RELATÓRIO Nº 25/09[1]

ADMISSIBILIDADE E MÉRITO (PUBLICAÇÃO)

CASO 12.310

SEBASTIÃO CAMARGO FILHO

BRASIL

19 de março de 2009

 

 

I.        RESUMO

 

1.       Em 30 de junho de 2000, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Rede Nacional Autônoma de Advogados e Advogadas Populares (RENAAP), o Centro de Justiça Global (CJG) e o International Human Rights Law Group (doravante denominados “peticionários”), apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão”) contra a República Federativa do Brasil (doravante denominado “Estado”) pela suposta violação dos direitos à vida (artigo 4), à integridade pessoal (artigo 5), às garantias judiciais (artigo 8) e à proteção judicial (artigo 25), juntamente com a violação da obrigação de respeitar os direitos (artigo 1.1), dispostos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana”), alegadamente ocorridas com relação ao assassinato de Sebastião Camargo Filho, em 7 de fevereiro de 1998, no Estado do Paraná.

 

2.       Os peticionários salientaram que a falta de prevenção e investigação da morte do trabalhador rural Sebastião Camargo Filho comprometia a responsabilidade internacional do Estado, por não haver adotado medidas para garantir o direito estabelecido no artigo 4 da Convenção. Salientaram também que, mais de oito anos após terem sido cometidos os fatos, o caso permanecia em total impunidade judicial, o que infringe os preceitos dispostos nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana. Com relação aos requisitos de admissibilidade, os peticionários alegaram que a demora injustificada na decisão dos recursos judiciais os excluía do requisito de prévio esgotamento dos recursos internos. Os peticionários alegaram ainda que apresentaram a petição dois anos e quatro meses depois de ocorridos os fatos, prazo que consideraram razoável tendo em vista a demora judicial.

 

3.       O Estado, por sua vez, alegou que não houve participação de agentes estatais no caso e que seus agentes haviam tomado todas as providências necessárias para processar e punir os culpados. O Estado, por conseguinte, solicitou à Comissão que declarasse improcedentes as petições formuladas na denúncia.

 

4.       Ao analisar a admissibilidade do caso, nesse relatório, a Comissão conclui que reúne os requisitos de admissibilidade formal dispostos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana e decide prosseguir à análise do mérito em atendimento ao disposto no artigo 37.3 de seu Regulamento. Do mesmo modo, no presente relatório, redigido de acordo com o artigo 51 da Convenção, a CIDH também conclui que o Estado brasileiro é responsável pela violação do direito à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial, consagrados, respectivamente, nos artigos 4, 8 e 25 da Convenção Americana, todos eles relacionados com a obrigação que impõe ao Estado o artigo 1.1 do referido tratado, quanto a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção, em detrimento de Sebastião Camargo Filho e de seus familiares.

 

5.       Em decorrência das violações estabelecidas, a CIDH recomenda ao Estado que realize uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade de todos os autores das violações mencionadas e que, oportunamente, aplique as sanções legais aos culpados. A CIDH recomenda ao Estado que repare adequadamente os familiares pelas violações e que adote medidas para evitar a repetição desse tipo de violação.

 

II.       TRÂMITE PERANTE A CIDH

 

6.       Em 30 de junho de 2000, a Comissão recebeu a denúncia, à qual se atribuiu o número 12.310. Em 19 de julho de 2000, a Comissão transmitiu a petição ao Estado, concedendo-lhe um prazo de três meses para que apresentasse suas observações. Em 7 de dezembro de 2000, a Comissão reiterou ao Estado a solicitação de 19 de julho e concedeu-lhe 45 dias para resposta.

 

7.       Em 10 de janeiro de 2001, o Estado solicitou prorrogação de 45 dias para a apresentação da resposta. Em 18 de janeiro de 2001, a CIDH concedeu ao Estado a prorrogação de 45 dias para a apresentação de observações. Em 15 de outubro de 2002, no decorrer de seu 116º Período Ordinário de Sessões, a Comissão convocou as partes para uma reunião de trabalho a fim de discutir a possibilidade de se chegar a um acordo de solução amistosa.

 

8.       Em 24 de janeiro de 2003, a Comissão comunicou ao Estado que, ante a falta de resposta estatal aos pedidos de informação realizados em junho e dezembro de 2000, havia decidido aplicar o disposto no artigo 37.3 de seu Regulamento e diferir o tratamento das questões de admissibilidade para considerá-las juntamente com as questões de mérito. Conseqüentemente, a Comissão solicitou às partes que apresentassem suas observações sobre o mérito do assunto num prazo não superior a dois meses.

 

9.       Em 17 de março de 2003, os peticionários solicitaram prorrogação de 45 dias para apresentação de sua resposta. Em 6 de junho de 2003, a Comissão recebeu as observações dos peticionários sobre o mérito do assunto. Em 14 de outubro de 2003 foi realizada uma audiência no decorrer do 118º Período Ordinário de Sessões, ocasião em que a Comissão se colocou novamente à disposição das partes para examinar a possibilidade de um acordo de solução amistosa no caso. Durante a audiência, o Estado apresentou um documento a respeito de sua posição sobre o caso. Em 10 de novembro de 2003, a CIDH recebeu informações adicionais dos peticionários, que foram encaminhadas ao Estado em 12 de dezembro do mesmo ano.
 

