justificação, principalmente quando seu objetivo não era a detenção de determinada pessoa ou pessoas. O Estado acha-se diante do dever de prevenir tais situações.

 

107.        A Comissão considera fato provado que Wallace de Almeida foi ferido na coxa direita por uma bala disparada por agentes da polícia do Estado, em 13 de setembro de 1998, e que permaneceu estendido no chão sem que lhe fosse prestada qualquer assistência desde as 21h00,[63] aproximadamente, até a sua remoção para um hospital, onde ingressou às 22h16min.[64] Dos indícios que se depreendem dos anexos citados deduz-se que a vítima permaneceu sem assistência de parte dos policiais que a feriram por aproximadamente uma hora, até ser levada a um hospital. Chega-se a esta conclusão pela diferença em relação à hora em que reconhecidamente ocorreu o ferimento, conforme o anexo de referência, pela declaração de uma pessoa que participou da operação e pela hora de entrada no hospital, que não estaria situado muito longe do local onde os fatos ocorreram, levando-se em conta que o Rio de Janeiro é uma cidade grande, razão por que houve erro em não se haver dispensado ao ferido a necessária assistência.

 

108.        Com relação a fatos dessa natureza, o direito internacional atribui ao Estado responsabilidade internacional pelo comportamento de seus órgãos quando atuam na sua qualidade oficial, mesmo que fora do exercício regular de sua competência. Isso inclui os órgãos superiores do Estado, como os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como os atos e omissões dos funcionários ou agentes subalternos.[65]

 

109.        A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua sentença de 29 de julho de 1988 (caso Velásquez Rodríguez), determinou a esse respeito o seguinte:

 

É um princípio do direito internacional que o Estado responde pelos atos de seus agentes praticados ao amparo de seu caráter oficial e por suas omissões, mesmo quando atuem fora dos limites de sua competência ou em violação do direito interno.[66]

 

110.        Isso leva a concluir que a República Federativa do Brasil é responsável, no caso em estudo, pelos atos e omissões dos policiais que participaram da operação realizada no Morro da Babilônia, na noite de 13 de setembro de 1998, que resultou na morte de Wallace de Almeida. A obrigação constante do artigo 4 da Convenção Americana tem uma face ativa e outra passiva. No perfil ativo estão compreendidas tanto a obrigação de arbitrar as medidas para que se respeite a vida dos cidadãos, assegurando a efetividade das mesmas, como  a de socorrê-los quando assim o requeiram, em situações que revistam uma gravidade relativa. É por isso que, ao ferirem a presumida vítima e não a levarem imediatamente a um hospital, a ter-se por certa a afirmação dos peticionários de que o tiroteio cessou com o seu grito ao ser atingida, e na ausência de resposta do Estado, os policiais incorreram em uma evidente omissão, cumprindo necessariamente que se impute a alguém a referida responsabilidade.

 

111.        Quanto à falta de investigação sobre os fatos por parte do Estado, a Comissão entende que a obrigação de proteger o direito à vida, conforme o artigo 4 da Convenção Americana, se relaciona na sua implementação com a previsão constante do artigo 1(1) do mesmo instrumento, relativa à obrigação de todo Estado Parte de assegurar a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição os direitos e liberdades garantidos no Tratado.  Nessa tese deve estar implícito algum tipo de investigação oficial, quando um indivíduo é morto mediante o uso de força. A investigação deve ser levada a cabo por um órgão eficiente e imparcial. Seu propósito essencial deve orientar-se para a garantia da implementação das leis do país que protegem o direito à vida e assegurar, nos casos de envolvimento de agentes do Estado como autores, que estes sejam submetidos a processo pelos atos incidentes na esfera de sua responsabilidade.[67] A investigação deve ser capaz de levar à identificação e punição dos responsáveis. Esta não é uma obrigação de meios, mas, antes, de resultado.  Qualquer deficiência na investigação que diminua a sua capacidade de estabelecer a causa da morte, ou a responsabilidade do autor, fará com que se produza uma falha no padrão exigido para esse efeito.[68] Além disso, para que a investigação sobre uma morte causada por agentes estatais fora do quadro das exceções legais seja eficiente, deve ser conduzida sob a responsabilidade de pessoas independentes das implicadas nos fatos.[69]  Isso não diz respeito unicamente a uma independência hierárquica, mas, também, a uma independência prática.[70] É preciso que um elemento de escrutínio público aceitável esteja presente na investigação, ou em seus resultados, para assegurar de maneira tanto teórica quanto prática que a população mantenha a sua confiança em que a autoridade é fiel à observância do império da lei, prevenindo desse modo toda aparência de cooptação ou tolerância em relação a atos contrários ao mesmo[71].

 

112.        A Comissão conclui que embora a escolha dos meios necessários para dar completa efetividade aos direitos protegidos pela Convenção seja uma tarefa do Estado Parte, o resultado requerido é o pleno gozo desses direitos. Com relação ao direito à vida, o dever das autoridades de assegurar sua efetiva proteção não será cumprido até que, na investigação dos casos de morte em que agentes da força pública estejam implicados como seus supostos autores, apliquem-se padrões comparáveis aos exigidos pelo artigo 4 da Convenção. No caso que nos ocupa, apesar de a investigação policial haver sido instaurada na polícia civil em 14 de setembro de 1998,[72] ela permaneceu estacionada nessa etapa, sem que até esta data o Ministério Público sequer  tenha imputado a uma pessoa a responsabilidade de autor dessa morte, fato que foi reconhecido pelo Estado na audiência realizada no 121° Período de Sessões da Comissão, em 21 de outubro de 2004.

 

113.        Com base nessas provas, a Comissão considera que há suficientes elementos de convicção com a contundência necessária para levar à conclusão de que agentes da Polícia Militar do Rio de Janeiro violaram o direito à vida de Wallace de Almeida.

 

114.        Por esse motivo, emerge uma responsabilidade pela violação do direito à vida consagrado no artigo 4 da Convenção Americana, em prejuízo da pessoa de que se trata, sob a forma do não cumprimento da obrigação de respeitá-lo que se configura com a morte dessa pessoa, da falta de garantia do direito à vida, ante a inexistência de medidas preventivas pertinentes,  da omissão do necessário socorro à presumida vítima e do não cumprimento do dever de investigar devidamente os fatos.

 

B.        Direito à integridade pessoal (artigo 5 da Convenção Americana)

 

115.        De acordo com o artigo 5 da Convenção, toda pessoa tem o direito de que se respeite a sua integridade física, psíquica e moral. O artigo 5 dispõe explicitamente que "ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”.

 

116.        A Comissão conclui que integrantes das forças policiais brasileiras violaram, no presente caso, o direito de Wallace de Almeida a um tratamento humano. Os policiais envolvidos na operação o feriram na coxa e não lhe prestaram o necessário socorro. Tem-se como fato provado que ele permaneceu estendido no chão durante cerca de uma hora, até ser levado a um hospital, sob precárias condições, sendo arrastado e depois jogado no compartimento para o transporte de presos de uma viatura policial. Tal procedimento subentende tanto um perceptível menosprezo físico quanto um perigo intrínseco para a segurança da pessoa, pois fere de maneira clara a sua integridade, entendida como a “qualidade de um sistema orgânico inalterado”,[73] ao sofrer com esse procedimento uma nítida deterioração do seu estado físico, que já antes apresentava agravos, pois os maus-tratos sofridos com tudo isso assim o indicam. O fato de haver sido simplesmente jogado no compartimento de transporte de um veículo, sem o mínimo de atenção que um ferido exige ao ser transportado, também fere a integridade física do indivíduo. Independentemente do tratamento dispensado à presumida vítima revestir a gravidade que o qualifique como tortura,[74] o certo é que ele afetou sua integridade física, o que constitui um tratamento cruel em violação do artigo 5 da Convenção. 

 

117.        De conformidade com as considerações acima, a Comissão conclui que o Estado violou o direito à integridade pessoal de Wallace de Almeida. Dessa maneira, o Brasil incorreu na violação do artigo 5 da Convenção Americana.

 

C.        Direito às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8 e 25 da Convenção Americana)

 

118.        O artigo 1(1) da Convenção Americana assim dispõe:

 

“Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.

