RELATÓRIO Nº 9/00*
CASO 11.598
ALONSO EUGÉNIO DA SILVA
BRASIL
24de fevereiro de 2000

 

I. RESUMO

1. Em 7 de dezembro de 1995, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (daqui por diante, "a Comissão") recebeu uma petição do Centro de Defesa e Garantia dos Direitos Humanos/Projeto Legal do Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social (IBISS) contra a República Federativa do Brasil (daqui por diante, "o Estado", "o Brasil", "o Estado brasileiro" ou "o Estado do Brasil"), com a denúncia do homicídio do menor Alonso Eugênio da Silva, de 16 anos, por um policial militar do estado do Rio de Janeiro, em um restaurante de Madureira, Rio de Janeiro, em 8 de março de 1992. Segundo a petição, o policial teria disparado contra ele ao tentar prendê-lo por um suposto assalto. Na ocasião, transcorridos mais de três anos e meio, a investigação policial sobre os fatos ainda não tinha sido concluída.

2. Os fatos são denunciados como violações graves por parte do Estado brasileiro dos direitos protegidos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (daqui por diante, "a Declaração"), em seus artigos 4 (direito à vida), 18 (direito à justiça), 25 (direito de proteção contra a detenção arbitrária) e 26 (direito a um processo normal), bem como dos direitos garantidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (daqui por diante, "a Convenção") em seus artigos 8 e 25 (direito às garantias judiciais e à proteção judicial). A Comissão fez a petição tramitar na forma regulamentar, sem que o Estado apresentasse os seus comentários. Tal como se depreende deste relatório, a Comissão conclui que o caso é admissível e que os fatos configuram violação aos artigos 4, 18, 25 e 26 da Declaração e 1(1), 8 e 25 da Convenção, e recomenda que a investigação seja completada, que os responsáveis sejam processados e punidos e que os familiares da vítima sejam indenizados.

 

II. TRÁMITAÇÃO PERANTE A COMISSÃO

3. A denúncia foi recebida em 7 de dezembro de 1995, no decorrer da visita da Comissão ao Brasil, e transmitida em 22 de março de 1996 ao Estado brasileiro, solicitando-se a este que se pronunciasse sobre os fatos denunciados e sobre qualquer outro elementos de juízo dentro do prazo de 90 dias. Em 28 de agosto de 1996, o Estado brasileiro solicitou uma prorrogação de 30 dias do referido prazo, havendo a Comissão concedido 15 dias. O Estado brasileiro não se pronunciou posteriormente, em que pese à reiteração do pedido efetuada em 6 de setembro de 1998, em que se falava da possibilidade da aplicação do artigo 42 do Regulamento da Comissão.

4. Em 5 de agosto de 1997, os peticionários informaram à Comissão que até essa data não haviam recebido das autoridades brasileiras responsáveis notícia alguma sobre a andamento do inquérito policial e salientaram que, de acordo com o artigo 34, parágrafo 6, do Regulamento da Comissão, o prazo de 180 dias para que o Estado brasileiro apresentasse sua contestação expirara em setembro de 1997.

 

Tramitação de solução amistosa

5. Em 13 de outubro de 1998, a Comissão dirigiu-se às partes e colocou-se à sua disposição para instaurar um processo de solução amistosa, de acordo com o artigo 48(1)(f) da Convenção; não recebeu, porém, resposta das partes no prazo que lhes foi concedido para se manifestarem.

 

III. POSIÇÃO DAS PARTES

A. Posição dos peticionários

6. Segundo a denúncia, o menor Alonso Eugenio da Silva, de 16 anos de idade, nascido em 21 de fevereiro de 1976, foi morto por um disparo do policial militar Nivaldo Vieira Pinto, do Estado do Rio de Janeiro, ou pelo agente de segurança que o acompanhava, numa pizzaria/churrascaria da cidade do Rio de Janeiro, em 8 de março de 1992, às 15h20, quando o policial entrou no restaurante, juntamente com o agente de segurança, depois de haverem sido alertados quanto a um suposto assalto. A vítima havia sido, até alguns dias antes, empregado de um hotel e participava de um projeto juvenil denominado Flor de Amanhã. Os peticionários qualificam de "extermínio" a morte do menor.

7. Os peticionários informam que a versão oficial dos fatos consta dos documentos da investigação aberta na Delegacia de Polícia No. 28, em 9 de março de 1992. Segundo esses documentos, o policial afirmou que fora obrigado a disparar contra o menor porque este resistira à sua ordem de detenção quando tentava assaltar o restaurante. No auto de resistência 48/92 (fólios 13 e 14), segundo um policial e uma testemunha, o fato é descrito como se segue: "Alertados [os dois policiais] por um transeunte que uma pessoa, em atitude suspeita, entrara na pizzaria, deixaram a guarita em que se encontravam em frente ao restaurante e para ali se dirigiram chegando até a cozinha, onde encontraram Alonso, a quem perguntaram o que fazia ali. Este, ao responder, levou a mão à cintura, ante o que o policial sacou o revolver e disparou ao mesmo tempo que Alonso também disparava (fólio 14). Alonso foi atingido pelo disparo e o policial afirmou que lhe prestou assistência médica levando-o ao hospital". Consta da denúncia dos fatos a apreensão da arma.

