COMUNICADO DE IMPRENSA

Nº 10/01

1.  Nesta data, 8 de junho de 2001, finaliza a visita in loco que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ("CIDH" ou "Comissão") efetuou à República de Panamá, a convite do seu Governo, com o objetivo de observar a situação geral dos direitos humanos neste país. Participaram da visita os seguintes membros da Comissão: Presidente, Decano Claudio Grossman, a Segunda Vice-presidenta, licenciada Marta Altolaguirre e o professor Hélio Bicudo. O doutor Santiago Canton, Relator Especial da CIDH para a Liberdade de Expressão, também participou da visita. A Comissão contou com o apoio de seu Secretário Executivo, Embaixador Jorge E. Taiana; do Secretário Executivo Adjunto, doutor David Padilla; e da especialista em direitos humanos da Comissão, doutora Raquel Poitevien, responsável pelos assuntos do Panamá. A doutora Isabel Madariaga, participou na qualidade de advogada consultora em direito indígena. Como pessoal de apoio administrativo participaram as senhoras Martha Keller e Nadia Hansen.

2. A Comissão é o órgão principal da Organização dos Estados Americanos ("OEA") que de maneira imparcial se encarrega de promover a observância e defesa dos direitos humanos no hemisfério. As atribuições da CIDH derivam fundamentalmente da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de San José (a "Convenção Americana") e da própria Carta da OEA, instrumentos ratificados pela República do Panamá. Com este propósito, a Comissão investiga e decide sobre denúncias individuais de violações dos direitos humanos, celebra visitas in loco (como a atual que foi efetuada no Panamá), prepara projetos de tratados e declarações sobre direitos humanos, bem como relatórios sobre a situação de direitos humanos nos países da região. A Comissão está integrada por sete membros eleitos a título pessoal pela  Assembléia Geral da OEA, por um período de quatro anos.

3. Durante a visita, a CIDH reuniu-se com a Presidenta da República, Excelentíssima senhora Mireya Moscoso; os senhores Presidentes das Comissões de Direitos Humanos e de Assuntos Indígenas da Assembléia Legislativa, Ilustres Legisladores Dr. Felipe Cano e Enrique Montezuma respectivamente; com a Ilustre Magistrada Presidenta da Corte Suprema de Justiça, doutora Mirtza Franceschi de Aguilera, e com outras altas autoridades do Estado, tanto dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como de outros departamentos do Estado.

4. A Comissão reuniu-se também com o Vice-Ministro de Relações Exteriores, Harmodio Arias; o Ministro de Governo e Justiça, Winston Spadafora; com o Vice-Ministro do Trabalho e Desenvolvimento, Jaime A. Moreno Díaz; com a Ministra da Juventude, a Mulher, a Infância e a Família, Alba Tejada de Rolla; o Procurador Geral da Nação, José Antonio Sossa; e com o diretor da Polícia Nacional, Carlos Barés. Nesta ocasião a Comissão também pode reunir-se com os Magistrados do Tribunal Eleitoral, cujo Presidente é o Dr. Erasmo Pinilla Castillero.

5. Com relação aos encontros com diferentes setores da sociedade civil panamenha, a Comissão entrevistou-se com representantes de mais de 30 organizações não governamentais de direitos humanos, as quais apresentaram Relatórios sobre suas diversas áreas de trabalho. A CIDH reuniu-se com representantes e autoridades de diferentes povos  indígenas, quem expressaram a CIDH a situação dos direitos humanos em suas comunidades.

6. A CIDH reuniu-se com Representantes e Delegados de diversas agências especializadas das Nações Unidas, entre elas a OPS/OMS, ACNUR e UNICEF, com quem  intercambiou importante informação sobre diferentes temas.

7. A Comissão visitou ademais o Centro Penitenciário La Joyita, o Centro Feminino de Reabilitação, e o Centro de Cumprimento do Adolescente. Durante estas visitas, a CIDH reuniu-se com a Diretora Nacional do Sistema Correcional, a senhora Concepção Corro, o Sr. Ariel Herrera (La Joya),  Marta Navarro de Ávila (mulheres) e o senhor Diomedes Kaa, Diretor do Instituto de Estudos Interdisciplinários.