 

119.        O artigo 8 da Convenção estabelece que:

 

“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. 

 

120.            O artigo 25 da Convenção dispõe o seguinte:

 

“Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”.

 

121.        Os Estados membros do sistema interamericano de direitos humanos têm a obrigação de investigar e punir os responsáveis por violações de direitos humanos e de indenizar as vítimas dessas violações ou seus familiares. O artigo 1 da Convenção Americana estabelece a obrigação dos Estados de garantir a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição o livre e pleno exercício dos direitos e liberdades reconhecidos nessa Convenção. A Corte Interamericana de Direitos Humanos explicou que, em conseqüência desse dever, os Estados são obrigados a “prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção e procurar, ademais, o restabelecimento do direito infringido e, se cabível, a reparação dos danos produzidos pela violação dos direitos humanos".[75]

 

122.        No mesmo sentido, a Corte assinalou que “do artigo 1(1) depreende-se claramente a obrigação do Estado de investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos na Convenção como meio de garantir tais direitos”.[76] A Corte Interamericana de Direitos Humanos também explicitou, em relação com as normas convencionais acima transcritas, que:

 

“O artigo 25, em conexão com o artigo 1(1) da Convenção Americana, obriga o Estado a garantir a toda pessoa o acesso à administração de justiça e, em particular, a um recurso simples e rápido para conseguir, entre outros resultados, que os responsáveis pelas violações dos direitos humanos sejam julgados e para obter uma reparação pelo dano sofrido. Como disse a Corte, o artigo 25 constitui um dos pilares essenciais não só da Convenção Americana, mas também do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática...”[77]

 

123.        O mencionado artigo guarda relação direta com o artigo 8(1) da Convenção Americana que consagra o direito de toda pessoa a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal independente e imparcial, para que se determinem seus direitos de qualquer natureza.

 

124.        Em conseqüência, o Estado tem o dever de investigar as violações dos direitos humanos, processar os responsáveis e evitar a impunidade. A Corte definiu a impunidade como “a falta em seu conjunto de investigação, persecução, captura, instrução processual e condenação dos responsáveis pelas violações dos direitos protegidos pela Convenção Americana” e assinalou que “o Estado tem a obrigação de combater tal situação por todos os meios legais disponíveis, já que a impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos e a total desproteção das vítimas e seus familiares”.[78]

 

125.        A obrigação dos Estados de investigar e punir as violações dos direitos humanos deve ser por eles cumprida com seriedade. A esse respeito a Corte Interamericana assinalou que:

 

 “Em determinadas circunstâncias, a investigação de atos que atentem contra direitos da pessoa pode ser difícil. A investigação, assim como a prevenção, é uma obrigação de meio ou comportamento que não é descumprida meramente pelo fato da investigação não produzir um resultado satisfatório. Ela, entretanto, deve ser empreendida com seriedade e não como uma mera formalidade condenada de antemão a ser infrutífera. Deve ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares que dependa da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou da entrega privada de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade. Esta apreciação é válida, qualquer que seja o agente ao qual a violação possa eventualmente ser atribuída, mesmo os particulares, pois se seus atos não forem investigados com seriedade estarão sendo, de certo modo, auxiliados pelo poder público, o que comprometeria a responsabilidade internacional do Estado.[79]

 

126.        A Comissão Interamericana também assinalou, em relação à obrigação que têm os Estados de investigar seriamente, que:

 

A obrigação de investigar não é descumprida só porque não há uma pessoa condenada na causa ou pela circunstância de que, apesar dos esforços empreendidos, seja impossível a comprovação dos fatos. Entretanto, para estabelecer de forma convincente e crível que esse resultado não foi produto da execução mecânica de certas formalidades processuais sem que o Estado buscasse efetivamente a verdade, este deve demonstrar que realizou uma investigação imediata, exaustiva, séria e imparcial.[80]

 

127.        Consta dos autos que mais de 8 (oito) anos se passaram desde que a investigação da morte de Wallace de Almeida foi iniciada[81] e que até esta data, segundo toda a informação constante dos autos, não se chegou sequer a apontar uma pessoa como responsável pelo crime cometido. A etapa inicial da investigação policial que, conforme assinalado, tem um prazo curto dentro do qual deve ser concluída, não foi superada, o que impede que o Ministério Público possa denunciar alguém. Por esse motivo não se chegou a uma sentença definitiva nem se repararam as conseqüências dessa morte. A Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou que o prazo razoável estabelecido no artigo 8(1) da Convenção não é um conceito de simples definição e referiu-se a sentenças da Corte Européia de Direitos Humanos para precisá-lo. Essas sentenças estabelecem que os elementos mencionados a seguir devem ser avaliados para determinar a razoabilidade do prazo no qual o processo é desenvolvido: a complexidade do assunto; a atividade processual do interessado; e a conduta das autoridades judiciais.[82]

 

128.        Nesse sentido, a determinação do que consiste a expressão “dentro de um prazo razoável” deve ser feita tendo presentes as particularidades de cada caso. In casu, a Comissão levou em conta tanto o relatado pelos peticionários como o reconhecimento explícito dos representantes do Estado na audiência realizada em 21 de outubro de 2004, no 121° Período de Sessões da Comissão. A propósito, a Comissão considera importante recordar que a Corte Interamericana assim se manifestou: “É o Estado que tem o controle dos meios para aclarar fatos ocorridos dentro do seu território. A Comissão, embora tenha faculdades para empreender investigações, na prática depende, para poder realizá-las dentro da jurisdição do Estado, da cooperação e dos meios que o Governo lhe proporcionar”.[83]

 

129.        Conclui a Comissão que, como a investigação policial foi iniciada em 14 de setembro de 1998 e não apontou nenhum responsável, há uma impossibilidade material de que o Ministério Público denuncie alguma pessoa como suposto responsável pelo crime. A situação configurada leva à conclusão de que há no processo elementos claros de prova, bem como uma confissão do Estado de que a atividade processual investigativa foi paralisada sine die e não registrou nenhum avanço desde a sua instauração, inexistindo qualquer motivo que justifique esse fato. Além disso, entende que os familiares da vítima cumpriram com os meios a seu alcance ao que era de sua competência em relação à atividade processual perante os tribunais brasileiros, posto que o esforço processual em matéria de ação penal pública está nas mãos do Ministério Público e dos tribunais competentes, não restando, portanto, aos prejudicados muito a fazer. Por conseguinte, a Comissão considera que as características do fato, a condição pessoal dos implicados no processo, o grau de complexidade da causa ou a atividade processual dos interessados não são elementos que desculpem o atraso injustificado da administração de justiça neste caso.

 

130.        Ressalte-se, uma vez mais, que desde a instauração do inquérito policial, em 14 de setembro de 1998,[84] não houve avanço no processo, encontrando-se a investigação virtualmente paralisada, fato que foi reconhecido pelo Estado.  Desde então transcorreram quase 8 (oito) anos sem que a causa tenha recebido qualquer impulso. Conforme antes se assinalou, toda investigação policial, segundo o artigo 10 do Código de Processo Penal brasileiro, dispõe de 30 (trinta) dias para ser concluída, se ninguém estiver detido, e de 10 (dez) dias, se houver detenção de algum suspeito. Se esse prazo for ultrapassado, o juiz poderá, geralmente a pedido da parte, prorrogar a investigação por mais 30 (trinta) dias. A presente situação configura de maneira patente a existência de um injustificado atraso no processo. É preciso, porém, determinar a responsabilidade do Estado em relação a esse fato.  Sobre a matéria, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sustentou que:

 

O essencial é elucidar se determinada violação dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção ocorreu com o apoio ou a tolerância do Poder Público ou se este agiu de maneira que a transgressão fosse cometida por absoluta falta de prevenção ou por impunidade. Em resumo, trata-se de determinar se a violação dos direitos humanos é resultante do descumprimento por parte do Estado de seu dever de respeitar e garantir esses direitos que o artigo 1(1) da Convenção lhe impõe.[85]

 

131.        De igual modo, a Corte estabeleceu o seguinte:

 