8. Consta também do auto de resistência que duas armas de fogo foram apreendidas, uma delas "de serviço", e que cada uma delas tinha cinco cartuchos não usados e um detonado (fólio 15).

9. Os peticionários porém afirmam que as circunstâncias eram outras. Afirmam que o fato ocorreu em pleno dia e quando o restaurante estava repleto de clientes. Membros da família de Alonso alegam que os garçons da churrascaria em que ocorreu a morte lhes contaram que Alonso havia ido comprar um sanduíche quente e que, ao sair, não pôde mostrar o recibo de pagamento. Um dos garçons acreditou no que dizia e o liberou, ao passo que outro não acreditou, e começaram a discutir. Declararam que alguém chamou a polícia e que esta chegou e disparou à queima-roupa. A pessoa que ouviu essa declaração dos garçons da churrascaria sustenta que foi algum encarregado da segurança do restaurante, que foi chamado, que matou Alonso. Essa pessoa diz que "ali está cheio de empregados de segurança e se há um problema não é necessário chamar a polícia". Sustenta também que o próprio dono do local disse "isto é uma covardia, matar assim uma pessoa, sem necessidade".

10. A petição sustenta que várias pessoas amigas e parentes ouviram no enterro que, quando o corpo de Alonso chegou ao hospital, o médico disse: "Tirem a arma [que leva] o rapaz, ele era um João Ninguém. Não se dão conta de que a arma é da polícia?". A petição também assinala que o Delegado não instruiu perícia alguma no local em que ocorreram os disparos (a cozinha do restaurante) alegando que os investigadores não haviam encontrado impactos de projéteis de armas de fogo no referido local.

11. Também informa que Alonso confiara anteriormente a vários parentes que tivera uma altercação com a polícia de Madureira e que muito temia a represália. Alonso teria confiado a seus parentes que a polícia queria que ele, Alonso, atendesse aos seus convites (que os peticionários deram a entender eram de natureza sexual) e que Alonso reagira ofendido arrojando a caixa de engraxate que levava contra a cara do policial.

12. Salienta ademais que um tio de Alonso dissera que este chegara ao hospital em ambulância do Corpo de Bombeiros e o médico constatara que já estava morto; que Alonso tinha carteira profissional e que, nesse dia, a levava consigo ao sair de casa, mas não pôde ser recuperada, nem apareceu no hospital ou qualquer outro lugar (fólio 12).

13. Informa ainda que Alonso havia trabalhado até alguns dias antes num hotel, mas perdera o emprego, e que participava de um projeto juvenil denominado Flor de Amanhã (fólio 12).

14. Os peticionários afirmam que, ao procurarem obter informações sobre o andamento do inquérito policial na Delegacia 28, foram informados de que o expediente se extraviara. Os peticionários solicitaram à Delegacia 28 informações sobre a situação do inquérito policial em 5 de dezembro de 1995 e novamente em 29 de março de 1996, não havendo obtido resultados positivos.

15. Os peticionários argumentaram que a arma de fogo apreendida não pertencia ao menor e sim aos agentes policiais. Reafirmaram que os familiares de Alonso temiam por sua vida, pois em outra ocasião ele discutira e lutara com um agente policial.

16. Com respeito à admissibilidade, os peticionários alegam demora injustificada, pois a investigação não havia sido concluída três anos e meio depois de ocorridos os fatos. Pedem que se reconheça a exceção à exigência de esgotamento dos recursos da jurisdição interna, prevista no artigo 46(2)(c) da Convenção. Também sustentam que a investigação demonstrou ser ineficaz, pois há numerosas provas e testemunhos não aproveitados, que devia haver sido realizada uma investigação séria e rápida e que os encarregados policiais da mesma não a efetuaram a fundo a fim de ocultar a operação policial e por cumplicidade no ataque injustificado ao menor.

17. Os peticionários também solicitam à Comissão que recomende ao Estado brasileiro que se empenhe em processar e punir os responsáveis das violações e que indenize os familiares da vítima.

 

B. Posição do Estado brasileiro

18. O Estado brasileiro não apresentou à Comissão contestação por escrito com comentários sobre a denúncia. A Comissão também comprova que, até o presente momento, o Estado brasileiro não contestou os fatos expostos na denúncia, apesar das diferentes notas da Comissão solicitando que o fizesse, havendo expirado amplamente os prazos estabelecidos na Convenção e no Regulamento da Comissão para essa contestação. O silêncio processual do Estado brasileiro em relação a esse aspecto contradiz sua obrigação, como Estado parte na Convenção, no que se refere à faculdade da Comissão de "atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade. Em conformidade com o disposto nos artigos 44 e 51 da Convenção...".