8. Adicionalmente, a Comissão visitou o Hospital Psiquiátrico Nacional; onde estavam presentes especialistas da Organização Panamericana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPS/OMS), Lilian Reneau-Vernon (Representante OPS/OMS em Panamá), José Miguel Caldas de Almeida (Coordenador Regional do Programa de Saúde Mental OPS/OMS) e Javier Vázquez (Representante do Departamento de Assuntos Jurídicos e Programa de Saúde Mental OPS/OMS).

9. A CIDH deslocou-se pelo interior do país até a Comarca Kuma de Madungandi para encontrar-se com as autoridades Kuma e Embera; recorreu a área da comunidade e inteirou-se das circunstâncias relativas ao caso 12.354 que está tramitando atualmente perante a CIDH.

10. Como é habitual nestas visitas, a CIDH recebeu queixas de pessoas que denunciaram, diretamente ou através de seus representantes, terem sido vítimas de violações de seus direitos humanos; entrevistou aqueles que desejavam fornecer informação adicional em relação às petições e casos que se encontram em trâmite perante a Comissão.

11. A CIDH deseja destacar que teve a mais ampla liberdade para reunir-se com as pessoas de sua eleição, bem como para deslocar-se para qualquer lugar do território que estimara conveniente. O Governo do Panamá estendeu a Comissão, em todos os âmbitos, a mais plena assistência e cooperação a fim de possibilitar a realização de seu programa.

12. A presente visita in loco permitiu aprofundar a relação com o Estado e a sociedade civil, para continuar trabalhando juntos na tarefa permanente de proteção e promoção dos direitos humanos. O programa desenvolvido pela CIDH permitiu obter uma apreciação, por enquanto necessariamente preliminar e provisória, da situação geral dos direitos humanos no Panamá. A informação recebida será analisada detalhadamente nas próximas reuniões que a Comissão celebrar em sua sede com o objetivo de elaborar um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Panamá. Cabe assinalar que ao receber, tramitar e decidir petições individuais de pessoas que denunciam violações aos direitos humanos, a CIDH desempenha funções quase-jurisdicionais. Portanto, a CIDH se abstém de efetuar pronunciamentos específicos que possam pré-julgar sobre o fundo dos casos individuais submetidos à sua consideração.

13. Sem prejuízo do anterior, ao finalizar sua visita, a Comissão deseja expressar as seguintes considerações gerais:

AVANÇOS

14. Desde a última visita da CIDH a Panamá em março de 1989, a Comissão acompanhou atentamente a evolução da situação geral dos direitos humanos no Panamá, e observou que atualmente existem avanços muito importantes na  matéria. Panamá atravessou uma transformação fundamental e significativa desde a instalação do governo do Presidente Guillermo Endara em 20 de dezembro de 1989, democraticamente eleito nas eleições gerais de maio de 1989. Com o advento de uma regime democrático, foi posto fim a 21 anos de ditadura militar e violações sistemáticas de direitos humanos, criando condições favoráveis para avançar no desenvolvimento das instituições democrática e na consolidação do Estado de Direito. Estas condições resultaram na restauração das liberdades públicas, o desmantelamento do aparato repressivo ditatorial e o submissão ao processo judicial de alguns responsáveis por violações de direitos humanos. Nessa etapa o Estado panamenho promoveu diversas leis e impulsionou a criação de instituições destinadas a promover a vigência dos direitos humanos. Cabe destacar que o Panamá ratificou todos os instrumentos de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos.

15. Igualmente, o Estado panamenho aboliu o exército e criou uma força pública subordinada ao poder civil através de uma norma constitucional, profissionalizando a Polícia Nacional através de um sistema de estudos obrigatórios na "Escola de Formação de Oficiais". Outros avanços importantes são a criação da Defensoria Pública, das eleições gerais (1994 e 1999) e, recentemente a criação da Comissão da Verdade para investigar os crimes da ditadura, todas elas medidas significativas para o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos no Panamá desde 1990.