O Estado tem, por outro lado, a obrigação de investigar toda situação em que os direitos humanos protegidos pela Convenção tenham sido violados. Se o aparelho do Estado agir de modo que tal violação fique impune e que não se reintegre, na medida do possível, a vítima na plenitude de seus direitos, pode-se afirmar que há descumprimento do dever de garantir seu livre e pleno exercício às pessoas que estejam sujeitas à sua jurisdição. O mesmo é válido quando se tolere que os particulares ou grupos deles ajam livre ou impunemente em detrimento dos direitos reconhecidos na Convenção.[86]

 

132.        A investigação do assassinato de Wallace de Almeida foi levada a cabo por agentes da própria da polícia, sem nenhum tipo de controle judicial, e não produziu nenhum resultado. A Comissão entende que a característica primordial de uma investigação séria é a sua condução por um órgão independente e autônomo. As bases convencionais desse entendimento provêm da leitura concertada dos artigos 1(1), 25 e 8 da Convenção Americana acima referida. O último desses artigos prevê o relativo à competência, independência e imparcialidade dos tribunais como elemento fundamental do devido processo. A propósito, essa garantia deve ser necessariamente estendida à investigação, por ser a que finalmente permite a ação judicial. Sem essa garantia nas etapas iniciais e decisivas da investigação, o processo subseqüente é prejudicado. Considera-se que a polícia, civil ou militar, não tem a independência e a autonomia necessárias para investigar com imparcialidade as violações dos direitos humanos cometidas presumidamente por integrantes dessas corporações. A investigação de presumidas violações de direitos humanos realizada pela polícia, nessa hipótese, implica então uma violação per se da Convenção Americana.

 

133.        Se a investigação houvesse apontado algum militar como responsável, este teria sido julgado igualmente por tribunais militares. A esse respeito, a CIDH assinalou que “o problema da impunidade é agravado pelo fato de que a maioria dos casos que envolvem violações dos direitos humanos cometidas pelos integrantes das forças de segurança do Estado são processados pelo sistema de justiça penal militar”,[87] e indicou, “de forma reiterada e consistente, que a jurisdição militar não oferece as garantias de independência e imparcialidade necessárias para o julgamento de casos que impliquem a punição de membros das Forças Armadas, com o que se assegura a impunidade”.[88] 

 

134.        O sistema de justiça penal militar possui certas características particulares que impedem o acesso a um recurso judicial eficaz e imparcial nessa jurisdição. Uma delas é a impossibilidade de considerar o foro militar como um legítimo sistema judicial, uma vez que ele não faz parte do Poder Judiciário, mas, antes, depende do Poder Executivo. Outro aspecto consiste no fato de que os juízes do sistema judicial militar são geralmente membros do Exército em serviço ativo que se vêem na contingência de julgar seus companheiros de armas, o que torna ilusório o requisito da imparcialidade, já que os membros do Exército se sentem com freqüência obrigados a proteger os que combatem ao lado deles num contexto de dificuldades e perigos.[89]

 

135.        Quanto às obrigações do Estado em relação à circunstância de que ele tenha deixado de agir no sentido de assegurar à vítima o exercício de seus direitos, a Corte Interamericana manifestou-se da seguinte forma:

 

A segunda obrigação dos Estados Partes é a de “garantir” o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição. Essa obrigação implica o dever dos Estados Partes de organizar todo o aparelho governamental e, em geral, todas as estruturas por meio das quais o poder público é exercido, de maneira que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Em conseqüência dessa obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção e procurar, ademais, o restabelecimento do direito infringido e, se cabível, a reparação dos danos produzidos pela violação dos direitos humanos.[90] 

 

136.        No presente caso, não se chegou a uma sentença definitiva proferida pelos tribunais brasileiros depois de transcorridos 8 (oito) anos e, mais ainda, sequer se concluiu a etapa de investigação policial, razão pela qual o Ministério Público não pôde formular uma Denúncia contra os responsáveis. Esse atraso vem claramente aproximando a possibilidade de impunidade definitiva por prescrição, com a conseqüente impossibilidade de consecução de qualquer punição ou ressarcimento. A Comissão considera que, neste caso, as decisões judiciais internas mostram uma ineficácia, negligência ou omissão por parte das autoridades policiais brasileiras que impede a determinação de um responsável pelos atos praticados e seu julgamento e punição, impossibilitando igualmente a procedência de algum tipo de reparação para os familiares da vítima, dado que em casos dessa natureza o resultado da ação penal é imprescindível para a instauração da ação ressarcitória civil. Essas considerações demonstram que o Estado não foi capaz de organizar sua estrutura no sentido de  garantir esses direitos. Tudo isso constitui uma violação independente dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação com o seu artigo 1(1) e os correspondentes da Declaração.

 

D.        Direito à igualdade perante a lei (artigo 24 da Convenção Americana)

 

137.        O artigo 24 da Convenção Americana assim estabelece: “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei”. Com relação a essa disposição, os Estados estão obrigados a garantir a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição uma real e efetiva igualdade perante a lei, posto que é em função do reconhecimento dessa prerrogativa que se logra a proibição de tratamentos discriminatórios.[91]

 

138.        Nesse sentido, o termo discriminação inclui toda distinção, restrição ou preferência baseada em raça, cor, sexo ou outras causas.[92]

 

139.        A Corte Européia de Direitos Humanos, seguindo a mesma teleologia, determinou em sentenças mais recentes[93] que os Estados têm a obrigação geral, nos termos do artigo 2 da Convenção Européia de Direitos Humanos que visa ao mesmo objeto do artigo 4 da Convenção Americana, de conduzir uma investigação efetiva em casos de privação da vida. Essa obrigação deve ser cumprida sem discriminação, conforme o exige o artigo 14 da Convenção.[94] Quando existam suspeitas de que atitudes racistas tenham induzido à prática de um ato de violência, é particularmente importante que uma investigação oficial seja realizada com firmeza e imparcialidade, levando em conta a necessidade de reafirmar continuamente a condenação do racismo pela sociedade e de manter a confiança das minorias na capacidade das autoridades de protegê-las contra a ameaça de violência racial. O cumprimento por parte do Estado de sua obrigação positiva prevista no artigo 2 da Convenção requer que o sistema jurídico do país demonstre a sua capacidade de aplicar a lei criminal contra aqueles que arbitrariamente tirem a vida de uma pessoa, sem que importe a origem étnica ou racial da vítima.[95]

 

140.        Em igual sentido, o mesmo órgão sustentou o seguinte: Quando se investigam incidentes violentos e, de modo particular, mortes por atos de agentes do Estado, suas autoridades têm o dever adicional de tomar todas as medidas razoáveis no sentido de desmascarar qualquer motivação racista e de estabelecer se algum ressentimento ou preconceito étnico desempenhou um papel nos fatos ocorridos. O descumprimento desse dever quando a violência e truculência induzida por motivos raciais é tratada em pé de igualdade com os casos em que não há matizes racistas corresponderia a fechar os olhos à natureza específica de atos considerados como particularmente destrutivos dos direitos fundamentais. O insucesso no estabelecimento de distinção na maneira pela qual situações essencialmente diferentes são tratadas pode configurar um procedimento injusto e irreconciliável com o artigo 14 da Convenção.[96] Para manter a confiança pública na máquina que faz a lei funcionar, os Estados Partes devem assegurar que na investigação de incidentes que envolvam o uso da força se estabeleça uma distinção, tanto no sistema jurídico como na prática, entre os casos nos quais há uso excessivo da força e os de morte por motivação racista. Admite-se que provar a existência de motivos racistas é, na prática, extremamente difícil. O dever do Estado contestatório de investigar toda conotação racista de um ato violento corresponde à obrigação do emprego de seus melhores esforços de maneira não absoluta.[97]

 

141.        No caso em tela, Wallace de Almeida era um afro-descendente cujo grupo social tem sido historicamente marginalizado em relação à população branca política e economicamente dominante. A sociedade brasileira é provavelmente, dentre todas as sociedades contemporâneas, a que conseguiu um amálgama mais profundo de diferentes origens e culturas. Essa combinação nem sempre foi harmônica, e tampouco é completa ou igualitária. Ainda hoje persistem diferenças que estão longe de uma igualdade mínima aceitável, e essas discriminações se traduzem em muitos casos em padrões violatórios dos  direitos humanos, especialmente de igualdade e de não discriminação, e do direito à dignidade. A principal expressão dessas disparidades raciais[98] é a distribuição desigual da riqueza e das oportunidades.