 

IV. ANÁLISE DA ADMISSIBILIDADE

19. A Comissão goza de competência ratione materiae y ratione temporis, por se tratar de direitos protegidos pela Declaração e pela Convenção, durante a respectiva vigência das mesmas com respeito à República Federativa do Brasil. A Comissão lembra que, embora os fatos tenham ocorrido em 8 de março de 1992, meses antes de o Brasil ratificar a Convenção em 25 de setembro de 1992, o referido Estado não se exime da responsabilidade pelos atos violatórios dos direitos humanos ocorridos antes da ratificação da Convenção, pois os direitos garantidos pela Declaração são de caráter vinculante. A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu explicitamente a força obrigatória da Declaração ao assinalar que "os artigos 1(2)(b) e 20 do Estatuto da Comissão definem a competência desta com respeito aos direitos humanos enunciados na Declaração, ou seja que, para os Estados que ratificaram o Protocolo de Buenos Aires, a Declaração Americana constitui, no que é pertinente à Carta da Organização, uma fonte de obrigações internacionais".1

20. A Comissão goza de competência também neste caso para analisar o respeito às garantias judiciais e ao devido processo reconhecidas pelos artigos 8 e 25 da Convenção desde a referida ratificação, uma vez que os fatos denunciados podem configurar desde então a denegação continuada2 de tais direitos. O Brasil, ao depositar seu instrumento de adesão à Convenção, assumiu a responsabilidade de "respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoas sujeita à sua jurisdição (artículo 1(1)).3

21. Com respeito à competência ratione personae, esse mesmo artigo 1(1) da Convenção implica que toda violação desses direitos que possa ser atribuída, de acordo com as normas do Direito Internacional, a ação ou omissão de qualquer autoridade pública constitui um ato de responsabilidade do Estado.4 De acordo com o artigo 28 da Convenção, quando se trate de um Estado federativo como o Estado brasileiro, o governo nacional responde na esfera internacional pelos atos praticados pelos agentes das entidades que compõem a federação.

22. O caso em apreço trata de alegações de violações de diversos direitos humanos protegidos pela Declaração e pela Convenção, violações cometidas por agentes do Estado, particularmente pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, no que se refere à morte do menor, e pelas Polícias Militar e Civil do referido estado, no que respeita à investigação. Trata também da responsabilidade do Ministério Público estadual como encarregado de supervisionar o desenvolvimento do processo, o cumprimento dos prazos e a solidez da investigação. Por esse motivo, a Comissão conclui que é competente ratione personae.

23. Esta petição reúne os requisitos formais de admissibilidade previstos nos artigos 46(1)(c) e 46(1)(d) da Convenção e no artigo 32 do Regulamento da Comissão. A Comissão não tem conhecimento de que a matéria da petição esteja pendente de solução, nem tenha sido decidida em outra instância internacional.

 

A. Esgotamento dos recursos da jurisdição interna

24. De acordo com o artigo 46(1)(a) da Convenção, para que uma petição seja admissível, é necessário o esgotamento prévio dos recursos da jurisdição interna, segundo os princípios do Direito Internacional. O mesmo artigo, entretanto, em seu parágrafo 2, estabelece exceções quando:

a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou dos direitos que se alegue tenham sido violados;

b) não se houver permitido ao suposto prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

25. Os peticionários informaram que, apesar de o inquérito policial ter sido iniciado em 9 de março de 1992, e de haverem transcorrido mais de três anos e meio desde então até a data da petição, a investigação ainda não fora concluída. A legislação penal brasileira fixa um prazo de 30 dias para a conclusão do inquérito policial, cujo prazo pode ser prorrogado mediante autorização do juiz, o que não ocorreu neste caso. A Comissão, para os efeitos da admissibilidade considera que o procedimento de investigação referente ao inquérito policial se prolongou excessivamente, sem indício algum de que o Governo se proponha aprofundar ou acelerar a investigação dos fatos. Assim, a Comissão aceita a hipótese de exceção ao esgotamento dos recursos da jurisdição interna estabelecido no artigo 46(1)(a), com base na demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos, prevista no artigo 46(2)(c) da Convenção e no artigo 37(2)(c) de seu Regulamento.

26. A Comissão comprova que, até esta data, o Estado brasileiro não contestou a petição, embora a Comissão tenha reiterado a solicitação, excedendo os prazos convencionais estipulados em seu Regulamento. A Comissão também entende que tal silêncio implica renúncia tácita ao direito de alegar a falta de esgotamento prévio dos recursos da jurisdição interna estabelecido no artigo 46 da Convenção.5

 

B. Pontualidade da petição

27. Segundo o artigo 38 do Regulamento, havendo demora injustificada na administração da justiça, aplica-se a exceção prevista nos artigos 46(2)(c) da Convenção e no artigo 37(2)(c) do Regulamento da Comissão quanto ao requisito referente ao prazo de seis meses para a apresentação da petição à Comissão a partir da data em que o prejudicado em seus direitos houver sido notificado da decisão definitiva. Uma vez que a denúncia foi apresentada três anos depois da alegada violação dos direitos, a Comissão considera que a petição foi apresentada dentro de prazo razoável, de acordo com o referido artigo 38(2).

