RELATORIO SOBRE A SITUACAO DOS DEREITOS HUMANOS NO BRASIL

CAPÍTULO VI



OS DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

A. ANTECEDENTES JURÍDICOS E HISTÓRICOS

Antecedentes gerais

1. Aproximadamente 330.000 cidadãos brasileiros indígenas conformam os 206 povos originários, ancestrais do território da União. Suas organizações, características de vida e gozo de direitos humanos são variados: há os que mantêm uma cultura selvática auto-suficiente, com mínimo contato com o exterior, ao passo que outros, através da agricultura e de outras formas de produção, estabeleceram intensas relações com o mundo não-indígena.

2. Os povos indígenas reivindicam direitos legais sobre 11% do território nacional e têm obtido importantes reconhecimentos dos mesmos. Em sua grande maioria, as terras indígenas (aproximadamente 95%) situam-se na Amazônia, ocupando cerca de 18% da região, e nelas vivem pouco menos de 50% dos indígenas brasileiros. Em contraste, outros 50% dos indígenas são habitantes de áreas do sul do Brasil, cuja superfície é inferior a 2% do total dos territórios indígenas.

3. Nos últimos 30 anos, os povos indígenas brasileiros intensificaram sua participação na vida política, aumentando, em conseqüência, o reconhecimento geral dos seus direitos. Um fator essencial para tal foi, paradoxalmente, a expansão da infra-estrutura econômica moderna para o interior do Brasil, iniciada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e acelerada nas décadas de 60 e 70, sob os regimes militares. Em resposta a essa expansão, que avançava para o interior das suas áreas ancestrais, iniciaram-se grandes mobilizações de indígenas e de organizações que defendiam e promoviam seus direitos humanos.

4. A partir de 1987, o Plano Calha Norte, baseado no princípio de ocupação territorial segundo princípios militares de segurança, pretendeu reduzir os grandes territórios indígenas contíguos, excluí-los de uma faixa de segurança de 62 km a partir das fronteiras e enfatizar a classificação dos indígenas em "silvícolas" e "aculturados", com diferentes direitos segundo cada categoria. Em relação aos "aculturados", as obrigações do Estado desapareciam ou, ao menos, eram sensivelmente reduzidas.

 

Direitos constitucionais

5. Em face dessa situação, numerosos setores brasileiros e internacionais apoiaram as reivindicações indígenas, tal como manifestado na Assembléia Constituinte de 1988, na qual a discussão passou dos foros estaduais, em que prevaleciam interesses locais geralmente contrários às reivindicações indígenas, para o nível nacional, em que a defesa dos direitos indígenas foi apoiada por outros grandes setores sociais. A Constituição de 1988, no seu Capítulo VIII, consagra uma das posições normativas mais avançadas da legislação comparada. Suas disposições diretamente relacionadas aos direitos dos indígenas superam a doutrina de "assimilação natural" previamente aceita. Por outro lado, são reconhecidos como permanentes os direitos originais inerentes aos povos indígenas por sua condição de primeiros e contínuos ocupantes históricos de suas terras.

6. No seu Capítulo VIII, "DOS ÍNDIOS", dispõe a Constituição de 1988:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nestas existentes.

§3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§5º É vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção do direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º Art .

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Título IX. Das disposições constitucionais gerais.

Art.67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição. [5 de outubro de 1988].

7. Ao considerar os direitos indígenas como direitos "originais", a Assembléia Constituinte aceita o princípio de que os indígenas eram os proprietários originais das terras e, portanto, que seus direitos antecedem todo ato administrativo do governo. Além disso, a Constituição estabeleceu que o Ministério Público Federal deve defender os direitos dos indígenas perante os tribunais, e que os grupos indígenas podem, por si mesmos, promover ações judiciais.

8. Em princípio, compete à justiça federal dirimir as controvérsias referentes aos direitos dos indígenas ou de suas comunidades. A pesar que a constituição estabelece que cabe a Justiça Federal dirimir disputas sobre interesses indígenas, existem diversas interpretações com relação a questões penais. Assim é que alguns juizes estaduais se entendem competentes em casos em que a vítima ou réu sejam indígenas. Com muita freqüência, confundem-se disputas territoriais com ilícitos penais e as questões de competência postergam indefinidamente as decisões. Uma unidade especial do Ministério Público Federal, a Coordenadoria da Defesa dos Direitos e Interesses das Populações Indígenas, é responsável pela defesa de suas comunidades. Quanto à tarefa legislativa sobre direitos indígenas, esta é da competência do Congresso Nacional, inclusive no tocante a decisões sensitivas como a de autorizar a exploração de recursos naturais de áreas indígenas. Não obstante, em muitos casos, decisões de Assembléias Legislativas estaduais referentes, por exemplo, à criação de novos Municípios que se inserem em áreas indígenas, são conflitantes com essa competência e invadem a competência privativa federal estabelecida na Constituição.

