RELATÓRIO Nº 51/02[1]

ADMISSIBILIDADE

CASO 12.404

JANET ESPINOZA FERIA E OUTRAS

PERU

10 de outubro de 2002

 

 

I.                 RESUMO

 

1.        Em 2 de agosto de 2001 o senhor Walter Albán Peralta, na sua condição de Defensor Público, e a senhora Victoria Villanueva Chávez na qualidade de coordenadora geral do Movimiento Manuela Ramos (doravante denominados "os peticionários"), apresentaram uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Comissão", a "Comissão Interamericana" ou "CIDH") na qual alegam a violação dos direitos políticos (artigo 23), à igualdade perante a lei (artigo 24) e a não discriminação (artigo 1(1)), estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "a Convenção" ou a "Convenção Americana") por parte da República do Peru (doravante denominada o "Estado", o "Estado peruano", ou "Peru") em detrimento das candidatas ao Congresso da  República dos  Distritos Eleitorais de Callao, Ica e La Libertad e os eleitores Katia Iliana Chumo García e outros.

 

2.        Os peticionários denunciaram que as autoridades eleitorais do Peru, representadas pelo Juizado Nacional de Eleições, numa interpretação restritiva da  Lei Eleitoral 26859 que estabelece, entre outras disposições, as quotas eleitorais como uma ação afirmativa para promover a participação e o acesso da mulher nos  procesos eleitorais num mínimo de 30% de mulheres ou homens, favoreceu a discriminação de gênero quando emitiu a Resolução Nº 068-2001 de 22 de janeiro de 2001, que regulamentou as quotas mínimas eleitorais nos  distritos eleitorais de Callao, Ica e La libertad para as eleições do Congresso levadas a cabo no  mês de abril de 2001.

 

3.        Os peticionários indicam que tal resolução estabeleceu as quotas da seguinte maneira: para o Distrito de Ica o direito a eleger quatro (4) congressistas; um mínimo de um (1) candidato homem ou mulher por cada lista; no  Distrito da  Libertad, o direito a eleger sete (7) congressistas, um mínimo de dois (2) candidatos homem ou mulher por cada lista; e no  Distrito de Callao, o direito a eleger quatro (4) congressistas, um mínimo de um (1) candidato homem ou mulher por cada lista. Os recursos interpostos pelos  peticionários e outro organismo oficial não foram efetivos. 

 

4.        O Estado peruano alega, por sua parte, que existe uma falta de esgotamento dos recursos internos porque os peticionários não interpusram um procedimento denominado “Pedido Atípico de Nulidade de Resoluções” perante o plenário do Juizado Nacional de Eleições, e regulamentado pelo  texto Único de Procedimentos Administrativos (TUPA) de 6 de janeiro de 2001 para que essa autoridade revisara a mencionada Resolução, de modo que os peticionários não tem interesse em atuar.

 

5.        O Estado argumenta que a previsão legal a respeito das quotas mínimas abriga indistintamente a homens e mulheres para evitar o monopólio de um ou outro gênero, e que uma diferença a favor do gênero femenino constituiria uma discriminação para o gênero masculino.

 

6.        Também alegou o Estado que existe uma impossibilidade matemática para cumprir com tal disposição por que os resultados representados em números fracionários em alguns casos levam à aproximação decimal ao número inteiro mais próximo. O Estado afirma que, portanto, não violou a Convenção no  presente assunto.

 

7.        Após examinar a admissibilidade da  petição, a Comissão concluiu que tem  competência para conhecer este caso e que este é admissível, de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana, no que se refere às eventuais violações dos artigos 1(1), 23 e 24 da  Convenção Americana, e também decidiu iniciar o procedimento sobre o mérito da questão. A Comissão decidiu igualmente notificar as partes desta decisão, publicá-la e incluí-la no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

8.        Em 8 de novembro de 2001 a Comissão transmitiu as partes pertinentes da  denúncia ao Estado peruano e lhe solicitou que apresentasse informação num prazo de dois meses conforme o artigo 30(3) do  regulamento da  Comissão. Em 10 de janeiro de 2002, o Estado peruano remeteu à Comissão a sua resposta e os respectivos anexos. Em 15 de março de 2002 a Comissão enviou aos peticionários as partes pertinentes da resposta submetida pelo  Estado para seu conhecimento. Os peticionários encaminharam suas observações em 3 de julho de 2002, e em 5 de septembro de 2002 ampliaram a informação a respeito de três das vítimas citadas na denúncia que estão vinculadas ao Movimento Manuel Ramos. Estas comunicações foram transmitidas ao Estado em 11 de setembro para seu conhecimento.