 

142.        A Comissão considera provado que o governo do estado do Rio de Janeiro e o Estado Federal acordaram, a partir de fins de 1994, uma parceria para que as Forças Armadas trabalhassem em conjunto com a Polícia Militar no combate ao tráfico de drogas, na chamada “Operação Rio”. No âmbito dessa operação foram praticadas torturas, detenções arbitrárias, buscas sem prévio mandato, e usou-se de violência policial desnecessariamente. Tudo isso é inferido da grande quantidade de relatórios disponíveis sobre o assunto, acima referidos, que a falta de contestação expressa do Estado a esse particular potencializa, aplicando-se aos fatos constantes da petição, à luz dos indícios existentes, a presunção de veracidade relativa, de conformidade com o artigo 39 do Regulamento da Comissão.

 

143.          A prova indiciária é aquela resultante de indícios, conjeturas, sinais ou presunções mais ou menos firmes e decisivos, aceitos pelo julgador como conclusão de ordem lógica, com base numa derivação ou concatenação dos fatos. A exposição destes pelos peticionários aliada à posição estabelecida pelo Estado na audiência em que seu representante depôs, bem como à circunstância de que se teve a petição por não contestada e ao grande número de relatórios existentes, já referidos, leva à conclusão de que, na situação que nos ocupa, a força policial conjunta brasileira empregou contra Wallace de Almeida, ao feri-lo e deixá-lo sangrar até a morte, a ação repressora comumente chamada de “racial profiling”. Esta é adotada por supostas razões de segurança ou proteção pública e fundamentada em estereótipos de raça, cor, etnia, idioma, descendência, religião, nacionalidade ou lugar de nascimento, ou numa combinação desses fatores, e não em suspeitas objetivas, e sua tendência é a singularização discriminatória de indivíduos ou grupos com fundamento na presunção errônea a respeito da propensão das pessoas portadoras de tais características para a prática de determinados delitos. Essa conclusão é congruente com o relatório apresentado pelo Relator Especial das Nações Unidas sobre a Tortura, Sir Nigel Rodley, que entre 20 de agosto e 12 de setembro de 2000 visitou cinco capitais de Estados brasileiros, onde inspecionou delegacias e penitenciárias, havendo concluído que a polícia brasileira adota, de maneira sistemática, um procedimento violento em suas operações diárias.[99]

 

144.          O Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação, em sua Recomendação Geral N° XXXI de 2005 sobre a prevenção da discriminação racial na administração e funcionamento da justiça criminal, em 2005, sustentou que os Estados Partes devem tomar as medidas necessárias para impedir interrogatórios, detenções e buscas que se baseiem exclusivamente na aparência física das pessoas, em sua cor, seus traços ou sua inclusão em determinado grupo racial ou étnico, ou em algum outro perfil que as exponha a maior grau de suspeição. Os Estados Partes devem prevenir e punir severamente não só os atos violentos de tortura, os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, mas também todas as violações dos direitos humanos que afetem os integrantes desses grupos em especial, cometidas por agentes do Estado, em particular policiais, militares e funcionários da alfândega, bem como por quem trabalhe em aeroportos e em instituições penais e de assistência social, sanitária ou psiquiátrica. Ao fazê-lo, os Estados Partes devem assegurar a observância de proporcionalidade no uso da força, quando esta for rigorosamente necessária, em situações nas quais as pessoas acima referidas se vejam envolvidas, em concordância com os “Princípios básicos das Nações Unidas sobre o uso de força e armas de fogo por agentes da lei”.[100]

 

145.          Nesse sentido, uma prática que contrarie as obrigações de um Estado derivadas da Convenção não pode ser considerada razoável ou conveniente.[101] Com o objetivo de garantir o direito à não discriminação, os Estados têm a obrigação de adotar medidas de ação positiva,[102] estabelecendo, para esses fins, distinções baseadas em desigualdades de fato para a salvaguarda dos que devam ser protegidos.[103]

 

146.          No caso em questão, Wallace de Almeida pertence a um grupo social especialmente vulnerável em virtude da sua condição racial e social, o que valida a  adoção de medidas positivas em seu favor, como um tratamento igualitário perante a lei e o respeito à sua presunção de inocência garantido pela Constituição do Brasil.

 

147.          Nesse contexto, a omissão de tomar medidas de ação afirmativa no sentido de reverter ou mudar situações discriminatórias, de jure ou de facto, em detrimento de determinado grupo de pessoas gera a responsabilidade internacional do Estado.[104]

 

148.          Em outra ordem de idéias, embora as leis brasileiras não admitam a discriminação, garantindo-se prima facie uma aparente igualdade, na realidade dos fatos a situação é outra, pois o viés seguido pela polícia do Estado, segundo os estudos existentes, mostra a violência desnecessária com que são tratadas as pessoas submetidas a seus procedimentos, de modo especial os indivíduos com caracteres próprios da raça negra, residentes em zonas marginalizadas (favelas). Esse comportamento leva, em muitos casos, à morte da vítima. É por isso que a mera promulgação de leis sem qualquer efeito prático não garante o pleno gozo e exercício de direitos. A Corte tem decidido, como um critério jurisprudencial uniforme, que não basta a existência formal de disposições legais que garantam a igualdade, mas, sim, que estas sejam efetivas, isto é, que dêem resultados ou respostas necessárias para a proteção dos direitos previstos na Convenção.[105]

 

149.          Wallace de Almeida, quando morreu, tinha 18 anos de idade, era afro-descendente, de condição pobre, e exercia a profissão de soldado do Exército. Seus direitos foram transgredidos por atos discriminatórios quando foi deixado sangrar até a morte em conseqüência de um ferimento à bala na coxa causado por policiais do Estado, sem que qualquer assistência lhe fosse prestada. Desse modo, sua vida foi cortada e com isso a possibilidade de desenvolvê-la em condições dignas. A Corte estabeleceu, em relação ao assunto, “como dever de todo Estado, assegurar, por meio de normas, oportunidades propícias a garantir a toda pessoa o progresso individual que oriente sua vida no sentido do desenvolvimento, este interpretado como o projeto de vida”.[106]

 

150.          A Comissão considera que Wallace de Almeida perdeu a vida em conseqüência de uma ação discriminatória praticada por agentes do Estado, sem que a sua condição de membro de um grupo considerado vulnerável (afro-descendente, pobre, favelado) fosse respeitada. A Corte assemelhou essa situação de vulnerabilidade a um estado de incerteza e insegurança para a vítima.[107] Como conseqüência, seus direitos foram violados pelo Estado quando este não cumpriu com sua obrigação como garantidor de direitos.

 

151.          Infere-se, por conseguinte, que o Estado não proporcionou a devida segurança cujo correto outorgamento é considerado como uma forma de assegurar a adequada proteção dos Direitos Humanos e o desenvolvimento das pessoas,[108] em vista do que as transgressões à segurança dos direitos provoca a violação de outros Direitos Humanos.[109]

 

152.          Por tudo o que acima foi referido, o Brasil, ao não salvaguardar os direitos reconhecidos a Wallace de Almeida, é responsável pela violação da Convenção Americana em relação com o seu artigo 24.

 

E.         Violação do artigo 1(1) da Convenção: obrigação do Estado de respeitar e garantir os direitos individuais, em conexão com o artigo 2, que estabelece a sua obrigação de adotar disposições de direito interno, e o artigo 28, que estabelece a cláusula federal

 

153.          Com base na análise acima feita, demonstra-se que nem o Estado brasileiro nem o estado do Rio de Janeiro cumpriram a obrigação de respeitar os direitos e liberdades de toda pessoa sujeita à sua jurisdição prescrita no artigo 1(1) da Convenção Americana, por haverem violado os direitos previstos nos artigos 4, 5, 8, 24 e 25 desse tratado.