 

Regulamentação dos direitos dos índios

 9. Muitos desses direitos constitucionais dependem de regulamentação. Atualmente, permanece em vigor o Estatuto do Índio (Lei 6.001, de 1973) que segue os preceitos integracionistas da antiga Convenção 107 da OIT, e o Código Civil Brasileiro de 1916, além de outros instrumentos jurídicos específicos como, por exemplo, a lei e o decreto referentes à demarcação de terras indígenas.

10. O Estatuto do Índio estabelece, em seu Artigo 3º, que é "índio ou silvícola todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional".

11. Os indígenas estão classificados pelo Código Civil Brasileiro, de acordo com o seu grau de aculturação, em silvícolas ou adaptados. Os "silvícolas" estão incluídos na categoria dos "relativamente incapazes, juntamente com o grupo de maiores de 16 e menores de 21 anos (CCB, Art. 6º). De acordo com a doutrina, essa incapacidade relativa deveria ser uma proteção e não uma restrição. Essa incapacidade legal não impede que eles possuam os direitos comuns, de propriedade, reunião, trânsito, etc.; e eles estão protegidos por presunção da lei. Tal incapacidade se extingue na medida em que os índios "silvícolas" se adaptam à "civilização do País".

12. O Estatuto do Índio, que regula essa incapacidade (Lei 60.001, de 1973), considera que os índios estão 'integrados' quando são incorporados à comunidade nacional e reconhecidos como em pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem os usos, costumes e tradições característicos da sua cultura. Nesse caso, cessa a sua capacidade relativa como "silvícolas".

13. Além disso, o Estatuto, em seu Art. 4º, subdivide os indígenas em "isolados", "em vias de integração" e "integrados". Todos os indígenas, tanto individualmente como comunidades ou como organizações, podem ser partes em juízos em defesa dos seus direitos e interesses, cabendo ao Ministério Público intervir, em todos os casos, em caráter tutelar. A FUNAI exerce, por lei, a representação total dos "silvícolas".

14. O Estatuto do Índio inclui disposições que visam a fazer respeitar os valores, usos e costumes indígenas. O Estatuto indica, por exemplo, que a assistência aos menores para fins educacionais deve ser prestada, quando possível, sem separá-los da sua convivência familiar ou tribal. Estabelece, igualmente, que é crime contra a cultura indígena utilizar o índio ou a comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição com finalidade de lucro (EI:art. 58,II).

15. No processo de integração do índio, corresponde à União, aos Estados e aos Municípios, bem como a outros órgãos, respeitar a comunidade nacional, a coesão das comunidades indígenas, seus valores culturais, tradições, usos e costumes (EI:Art.2,VI). O Estatuto dispõe, igualmente, que se deve garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat próprio, provendo-os de recursos para seu desenvolvimento e progresso (EI:Art.2, V). Também é crime contra a cultura indígena ridicularizar uma cerimônia, rito, uso costume ou cultura tradicional indígena, vilipendiá-la e perturbar, de qualquer forma, a sua prática (EI:Art.58,I).

16. O Estatuto do Índio de 1973, contudo, tal como se encontra, contraria o estabelecido na Constituição de 1988, em muitos dos seus dispositivos. O principal contraste está em que hoje não existe mais a perspectiva integracionista que é o espírito do Estatuto de 1973.Foi uma grande conquista dos índios e organizações que os apoiam, que a Constituição de 1988 abolisse a idéia de que os índios devem ser assimilados culturalmente. Atualmente está em trâmite no Congresso Nacional, um projeto de lei, o Estatuto das Sociedades Indígenas, que regulamenta as relações do índio com a sociedade nacional, de acordo com o estabelecido na Constituição.

 

B. A INTERVENÇÃO FEDERAL EM RELAÇÃO AO ÍNDIO. A FUNAI

 17. O Estado brasileiro realiza numerosas ações de defesa e promoção dos indígenas e de seus direitos. O principal órgão nesse campo é a Fundação Nacional para o Índio (FUNAI), que detém jurisdição tutelar sobre as áreas indígenas, mantém postos de saúde e educação nas áreas indígenas e intervém nos processos judiciais em que esteja envolvido um índio ou uma comunidade indígena.