 

III.          POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.          Posição dos peticionários

 

9.        Os peticionários informaram que no Peru o sistema de quotas para as eleições parlamentárias está regulamentado pelo artigo 116 da  Lei Nº 26859, Lei Orgânica de Eleições, de 29 de setembro de 1997, a qual estabelece que “As listas de candidatos ao Congresso devem incluir um número não menor de 25% de mulheres ou de homens”.

 

10.    Os peticionários afirmam que a inclusão dos homens nesta norma foi produto de uma negociação política no interior do Congresso para salvar o habitual receio frente as ações afirmativas em favor das mulheres, embora até as eleições gerais do ano de 2001 as quotas eram consideradas como uma ação afirmativa para as mulheres tanto pelos partidos e movimentos políticos como pelas autoridades eleitorais, e nesse sentido o projeto original o contemplou.

 

11.    Os peticionários indicam que por esta razão em outubro de 1998 foram realizadas as primeiras eleições municipais em que foi aplicado o sistema de quotas, sendo que houve um notável aumento no percentual de mulheres que acederam a cargos nos  governos locais no âmbito nacional, como no caso das governadoras, que passou de 7% a 25%. Nessa mesma linha, nas eleições parlamentárias de 2000, a presença das mulheres no  Congresso aumentou de 13 a 26.

 

12.    O peticionários assinalam que devido ao êxito desta medida, em dezembro do ano 2000, por recomendação da  Defensoria Pública, a Lei 27387 modificou o artigo 116 da  Lei Orgânica de Eleições, elevando a quota de mulheres não menor de 25% a não menor de 30%.

 

13.    Os peticionários alegaram que no processo eleitoral levado a cabo no dia 8 de abril de 2001, os órgãos encarregados de administrar justiça em materia eleitoral não respeitaram a quota eleitoral de 30% nos Distritos Eleitorais de Callao, Ica e La Libertad, decumprindo  o estipulado na  resolução Nº 068-2001-JNE de 22 de janeiro emitida pelo  Juizado Nacional de Eleições, que dispôs para estes três distritos um número inferior de candidatos homens ou mulheres para cada lista eleitoral dos  partido sem disputa de acordo com o número de congressistas por cada Distrito Eleitoral.

 

14.    Os peticionários alegam que para o Distrito de Ica, com direito a eleger quatro (4) congressistas, foi regulamentado um mínimo de um (1) candidato homem ou mulher por cada lista; que no Distrito da Libertad, com direito a eleger sete (7) congressistas, foi regulamentado um mínimo de dos (2) candidatos homem ou mulher por cada lista; e no  Distrito de Callao, com direito a eleger quatro (4) congressistas, foi regulamentao um mínimo de um (1) candidato homem ou mulher por cada lista.

 

15.    Como resultado disto, nos  distritos eleitorais de Ica e Callao a quota de mulheres foi reduzida a 25% do total de candidatos de cada lista e no  distrito da  Libertad a quota de mulheres foi reduzida a 28.5%.

 

16.    Em face desta situação, a Defensoria Pública, mediante comunicação de 31 de janeiro 2001, antes das eleições, pediu ao Juizado Nacional de Eleições como organismo competente para velar pelo  cumprimento das normas eleitorais, para modificar a resolução Nº 068-2001-JNE, no  sentido de fixar em dois (2) o mínimo de candidatas para os distritos eleitorais de Ica e Callao e em três (3) para o distrito eleitoral da  Libertad, tendo em consideração o disposto pelo  artigo 116 da  Lei Orgânica de Eleições, quando dispõe que “as listas de candidatos ao Congresso em cada distrito eleitoral devem incluir um número não menor a 30% de mulheres ou de homens”. Uma solicitação similar foi elevada ao Juizado Nacional de Eleições pela  presidenta da  Comissão da  Mulher e Desenvolvimento Humano do Congresso da  República, bem como pela  organização não governamental Manuela Ramos.