16. O Governo do Panamá fez um esforço grande para melhorar a situação penitenciária, demonstrado pela demolição da Prisão Modelo há alguns anos. Este estabelecimento penal construído em 1920 já não cumpria com nenhum dos padrões internacionais de direitos humanos para as pessoas privadas de liberdade. No lugar da antiga prisão, foram construídas duas novas penitenciárias, com o propósito de aliviar a situação de superpopulação do sistema penitenciário. O Estado panamenho também está elaborando uma série de Projetos de Leis e Programas que contribuem para o melhoramento da administração da justiça. Outrossim, foi elaborado um Projeto de Reforma da lei eleitoral que tem como objetivo, entre outros, melhorar os mecanismos utilizados para realizar eleições e o sistema de financiamento das eleições. A princípios do mês de maio de 2001, foi reformado o Código de Processo  Penal, a fim de reduzir a demora judicial que ainda se manifesta de forma preocupante.

17. O Estado panamenho eliminou algumas leis "mordaça" e, durante a visita, comprometeu-se a deixar sem vigência as demais leis que restringem o direito à liberdade de expressão antes do término do presente período constitucional. Também a CIDH foi informada pelo  Governo que autorizaria o estabelecimento de uma Oficina do ACNUR no território panamenho na zona de Darién. Com relação à situação dos indígenas, será permitido que as meninas utilizem suas roupas tradicionais para assistir às escolas localizadas nas áreas indígenas e se investigará se existem barreiras para a inscrição de nomes indígenas tradicionais no registro civil. A CIDH valoriza estas ações que tomará o Estado panamenho, que redundam na proteção dos direitos culturais dos povos indígenas.

18. Não obstante os avanços conquistados, existem situações importantes que estão afetando a plena vigência dos direitos humanos no Panamá, cuja solução deve ser empreendida sem demora e de forma decidida pelo Estado panamenho. A seguir está um breve resumo  de outras situações importantes relativas à observância dos direitos humanos na República do Panamá:

A. DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

19. A CIDH prestou especial atenção à informação recebida relativa à vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais. Cabe destacar que Panamá ratificou o Protocolo adicional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Protocolo de San Salvador, que a nível regional detalha a normativa específica em relação a estes direitos.

20. A CIDH foi informada das limitações à vigência destes direitos que se desprende da insuficiência do desenvolvimento, como a falta de recursos e a desigualdade na distribuição de renda. Em particular, a CIDH recebeu com preocupação informação sobre a situação das comunidades indígenas e camponesas, onde os índices de pobreza alcançam  90% dos habitantes e onde diversos indicadores de mortalidade infantil, acesso à saúde, à educação, a condições dignas de vida e de trabalho, mostram uma realidade notoriamente deplorável. A CIDH analisará toda a informação recebida oportunamente e apresentará suas conclusões em relação ao gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais.

B. COMISSÃO DA VERDADE

21. A CIDH destacou em reiteradas oportunidades seu apoio a iniciativas que buscam investigar e esclarecer situações de violações sistemáticas de direitos humanos que tenham sido cometidas pelo Estado. Em particular, o sistema interamericano reconhece o direito à verdade sobre as circunstâncias e responsabilidades geradas pelas torturas, execuções extrajudiciais e desaparecimentos ocorridas nos períodos ditatoriais, questão fundamental tanto para os familiares das vítimas como para a sociedade em geral.

22. O Governo da República do Panamá criou mediante Decreto Executivo de 18 de janeiro de 2001, a Comissão da Verdade por um período de seis meses, prorrogável por três meses adicionais, com o mandato de estabelecer um quadro das violações de direito à vida, incluindo desaparecimentos, cometidas durante o regime militar desde 1968 até 1989. A Comissão parabeniza esta iniciativa e espera que a mesma permita esclarecer as circunstâncias em que ocorreram as mortes e desaparecimentos, bem como o destino dos restos mortais dos afetados. A CIDH reuniu-se com membros da Comissão da Verdade e se familiarizou sobre os trabalhos da mesma. A CIDH recebeu informação sobre as dificuldades que atravessa este organismo para o adequado cumprimento de seus objetivos em curto prazo, sendo imprescindível que conte com os recursos adequados, o acesso a toda a informação existente, e em particular, o apoio irrestrito de todos os organismos do Estado e a colaboração ampla da população.