18. A FUNAI também é o organismo técnico central no processo de demarcação de terras indígenas e de mobilização de outros órgãos para o cumprimento das responsabilidades do Governo brasileiro em relação aos povos indígenas.

19. Em 1996, a Administração federal do Presidente Fernando Henrique Cardoso adotou uma importante iniciativa educacional visando acabar com os preconceitos e o racismo e a fazer com que a história e a cultura dos povos indígenas fossem corretamente tratadas e apresentadas. Com o apoio do Ministério da Educação, através da Comissão de Educação Escolar Indígena, iniciou-se um programa de promoção e divulgação de material didático e pedagógico de nível elementar, secundário e superior, para todos os estudantes brasileiros desses respectivos níveis, destinado a desenvolver uma apreciação adequada e a divulgar conhecimentos a respeito dos povos indígenas brasileiros.

 

C. OS DIREITOS SÓCIO-ECONÔMICOS E CULTURAIS DOS POVOS INDÍGENAS BRASILEIROS

 20. Os indígenas brasileiros estão passando por um momento crucial em suas relações com o mundo moderno e com o sistema econômico global. Além dos problemas legais, políticos e de terras com que se defrontam, sua situação de saúde e nutrição é deficitária.

21. Em novembro de 1995, O Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, o Museu Nacional da Bahia e o Banco do Nordeste produziram o "Mapa da Fome entre os Povos Indígenas", cuja publicação foi apresentada em audiência pública perante autoridades da Câmara dos Deputados. O estudo baseou-se num levantamento de 297 áreas indígenas, que abrangiam uma população de 311.000 índios. O estudo inclui, entre outras áreas, os Estados de Rondônia e do Maranhão, o sul do Pará, a área de influência da Rodovia Transamazônica, a Hidrelétrica de Tucuruí e o Projeto Grande Carajás.

22. De acordo com esse estudo, a situação das comunidades indígenas em matéria de saúde, alimentação e educação e especialmente a situação imobiliária, é grave. Em 198 das 297 áreas estudadas, constataram-se problemas de sustento alimentar. Desses 198 áreas, 102 estavam legalmente regularizadas, 15 homologadas, 30 delimitadas e 25 identificadas. Quase todas têm problemas de invasão, destruição do meio ambiente, como poluição causada por restos de mercúrio utilizado por garimpeiros, exploração ilegal de madeira e da agropecuária e terras de tamanho insuficiente para prover o sustento.

23. A expectativa de vida dos índios brasileiros é de 45,6 anos, menor do que a da média da população. Isto representa um agravamento em relação à taxa correspondente a 1993, que foi de 48,3 anos, e reflete um aumento de doenças infecciosas. No Estado do Mato Grosso, a expectativa média de vida do indio baixou ainda mais, e agora é de 38 anos. Um relatório da FUNAI citado nesse estudo indica que, no período 1993-1994, a principal causa de morte (22.3%) foi a falta de assistência médica a pacientes de doenças previsíveis e curáveis, especialmente entre crianças.

24. Ainda existem grupos isolados de indígenas no Brasil, com os quais não se manteve contato. Em setembro de 1995, um especialista vinculado a um grande empréstimo internacional para "o desenvolvimento de recursos naturais" em Rondônia indicou a funcionários governamentais que não existiam grupos indígenas não contactados em Rondônia. Dois dias mais tarde, um técnico da FUNAI estabeleceu contato com 11 sobreviventes de duas aldeias de canoés e Mequéns. Segundo a informação dos índios, nos últimos 10 anos os criadores da região haviam eliminado a maior parte de ambos os grupos e destruído suas fontes naturais de subsistência na selva, a fim de abrir terreno para a pecuária. Há evidências de que ainda existem cerca de 22 localizações de grupos indígenas isolados no Brasil. Embora a maioria deles esteja em áreas já declaradas indígenas, outros parecem estar em situação semelhante a dos mencionados Canoés e Mequéns.

 

D. AS TERRAS INDÍGENAS

 Regime jurídico: o status do direitos indígena sobre suas terras

 25. As áreas indígenas do Brasil são bens da União, tal como expressamente determinado na Constituição Federal (CF Art. 20,XI). Por essa razão estão sujeitas à competência da justiça federal. Ao mesmo tempo, a Constituição reconhece o conceito de "originalidade" dos direitos dos índios em relação às terras que ocupam, ou seja, que os direitos não nascem de um ato de outorga do Estado e sim, das circunstâncias históricas de ocupação original e utilização ancestral. A Constituição também reconhece que cabe aos índios a posse permanente das terras que ocupam por tradição e o usufruto exclusivo do solo, dos rios e dos lagos, bem como a participação nos benefícios da sua exploração das riquezas do subsolo, riquezas hídricas, e energéticas.