 

17.    A resposta do Juizado Nacional de Eleições foi a de não retificar a resolução impugnada; pelo  contrário, por meio da  Resolução Nº 22-2001-JNE de 5 de fevereiro de 2001, declarou improcedente as solicitações de retificação formuladas, considerando entre outras coisas, que a legislação eleitoral sobre reservas de quotas para a participação política não se refere exclusivamente ao sexo femenino, que não é discriminatória por tratar-se de uma norma que busca consolidar a igualdade jurídica entre ambos gêneros e que a participação eleitoral é um direito das partes cujo requisito essencial é o do livre consentimento.

 

18.    Posteriormente, o Defensor Público dirigiu-se aos Juizados Eleitorais Especiais de cada um destes distritos eleitorais, como órgãos temporários encarregados de administrar justiça nesta matéria, a fim de que garantissem a proteção dos  direitos de igualdade e participação política reconhecidos na  Constituição e na Lei Eleitoral, e que verificassem as listas de candidatos apresentadas pelos partidos políticos em cumprimento das quotas mínimas e sanasse o erro no  prazo mais breve possível.

 

19.    O único Juizado Eleitoral Especial que respondeu à solicitação feita pela Defensoria Pública foi o do distrito judicial de Ica, mediante Resolução de 9 de fevereiro de 2001, em que resolveu não acolher o pedido formulado po esta instituição. Esta decisão foi  apelada perante o Juizado Nacional de Eleições, o qual mediante Resolução Nº 295-2001-JNE de 4 de abril de 2001 declarou infundada a apelação interposta com os mesmos argumentos expostos na solicitação anterior que de forma direta formulou a Defensoria Pública e as outras duas entidades mencionadas.

 

20.    Tal situação de discriminação, informam os peticionários, foi inserida no  Relatório Preliminar da  Missão de Observação Eleitoral da  União Européia Eleições de 8 de abril de 2001, no Relatório Final do Instituto Nacional Democrata/Centro Carter (Projeto Conjunto de Observação Eleitoral) de 11 de julho de 2001 e denunciada pelo  Movimento Manuela Ramos à Missão de Observação Eleitoral Eleições Gerais da República do Peru ano 2001 da  OEA. 

 

21.    Os peticionários assinalam que neste caso existem “interesses difusos quando estes pertencem a cada um dos membros de um grupo, classe, comunidade, mas  sem a existência de um vínculo jurídico determinado” por tratar-se de necessidades comuns de uma pluralidade indeterminada de pessoas afetadas por um mesmo ato, omissão, fato ou disposição jurídica, o que leva a que a legitimidade para atuar perante as instâncias competentes converta-se numa ação popular (actio popularis).

 

22.    Neste sentido, indicam que a resolução do Juizado Nacional de Eleições mencionada, constitui um interesse difuso do universo de mulheres, quem foram candidatas em potencial ao Congresso da  República pelos  distritos eleitorais de Callao, Ica e La Libertad; que de acordo com a informação do Escritório Nacional de Processos Eleitorais ONPE, o número de mulheres habilitadas para votar e, portanto, potenciais candidatas dos distritos eleitorais referidos é de 892.868.

 

23.    Os peticionários afirmam que a Defensoria Pública é a última garantia de cobertura daqueles fenômenos juridicamente relevantes e órfãos da justiça, em especial, os interesses difusos.

 

24.    Os peticionários argumentam que mediante esta decisão do Juizado Nacional de Eleições as supostas vítimas foram afetadas em seus direitos políticos ao não poder eleger um número maior de mulheres daquele desejado. No distrito eleitoral da  Libertad, Luisa Cecilia Castillo Carranza, Kelly Jacqueline Baigorria Acosta, Fanny Ruíz Reyes, Marcela Rodríguez Argomedo, Mercedes Eusevio de Saavedra, Janet Espinoza Feria e Miguel Ascue Nuñez. No  distrito eleitoral del Callao, Katia Iliana Chumo García, Benjamín Zevallos Ortíz Drago, Fernando Alberto García Huby, Gloria Boulangger de Castillo, Sandra Escobar de Barayvar, Ruth Vásquez López, Gissela Bouangger Falla, Silvia Rosa Moreno Bocanegra e Juana Zerpa de Velarde. No  distrito eleitoral de Ica,  Patricia Rita Zanabria Castillo, Aleida Fidelina Chacaltana, Celso Artemio Cupe, Lastenia Ismelda Aparcana Diaz e Lidia Esperanza Diaz Villacrisis.