 

V. ANÁLISE DOS MÉRITOS DO CASO

28. O silêncio processual do Estado em relação a esta petição contradiz a sua obrigação como Estado parte na Convenção Americana no que se refere à faculdade da Comissão de "atuar, no que respeita às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 da Convenção...". A análise que se segue tem por base os elementos em poder da Comissão e, levando em consideração o artigo 42 do Regulamento da Comissão, faz notar que no prazo máximo fixado de acordo com o artigo 34.5 desse Regulamento o Estado não proporcionou a informação respectiva solicitada. A juízo da Comissão, não surgiram da análise de todos os elementos de convicção disponíveis outros que permitissem chegar, no tocante aos temas analisados, a conclusões distintas das que são apresentadas a seguir.

 

A. Direito à vida, à liberdade, à segurança e à integridade física (artigo 1 da Declaração)

29. A morte do jovem da Silva ocorreu em 8 de março de 1992. Estava então em vigor no Brasil a Declaração Americana, que em seu artigo 1 dispõe: "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa".

30. No caso de que se trata, há reiterada evidência nos relatórios policiais de que o próprio policial militar Nivaldo Vieira Pinto declarou haver disparado e fatalmente ferido o menor Alonso Eugenio da Silva, embora sustente que o fez em legítima defesa. Figuram no expediente cópias das declarações do referido policial e da outra testemunha, instruídas na Delegacia de Polícia Civil 28 (fólios 13 a 18). O peticionário declara que os disparos podiam ter partido do policial ou do agente privado de segurança. No expediente da Comissão não há prova de que tenha sido o agente de segurança quem disparou; e, não havendo este disparado, se complicaria ainda mais a responsabilidade do policial, que não só acompanhou a ação, mas depois assumiu a responsabilidade, supostamente para encobrir o delito e dar-lhe a aparência de intervenção legítima policial. O policial Nivaldo defende que disparou contra Alonso porque, segundo consta de sua declaração (fólio 14), ao resistir, o menor levou a mão à cintura depois de a polícia lhe perguntar o que fazia no restaurante. Mais adiante, em sua declaração, o policial afirma que houve troca de disparos entre ele e o menor e que este foi atingido por um de seus disparos. A inspeção do local, segundo relatório policial, não encontrou impactos de disparos, senão o que recebeu a vítima.

31. O registro da resistência, em ata lavrada na Delegacia, assinala a apreensão da arma de fogo pertencente a menor Alonso. Entretanto, os peticionários alegam que Alonso não possuía arma de fogo. O médico que recebeu o cadáver teria declarado que a arma que levava Alonso ao chegar ao hospital não era dele, mas do policial. Essa caracterização é plausível. Um dado adicional que contradiz a versão policial de legítima defesa é que não se encontrou vestígio algum do disparo que supostamente a vítima teria feito, segundo a declaração do policial. Consta do próprio expediente judicial (fólios 13 e 14) que o segundo revólver teria um cartucho detonado. Tudo isso leva a Comissão a concluir que a segunda arma foi disparada pelo policial e colocada junto à vítima para responsabilizá-la. Além disso, a inexistência de vestígios do outro disparo deu origem a evasivas policiais para não realizar a inelutável perícia do local, como corresponde em casos da natureza deste.

32. Com respeito ao motivo, há vários testemunhos que sustentam haver tido a vítima um atrito com um policial por não atender a seus convites, e que o menor vivia atemorizado. Por outro lado, conforme se depreende de numerosas investigações, a Comissão comprovou que em geral há um reiterado desprezo da Polícia Militar de vários estados brasileiros, inclusive da Polícia Militar do Rio de Janeiro, pela vida dos menores humildes e que não é raro que disparem contra eles por qualquer motivo para "exterminá-los". Embora essa tendência não possa por si mesma servir de base para uma conclusão, trata-se de importante elemento de plausibilidade, porquanto reforça dados concretos do caso.

33. A Comissão comprovou também que, nesses anos, a perseguição e extermínio de meninos e jovens de rua foram freqüentemente utilizados no Rio de Janeiro por agentes do Estado ou de segurança privada, por motivos pessoais ou de suposta "limpeza social". A Comissão se pronunciou sobre essa prática, que constitui uma das mais horríveis violações sistemáticas do direito à vida e à integridade pessoal e implica a renúncia do Estado à sua obrigação de garantir os direitos de todas as pessoas, especialmente os direitos das crianças e menores.6 A Comissão considera como elementos centrais de convicção neste caso os testemunhos e provas constantes do expediente. Entende, porém, que deve mencionar essa situação geral a fim de deixar claro que não se tratava de um caso isolado e anômalo, e sim de um exemplo da atritude sistemática de alguns agentes policiais nessa época.