 

154.          Como a Corte Interamericana assinalou: “de conformidade com o artigo 1(1), é ilícita toda forma de exercício do poder público que viole os direitos reconhecidos pela Convenção. Nesse sentido, em toda circunstância em que um órgão ou funcionário do Estado ou de uma instituição de caráter público viole indevidamente algum desses direitos, defronta-se com uma presunção de inobservância do dever de respeito consagrado nesse artigo”.[110]

 

155.          A segunda obrigação prevista no artigo 1(1) é a de garantia do livre e pleno exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção. A Comissão conclui que, ao violar em prejuízo das vítimas mencionadas no presente relatório o direito à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais, à igualdade e à proteção judicial, o Estado brasileiro não cumpriu com a obrigação de garantir o livre e pleno exercício dos direitos a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição.

 

156.          Por outro lado, o artigo 2 da Convenção Americana explicita e desenvolve o âmbito da obrigação geral de respeito e garantia constante de seu artigo 1(1).[111] De fato, o dever de adotar disposições de direito interno exige dos Estados Partes a formulação e implementação não só de medidas de caráter legislativo, como também de todas as necessárias para assegurar o pleno e efetivo gozo dos direitos e liberdades garantidos pela Convenção Americana a toda pessoa sujeita à sua jurisdição (princípio do effet utile).[112]

 

157.          Cabia ao Estado Federal e ao estado do Rio de Janeiro haver adotado medidas adequadas para que Wallace de Almeida não fosse objeto de normas, práticas, ações ou omissões que, direta ou indiretamente, violassem a proibição geral de discriminação. Além disso, era imperativo para esses Estados proporcionar-lhe uma proteção efetiva e igualitária contra a discriminação, tomando para tanto as medidas necessárias no sentido de que lhe fosse dispensado o tratamento diferenciado que sua condição de afro-descendente exigia.

 

158.          Por outro lado, conforme se determinou, a investigação do assassinato de Wallace de Almeida cometido por membros da Polícia Militar foi levada a cabo por policiais. O julgamento dos responsáveis que seriam apontados como resultado dessa investigação caberia igualmente a militares, com o que se estaria violando a obrigação do Estado de proporcionar às vítimas acesso a um órgão independente, autônomo e imparcial que cumprisse essas tarefas. 

 

159.          Independentemente da distribuição interna de competências, cabia ao Estado brasileiro fazer com que o estado do Rio de Janeiro adotasse as medidas necessárias para assegurar a devida igualdade entre todos os cidadãos, bem como o acesso a órgãos competentes, independentes e imparciais de investigação e julgamento. Só assim o Estado teria cumprido cabalmente o dever de adequar o seu direito interno a fim de tornar efetivos os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção Americana[113].

 

160.          Esta Comissão observa que, à luz do Direito Internacional, toda evocação do ordenamento jurídico interno dos Estados com vistas a justificar a inobservância das obrigações que os mesmos tenham contraído é indiferente.[114]  Em virtude desse princípio geral, a Comissão descarta qualquer argumento que o Estado possa invocar que implique a abordagem de assuntos de caráter interno.

 

161.          Sob qualquer desses argumentos, mantém-se incólume a conclusão de que o Estado violou a Convenção Americana em prejuízo de Wallace de Almeida, pois o artigo 2 desse instrumento, ao indicar “de acordo com as suas normas constitucionais”, deixa nas mãos do estado do Rio de Janeiro ou do Estado brasileiro a escolha das vias pelas quais o seu compromisso internacional será cumprido e, como apenas “o resultado da implementação, isto é, o respeito e a garantia dos direitos” é relevante,[115] esta Comissão só pode concluir que os esforços tanto do Governo Federal como do Governo Estadual orientados para a observância da Convenção Americana foram insuficientes.

 

162.          Com relação ao não cumprimento da cláusula federal, esta Comissão deseja ressaltar que, no caso do estado do Rio de Janeiro, a obrigação emanada do artigo 2 da Convenção Americana é reforçada e precisada, em virtude de sua estrutura federal, pelo seu artigo 28. Essa disposição, interpretada também à luz do artigo 1(1), descarta de imediato a possibilidade do Estado invocar a complexidade de sua estrutura a fim de eludir as obrigações por ele contraídas.[116]

 

163.          Nesse sentido, a finalidade de salvaguarda dos Direitos Humanos imposta pela Convenção Americana, em geral, e pelas disposições mencionadas, em particular, prescinde de qualquer referência à distribuição interna de competências ou à  organização das entidades integrantes de uma federação.[117]

 

164.          Esse postulado é plenamente aplicável ao artigo 28 da Convenção Americana cujo sentido coerente prescreve aos Estados federais o cumprimento de suas obrigações internacionais em todo o seu território. A esse respeito, não se pode esquecer que os estados da Federação, como parte do Estado, estão igualmente vinculados pelo disposto nos tratados internacionais ratificados pelo Governo Federal.

 

165.          Tanto o Estado Federal quanto o Estado do Rio de Janeiro deveriam haver levado em conta que as “medidas pertinentes” de que trata o artigo 28 da Convenção Americana, enquanto especificação do seu artigo 2, devem produzir resultados coerentes com o pleno cumprimento das obrigações pelo Estado Parte.

 

166.          A Comissão lembra que este é o entendimento do artigo 28 da Convenção Americana que melhor condiz com os artigos 27 e 31 da Convenção de Viena e com o artigo 29(a) da Convenção Americana. Uma interpretação diversa da obrigação constante da cláusula federal levaria ao absurdo de converter a proteção dos Direitos Humanos em uma decisão meramente discricional, sujeita ao arbítrio de cada Estado Parte.

 

IX.       CONCLUSÕES

 

167.          Com base nas considerações de fato e de direito acima expostas, a Comissão Interamericana conclui que existe uma violação do direito à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais, à igualdade e à proteção judicial consagrados, respectivamente, nos artigos 4, 5, 8, 24 e 25 da Convenção Americana. Isso no entendimento de que, no tocante à responsabilidade estatal pela violação dos artigos 4, 5 e 24 da Convenção Americana, o prejudicado é Wallace de Almeida, enquanto no concernente às violações dos artigos 8 e 25, em concordância com o artigo 1(1) da Convenção, os prejudicados são seus familiares. A Comissão conclui igualmente que também foram violadas as obrigações impostas pela Convenção Americana em seu artigo 1(1), de respeito e garantia dos direitos nela consagrados; em seu artigo 2, que estabelece o dever de adotar disposições de direito interno a fim de tornar efetivos os direitos previstos no referido instrumento; e em seu artigo 28, relativamente à obrigação tanto do Estado Federal como do estado do Rio de Janeiro de cumprir as disposições contidas na Convenção.

 

X.        RECOMENDAÇÕES

 

168.          Com fundamento na análise e nas conclusões do presente relatório, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos formula ao Estado brasileiro as seguintes recomendações:

 

1.      Levar a cabo uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, por órgãos judiciais independentes do foro policial civil/militar, a fim de estabelecer e punir  a responsabilidade pelos atos relacionados com o assassinato de Wallace de Almeida  e os impedimentos que impossibilitaram a realização tanto de uma investigação quanto de um julgamento efetivos.

 

2.      Proporcionar plena reparação aos familiares de Wallace de Almeida, incluindo tanto o aspecto moral quanto o material, pelas violações de direitos humanos indicadas no presente relatório e, em particular,

 

3.       Adotar e instrumentar as medidas necessárias à efetiva implementação da disposição constante no artigo 10 do Código de Processo Penal Brasileiro.

 

4.       Adotar e instrumentar medidas adequadas dirigidas aos funcionários da justiça e da polícia, a fim de evitar ações que impliquem discriminação racial nas operações policiais, nas investigações, no processo ou na sentença penal.

 

XI.       AÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO Nº 73/06

 

169.          Em 16 de novembro de 2006, a Comissão transmitiu ao Estado o Relatório Nº 73/06, dando-lhe o prazo de dois meses para que adotasse as recomendações nele contidas Na mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 43(3) de seu Regulamento, a Comissão notificou aos peticionários sobre a adoção do relatório de mérito e sua transmissão ao Estado e lhes solicitou que expressassem sua posição com relação ao envio do caso à Corte Interamericana. Em 4 de dezembro de 2006, a Comissão encaminhou aos peticionários, de forma confidencial, certas considerações formuladas em relação ao Relatório Nº 73/06.