 

25.    Na comunicação datada de julio deste ano, e em resposta às observações do Estado peruano, os peticionários enfatizam o esgotamento dos recursos internos com o procedimento perante o Juizado Nacional de Eleições, e assinalam que a alternativa relacionada à interposição do Pedido Atípico de Nulidade de Resoluções perante esta mesma autoridade não é meio eficaz, pois os cidadãos Edwin Laguerre Gallardo e Ricardo Bissete Pinedo solicitaram, num assunto diferente, a intervenção da  Defensoria Pública por intermédio desse recurso excepcional, tendo esse órgão declarado improcedentes os recursos interpostos com fundamento de que suas resoluções não são passíveis de revisão.

 

26.    Os  peticionários argumentam que a verdadeira histórica desse país é que as listas ao Congresso sempre foram compostas exclusiva ou majoritariamente por homens, o que demonstra que a previsão legal da quotas se trata de uma ação afirmativa e que o argumento da  impossibilidade matemática do cumprimento das  porcentagens das quotas para mulheres ou homens quando o resultado é um número decimal, este deve ser aproximado ao número inteiro superior.

 

27.    Mediante comunicação de 5 de setembro de 2002, a Coordenadora Geral do Movimento Manuela Ramos informa que “Na  relação de vítimas mencionadas na  petição, figuram três pessoas que eram membros do Movimento Manuela Ramos na data em que ocorreu a violação da Lei Eleitoral e na  parte referente à aplicação do mecanismo de quotas de representação política nas listas de candidatos a congressistas. Os recursos foram interpostos até que fosse esgotada a jurisdição interna. As pessoas mencionadas são: Janet Espinoza Feria, atual Coordenadora do Escritório Regional de Manuela Ramos com sede na  cidade de Trujillo, estado da  Libertad. Ingressou no ano de 1998. Patricia Rita Zanabria, advogada do Programa Direitos Sociais de Manuela Ramos. Ingressou em 1997, Eleitor do distrito eleitoral de Ica e Katia Iliana Chumo García, atual governadora da  Municipalidade da  Província Constitucional de Callao, integrante da  rede de ex-alunas do Curso Internacional de Direitos Humanos desenvolvido anualmente por Manuela Ramos”.

 

 

B.          Posição do Estado

 

28.    O Estado manifestou que as supostas vítimas ou potenciais candidatas tinham a possibilidade de interpor um “Pedido Atípico de Nulidade de Resoluções” perante o pleno do Juizado Nacional de Eleições, procedimento regulamentado no  ítem Nº 40 do Texto Único de Procedimentos Administrativos (TUPA) do Juizado Nacional de Eleições, para que essa entidade revisara sua própria resolução, independentemente das petições e recursos interpostos “pelas instituições patrocinantes das candidatas supostamente afetadas”. Por esta razão, os peticionários não tinha esgotado os procedimentos prévios, existendo “falta de interesse para agir, pois elas não esgotaram os recursos que a lei interna lhes oferece antes de recorrer a instâncias supranacionais”.

 

29.    O Estado argumenta também que o artigo 116 da  Lei Eleitoral que estipulou as quotas mínimas de homens ou mulheres para as listas eleitorais de candidatos ao Congresso não estabeleceu uma ação afirmativa a favor das mulheres, mas legislou contra o predomínio exclusivo de um ou outro sexo nas listas parlamentares,  do contrário se terminaria discriminando os homens no caso em que todas as candidatas fossem mulheres. 

 

30.    Finalmente assinala que o Juizado Nacional de Eleições tem dificuldade de cumprir matematicamente com a porcentagem de 30% estabelecida legalmente no  artigo 116 da  Lei 27859, pois de acordo com a distribuição de candidatos para cada distrito eleitoral estabelecida pela resolução de 22 de janeiro de 2001 Nº 069-2001-JNE, e ao padrão eleitoral, não é possível determinar com exatidão o número de lugares a serem concedidos nas quotas mínimas para cada circunscrição eleitoral. Por esta razão, decidiu-se como solução arredondar para  o número mais próximo, conforme previsto pelo artigo 21 da  Lei Orgânica de Eleições.