26. As áreas indígenas podem ser assim classificadas: as de que eles são usufrutuários (áreas "ocupadas" e áreas "reservadas") e as de que são legítimos proprietários, ou seja, as que são de propriedade integral do índio ou da comunidade indígena.

27. O Estatuto do Índio (art. 17) assinala que são áreas indígenas 1) as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas; 2) as áreas reservadas; e 3) as áreas de domínio das comunidades indígenas ou silvícolas.

 

O processo de reivindicação de terras. Antecedentes históricos

 28. A grande expansão populacional e econômica para ocupar o território central e amazônico do Brasil, iniciada na década de 50 e acelerada nas décadas de 60 e 70 exerceu duas grandes conseqüências sobre a vida dos indígenas. Por um lado, gerou um esforço no sentido de esclarecer a condição jurídica das terras do interior do país, cujo status era confuso ou ambíguo, decorrente dos requisitos de segurança jurídica de uma economia agrária moderna, o que resultou na intensificação do processo de demarcação e titulação de áreas indígenas. Por outro lado, levou à introdução, nessas áreas, de novos grupos populacionais não-indígenas, que destruíram a antiga ecologia para implantar a agricultura, a pecuária e outras explorações, e devastaram o habitat e, em certos casos a própria vida de muitas comunidades indígenas.

 

A situação atual

29. Os 94.600.000 hectares quadrados (946.000 km2) de terras indígenas no Brasil, em sua maioria na Amazônia, abrangem uma áreas três vezes maior do que todos os demais tipos de terras protegidas não-indígenas (parques, matas nacionais e reservas extrativas).

30. No momento, existem 205 áreas indígenas registradas como tais nos cadastros gerais ou especiais (Serviço do Patrimônio da União), abrangendo cerca de 30 milhões de ha. Essas áreas são de propriedade integral juridicamente reconhecida. Existem outras 261 áreas com certo nível de reconhecimento jurídico, abrangendo 32 milhões de ha. Isso implica um progresso jurídico/administrativo de reconhecimento que é significante, já que, em 1967, ano de fundação da FUNAI, apenas 10% dessas terras haviam recebido algum grau de reconhecimento como terra indígena.

31. Atualmente, em julho de 1997, cerca de 123 áreas indígenas estão em processo de demarcação, que consiste na identificação da área pela FUNAI, no estabelecimento de seus limites mediante portaria do Ministério da Justiça, na demarcação física, na ratificação por decreto presidencial e no seu registro no cadastro imobiliário. O processo de demarcação de terras está quase concluído, já que as terras ainda sem reconhecimento mínimo representam uma extensão equivalente a 10% das já reconhecidas, quer em processo de demarcação quer já demarcadas ou registradas.

32. Entre 1990 e 1995, a superfície de área indígena com documentação legal concluída quadruplicou, indicando não apenas a crescente capacidade política das organizações pró-indígenas, como também uma vontade real do Estado em reconhecer esses direitos.

33. Entretanto, na realidade, a demarcação e o registro legal das terras indígenas constituem apenas um passo inicial no seu estabelecimento e na sua defesa real. Essa propriedade e posse efetiva vê-se continuamente ameaçada, usurpada ou reduzida por diferentes causas. Em primeiro lugar, pelas invasões e intrusões ilegais para extração de madeira, a mineração e a agricultura ou para assentamentos de núcleos não-indígenas. Juntem-se a isto os ataques judiciais e políticos à estabilidade dos direitos já estabelecidos ou ao seu processo de consolidação. Citem-se, finalmente, as decisões no sentido de estabelecer infra-estruturas rodoviárias, energéticas ou de obras públicas, sem o devido acordo das populações indígenas afetadas.

34. A partir de 1993, os tribunais, principalmente no Sul e no Noroeste, começaram a proferir decisões contrárias aos direitos dos indígenas. A primeira sentença desse tipo foi emitida em relação às terras dos Jacarés, em São Domingos, Estado da Paraíba, que foram adjudicadas a um proprietário não-indígena que apresentou títulos registrados no início do século. Caso semelhante ocorre em relação às terras dos Guaranis, no Sul, cuja posse foi contestada em juízo por proprietários com escrituras outorgadas neste século.