34. A Comissão deve considerar se o disparo do agente de segurança que custou a vida da vítima respondia à necessidade de evitar um crime maior ou a uma legítima defesa por parte do policial. Leva em consideração, a esse respeito, os "Princípios básicos sobre o uso de força e de armas de fogo por agentes da lei" que definem claramente os casos em que seu uso é legítimo.7 Embora o Estado não tenha aventado essa defesa, a Comissão entende que deve referir-se a esse ponto. Não há evidência convincente no caso que sustente nenhuma dessas situações, nem de que o jovem estivesse armado, nem de que tivesse ameaçado o policial ou quaisquer outras pessoas. Tirar a vida de uma pessoa que supostamente esteja roubando não deve ser a forma de reação das forças de segurança, exceto em circunstâncias extremas de periculosidade ou em legítima defesa. Acresce que há testemunhos de que o policial tivera enfrentamentos anteriores com o jovem. Não há informação de que tenham sido efetuadas as tarefas regulamentares de investigação quanto a evidências e depoimentos, que devem ser realizadas imediatamente depois de um homicídio e que teriam permitido determinar responsabilidades.

35. A Comissão, com base nos acima mencionados testemunhos e evidências constantes do expediente, considera que há provas suficientes que levam à plena convicção de que um agente da Polícia do Rio de Janeiro violou o direito à vida de Alonso Eugenio da Silva, no dia 8 de março de 1992, nessa cidade.

 

B. Direito de proteção contra a detenção arbitrária (artigo 25 da Declaração)

36. Os peticionários alegam a violação do artigo 25, sobre detenção arbitrária. A Comissão entende que a denúncia caracteriza uma violação do direito à vida por abuso de força por parte da polícia. Não há elementos que caracterizem esses atos como de detenção de pessoa, motivo por que considera a petição improcedente no que se refere a esse direito.

 

C. Direito à justiça (artigo 18 da Declaração) direito às garantias e à proteção judiciais; e a obrigação de garantir e respeitar os direitos (artigos 8, 25 e 1(1) da Convenção)

37. O artigo 18 da Declaração, instrumento vigente aplicável a esse aspecto dos atos denunciados, até a ratificação da Convenção em 25 de setembro de 1992, dispõe o seguinte:

Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

 

38. Embora os peticionários não tenham invocado os artigos 8, 25 e 1(1) da Convenção, a Comissão é de opinião que esses dispositivos também devem ser examinados em conformidade com o princípio geral da legislação internacional jura novit cura, segundo a qual os organismos internacionais estão facultados, e inclusive obrigados, a aplicar todas as disposições jurídicas pertinentes, mesmo que não tenham sido invocadas pelas partes.8 O artigo 25 da Convenção dispõe o seguinte;

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

39. Por sua vez, o artigo 8 estabelece que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de prazo razoável, por um tribunal competente e independente. Por sua vez, o artigo 1(1) da Convenção estabelece que os Estados partes na Convenção se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição.

40. A Comissão observou anteriormente que quando, como neste caso, a vítima não estiver em condições de procurar reparação judicial, o direito a recorrer a esse meio necessariamente se transfere a seus familiares. A Comissão chegou à conclusão de que as vítimas e/ou seus familiares têm direito a uma investigação policial por um tribunal para o estabelecimento de responsabilidades e sanção penal em casos de violação de direitos humanos. Ver, em geral, Relatórios 28/92 (Argentina) e 29/92 (Uruguai) no Relatório Anual da CIDH 1992-93, OEA/Ser.L/V/II.83, doc. 14 corr. 1, de 12 de março de 1993, pp. 51-53, 169-74. Isso decorre da obrigação do Estado de investigar seriamente, pelos meios à sua disposição, as violações que tenham sido cometidas no âmbito de sua jurisdição, a fim de identificar os responsáveis, de impor-lhes a punição pertinente e de assegurar à vítima adequada reparação". Caso Velázquez Rodríguez (Fundo), supra, parágrafo 174.

41. A Corte Interamericana de Direitos Humanos se pronunciou a respeito da obrigação do Estado de investigar os fatos violatórios dos direitos humanos protegidos pela Convenção:

[A obrigação de] investigar é, como a de prevenir, uma obrigação de meio ou comportamento que não deixa de ser cumprida pelo simples fato de que a investigação não chegue a resultado satisfatório. Deve, porém ser realizada com seriedade e não como simples formalidade de antemão condenada a ser infrutífera. Deve ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou da apresentação privada de elementos probatórios, sem que a autoridade pública efetivamente procure a verdade.9