 

IV.       ANÁLISE SOBRE ADMISSIBILIDADE

 

A.      Competência ratione temporis, ratione loci, ratione materiae, e ratione pessoae da  Comissão

 

31.    Em primeiro lugar, a Comissão tem competência ratione temporis [em razão do tempo] para conhecer o presente caso, porque os peticionários alegam que o Estado peruano é responsável internacionalmente em relação à decisão do Juizado Nacional de Eleições de 22 de janeiro de 2001, a qual foi prolatada depois que o Estado tinha depositado  o instrumento de ratificação da  Convenção Americana em 28 de julho de 1978 perante a Secretaria Geral da  Organização dos Estados Americanos.

 

32.    Em segundo lugar, com relação à competencia ratione materiae [em razão da  matéria] a petição inicial denuncia supostas violações dos  direitos consagrados nos  artigos 1(1), 23 e 24 da  Convenção Americana.

 

33.    A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que esta alega  violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam  tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado.

 

34.    Quanto à competência passiva ratione pessoae [em razão da pessoa], os peticionários atribuem violações a um Estado parte, neste caso o Peru. Com relação à competência ativa ratione pessoae [em razão da pessoa], os peticionários alegam que estas violações foram cometidas em detrimento de Luisa Cecilia Castillo Carranza, Kelly Jacqueline Baigorria Acosta, Fanny Ruíz Reyes, Marcela Rodríguez Argomedo, Mercedes Eusevio de Saavedra, Janet Espinoza Feria, Miguel Ascue Nuñez, Katia Iliana Chumo García, Benjamín Zevallos Ortíz Drago, Fernando Alberto García Huby, Gloria Boulangger de Castillo, Sandra Escobar de Barayvar, Ruth Vásquez López, Gissela Bouangger Falla, Silvia Rosa Moreno Bocanegra e Juana Zerpa de Velarde, Patricia Rita Zanabria Castillo, Aleida Fidelina Chacaltana, Celso Artemio Cupe, Lastenia Ismelda Aparcana Diaz, e Lidia Esperanza Diaz Villacrisis, vítimas diretas, que aspiravam em cada um de seus distritos eleitorais a eleger a outras candidatas que não puderam participar da disputa eleitoral porque o sistema de quotas  é restritivo, e também em detrimento de  892.868 mulheres candidatas e eleitoras dos  distritos eleitorais da  Libertad,  Callao e Ica.

 

35.    A Comissão observa que um dos  co-peticionários, a Defensoria Pública, aduz agir em representação em abstrato, ou seja, em nome do coletivo de mulheres, eleitoras potenciais dos distritos eleitorais de Libertad, Callao e Ica, quantificadas em 892.868, na forma de uma actio popularis. Contudo, a CIDH considera que à luz dos artigos 44 e correlacionados da Convenção e da jurisprudência do sistema interamericano, cabe declarar a admissibilidade da  petição com respeito  a aquelas vítimas devidamente individualizadas, identificadas e determinadas, para efeito de iniciar os trâmites previstos nos artigos 46 e seguintes da  Convenção em concordância com os artigos 26 e seguintes do Regulamento da  Comissão.[2] 

 

36.    Para os fins de admissibilidade, a CIDH considera que as pessoas identificadas como vítimas e individualizadas são também representativas do grupo inominado que a Defensoria indica como potenciais vítimas.  

 

 

B.          Outros requisitos de admissibilidade da  petição

 

a.          Esgotamento dos  recursos internos

 

37.    A regra da prévia interposição e esgotamento dos  recursos da  jurisdição interna estabelecida no artigo 46(1)(a) da Convenção, dispõe que toda petição formulada perante a Comissão deve ter sido conhecida previamente, em substância, perante as instâncias internas. Esta regra permite aos Estados solucionar previamente as questões formuladas dentro de seu próprio marco jurídico antes de enfrentar um processo internacional. O Estado tem a obrigação constitucional ou legal de oferecer um recurso acessível, efetivo e viável, através do qual as supostas vítimas possar solicitar o reconhecimento e o  restabelecimento de seus direitos antes de acionar o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, sem que tais procedimentos convertam-se em meras formalidades que ao contrário de possibilitar a realização destes objetivos, venham a diluir no tempo a viabilidade,   reconhecimento e exercício do seu direito de petição.

 

38.    No  presente caso, a Comissão constata que os peticionários interpuseram os recursos internos disponíveis contra a resolução Nº 068-2001-JNE de 22 de janeiro  de 2001, mediante solicitações perante o Juizado Nacional de Eleições em 31 de janeiro de 2001 apresentado pela  Defensoria Pública; através de um recurso apresentado pelo  Movimento Manuela Ramos em 1º de fevereiro de 2001; e mediante uma petição da Presidenta da  Comissão da  Mulher e Desenvolvimento Humano do Congresso da  República. Todas essas petições foram declaradas improcedentes pela Resolução Nº 122-2001-JNE de 5 de fevereiro de 2001, como máxima autoridade competente nesta matéria.