35. A estratégia legal dos terceiros ocupantes foi contestar o Decreto 22/91, que estabelecia os procedimentos de demarcação e registro de terras indígenas, sob a alegação de que este não outorgaria direito de defesa a possíveis ocupantes ou titulares de direitos em face de atos administrativos de governo que reconheciam os direitos dos índios. O direito de revisão dos atos administrativos do Estado está consagrado na Constituição Federal.

36. A fim de neutralizar esse possível desafio legal, o Governo emitiu o Decreto 1775/96, que estabelece um procedimento relativamente sumário destinado a evitar um possível obstáculo legal à clareza jurídica dos títulos indígenas. Mediante o Decreto 1775/76, acresceu-se um recurso às normas para a fixação dos direitos indígenas sobre suas terras. Esse recurso habilitou particulares e autoridades governamentais locais ou estaduais a contestar a criação ou demarcação de terras indígenas por meio da apresentação de evidências que negassem a ocupação prévia pelos indígenas ou que demonstrassem direitos de terceiros sobre essas terras. Esse decreto aplica-se a todas as terras, inclusive as que contam com reconhecimento federal e ainda demarcadas, bem como áreas indígenas homologadas por decreto presidencial, excetuando-se apenas as registradas em cartório imobiliário e como patrimônio da União.

37. O Decreto 1775/96 foi denunciado como atentatório a direitos inerentes aos indígenas, cujo reconhecimento vinha sendo por estes reivindicado durante décadas e, em muitos casos, com êxito. Por sua vez, o Ministério da Justiça sustentou que tal recurso era necessário para garantir o devido processo a terceiros e a entidades governamentais, de modo que os reconhecimentos territoriais posteriores em favor dos indígenas gozassem de imunidade em relação a argüições de inconstitucionalidade, dando-se assim transparência ao processo. O Ministério argumentou que, se o Supremo Tribunal considerasse inconstitucional o procedimento do Decreto 22/91 em casos submetidos à sua competência (i. e., o caso dos Jacarés), todas as terras demarcadas, mas não registradas, estariam sujeitas a esse recurso, com o conseqüente risco para os indígenas. Fontes governamentais defenderam o Decreto, explicando que o seu mérito reside na legitimação das áreas demarcadas e ratificadas pelo citado processo, em face de futuras argüições de inconstitucionalidade dessa demarcação, ajuizadas por terceiros, sob a alegação de que não se concedeu direito de defesa dos seus alegados direitos de posse.

38. Mais de 545 recursos, referentes a 45 territórios indígenas, foram tempestivamente impetrados antes do prazo de abril de 1996, nos termos do Decreto 1775/96, afetando aproximadamente 35% das terras demarcadas ou em processo de demarcação. O maior número de recursos nos termos do Decreto 1775/95 ocorreu no Estado de Roraima. Somente em relação às terras indígenas de São Marcos, impetraram-se 573 recursos. A própria Assembléia Legislativa de Roraima ofereceu assistência jurídica gratuita aos reclamantes, e o Estado apresentou seu próprio recursos em relação a terras indígenas.

39. Em julho de 1996, a FUNAI concluiu o exame dos recursos e a decisão sobre os seus méritos. A FUNAI comprovou que os recursos abrangiam 42 áreas indígenas distintas e submeteu seu parecer à decisão do Ministro da Justiça, rechaçando a grande maioria das reclamações de não-indígenas. Este endossou os pareceres da FUNAI referentes a 34 das 42 áreas questionadas e devolveu, para fins de nova análise, os expedientes relativos a oito áreas, entre as quais as dos Macuxí, em Roraima.

 

E. DIFICULDADES DE RECONHECIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DAS ÁREAS INDÍGENAS

 40. Os obstáculos que dificultam a firme aplicação dos preceitos constitucionais e legais referentes a terras indígenas possuem diferentes formas.

41. Além das dificuldades já assinaladas, cumpre destacar ainda outras: a criação de novos municípios em áreas indígenas, mediante decisões estaduais; as dificuldades legais para reaver terras ocupadas ilegalmente por terceiros; e a introdução de infra-estrutura (estradas, barragens) que destróem e agridem a integridade física e cultural das áreas indígenas.

 

 A municipalização de terras indígenas

 42. Um novo problema, que se superpõe à falta de demarcação e às invasões de terras indígenas, é o da criação da sede dos municípios total ou parcialmente inseridos em terras reclamadas e/ou demarcadas como áreas indígenas. Estabelece-se, assim, uma nova jurisdição que não apenas erode a limitada soberania indígena reconhecida pela Constituição, como também faz surgir uma fonte de atritos entre as autoridades indígenas e as municipais, já que estas últimas dependem do sistema político estadual. Exemplo desses atritos é a criação da sede de dois municípios nas áreas de Raposa/Serra do Sol e São Marcos no Estado do Roraima.