42. Neste caso, a investigação parece parcializada para legitimar a conduta do policial, pela morte de Alonso Eugênio da Silva, e não incluiu processos regulamentares essenciais. Não houve uma investigação séria sobre a suposta resistência do menor, em que pese a que o próprio proprietário do restaurante tenha protestado dizendo que não era necessário matá-lo. Não se infere do expediente que se tenha tomado depoimento do proprietário, dos garçons e de outras pessoas presentes no restaurante, se se leva em conta que o fato ocorreu à tarde em lugar muito concorrido. Não se procedeu a uma perícia no local dos fatos, nem foi o lugar fechado enquanto se efetuasse a mesma. Tampouco foram apresentadas provas convincentes de que a vítima estivesse armada, salvo o aparecimento de uma arma com um cartucho detonado junto ao cadáver ao chegar ao hospital. Não se investigou seriamente, pois, se houve troca de disparos (conforme disse o policial) nenhum vestígio de disparo (salvo o disparo fatal) apareceu na primeira inspeção do local. Tampouco se investigou seriamente a opinião do médico que recebeu o corpo, que defendeu não poder a arma pertencer ao menor. Não se investigou se o menor tivera confrontações anteriores com o policial e, particularmente, não se investigou o episódio com respeito à suposta ofensa ao menor e sua reação de agressão ao policial. Não se investigaram os antecedentes do policial com relação a outros menores, que poderiam aclarar os motivos de sua ação. Tais elementos levam a Comissão a concluir que a investigação não foi realizada com as garantias de seriedade que o artigo 25 da Convenção requer.

43. Essas garantias judiciais também devem ser analisadas com respeito à alegada demora na investigação dos fatos. A fim de determinar a razoabilidade do prazo10 à luz dos artigos 8 e 25 da Convenção, a Comissão deve proceder a uma análise global da referida investigação policial.

44. No sistema interamericano de proteção dos direitos humanos há disposições relativas ao prazo razoável em que se deve solucionar um caso de violação dos direitos humanos. Com efeito, a Convenção estipula uma série de garantias que devem estar presentes em todo processo de investigação judicial, a fim de que seja substanciado dentro de prazo razoável. O artigo 8(1) diz o seguinte a esse respeito:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial. (o grifo é da Comissão)

E o artigo 25 estabelece que:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido (...) perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais. (O grifo é da Comissão)

45. Tanto a Comissão e a Corte Européia de Direitos Humanos, como a Comissão Interamericana estabeleceram uma série de critérios ou considerações que devem ser levados em conta na determinação de se, neste caso específico, houve ou não demora injustificada na administração da justiça, "o que não impedirá que, dado o caso, somente um deles pese decisivamente".11 Os critérios estabelecidos pela doutrina para determinar a razoabilidade do prazo são os seguintes: 1. A complexidade do caso. 2. A conduta da parte prejudicada com relação à sua cooperação no curso do processo. 3. A forma de tramitação da etapa de instrução do processo. 4. A atuação das autoridades judiciais.

46. Para uma análise adequada da complexidade do caso, é necessário que nos refiramos aos antecedentes do mesmo: a violação do direito à vida. Estamos diante de um único suposto delito, o de homicídio em circunstâncias definidas e simples. Tais características tornam o presente caso não-complexo e de fácil investigação. A doutrina adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso Nº 10 037 (Firmenich) é ilustrativa, uma vez que se declarou inadmissível a denúncia em virtude de as características próprias do caso e a complexidade das causas envolvidas em seu desenvolvimento não constituírem demora injustificada na administração da justiça.

47. Em outro caso submetido à Comissão, um Estado alega ser o litígio complexo, e que o fato de a investigação não ter sido concluída se devia à extrema gravidade dos atos denunciados, à complexidade da situação e à seriedade com que se procedeu ao seu exame e ao esclarecimento das autoridades competentes. A Comissão considerou, nesse caso, que o fato de haverem transcorrido mais de dois anos da ocorrência dos fatos, sem que até a data da denúncia se houvesse movido a respectiva ação penal, e sem que houvesse indícios de que isso viesse a suceder, demonstrava claramente que as investigações não haviam sido efetuadas com seriedade e eficácia (Relatório 48/97, Caso 11 411 "Ejido Morelia", parágrafos 46 a 48).12

48. Segundo a informação em poder da Comissão, o inquérito policial foi instruído desde 9 de março de 1992 e se acha aberto até este momento. Transcorreram mais de seis meses sem que a Comissão tenha recebido informação que indique que foi concluído, embora a legislação brasileira estabeleça 30 dias para a conclusão do referido inquérito.

49. Cabe, neste caso, ao Ministério Público, que tem competência para fiscalizar a aplicação da lei no que se refere aos atos e prazos judiciais, exigir a realização do inquérito pela entidade policial responsável, mas não o fez e, em outubro de 1994, a autoridade policial declarou que se extraviaram os autos da investigação. Os peticionários solicitaram duas vezes informação sobre andamento da investigação, mas não obtiveram resposta das autoridades locais. Depreende-se do expediente que transcorreram mais de seis anos da ocorrência dos fatos, cinco deles sob a vigência da Convenção, sem que, até este momento, tenha sido concluído o inquérito e tenha sido proposta a respectiva ação penal.