23. O Governo da República do Panamá, através de seu Ministro de Relações Exteriores, solicitou a CIDH sua colaboração para apoiar o trabalho que vem realizando a Comissão da Verdade. A CIDH reitera ao povo e ao Governo do Panamá que oferecerá todo o apoio possível para contribuir com o cumprimento das funções desta Comissão. Durante sua visita a CIDH entregou à Comissão da Verdade dois Relatórios públicos sobre Panamá que cobrem o período que investiga esta Comissão.

24. A CIDH, como toda a comunidade internacional, espera que o Relatório da Comissão da Verdade seja um passo decisivo na busca da verdade, da justiça e da reparação das violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar. Em reiteradas oportunidades, a CIDH destacou que a construção de uma sociedade com plena vigência dos direitos humanos e onde não seja possível repetir-se violações massivas depende, em boa medida, de estabelecer a verdade e  de lograr justiça para as vítimas de atrocidades do passado.

C. O SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

25. A lei 40 em vigor desde agosto de 1999, estabelece a idade de responsabilidade penal para menores entre 14 e 18 anos, com penas máximas que não excedam os 5 anos. Esta lei prevê medidas alternativas à detenção e outros benefícios que permitem a desinstitucionalização do tratamento penitenciário, resultando numa diminuição da população total de crianças reclusas no país.

D. SITUAÇÃO PENITENCIÁRIA

26. Durante a visita a CIDH recebeu informação que a população penal soma 9.179 pessoas em todo o território nacional, as quais se encontram reclusas em estabelecimentos com uma capacidade total para 6.836 pessoas, o que significa uma superpopulação de aproximadamente 34%. Esta população está composta por 3.971 pessoas que foram condenadas e 44 cujos processos encontram-se em etapa de apelação. O resto, 5.164, estão sendo processados e representam  56% da população total penitenciária. Estas cifras mostram um avanço em comparação aos anos anteriores, ainda que, segundo informou-se a  CIDH, o Estado em suas reformas seguiu as normas do direito penal clássico.

27. Contudo, o sistema penitenciário continua sendo gravemente afetado pela superpopulação e o elevado número de pessoas que se encontram longos períodos em prisão preventiva devido à demora na tramitação das causas penais. São necessários maiores esforços para reduzir a superpopulação e o número de pessoas processadas que se encontram longos períodos nas prisões. Ademais, a CIDH recebeu informação de que não existe uma classificação dos reclusos, sendo que processados e apenados convivem nas mesmas celas.

28. A CIDH visitou instituições penais, especificamente, o Centro Feminino de Reabilitação, o Centro de cumprimento do Adolescente, e La Joyita onde também reuniu-se com as autoridades carcerárias da Joya.

29. No Centro Feminino de Reabilitação, a CIDH pôde constatar os esforços realizados pelo Estado para melhorar a situação da população penal processada e condenada. Entretanto, as condições de vida da população que se encontra em detenção preventiva são de confinamento deplorável. A CIDH constatou que somente alguns estabelecimentos com população masculina permitem visitas conjugais, não sendo estas autorizadas nos estabelecimentos femininos. No Centro de Cumprimento do Adolescente, para menores entre 14 e 18 anos de idade, a CIDH constatou a presença de 17 menores de idade, cujas condições de vida satisfaziam os requisitos básicos para este tipo de estabelecimento.

30. A situação das prisões de Joya e La Joyita, em troca, é realmente deplorável. As duas prisões, as maiores do país, albergam em conjunto mais de 4.000 homens, quase o dobro de sua capacidade física. Como consequência, um grande número de presos estão obrigados a dormir no chão ou pendurados em redes, colocadas as vezes a quatro metros de altura do piso. As instalações sanitárias encontram-se deterioradas e são  insuficientes, o que põe em risco a saúde da população existente. A CIDH constatou sérias deficiências nos serviços de saúde acessíveis aos detidos, bem como a falta de oportunidades de trabalho, programas de reabilitação e atividades recreativas.