43. Essa forma de criação de municípios atua, na verdade, como instrumento de divisão entre os povos indígenas locais, já que o processo serve para atrair ou subornar algum líder local para que participe do governo municipal, desprezando-se a estrutura interna de governo indígena e provocando uma cisão. A estrutura municipal e suas relações de poder também tendem a favorecer a instalação, nessas áreas, de pessoas não-indígenas e de autoridades e serviços públicos que competem com os proporcionados ou aceitos pelos líderes indígenas.

 

 As dificuldades legais para o despejo de ocupantes intrusos

 44. Na maioria das áreas indígenas, instalaram-se ilegalmente ou continuam a instalar-se intrusos, quer para se dedicar à pecuária ou à agricultura, quer para explorar recursos naturais. Estas intrusões contam com o apoio e a conivência de autoridades civis ou policiais locais e, além de resultarem em ocupação e uso ilegais de terras, são fontes de conflitos e confrontações armadas.

45. Um caso típico é o dos Xucuru de Orugaba, no município de Pesqueira, situado a 220 km de Recife, Estado de Pernambuco. Há mais de um século, segundo a tradição local, os Xucurus aceitaram seu engajamento no Exército brasileiro para lutar na Guerra do Paraguai em troca do reconhecimento de suas terras, que nunca se concretizou. Finalmente, em 1992, o Presidente Itamar Franco assinou a Resolução que reconheceu o estudo da FUNAI, de acordo com o qual esses indígenas tinham direito a 26 980 ha de terras ancestrais, o que corresponde a um quinto das terras que possuíam antes da conquista. Desses 26 980 ha reconhecidos, a ocupação de fato dos indígenas chega a 12% da área, já que o restante é ocupado por 281 fazendas e madeireiras que, por sua vez, utilizam mão-de-obra indígena. Há aproximadamente 6.000 Xucurus. A demarcação das terras está sendo realizada pela FUNAI, em meio a um clima de insegurança geral e com um mínimo de recursos.

46. Outro caso que exemplifica as dificuldades legais para garantir a propriedade indígena é o dos Guarani-Kiowa, um agrupamento de 26.000 índios organizados em duas grandes comunidades no Estado de Mato Grosso do Sul. O Estado reconheceu 22 áreas, no total de 40.000 ha, como de propriedade dos Guarani. Essas áreas estão superpovoadas e têm servido de cenário para contínuos episódios de suicídio cujo total, em 1995, foi duas vezes superior ao do ano precedente e que, em proporção, são 30 vezes maiores do que a média de suicídios entre a população brasileira. São fatores centrais para esse fenômeno as ações de particulares, que obtêm apoio judicial para suas reivindicações de escrituração de terras, pese o fato de a Constituição de 1988 dispor que os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse de terras indígenas "são nulos e extintos". A insegurança jurídica gerada por essa situação é agravada pelos despejos com uso de violência, quando os índios reocupam terras que foram reconhecidas como suas.

 

A introdução de infra-estrutura física

47. Durante a sua visita, a Comissão ouviu continuas reclamações a respeito da construção e penetração de rodovias locais, nacionais e internacionais em áreas indígenas. A reclamação central sustenta que a construção e a existência dessas estradas servem para introduzir doenças e facilitar a chegada de intrusos nas áreas indígenas, com as conseqüências negativas sobre a sobrevivência cultural e física dos índios. Durante a sua permanência no Brasil, a Comissão recebeu informações sobre um conflito ligado à construção da BR-174, no Estado do Amazonas. Naquela área, o Corpo de Engenharia e Construção que estava asfaltando a estrada suspendeu as obras no trecho de 47 km que atravessa a reserva indígena dos Waimiri Atroari até que os índios, a FUNAI e o Governo do Amazonas chegassem a um acordo.

 

 F. A SITUAÇÃO DOS MACUXÍS EM RORAIMA

 48. A Comissão teve a oportunidade de visitar as comunidades da área de Raposa/Serra do Sol, no norte do Estado de Roraima. Vivem nessas comunidades cerca de 12 000 pessoas, em 97 aldeias distribuídas por uma área de 1.678.000 ha. que se estendem até a fronteira com a Guiana e Venezuela. Segundo denúncias dos líderes Macuxi, nos últimos anos em conseqüência dos esforços dessas comunidades no sentido de que as suas terras fossem demarcadas, bem como da sua oposição à entrada de não-indígenas, fazendeiros locais teriam desencadeado uma campanha de terror, com o apoio da polícia e de autoridades estaduais. Os ataques denunciados incluem não apenas despejos ilegais e violentos de indígenas que ocupam terras ancestrais, mas também homicídios, torturas, violações e castigos, que em geral não são investigados nem tao pouco processados. As terras ancestrais dos Macuxi, Ingaricós, Wpixanas, Taurepangues e Patamonas foram identificadas pela FUNAI em maio de 1993 (Despacho N.º 9, publicado no Diário Oficial da União em 21 de maio de 1993). Essa identificação coincide com o consenso dos índios a respeito das terras que ocupam.