 

39.    A sua vez, o Estado alegou que os recursos internos que dispõe a lei eleitoral desse país não foram esgotados, pois se podia interpor recurso perante o Juizado Nacional de Eleições contra sua própria Resolução Nº 068-2001-JNE de 4 de janeiro de 2001, matéria da  violação impugnada.

 

40.    O primeiro aspecto do argumento está centralizado na Resolução 011-2001-JNE de 4 de janeio de 2001, que aprovou o Texto Único de Procedimentos Administrativos (TUPA) do Juizado Nacional de Eleições, cujo ítem Nº 40 estabelece um procedimento denominado “Pedido Atípico de Nulidade de Eleições”, que na opinião do Estado, seria aplicável quando não existe um mecanismo preestabelecido para impugnar a decisão adotada por essa suprema autoridade eleitoral.[3]

 

41.    Outro aspecto da discordância do Estado e relacionado ao ponto anterior é que, independentemente das solicitações submetidas ao Juizado Nacional de Eleições pelos peticionários, as potenciais candidatas supostamente afetadas tinham a possibilidade de interpor um “Pedido Atípico de Nulidade de Resoluções”, a fim de que a decisão adotada pelo  Juizado Nacional de Eleições fosse revisada.

 

42.    A Corte Interamericana determinou na sua jurisprudência que, quando um peticionário alega que foram esgotados os recursos disponíveis ou que se aplica uma exceção proposta pelo  artigo 46 da  Convenção, "o Estado que alega o não esgotamento tem o dever de indicar os  recursos internos que devem ser esgotados e sua efetividade."[4]

 

43.    No  presente caso, o Estado assinalou o não esgotamento de tais recursos, indicando que o mecanismo pertinente para questionar internamente o pronunciamento do Juizado Nacional de Eleições, é o “Pedido Atípico de Nulidade de Resoluções,” já que , na sua opinião, não havia outro mecanismo estabelecido para impugnar a resolução 068-2001-JNE.   

 

44.    Conforme assinalado pelos peticonários e a evidência contida nos anexos das comunicações,  supra 14, os peticionários, mediante as comunicações de 31 de janeiro e 1º de fevereiro de 2001, manifestaram diretamente perante o Juizado Nacional de Eleições sua discordância com o conteúdo da Resolução 068-2001-JNE dessa mesma autoridade, ao  considerar que a fixação de uma quota inferior a 30% nas listas dos candidatos ao Congresso da  República nos  distritos eleitorais da Libertad,  Callao e Ica infringiu o artigo 116 da  Lei Eleitoral 27387.

 

45.    Este órgão respondeu a estas solicitações através da  Resolução Nº 22-2001-JNE de 5 de fevereiro de 2001, declarando “improcedentes as solicitações de retificação da  Resolução Nº 068-2001-JNE,” não porque estas entidades careciam de interesse jurídico para agir ou porque foram interpostas fora do prazo, mas sim porque, na sua opinião, não havia a violação alegada, isto é, resolveu o mérito das petições.[5]

 

46.    A Defensoria Pública dirigiu-se aos Juizados Eleitorais Especiais de cada um dos  distritos eleitorais da  Libertad, Callao e Ica, como órgãos temporais encarregados de administrar justiça nesta matéria,[6] solicitando-lhes que garantissem os direitos de igualdade e participação política reconhecidos na Constituição e na Lei Eleitoral, verificassem as listas de candidatos apresentadas pelos partidos políticos em cumprimento das quotas mínimas e sanassem o erro, supra 16 e 17.