31. A CIDH constatou a inexistência de um pessoal penitenciário especializado e treinado adequadamente para este tipo de tarefas. A custódia dos detidos está em mãos da Polícia Nacional, embora alguns centros contem com custódia civil para a vigilância interna das pessoas privadas de liberdade. O Ministro da Justiça assinalou a CIDH sua aspiração de criar um corpo especializado penitenciário.

E. DIREITOS DAS CRIANÇAS

32. A CIDH manifestou sua preocupação constante pela situação das crianças no hemisfério. Cabe notar que, não obstante que o Estado do Panamá tenha firmado e ratificado o Convenio 138 da OIT, a CIDH vem recebendo  reiteradas denúncias da existência de trabalho infantil, em particular de crianças indígenas, no cultivo de cana-de-açúcar e de café, sendo ineficientes as medidas de fiscalização dos organismos governamentais.

F. DIREITOS DA MULHER

33. A CIDH prestou especial  atenção aos direitos humanos da mulher. A CIDH valoriza os avanços realizados nos últimos anos, especialmente os dirigidos ao reconhecimento dos direitos da mulher, ao dar-lhe um lugar especial em altas funções do Estado. Contudo, durante a visita, a CIDH recebeu informação de que as mulheres recebem um salário médio inferior aos dos homens e que a porcentagem de mulheres desempregadas em idade ativa é maior que a dos homens.

34. A CIDH aprecia a aprovação da Lei 27 que sanciona o assédio sexual e a violação, bem como programas de proteção à mulher, destinados a prevenir e punir a violência intra-familiar. A CIDH também foi informada que existem programas de educação sexual e saúde reprodutiva, ações fundamentais, tendo em vista que as cifras oficiais registram  22% de casas cujo chefe de família é a mulher. A Comissão aprecia a aprovação da Lei 6 de 2000 referente à eliminação de referências sexistas na educação.

G. DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

35. O interesse pelos direitos humanos dos povos indígenas tem sido constante na CIDH. A CIDH valoriza os avanços legislativos realizados nos últimos anos, especialmente aqueles dirigidos a reconhecer os territórios indígenas e seus direitos culturais, em especial, as leis de criação de comarcas de Madungandi, Nögbe Buglé e Kuma de Wargandi; a Lei do Regime Especial de Propriedade Intelectual sobre os Direitos Coletivos dos Povos Indígenas. Contudo, a CIDH recebeu informação de que persistem algumas dificuldades, por exemplo, a existência de povos, cujos os territórios ainda não foram reconhecidos legalmente como sendo seu território através de leis de criação de comarcas e a modificação das leis das comarcas sem prévia consulta com os indígenas, o que vulnera o direito de participação nos assuntos que lhes concernem. Adicionalmente, a  CIDH vê com preocupação a situação das crianças, em sua maioria indígenas Nögbe Buglé, que trabalham nos canaviais de Veraguas e Cocle em condições desumanas e das crianças e adultos sem identidade legal, em sua maioria indígena, do Departamento de Renacimiento, Chiriquí, na fronteira com Costa Rica. A CIDH recebeu informação que os níveis de pobreza dos povos  indígenas do Panamá refletem um sério problema de distribuição de ingresso nacional, já que aproximadamente 80% dos indígenas vivem em condições de pobreza e 70% em condições de extrema pobreza.

H. DIREITOS DAS PESSOAS INCAPACITADAS

36. A CIDH manifestou anteriormente sua preocupação com a situação das pessoas portadoras de deficiência e instou os Estados a tomar medidas para evitar sua discriminação em diferentes âmbitos. Durante a visita a CIDH recebeu informação sobre a falta de regulamentação e de medidas concretas dirigidas à integração de pessoas com incapacidade físicas. A CIDH visitou o Hospital Psiquiátrico Nacional para observar a situação dos internos e o cumprimento de padrões internacionais relativos aos direitos das pessoas com incapacidade mental.