49. O Governo de Roraima, apesar de ter participado do grupo de identificação da FUNAI, formulou protesto contra a mesma junto ao Ministério da Justiça. Após considerarem o protesto, a Procuradoria Geral da República e a FUNAI decidiram manter a demarcação tal como fora realizada.

50. A demarcação também foi enviada ao Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, que opinou contra a mesma por entender que "os habitantes dessas áreas de fronteira devem ter uma consciência cívica ainda maior do que a dos demais brasileiros e, além disso, um sentimento patriótico mais arraigado" (Aviso N.º 03157-EMFA) e que, portanto, os indígenas não se qualificavam em relação a essa consciência de sentimento patriótico. Essa justificação esdrúxula das Forças Armadas estabelece uma gradação em matéria de liberdade de pensamento que viola a igualdade de todos os cidadãos, já que deixa de ser exigida aos habitantes não-indígenas de outras zonas de fronteira, em relação aos seus títulos de propriedade. Por outro lado, a Comissão, em suas visitas e suas prolongadas conversações com os líderes Macuxis e Yanomamis, pôde comprovar a sua autopercepção como brasileiros e o seu interesse em consolidar ao máximo essa nacionalidade.

51. A citada opinião das Forças Armadas levou o Ministro da Justiça a encaminhar o processo à Advocacia Geral da União, a qual, por sua vez, entendeu que deveria encaminhá-lo aos ministérios militares, ao Ministério das Relações Exteriores e à Secretaria de Planejamento. Decorridos dois anos de trâmite administrativo, o Ministério da Justiça ainda não havia assinado a Portaria de Demarcação. Atualmente, essa demarcação deve ser efetuada dentro do prazo previsto no novo Decreto 1775/96 para reclamações de supostos ocupantes não-indígenas. Foram apresentadas 46 contestações, de fazendeiros, de uma mineradora e do governo do estado. Em dezembro de1996 cedendo a pressões dos políticos do estado de Roraima, o Ministro da Justiça determinou à FUNAI que diminuísse a terra indígena, não reconhecendo como posse permanente dos índios cinco vilas de garimpo, fazendas com título expedido pelo INCRA( Órgão Fundiário Federal) a partir de 1980, e estradas que cortam as terras indígenas, reduzindo cerca de 20% da área e afetando diretamente 20 aldeias. Esta decisão provocou vários protestos, confirmou os temores dos que são contrários ao decreto 1.775/96, de que o decreto permite demarcar terra indígena em base a critérios políticos e não técnicos , e, por fim, ainda não é definitiva , pois a portaria de Demarcação ainda não foi assinada.

52. Segundo informação em poder da CIDH, existem dentro da área identificada como terra Macuxí cerca de 1 500 garimpeiros e 100 fazendeiros, alguns destes últimos lá estabelecidos desde o começo do século. Em geral, os conflitos têm sua origem em disputas entre índios e não-índios, pelo uso de recursos naturais (rios, lagos, pastagens, igarapés, buritizais e outros). Nos últimos sete anos, 12 índios de Raposa/Serra do Sol foram assassinados em razão desses conflitos.

53. De acordo com um documento apresentado à delegação da CIDH, contendo 450 assinaturas de membros dessas comunidades reunidos em assembléia geral em Matucurá, em 3 de dezembro de 1995, os intrusos apresentaram-se como amigos dos indígenas e declararam inicialmente que sua única intenção era criar gado; contudo, não tardaram a desfechar ataques contra os índios, impedindo-os de criar, pescar e caçar onde o faziam tradicionalmente. Além disso, os intrusos demoliram as casas e arrasaram os cultivos indígenas. Por sua vez, os garimpeiros trouxeram para a área indígena doenças, o alcoolismo, a prostituição, a destruição do meio ambiente e a contaminação dos rios.

54. A partir de 1993, com a intensificação da atividade da FUNAI e das comunidades indígenas, 62 das fazendas foram abandonadas por seus posseiros. Correlativamente, aumentou de 85 para 95 o número de aldeias de índios nessa área.