 

170.          Em 19 de dezembro de 2006, os peticionários manifestaram que o Estado brasileiro continuava violando os direitos declarados no Relatório, pelo que solicitaram que o caso fosse levado ao conhecimento da Corte.

 

171.          Em 16 de janeiro de 2007, o Estado solicitou o adiamento de seis meses no prazo do artigo 51(1) da Convenção para o cumprimento das recomendações formuladas pela Comissão no relatório aprovado sobre o mérito do caso, dada a renovação quase total das autoridades estaduais, o que dificultaria o cumprimento pleno das recomendações.

 

172.          Em 30 de janeiro de 2007, a Comissão concedeu a prorrogação solicitada pelo Estado para o cumprimento das recomendações, com o que o prazo para o encaminhamento do caso à Corte passou a ser 16 de agosto de 2007. Nessa comunicação, a CIDH também solicitou ao Estado que apresentasse um relatório preliminar sobre as medidas adotadas para o cumprimento das recomendações do Relatório Nº 73/06 até 30 de abril de 2007 e um relatório sobre essas medidas até 30 de julho do mesmo ano.

 

173.          Em 27 de abril de 2007, o Estado solicitou uma prorrogação de 30 dias para apresentar à Comissão um relatório preliminar sobre o cumprimento das recomendações. A referida prorrogação foi concedida pela CIDH em 8 de maio de 2007.

 

174.          Em 3 de agosto de 2007, o Estado solicitou nova prorrogação de seis meses com base numa suposta desarticulação entre o Governo Federal do Brasil e o Governo Estadual do Rio de Janeiro, motivada aparentemente pela mudança de autoridades políticas e administrativas ocorrida neste último. Em 9 de agosto de 2007, a Comissão transmitiu essa comunicação aos peticionários e solicitou-lhes  que apresentassem suas observações ao referida pedido de prorrogação no prazo de três dias. Em 10 de agosto de 2007, os peticionários apresentaram suas observações, manifestando-se contrários à concessão de nova prorrogação ao Estado e sugerindo que o caso fosse imediatamente submetido à Corte Interamericana.

 

175.          Em 14 de agosto de 2007, a CIDH concedeu a prorrogação de quatro meses ao Estado do Brasil para que este dispusesse de um prazo adicional para o cumprimento das recomendações formuladas pela Comissão em seu Relatório 73/06 e encaminhasse a implementação das medidas adotadas para a reparação das conseqüências da violação dos direitos estabelecidos no mencionado relatório, com o que o prazo para o encaminhamento do caso à Corte passou a ser 16 de dezembro de 2007. A Comissão solicitou ainda ao Estado brasileiro que, em 16 de outubro e em 16 de novembro de 2007, apresentasse relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento das recomendações e para a solução da situação constatada.

 

176.          Em 11 de setembro de 2007, a Comissão convocou o Estado e os peticionários para uma reunião de trabalho com o objetivo de avançar nos acordos e compromissos do Estado quanto às recomendações formuladas pela Comissão.

 

177.          Essa reunião foi realizada em 11 de outubro de 2007, no âmbito do 130º Período Ordinário de Sessões. Nessa oportunidade, o Estado manifestou que o Governo do estado do Rio de Janeiro tinha se comprometido a cumprir as recomendações. O Estado brasileiro também informou que, no início de outubro de 2007, o Governador do estado do Rio de Janeiro aprovou um decreto mediante o qual a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro passaria a ser a entidade estadual responsável pelos casos que tramitam junto ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. O Estado brasileiro, mediante sua Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) observou, além disso, que foram tomadas iniciativas para treinar os agentes policiais e promover neles a igualdade racial em alguns estados da federação, esperando-se que sejam implementadas medidas transversais nessas matérias. Por sua vez, os peticionários expressaram que tinham transcorridos diversos anos desde que o crime ocorrera e que poucos tinham sido os avanços por parte do Estado em relação ao cumprimento das recomendações do Relatório Nº 73/06.

 

178.          Em 26 de novembro de 2007, o Estado brasileiro apresentou seu relatório sobre o cumprimento das recomendações formuladas pela Comissão em seu Relatório Nº 73/06.

 

179.          Em 17 de dezembro de 2007, a Comissão notificou as partes sobre a decisão adotada em 15 de dezembro de 2007 de não submeter o presente caso à Corte Interamericana. A CIDH solicitou ainda ao Estado que, no prazo de seis meses, ou seja, até 17 de junho de 2008, enviasse um relatório sobre as medidas adotadas para o cumprimento das recomendações estabelecidas no Relatório Nº 73/06.

 

180.          Em 18 de dezembro de 2007, o Estado encaminhou uma comunicação solicitando nova prorrogação para a implementação de medidas sobre o cumprimento das recomendações formuladas pela Comissão.

 

181.          Em 18 de julho de 2008, a Comissão aprovou o Relatório Nº 34/08 – cujo texto é o que antecede – em conformidade com o artigo 51(1) da Convenção Americana. Em 13 de agosto de 2008, a Comissão Interamericana transmitiu o relatório ao Estado do Brasil e aos peticionários, em conformidade com o estipulado no artigo 51(2) da Convenção Americana e concedeu o prazo de um mês para que o Estado informasse sobre o cumprimento das recomendações acima indicadas.  Em 4 de agosto de 2008, 15 de setembro de 2008 e 7 de novembro de 2008, o Estado apresentou informação relativa ao cumprimento das recomendações da CIDH no presente caso.  Por sua vez, em 23 de outubro de 2008, os peticionários apresentaram informação sobre as medidas adotadas a fim de cumprir as recomendações da Comissão Interamericana.

 

XII.     ANÁLISE DO CUMPRIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES

 

A.       Realização de uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos por órgãos independentes do foro policial civil/militar, com o objeto de estabelecer e punir a responsabilidade pelos fatos relacionados com o assassinato de Wallace de Almeida, e dos impedimentos que impossibilitaram tanto a realização de uma investigação como de um julgamento efetivos.

 

182.          Em 18 de outubro de 2007, o Ministério Público apresentou denúncia perante a Quarta Vara Criminal da Jurisdição da Capital (Tribunal do Júri) contra os policiais militares João Jacques Soares Busnello, Edgar Mendes Santos e Roberto Dias de Oliveira, que foram indiciados na investigação policial com os autores dos disparos que haviam causado a morte de Wallace de Almeida.  A denúncia foi, porém, rejeitada pelo juiz de primeira instância, em 30 de novembro de 2007, que entendeu não existirem os elementos necessários para a identificação dos autores do ato criminoso.  Em virtude dessa decisão, em 10 de dezembro de 2007 interpôs recurso em sentido estrito perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.  Não obstante, em 26 de junho de 2008, a corte de segunda instância também decidiu, por unanimidade, rechaçar o recurso, por considerar inconsistente a denúncia penal do Ministério Público.  Portanto, até esta data, os responsáveis pelo assassinato de Wallace de Almeida continuam impunes.  Ambas a partes indicaram que, na data de suas últimas comunicações, o Ministério Público aguardava a devolução dos autos a fim de determinar a medidas seguintes que pudessem ser adotadas.

 

B.        Plena reparação aos familiares de Wallace de Almeida, incluindo tanto o aspecto moral como o material, pelas violações de direitos humanos determinadas no presente relatório

 

183.          A Procuradoria-Geral do Rio de Janeiro, instituição encarregada de assuntos perante o sistema interamericano de direitos humanos nos termos do Decreto Nº 40.970, de 5 de outubro de 2007, elaborou um parecer jurídico em que recomendou que o Governo do Estado promovesse a reparação dos familiares da vítima pelos danos materiais ou morais sofridos, conforme o estabelecido pela Comissão Interamericana.  Quando da reunião levada a cabo pelas partes em 20 de outubro de 2008, informou-se aos peticionários que o Governo do Rio de Janeiro estava verificando a existência de recursos orçamentários no atual exercício para efetuar o pagamento da reparação material.  Foi-lhes também solicitado que apresentassem uma proposta a respeito do montante dessa reparação pecuniária.  Ambas as partes expressaram que existe vontade, de parte do Governador do Estado do Rio de Janeiro, de cumprir essa recomendação.  Contudo, até o momento, a Comissão Americana não dispõe de informação quanto ao seu efetivo cumprimento.