37. A CIDH, durante a visita, recebeu informação que analisará oportunamente. Cabe assinalar que a CIDH está preocupada com o acesso dos pacientes à informação sobre seus direitos básicos no momento de ingressar a instituição e sobre o exercício de um grande número dos direitos previstos na "Declaração de Caracas" da OPS/OMS e os "Princípios para a Proteção dos Doentes Mentais e o Melhoramento da Atenção à Saúde Mental" da ONU. Em especial, a CIDH teve conhecimento que a maioria dos pacientes foi admitida involuntariamente na instituição e que em alguns casos não foi feito todo o possível para evitar uma admissão involuntária. Também foi informada de que os pacientes, ou sua família, não são consultados  a respeito do plano de tratamento médico psiquiátrico, não se lhes informa de seu progresso e tampouco se obtém  por escrito o consentimento informado do paciente ou seu representante para sua aplicação. Igualmente, não existem normas que prevejam as circunstâncias nas quais é possível a admissão involuntária de pacientes, que autoridade é a responsável de decidir sobre esta admissão e o procedimentos para tal fim. Tampouco existem órgãos judiciais ou outro órgão qualificado, independente e imparcial, nem procedimentos efetivos com o objetivo de revisar a admissão involuntária dos pacientes e se persistem as condições ou circunstâncias pelas quais foi admitido involuntariamente. As condições de vida no hospital são deploráveis.

I. LIBERDADE DE EXPRESSÃO

38. A liberdade de expressão no hemisfério é uma das principais preocupações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Devido a diversos requerimentos de amplos setores da sociedade civil das Américas, a CIDH criou a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. A Relatoria é um escritório de caráter permanente, com independência funcional e orçamento próprio, que opera dentro do marco jurídico da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Relatoria para a Liberdade de Expressão conta com o apoio  dos Chefes de Estado e de Governo do hemisfério, os quais,  durante a Segunda Cúpula das Américas celebrada no Chile em abril de 1998, fizeram pública sua preocupação sobre o estado da liberdade de expressão em seus países e celebraram a criação da Relatoria.

39. Os  objetivos da Relatoria são, entre outros, estimular a consciência pelo pleno respeito à liberdade de expressão no hemisfério, considerando o papel fundamental que esta tem na consolidação e desenvolvimento do sistema democrático e na denúncia e proteção dos demais direitos humanos, além de formular recomendações específicas aos Estados membros sobre matérias relacionadas com a liberdade de expressão, a fim de que sejam adotadas medidas progressivas a seu favor.

40. O Relator Especial realizou uma visita a Panamá em julho de 2000 a convite do governo panamenho. Depois da visita o Relator Especial publicou suas conclusões preliminares sobre a visita. Atualmente se encontra finalizando este relatório, onde será incluída a informação recebida até o presente.

41. A Comissão deseja expressar sua preocupação porque,  desde a visita do Relator até esta data, não houve nenhum avanço para garantir de forma mais ampla o livre exercício do direito à liberdade de expressão. Pelo contrário, a Comissão foi informada sobre um aumento dos processos penais contra os comunicadores sociais.

42. A Comissão assinalou que a criminalização das manifestações dirigidas  contra os funcionários públicos ou a particulares envolvidos voluntariamente em questões relevantes ao  interesse público é uma sanção desproporcionada em comparação à importância que tem a liberdade de expressão e informação dentro de um sistema democrático.

43. A necessidade de um controle completo e eficaz sobre o manejo dos assuntos públicos como garantia para a existência de uma sociedade democrática requer que as pessoas que, tenham a seu cargo o manejo dos mesmos, contem com uma proteção diferente frente às críticas que teria  qualquer particular que não esteja envolvido em assuntos de interesse público. Dentro deste contexto, a Comissão já manifestou que a aplicação de leis para proteger a honra dos funcionários públicos que atuam com caráter oficial lhes outorga de forma injustificada um direito à proteção de que não dispõe os demais integrantes da sociedade. Esta distinção inverte indiretamente o princípio fundamental de um sistema democrático que submete o governo a certos controles, entre eles, o escrutínio da cidadania para prevenir ou controlar o abuso de seu poder  de coação.