55. Em agosto de 1993, os habitantes da aldeia de Matucurá, com o apoio de outras aldeias da região das serras, organizaram um bloqueio a fim de impedir o acesso de veículos que transportavam combustível e alimentos para os garimpos do rio Maún, distantes três quilômetros da aldeia. O bloqueio prolongou-se por mais de um mês, fazendo com que 240 garimpeiros, que causavam grandes danos à população de Maturucá, abandonassem o lugar. Contudo, alguns garimpeiros continuam a explorar outros locais.

56. Em março de 1994, as comunidades indígenas organizaram um bloqueio para impedir a continuação do garimpo ilegal praticado nos rios Mau, Cocingo e Quino, localizados na zona de Raposa/Serra do Sol. Embora tenha atraído a atenção pública, o bloqueio não alcançou o seu propósito de expulsar os garimpeiros.

57. Existem pelo menos denúncias a respeito de 31 índios assassinados em Roraima de 1988 a 1994. Na área de Raposa/Serra do Sol, ocorreram 12 homicídios de Macuxis nesse período. Umdos processados, já julgado foi absolvido por haver agido supostamente em legítima defesa, em que pese ter sido provado que disparou um tiro na nuca de um dos índios. O Conselho Indígena de Roraima estima que, de 1991 a 1994, ocorreram pelo menos seis tentativas de homicídio, oito violações, 15 maus tratos físicos e sete ameaças de morte contra índios. Agentes policiais foram implicados em dez desses crimes. Dois índios morreram sob custódia policial: um, depois de haver sofrido maus tratos, e o outro alvejado na cabeça por um policial.

58. Em 1988, o índio macuxi Donaldo William foi assassinado a tiros na maloca de Canawapai. Em 1990, na maloca de Santa Cruz, dois índios, Damião Mendes e Mário Davis, foram assassinados e o homicida absolvido. No processo contra vários policiais pela morte de Ovelário Tames, um menor macuxi, ocorrido em 1989, o processo continua à espera de instrução há seis anos. Somente depois de cinco anos o principal acusado foi intimado em juízo. O júri desses casos penais é formado por não-indígenas, que habitualmente decidem pela inocência dos réus acusados de homicídio de indígenas.

59. Em fins de 1994, o Governo do Estado deu início à execução das obras de uma central hidroelétrica no centro da área indígena Macuxé. Várias comunidades Macuxés foram violentamente desalojadas pela polícia, o que despertou grande atenção entre o público. Em conseqüência desses fatos, o Departamento de Água e Energia Elétrica (federal) determinou a suspensão das obras até que o Congresso Nacional as autorizasse, tal como previsto na Constituição, por se tratar de terra indígena.

60. Cumpre observar que, dos 215.000 habitantes do Estado de Roraima, (IBGE 1991), 140.000 residem em Boa Vista, a capital, e aproximadamente metade dos outros 75.000 habitantes são índios. O Estado abrange 23 milhões de ha, e o total ocupado por povos indígenas corresponde a 42% da superfície do Estado.

61. As comunidades indígenas de Raposa/Serra do Sol estão desenvolvendo atividades agrícolas apropriadas às terras que possuem. Criam cerca de 10.000 cabeças de gado e cultivam a terra. Existem professores índios em quase todas as 95 aldeias da área, algumas delas atendidas pela Secretaria Estadual de Educação. A Assembléia de Líderes indicou à CIDH que necessita de serviços de educação, saúde e transportes, e que está interessada em desenvolver suas comunidades e participar ativamente do desenvolvimento geral do Estado de Roraima.

62. A Comissão também foi informada de que, embora seja unânime a opinião dos Macuxés e de outros povos da área de Raposa/Serra do Sol a respeito da necessidade de completar a demarcação de suas terras, uma percentagem prefere que estas não sejam demarcadas de forma contínua, mas como blocos descontínuos. Desta maneira, as "ilhas" indígenas ficariam cercadas por áreas não-indígenas, reduzindo-se sensivelmente a sua superfície total e fragmentando-se a continuidade físico-cultural desses povos. Essa posição favorável ao reconhecimento de áreas menores e descontínuas foi apresentada à delegação da CIDH pelo Governador de Roraima e coincide com a opinião do líder de uma aldeia contao e presidente da Sociedade Indígena do Norte de Roraima, em depoimento prestado a uma comissão da Câmara de Deputados. A Assembléia de Líderes e o Conselho Indígena de Roraima sustentam, porém, que tais declarações se devem a tentativas de dividir a liderança indígena por meio de embustes e de ofertas de compensação material.

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