 

C.        Adoção e instrumentalização das medidas necessárias para uma efetiva implementação do artigo 10 do Código de Processo Penal brasileiro

 

184.          O Estado assinalou que o Governo do Rio de Janeiro contratou uma empresa consultora – o Instituto de Desenvolvimento Gerencial – para realizar um estudo sobre o sistema estadual de segurança pública, com enfoque especial nos métodos de investigação utilizados pela polícia e formas de evitar o acúmulo de processos.  Os peticionários declararam, porém, não haver recebido nenhuma informação sobre os resultados do estudo.  Por outro lado, em 12 de março de 2008, o Governador interino do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Souza, autorizou a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro a orientar as autoridades competentes, com vistas ao cumprimento desta recomendação.  Em conseqüência, a Procuradoria enviou ofícios ao Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e ao Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público.

 

D.        Adoção e instrumentalização de medidas adequadas direcionadas aos funcionários da justiça e da polícia, a fim de evitar ações que impliquem discriminação racial nas operações policiais, nas investigações, no processo ou na condenação penal

 

185.          Em 12 de março de 2008, o Governador interino do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Souza, autorizou a Procuradoria-Geral do Estado a orientar as autoridades competentes no sentido de cumprir a referida recomendação.  Em conseqüência, a Procuradoria expediu ofícios às seguintes autoridades do Rio de Janeiro: Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Secretário de Segurança Pública, Secretário de Administração Penitenciária e Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público.  Por sua vez, os peticionários reiteraram que o treinamento dos policiais civil do Rio de Janeiro é discriminatório e racista, e ressaltaram sua preocupação com o material pedagógico utilizado nesse treinamento, por singularizar de maneira discriminatória os jovens negros como traficantes de drogas, o que estimularia o comportamento discriminatório da polícia, nos termos descritos pela CIDH neste relatório (supra pars. 137-152).

 

XIII.    PUBLICAÇÃO

 

186.          A Comissão Interamericana observa que o Estado tomou algumas iniciativas tendentes ao cumprimento das recomendações formuladas no presente caso.  Contudo, é evidente que as medidas até agora adotadas não reúnem as características de investigação completa, imparcial e efetiva, tal como recomendado no relatório sobre o mérito, e nem demonstram a adoção de medidas efetivas que evitem a repetição dos fatos denunciados.  No que tange à recomendação sobre reparação, a CIDH toma nota da vontade expressa pelo Estado e insta pela reparação mortal e material dos familiares de Wallace de Almeida.

 

187.          Com efeito, decorreram mais de dez anos desde o homicídio de Wallace de Almeida, sem que o Estado demonstre ter realizado uma investigação diligente para identificar, processar e julgar os responsáveis por esse crime.  Diante do exposto, a Comissão Interamericana reitera que o Estado do Brasil é responsável pela violação dos direitos à vida, à integridade pessoal e à dignidade, consagrados respectivamente nos artigos 4, 5 e 24 da Convenção Americana, em prejuízo de Wallace de Almeida.  Ademais, a Comissão Interamericana considera que o Estado também violou os direitos às garantias e proteção judicial, previstos nos artigos 8 e 25 da Convenção, em detrimento dos familiares da vitima.  A CIDH determina igualmente que foram violadas as obrigações impostas pela Convenção Americana em seu artigo 1(1), de respeitar e garantir os direitos nela consagrados; em seu artigo 2, que estabelece o dever de adotar disposições de direito interno a fim de tornar efetivos os direitos contidos no citado corpo; e em seu artigo 28, relativa de à obrigação do Estado Federal e do Estado do Rio de Janeiro, de cumprir a disposições contidas na Convenção Americana.

 

188.          Em virtude das considerações que antecedem e do disposto no artigo 51(3) da Convenção Americana, a CIDH decide reiterar as recomendações contidas no parágrafo 168 supra e decide dar publicidade a este relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.  A CIDH, no cumprimento do seu mandato, continuará a avaliar as medidas adotadas pelo Estado do Brasil, até que as recomendações hajam sido totalmente cumpridas.

 

          Dado e assinado na cidade de Washington, D.C. aos 20 dias do mês de março de 2009. (Assinado): Víctor E. Abramovich, Primeiro Vice-Presidente; Felipe González, Segundo Vice-Presidente; Sir Clare K. Roberts, Florentín Meléndez, Paolo G. Carozza, Membros da Comissão.


 

[55] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Villagrán Morales e Outros (Caso “Meninos de Rua”), sentença de 19 de novembro de 1999, parágrafo 144.

[56] Declaração de Integrante da Polícia Militar, Anexo VI da petição.

[57] Boletim da 14ª Delegacia de Polícia.

[58] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez. Sentença de 29 de julho de 1988.     Série C, Nº 4.

[59] Anexo VI da petição, Declaração de Integrante da Polícia Militar.

[60] Anexo VII da petição, Boletim da 14ª Delegacia de Polícia.

[61] McCann e Outros v. Reino Unido, julgamento de 27 de setembro de 1995, Série A, nº 324, págs. 45-46, §§ 146-50, e pág. 57, § 194, Andronicou e Constantinou v. Chipre, julgamento de 9 de outubro de 1997, Reports of Judgments and Decisions 1997-VI, págs. 2097-98, § 171, pág. 2102, § 181, pág. 2104, § 186, pág. 2107, § 192 e pág. 2108, § 193, e Hugh Jordan v. Reino Unido, nº 24746/95, ECHR 2001-III.

[62] Ver disposições relevantes dos Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Uso de Força e Armas de Fogo por Agentes da Lei, parágrafos 67-70.

[63] Anexo VI da petição, Declaração de Integrante da Polícia Militar.

[64] Anexo VII da petição, Boletim da 14ª Delegacia de Polícia.

[65] Santiago Benadava, Derecho Internacional Público, Editorial Jurídica de Chile, 1976, p. 151. 

[66] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 170.

[67] Ver, mutatis mutandis, İlhan v. Turquia [GC], nº 22277/93, § 63, ECHR 2000-VII.

[68] Ver Anguelova v. Bulgária, nº 38361/97, § 139, ECHR 2002-IV.

[69] Ver Güleç v. Turquia, 27 de julho de 1998, Reports 1998-IV, p. 1733, §§ 81-82, e Öğur v. Turquia [GC], nº 21954/93, §§ 91-92, ECHR 1999-III.

[70] Ver Ergı v. Turquia, julgamento de 18 de julho de 1998, Reports 1998-IV, pp. 1778-79, §§ 83-84.

[71] Ver McKerr v. Reino Unido, nº 28883/95, §§ 111-15, ECHR 2001-III.

[72] Anexo X da petição, Portaria de Instauração do Inquérito Policial.

[73] Fougeyrollas, Patrick, René Cloutier, Hélène Bergeron, Jacques Côté e Ginette St Michel. Classification québécoise : Processus de production du handicap, Québec, Réseau international sur le processus de production du handicap, 1998, pág. 62.

[74] Ver a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, artigo 2 (no qual figura uma definição da tortura).

[75] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 166.

[76] Corte I.D.H., Caso Villagrán Morales e outros (Caso “Meninos de Rua”), sentença de 19 de novembro de 1999, parágrafo 225.

[77] Corte I.D.H., Caso Loayza Tamayo, Reparações, 27 de novembro de 1998, parágrafo 169.

[78] Corte I.D.H., Caso Loayza Tamayo, Sentença sobre Reparações, 27 de novembro de 1998, parágrafos 169        e 170.

[79] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 177.

[80] CIDH, Relatório Anual 1997, Relatório N° 55/97, Caso 11.137 (Juan Carlos Abella e outros), Argentina, parágrafo 412. Ver também, sobre o mesmo tema, CIDH, Relatório Anual 1997, Relatório N° 52/97, Caso 11.218 (Arges Sequeira Mangas), Nicarágua, parágrafos 96 e 97.

[81] Anexo X da petição, Portaria de Instauração do Inquérito Policial.

[82] Corte I.D.H., Caso Genie Lacayo, sentença de 29 de janeiro de 1997, parágrafo 77.

[83] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 136.

[84] Anexo X da petição, Portaria de Instauração do Inquérito Policial.

[85] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 173.

[86] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 176; e Corte I.D.H., Caso Godínez Cruz, sentença de 20 de janeiro de 1989, parágrafo 187.