44. A obrigação do Estado de proteger os direitos dos demais é cumprida quando se estabelece uma proteção estatutária contra os ataques intencionais à honra e a reputação mediante ações civis,  e se promulgam leis que garantam o direito de retificação ou resposta. Desta forma, o Estado garante a proteção da vida privada de todos os indivíduos sem fazer uso abusivo de seus poderes de coação para reprimir a liberdade individual de formar opinião e expressá-la.

45. A Comissão pôde comprovar que continuam vigentes disposições legais que consagram a figura do desacato. A Comissão considera que o desacato é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Princípio 11 da Declaração de Princípios de Liberdade de Expressão aprovado pela CIDH estabelece que "Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior escrutínio por parte da sociedade. As leis que penalizam a expressão ofensiva dirigida a funcionários públicos geralmente conhecidas como 'leis de desacato' atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação". Segundo a informação recebida, as seguintes normas consagram o  desacato: artigo 33 da Constituição Política da República; artigos 202 e 386 do Código Judicial; artigo 827 do Código Administrativo sobre penas correcionais; artigo 45 do Código Administrativo sobre a Administração Municipal e artigos 307 e 308 do Código Penal.

46. Em relação ao direito de acesso à informação, a Comissão reitera o expressado pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão durante sua visita ao Panamá em Julho de 2000. Naquela oportunidade, a Relatoria recomendou a  promulgação de leis para garantir um cumprimento eficaz do direito de acesso à informação e a ação de habeas data. A CIDH recebeu informação sobre a existência de distintos projetos sobre acesso à informação. Algumas destas iniciativas foram apresentadas pela sociedade civil e outras iniciadas pelas autoridades. A CIDH entende que é muito importante que estas iniciativas sejam consideradas brevemente para evitar uma demora desnecessária na sanção desta lei.

47. Contar com procedimentos que garantam o acesso à informação em poder do Estado contribui para o controle da gestão estatal e é um dos mecanismos mais eficazes para combater a corrupção. A ausência de controle efetivo implica uma atividade oposta à essência do Estado democrático e deixa a porta aberta para transgressões e abusos inaceitáveis. Garantir o acesso a informação em poder do Estado contribui para aumentar a transparência dos atos de governo e, consequentemente, diminuir a corrupção na gestão estatal. O amplo acesso à informação em poder do Estado é um requisito indispensável  para assegurar que a cidadania esteja devidamente informada sobre as violações de direitos humanos. Este direito é ainda mais relevante em momentos em que existe uma Comissão da Verdade que tem a tarefa de realizar um relatório sobre as violações sistemáticas aos direitos humanos ocorridas no passado.

48. A Comissão recebeu informação sobre a existência de um anteprojeto de lei de imprensa. Sobre este particular, a Comissão deseja recordar que recentemente aprovou uma Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão que estabelece os padrões internacionais para uma proteção adequada deste direito, em concordância com o art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão solicita às autoridades panamenhas que tenham presente esta Declaração, tanto na redação do projeto de lei de imprensa, como para analisar, e modificar ou derrogar, se necessário, as normas existentes sobre liberdade de expressão.

49. A Comissão recebeu informação sobre um caso, no qual se alega a possível intervenção das autoridades para retirar a publicidade oficial de um meio de imprensa. Sem prejuízo da análise que fará a Comissão sobre a informação recebida, a Comissão deseja recordar o conteúdo do Princípio 13 da Declaração de Princípios, que estabelece: "A utilização do poder do Estado e os recursos da fazenda pública; a concessão de encargos tributários; a designação arbitrária e discriminatória de publicidade oficial e créditos oficiais; outorga de frequências de rádio e televisão, entre outros, com o objetivo de pressionar e castigar ou premiar e privilegiar aos comunicadores sociais e aos meios de comunicação em função de suas linhas informativas, atenta contra a liberdade de expressão e devem estar expressamente proibidos pela lei. Os meios de comunicação social têm o direito a realizar seu trabalho de forma independente. Pressões diretas ou indiretas dirigidas a silenciar a atividade informativa dos comunicadores sociais são incompatíveis com a liberdade de expressão."