50. Esse dever constitui, conforme assinala a Corte Interamericana de Direitos Humanos:13

"... obrigação do Estado de organizar seu aparato governamental e as estruturas administrativas mediante as quais manifesta o exercício do poder público, de maneira que seja possível garantir juridicamente o livre exercício dos direitos humanos. Em conseqüência dessa obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção."

51. Assim, ao depositar seu instrumento de ratificação da Convenção, o Brasil assumiu a obrigação internacional de respeitar o direito às garantias e à proteção judiciais de maneira a prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos consagrados na Convenção. O artigo 1(1) da Convenção, por sua vez, estabelece que os Estados partes na Convenção se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição.

52. Por tudo isso, a Comissão considera que a ineficiência, negligência ou omissão por parte das autoridades nas investigações, que culminaram na demora injustificada na conclusão do inquérito policial, eximiram os peticionários da obrigação de esgotar os recursos da jurisdição interna, conforme consta da parte relativa à admissibilidade, mas também violam o artigo 18 da Declaração e os artigo 8 a 25 da Convenção, ao privarem os familiares da vítima do direito de obter justiça dentro de prazo razoável mediante recurso simples e rápido.

 

VI.    Ações posteriores ao Relatório 22/99

A Comissão transmitiu o Relatório anterior ao Estado em 24 de março de 1999, concedendo-lhe o prazo de dois meses para dar cumprimento às recomendações formuladas, e informou os peticionários sobre a aprovação de um relatório nos termos do artigo 50 da Convenção. O prazo concedido transcorreu sem que a Comissão recebesse a resposta do Estado sobre essas recomendações.

 

VII. CONCLUSÕES

53. A Comissão conclui que tem competência para conhecer deste caso e que a petição é admissível, em conformidade com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana e dos Artigos 1 e 20 do seu Estatuto.

54. Com base nos fatos e na análise expostos anteriormente, a Comissão conclui que a República Federativa do Brasil é responsável pela violação dos direitos à vida (artigo 4) e à justiça (artigo 18) da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como do direito às garantias e proteção judiciais (artigos 8 e 25), e da obrigação do Estado de garantir e respeitar os direitos (artigo 1(1)) da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, no caso do homicídio de Alonso Eugênio da Silva por um policial militar do Estado do Rio de Janeiro, bem como pela falta de investigação e de punição efetiva dos responsáveis.

 

VIII. RECOMENDAÇÕES

Com base na análise e nas conclusões precedentes, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado do Brasil as seguintes recomendações:

1. Que leve a cabo uma investigação completa, imparcial e efetiva para determinar as circunstâncias em que ocorreu a morte do menor Alonso Eugênio de Silva, e para apurar as irregularidades na investigação policial subseqüente e na atuação do Ministério público e dos funcionários judiciais, a fim de punir a todos os responsáveis em conformidade com a legislação vigente;

2. Que adote as medidas necessárias para que os familiares da vítima recebam uma reparação adequada e oportuna pelas violações aqui estabelecidas.

 

IX.    PUBLICAÇÃO

55. Em 6 de outubro de 1999, a Comissão decidiu enviar este relatório ao Estado brasileiro, o que foi feito em 15 de outubro de 1999, de acordo com o artigo 51 da Convenção, e lhe foi concedido o prazo de um mês, a partir do envio, para o cumprimento das recomendações acima indicadas. Expirado esse prazo, a Comissão não recebeu qualquer resposta do Estado brasileiro.

56. Em virtude das considerações anteriores e, de conformidade com os artigos 51(3) da Convenção Americana e 48 de seu Regulamento, a Comissão decide reiterar as conclusões e recomendações dos parágrafos 53 e 54 e tornar público este relatório, incluindo-o em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA. A Comissão, em cumprimento de seu mandato, continuará a avaliar as medidas tomadas pelo Estado brasileiro com relação às recomendações mencionadas, até que tenham sido cabalmente cumpridas.

Passado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 24 dias do mês de fevereiro de 2000.(Assinado): Primeiro Vice-Presidente; Cláudio Grossman, Segundo-Vicepresidente; Juán Méndez, Comissionados: Julio Prado Vallejo, Marta Altolaguirre, Robert Goldman e Peter Laurie.

 

 

* O membro da Comissão Hélio Bicudo, de nacionalidade brasileira, não participou do debate nem da votação deste caso em cumprimento do artigo 19(2)(a) do Regulamento da Comissão.

1 "Parecer Consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, parágrafo 45, de 14 de julho de 1989, sobre a Ïnterpretação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem no contexto do artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos".

2 "…é aplicável ao sistema americano a doutrina estabelecida pela Comissão Européia e pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto de Direito Civis, de acordo com a qual esses órgãos são declarados competentes para conhecer de fatos anteriores à data de entrada em vigor da Convenção por determinado Estado, desde que esses atos sejam suscetíveis de haver determinado uma violação continuada da Convenção que se prolonga além daquela data". Andrés Aguilar, Derechos Humanos en las Américas, nota 8, p. 202.