[87] CIDH, Segundo informe sobre la situación de los derechos humanos en Perú, junho de 2000, Capítulo II, parágrafo 209.

[88] CIDH, Tercer informe sobre Colombia,  op. cit., parágrafos 17 e seguintes.

[89] CIDH, Segundo informe sobre la situación de los derechos humanos en Perú, op. cit., parágrafo 211.

[90] Corte I.D.H., Caso Godínez Cruz, sentença de 20 de janeiro de 1989, parágrafo 175.

[91] Cfr “Condición jurídica y derechos de los migrantes indocumentados”. CIDH, Parecer Consultivo 18/03, de 17 de setembro de 2003, parágrafo 101; Cfr. “Propuesta de modificación a la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización”, CIDH, Parecer Consultivo 04/84, de 19 de janeiro de 1984, parágrafo 54.

[92] Cfr. “No discriminación. Comitê de Direitos Humanos da ONU. Observação Geral Nº 18, Trigésimo Sétimo Período de Sessões (1989), UN Doc. HRI/GEN/1/Rev. 5, parágrafo 7.

[93] Nachova e outros v. Bulgária (Aplicaciones nos. 43577/98 e 43579/98) ECHR, 6 de julho de 2005.

[94] O artigo 14 da Convenção Européia de Direitos Humanos determina, tal como o faz o artigo 24 da Convenção Americana, a proibição da discriminação.

[95] Ver Menson e Outros v. Reino Unido (dez.), nº 47916/99, ECHR 2003-V.

[96] Ver, mutatis mutandis, Thlimmenos v. Grécia [GC], nº 34369/97, § 44, ECHR 2000‑IV.

[97] Ver, mutatis mutandis, Shanaghan v. Reino Unido, nº 37715/97, § 90, ECHR 2001‑III, ajustando o mesmo padrão em relação à obrigação geral de investigar.

[98] A CIDH não utiliza o termo "racial" como adesão às teorias que pretendem a existência de raças distintas dentro da espécie humana, mas, antes, respeitando a nomenclatura do artigo 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

[99] Nações Unidas, Relatório apresentado pelo Relator Especial (Visita ao Brasil), parágrafos 49 e seguintes.

[100] CERD. “General recommendation XXXI on the prevention of racial discrimination in the administration and functioning of the criminal justice system 2005”.

[101] Cfr. “Ciertas atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (artigos 41, 42, 44, 46, 47, 50 e 51 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos)”, CIDH, Parecer Consultivo 13/93, de 16 de julho de 1983, parágrafo 35.

[102] Cfr. Caso Airey, CIDH, Mérito, sentença de 9 de outubro de 1979, parágrafo 25.

[103] Cfr. Caso Yatama, CIDH, Mérito, sentença de 23 de junho de 2005, parágrafo 201; Cfr. “Condición jurídica y derechos humanos del nino”, CIDH. Parecer Consultivo 17/02, de 28 de agosto de 2002, parágrafo 46; Cfr. “El derecho a la información sobre la asistencia consular en el marco de las garantías del debido proceso legal”. CIDH, Parecer Consultivo de 1º de outubro de 1999, parágrafo 119.

[104] Cfr. “Condición jurídica y derechos de los migrantes indocumentados”, CIDH, Parecer Consultivo 18/03, de 17 de setembro de 2003, parágrafos 103, 104 e 106.

[105] Cfr. Caso Acevedo Jaramillo e Otros. CIDH, Mérito, sentença de 7 de fevereiro de 2006, parágrafo 213; Cfr. Caso López Álvarez, CIDH, Mérito, sentença de 1º de fevereiro de 2006, parágrafo 170; Cfr. Caso Ximenes Lopes. CIDH, Exceção Preliminar, sentença de 30 de novembro de 2005, parágrafo 4; Cfr. Caso Palamara Iribarne, CIDH, Mérito, sentença de 22 de novembro de 2005, parágrafo 184; Cfr. Caso Acosta Calderón. CIDH, Mérito, sentença de 24 de junho de 2005, parágrafo 93; Cfr. Caso Bulacio, CIDH, Mérito, sentença de 18 de setembro de 2003, parágrafos 117 e 142; Cfr.  Caso Garrido e Baigorria, CIDH, Reparações, sentença de 27 de agosto de 1998, parágrafo 69; Cfr. Caso Trujillo Oroza, CIDH, Reparações, sentença de 27 de fevereiro de 2002, parágrafo 96; Cfr.Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri, CIDH, Mérito, sentença de 8 de julho de  2004, parágrafo 151; Cfr. Caso Cinco Pensionistas, CIDH, Mérito, sentença de 28 de fevereiro de 2003, parágrafo 164; Cfr. Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros. CIDH, Mérito, sentença de 21 de junho de 2002, parágrafo 112.

[106] Cfr. Caso Villagrán Morales e outros (“meninos de rua”). CIDH, Reparações, sentença de 26 de maio de 2001, parágrafos 85 e 89; Cfr. Caso Loayza Tamayo, CIDH, Reparações, sentença de 27 de novembro de 1998, parágrafos 148 e 152.

[107] Cfr. Caso das meninas Yean e Bosico, CIDH, Mérito, sentença de 8 de setembro de 2005, parágrafo 227.

[108] Cfr. Johan Galtang, Educación en Derechos Humanos: Derechos Humanos Perspectiva de Género, Anistia Internacional, Argentina, 2004. 

[109] Cfr.Caso López Alvarez, CIDH, Mérito, sentença de 1º de fevereiro de 2006, parágrafo 104; Cfr Caso Tibi, CIDH, Mérito, sentença de 7 de setembro de 2004,  parágrafo 147; Cfr. Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri, CIDH, Mérito, sentença de 8 de julho de 2004, parágrafo 108; Cfr. Caso Maritza Urrutia, CIDH, Mérito, sentença de 27 de novembro de 2003, parágrafo 87.

[110] Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, Série C, N° 4, parágrafo 169.

[111] Corte I.D.H., OC-7/86, “Exigibilidad del derecho de rectificación o respuesta”, 29 de agosto de 1986, Parecer Separado do Juiz Gros Espiell, parágrafo 6; Caso Caballero Delgado e Santana, Reparações, sentença de 29 de janeiro de 1997, Voto Dissidente do Juiz Cançado Trindade, parágrafo 9.

[112] Corte I.D.H., Caso Bulacio, sentença de 18 de setembro de 2003, parágafo 140; Caso Cinco Pensionistas, sentença de 28 de fevereiro de 2003, parágrafo 164; Caso Instituto de Reeducação do Menor, sentença de 2 de setembro de 2004, parágrafos 205-206; Caso Gómez Palomino v. Peru, sentença de 22 de novembro de 2005, parágrafo 91.

[113] Neste sentido, ver CDH, Tae Hoon Park v. República da Coréia, Comunicação Nº 628/1995, “O Comitê considera incompatível com o Pacto que o Estado Parte tenha conferido prioridade à aplicação de sua legislação nacional sobre suas obrigações internacionais contraídas” (tradução livre).

[114] Convenção de Viena, artigo 27

[115] NOWAK, Manfred, op cit., nota 13, pág. 53, parágrafo 49 (tradução livre). Ver, também, Comitê CERD, Recomendação Geral Nº 20, “Aplicación no discriminatoria de los derechos y las libertades fundamentales”, parágrafos 1 e 5.

[116] Sobre este ponto, ver CIDH, Caso 10.180, México, Relatório Nº 8/91, 22 de fevereiro de 1991. “O Governo do México afirma que o Governo Nacional não é obrigado, em virtude da salvaguarda incluída no artigo 28 do Pacto de San José, a tomar qualquer medida no sentido de que as autoridades competentes do Estado de Nueva León adotem ou modifiquem, em um ou outro sentido, a legislação que desejarem e que constitui seu regime interno (…) A posição do Governo do México é, de qualquer modo, incongruente com a responsabilidade asumida pelo Estado mexicano ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, parágrafos 40-42. Ver também CDH, Caso Toonen v. Austrália, Comunicação Nº 488/1992.

[117] A este respeito, ver CDH, Pohl v. Áustria, op. cit., nota 17, parágrafo 9.2.