50. A Comissão não pode deixar de mencionar que a pobreza e a marginalização social em que vivem amplos segmentos da população afetam seriamente a liberdade de expressão, uma vez que essas vozes estão caladas,  com difícil acesso ao debate amplo de idéias e opiniões, e limitadas para aceder à informação necessária a fim de desenvolverem-se  equitativamente dentro de uma sociedade democrática.

51. De igual maneira, a discriminação da mulher e dos povos indígenas atenta contra a liberdade de expressão; a marginalização dos espaços públicos de discussão implica privar a sociedade de escutar setores majoritários da população. A liberdade de expressão dos indivíduos encontra nos meios de comunicação massiva e na participação política ativa um mecanismo para conseguir que as fortes desigualdades de vários segmentos da população  tenham um espaço que facilite a busca de soluções dentro de um contexto democrático.

52. Por último, a CIDH recebeu numerosas denúncias de que o Procurador Geral, senhor José Antonio Sossa, tinha desatado uma campanha sistemática dirigida contra os jornalistas, abandonando a neutralidade e imparcialidade que caracterizam as suas funções. A CIDH investigará estas denúncias que assinalam que, sob o pretexto de proteger a honra das pessoas, se pretende limitar a liberdade de expressão no Panamá, processando numerosos jornalistas.

J. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

53. Como é do conhecimento público, no mês de fevereiro passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu a sentença no caso Baena e outros que foi tramitado anteriormente perante a CIDH e apresentado perante a Corte. Durante sua estada no Panamá, a CIDH reuniu-se com representantes das vítimas deste  caso, quem manifestaram a CIDH sua inquietude pela demora no cumprimento da execução desta sentença. Na reunião com a senhora Presidenta da República, a CIDH foi informada da certeza desta autoridade de Estado de sua disposição de cumprir com as obrigações internacionais que impõe esta sentença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

54. A CIDH deseja expressar seu agradecimento ao Governo da República do Panamá, na  pessoa de sua Presidenta, senhora Mireya Moscoso, ao Ministério de Relações Exteriores, à Missão do Panamá perante a OEA e as  demais autoridades estatais, pelo convite efetuado à Comissão e por todas as facilidades outorgadas para a realização da visita;  as organizações não governamentais, ao Escritório Nacional da OEA no Panamá, que colaborou também na organização de diversos aspectos da visita, aos particulares que de forma franca e transparente contribuíram com seus valiosos depoimentos e documentação, e todas as pessoas e instituições que, conjuntamente com aquelas mencionadas anteriormente, ofereceram sua hospitalidade, facilidades e colaboração à CIDH para a realização desta visita. A Comissão deseja agradecer também o interesse dos jornalistas e os meios de comunicação pela cobertura desta visita.

55. De acordo com as funções atribuídas pela Carta da OEA, a Convenção Americana e os demais instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis, a Comissão continuará acompanhando a situação dos direitos humanos no Panamá.

56. Conforme os instrumentos citados, a CIDH elaborará nos próximos meses um Relatório Final sobre a situação dos direitos humanos no Panamá, o qual conterá as conclusões e recomendações correspondentes formuladas pela Comissão ao Estado panamenho. Este relatório, depois de transcorridos os trâmites regulamentares, será publicado a fim de informar à sociedade panamenha e aos demais Estados membros da OEA. A CIDH reitera seu desejo de continuar colaborando com as autoridades e com o povo do Panamá, no limite de sua competência, a fim de contribuir para o fortalecimento dos mecanismos internos e internacionais para a defesa e proteção dos direitos humanos dentro do marco do Estado democrático e constitucional de direito.

Panamá, 8 de junho de 2001.

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