 

47.    O único Juizado Eleitoral Especial que respondeu às solicitações da Denfensoria Pública foi o do distrito eleitoral de Ica, que declarou extemporânea a petição por ter restringido a sua resolução ao disposto pela  lei eleitoral e alegou que as respectivas listas já haviam sido pulbicadas nos jornais do local.[7]  Em face desta decisão, a Defensoria Pública apelou ao  Juizado Nacional de Elecções, o qual pronunciou-se novamente sobre a matéria através da Resolução Nº 295-2001-JNE de 3 de abril de 2001, em que declarou infundada a apelação interposta pela  Defensoria Pública reiterando os argumentos antes expostos, supra 14 e 16, e referindo-se a sua Resolução Nº 122-2001-JNE anteriro de 5 de fevereiro de 2001 como antecedente, a mesma que tinha resolvido as petições da  Defensoria Pública, do Movimento Manuela Ramos e da Presidenta da  Comissão da  Mulher do Congresso. Esta mesma autoridade, ademais, determinou que esta decisão havia sido adotada em instância final e definitiva e que não cabia recurso algum contra ela. De acordo com  o artigo 181 da  Constituição Política e do artigo 36 da  Lei Orgânica do Juizado Nacional.[8]  

 

48.    Confome demonstrado, os peticionários acionaram a autoridade competente, o Juizado Nacional de Eleições, pelo procedimento consagrado na mesma Lei Eleitoral e receberam resposta em duas ocasiões, sob o mesmo presuposto de fato e no mesmo sentido, confirmando que houve erro nas petições ou no procedimento tramitado. A resposta do Estado quanto à utilização do “Procedimento Atípico de Nulidade das Resoluções” perante o mesmo Juizado Nacional de Eleições é o exercício de um mecanismo ou recurso extraordinário que seria aceitável se não existissse outro através do qual essa autoridade tivesse a oportunidade de pronunciar-se, como efetivamente o fez um duas ocasiões.

 

49.    A Comissão também observa que, de acordo com artigo 181 do dispositivo constitucional, as resoluções emitidas pelo Juizado Nacional de Eleições nesta matéria são decretada em instância final, definitiva e irreversível, o que significa que não existe a  possibilidade de serem conhecidas e revisadas nos seus aspectos formais ou de mérito por via  ordinária, verbi gratia perante o contencioso administrativo ou por via de amparo, sendo que esta última trata-se de uma ação extraordinária, com a qual os peticionários não teriam outra oportunidade perante os órgãos regulares do Estado para demandar a proteção a estes direitos que alegam terem sido violados.

 

50.    Com relação  à carência de interesse para agir alegada pelo Estado, tendo em vista que as vítimas não interpuseram de forma direta o recurso interno (Pedido Atípico de Nulidade de Eleições), observa a Comissão que três das supostas vítimas citadas na  denúncia,  Janet Espinoza Feria, Patricia Rita Zanabria e Katia Iliana Chumo García estavam vinculadas ao Movimento Manuela Ramos em diferentes atividades nos distritos eleitorais mencionados na época de sua apresentação.

 

51.    A Comissão entende que quando o Movimento Manuela Ramos dirigiu-se ao  Juizado Nacional de Eleições para solicitar a revisão da resolução mencionada, interpôs uma ação não somente em nome coletivo das mulheres que representa, mas também em nome de Janet Espinoza Feria, Patricia Rita Zanabria e Katia Iliana Chumo García, que fazem parte de seu movimento, o que demonstra o esgotamento do recurso interno[9]. Embora as outras supostas vítimas não tenham dirigido-se diretamente a essa instância para reclamar para si tal direito, o Estado não aportou nenhum argumento, razão ou prova destinada  a demostrar que a decisão tomada pelo Juizado Nacional de Eleições pudesse ter sido diferente do resultado contido nas resoluções de 5 de fevereiro e 3 de abril de 2001, quando declarou improcedentes e infundadas as solicitações de revisão da  Resolução 068-2001-JNE de 22 de janeiro de 2001 ou tivesse obtido como resposta que a improcedência  baseiava-se no argumento que tais decisões não são suscetíveis de revisão, como de fato ocorreu, assinalam os peticionários, com os senhores Edwin Laguerre Gallardo e Ricardo Bissete Pinedo, num assunto diferente ao aqui exposto. Havendo resoluções sobre os mesmos fatos aqui reclamados, o Estado tem a obrigação processual de demonstrar a possibilidade certa de que um novo recurso perante a mesma autoridade teria ao menos certa perspectiva de êxito.[10]  

 

52.    A Comissão reitera que os recursos oferecidos pela  legislação interna na esfera eleitoral para que os peticionários e as supostas vítimas pudessem solicitar a reposição de seus direitos foram esgotados e que, por tratar-se ademais de um procedimento restritivo, sem nenhuma possibilidade de controle judicial ou constitucional, estão esgotadas as possibilidades na sua jurisdição para que o Estado peruano possa prover os supostos direitos alegadamente violados por seus agentes.      