3 "Os Estados partes obrigam-se a oferecer recursos judiciais efetivos às vítimas de violação de direitos humanos (artigo 25), recursos esses que devem ser cosubstanciais em conformidade com as normas do devido processo judicial (artigo 8), tudo isso como parte da obrigação geral dos mesmos Estados de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa que se encontre sob sua jurisdição (artigo 1(1)). Por conseguinte, quando se invoquem certas exceções à norma dos recursos da jurisdição interna, tais como a ineficácia dos recursos ou a inexistência do devido processo judicial, não somente se está alegando que o prejudicado não está obrigado a interpor tais recursos, mas também se está imputando ao Estado de que se trate uma nova violação das obrigações assumidas na Convenção. Em tais circunstâncias, a questão dos recursos da jurisdição interna se acerca sensivelmente da questão do mérito". (Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Velázques Rodriguez, sentença de 26 de julho de 1987, exceções preliminares, parágrafo 91).

4 Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Velázquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 164.

5 CIDH, caso Viviana Gallardo, 13 de setembro de 1981, parágrafo 16; Velázquez Rodríguez, parágrafo 88; Caballero Delgado y Santana, exceções preliminares, sentença de 21 de janeiro de 1994, parágrafo 66. Sobre o mesmo assunto, a doutrina assinala o seguinte:

"Em se tratando de um direito a que se pode renunciar, inclusive tacitamente, deve-se supor que há oportunidade de exercê-lo e essa oportunidade não é senão a que vigora durante a fase da admissibilidade da petição perante a Comissão. Por conseguinte, se, por negligência, descuido ou ignorância de seus advogados, o Estado denunciado não alegar a falta de esgotamento dos recursos da jurisdição interna nessa etapa do processo, estaria impedido de fazê-lo posteriormente, tanto perante a Comissão como perante a Corte. (Faúndez L., Hector, El Sistema interamericano de protección de los derechos humanos, aspectos institucionales y procesales, página 198, IIDH, 1998).

6 "Os direitos dos menores e das crianças", em Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. CIDH, Washington D.C. setembro de 1997.

7 Nações Unidas: "Princípios básicos..." adotados no Oitavo Congresso sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Transgressores, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990. Aplicam-se, inter alia, as seguintes cláusulas:

Os oficiais da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em defesa própria ou de terceiros contra a ameaça iminente de morte ou de injúria grave, para impedir a execução de um crime particularmente grave que envolva ameaça séria de morte, para deter uma pessoa que represente tal perigo e resista à sua autoridade, ou para prevenir sua fuga, e isso tão-somente quando medidas menos extremas forem insuficientes para a consecução desses objetivos. Em todo caso, o uso intencional e letal de armas de fogo só poderá ser feito quando for absolutamente inevitável à proteção de vidas humanas.

Nas circunstâncias previstas no Princípio 9, os oficiais da lei deverão identificar-se como tais e anunciar de forma clara a sua intenção de usar armas de fogo com tempo suficiente para que tal advertência seja acatada, a menos que ela possa pôr indevidamente em risco o oficial da lei ou gerar risco de morte ou injúria grave para outras pessoas, ou seja nitidamente imprópria ou vã nas circunstâncias do incidente.

8 Corte I.D.H. Caso Velázquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 163, citando Corte Permanente de Justiça Internacional, Caso Lotus, sentença no. 9, 1927, série A, no. 10, p. 31, e Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Handyside, sentença de 7 de setembro de 1976, série A, no. 24, parágrafo 41.

9 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velázquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 77, pp. 74 e 75.

10 "O direito a um processo razoável, previsto na Convenção, se fundamente, entre outras razões, na necessidade de evitar demoras indevidas que se traduzam em privação ou denegação da justiça em prejuízo de pessoas que invoquem a violação de direitos protegidos pela citada Convenção (Relatório 43/96, caso 11 411, México, p. 483, parágrafo 30, Relatório Anual da CIDH 1996).

11 Ver, por exemplo: CIDH, Resolução Nº 17/89 Relatório Caso Nº 10 037 (Mario Eduardo Firmenich), em Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1988-1989, p. 38; Tribunal Europeu de Direitos Humanos: Caso "Konig", Sentença de 28 de junho de 1978, Série A, Nº 27, pp. 34 a 40 parágrafos 99, 102-105 e 107-111; Caso Guincho, Sentença de 10 de julho de 1984, Série A, Nº 81, p.16, parágrafo 38; Unión Alimentaria Sanders S.A., Sentença de 7 de julho de 1989, Série A, Nº 157, p. 15, parágrafo 40; Caso Buchholz, Sentença de 6 de maio de 1981, Série A, Nº 42, p.16, parágrafo 51, pp. 20-22, parágrafos 61 e 63; Caso Kemmache, Sentença de 27 de novembro de 1991, Série A, Nº 218, p. 27, parágrafo 60.

12 CIDH. Relatório Anual 1997. p. 655 e seguintes.

13 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velázquez Rodríguez, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 166.