 

b.          Prazo para apresentar uma petição perante à Comissão

 

53.    O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva”. A Comissão observa que o último pronunciamento definitivo do Juizado Nacional de Eleições foi emitido em 3 de abril de 2001. A petição foi apresentada perante a Comissão em 2 de agosto de 2201, dentro do prazo de seis meses. A Comissão conclui, portanto, que este requisito foi cumprido.

 

c.          Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

54.    Com relação ao requisito de que a petição não esteja pendente de decisão por outro organismo internacional conforme estabelecido no  artigo 46(1)(c) da  Convenção, a Comissão não tem informação que indique que esta circunstância esteja presente. Portanto, a Comissão considera que foi cumprido este requisito. Adicionalmente, a Comissão conclui que foi cumprido o requisito estabelecido no artigo 47(d), visto que esta petição não é a reprodução de uma petição já examinada pela Comissão nem foi decidida por outro organismo internacional.

 

d.          Caracterização de violações

 

55.    O artigo 47, letra (b) da  Convenção estabelece que a Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando "não exponha fatos que caracterizem uma violação dos direitos garantidos por esta Convenção".  Os peticionários alegaram que as decisões do Juizado Nacional de Eleições ensejaram a violação por parte do Estado do direito à não discriminação (artigo 1(1), os direitos políticos (artigo 23) e o direito à igualdade perante a lei (artigo 24) da Convenção. A Comissão considera que os fatos expostos pelos  peticionários, se provados verdadeiros, poderiam configurar violações dos  direitos consagrados na  Convenção Americana. Portanto, a Comissão conclui que foi cumprido este requisito.

 

V.          CONCLUSÕES

 

56. A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana. 

 

57.          Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.        Declarar admissível a petição no que se refere as eventuais violações dos artigos 1(1), 23 e 24 da  Convenção Americana.

 

2.        Notificar as partes desta decisão.

 

3.        Continuar com a análise sobre o mérito da questão.

 

4.       Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert.

 

 

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[1] De conformidade com o estabelecido no artigo 17 do Regulamento da CIDH, a Membro da Comissão Sra. Susana Villarán, de nacionalidade peruana, não participou na discussão e decisão do presente assunto. 

[2] A Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Opinião Consultiva OC-14/94, par. 45 a 47 reiterou  esta exigência e a  CIDH, num caso similar, Caso María Eugenia Morales Sierra, Relatório de Admissibilidade Caso 11.625 de 6 de março de 1998, assim o resolveu.

[3] Item 40 do Texto Único de Procedimentos Administrativos do Juizado Nacional de Eleições (JNE), aprovado mediante resolução Nº 001-2001-JNE, Pedido Atípico de Nulidade de Resoluções expedidas pelo pleno do Juizado Nacional de Eleições. Requisitos. Pedido dirigido ao Presidente do JNE e assinado pelo  peticionário. Anexar comprovante de pagamento de Banco da Nação à ordem de do JNE. 10% UIT S/ 300.00. Qualificação Não regular. Dependência onde se inicia o trâmite: Escritório de Trâmite Documentário do JNE. Resolução do Pleno do JNE. Autoridade que resolve a impugnação.

[4] Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de exceções preliminares de 26 de junho 1987, par.88.

[5] Ver anexo 8 da  denúncia, publicação no jonral El Peruano página 198287 de 7 de fevereiro de 2001. “Declaram improcedentes solicitações de retificação da  Res. No. 068-2001.JNE, que estabeleceu um número mínimo de mulheres e homens que devem integrar as listas de candidatos ao Congresso da  República.” 

[6] Artigo 34 da  Lei Nº 26859, Lei Orgânica de Eleições

[7] Ver anexo 10 da  denúncia. 

[8] Ver anexo 15 da  denúncia, publicação no jornal El Peruano, página 200870 de  4 de abril de 2001. “Declaram infundada apelação interposta pela  Defensoria Pública contra resolução emitida pelo  Juizado Eleitoral Especial de Ica”.

[9] Ib. Caso María Eugenia Morales Sierra, Relatório de Admissibilidade Caso 11.625, de 6 de março de 1998.  

[10] Ver no  mesmo sentido Comissão Européia de Direitos Humanos, Appl. 27/55 X vs Federal Republic of Germany 1978.