III.      POSIÇÃO DAS PARTES

                         

 A.      Posição dos peticionários

 

10.     A petição informa que em maio de 1997 as fazendas Água da Prata e Dois Córregos, localizadas no município de Marilena, Estado do Paraná, foram ocupadas por cerca de 200 famílias pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dias após a ocupação, representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do Governo do Estado do Paraná e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra celebraram um acordo mediante o qual as famílias se comprometiam a desocupar as citadas fazendas e a se mudar para as fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo, que seriam declaradas de “interesse social” pelo Governo.[2] Em 19 de novembro de 1997, as famílias ocuparam as fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo, alegando que já haviam sido declaradas de interesse social.

 

11.             Segundo os peticionários, em 5 de fevereiro de 1998, os trabalhadores assentados nas fazendas se dirigiram às autoridades locais para manifestar sua preocupação com relação a informações que indicavam que a União Democrática Ruralista (UDR)[3] planejava uma desocupação violenta nas fazendas da região. Os peticionários alegam que representantes dos trabalhadores levaram essas denúncias ao Assessor Especial para Assuntos Agrários do Governo do Estado do Paraná, mas que suas denúncias foram ignoradas e medida alguma de proteção foi tomada.

 

12.             Os peticionários ressaltaram que, na madrugada de 7 de fevereiro de 1998, um grupo de aproximadamente 30 pessoas armadas, supostamente contratadas e lideradas por membros da UDR, iniciaram uma violenta operação extrajudicial de desocupação da fazenda Santo Ângelo. Os pistoleiros, que estavam encapuzados e vestidos com camisas pretas, usaram de violência para obrigar as famílias a desocupar o lugar e a subir em um caminhão. De lá os encapuzados partiram em direção à fazenda Boa Sorte, onde obrigaram os membros de mais de 70 famílias a permanecerem no chão, com o rosto voltado para baixo.

 

13.             Segundo alegações, o camponês Sebastião Camargo Filho, de 65 anos de idade, trabalhador rural afro-descendente, pai de dois filhos, sofria de um problema cervical que o impedia de permanecer agachado com a cabeça voltada para baixo. Um homem encapuzado que comandava a operação, ao ver que Sebastião Camargo Filho não cumpria sua ordem, apontou uma escopeta calibre 12 em direção a sua nuca e disparou contra ele a menos de um metro de distância. Os peticionários alegaram que várias testemunhas dos camponeses reconhecem o pistoleiro que atentou contra Sebastião como Marcos Menezes Prochet, que ocupava na época o cargo de Presidente Regional da UDR (União Democrática Ruralista).

 

14.             Os peticionários também declararam que no mesmo dia 7 de fevereiro de 1998 foram iniciadas as investigações policiais sobre a desocupação e o homicídio de Sebastião Camargo Filho. As autoridades encontraram nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo grande quantidade de armas e munição utilizadas na desocupação. No dia seguinte à desocupação, com base numa chamada anônima, as autoridades prenderam na fazenda Figueira, no município de Guairaçá, sete suspeitos de haver participado dos fatos. Junto com os suspeitos foi encontrada grande quantidade de armas de grosso calibre e munição, entre as quais 100 cartuchos calibre 12 deflagrados, além de capuzes e camisas pretas sem identificação. Nesse mesmo dia, as famílias desalojadas ocuparam novamente a fazenda Água da Prata, onde encontraram capuzes pretos, duas escopetas calibre 12 e munição do mesmo calibre. Os camponeses informaram as autoridades no mesmo dia, mas a polícia somente apreendeu os objetos seis meses depois, em 12 de agosto de 1998.

 

15.             Em 18 de fevereiro de 1998, foi expedida uma ordem de prisão preventiva contra Osnir Sanches, por sua suposta participação na contratação dos pistoleiros e sua participação nos acontecimentos do dia 7 de fevereiro de 1998. Osnir Sanches fugiu da justiça, sendo capturado em 2 de junho de 1998 e posteriormente liberado em 18 de junho de 1998, em cumprimento a uma ordem de habeas corpus. Os peticionários alegam que, apesar das fortes provas contrárias aos sete pistoleiros detidos, eles foram liberados 35 dias após sua captura.

 

16.             Os peticionários sustentam que, não obstante as múltiplas declarações expressas na investigação policial, que reconheciam Marcos Menezes Prochet como autor do disparo contra Sebastião Camargo Filho, em 5 de maio de 2000, foram vinculados à investigação criminal somente os senhores Teissin Tina (proprietário da fazenda Boa Sorte) e Osnir Sanches, pelos crimes de homicídio culposo e formação de quadrilha. Em 29 de agosto de 2000, dois anos e seis meses após a ocorrência dos fatos, o Ministério Público do Estado do Paraná formulou denúncia contra os senhores Teissin Tina e Augusto Barbosa da Costa (um dos pistoleiros contratados para fazer a desocupação) pelo homicídio de Sebastião Camargo Filho. Em 2 de março de 2001, foi realizado um aditamento da denúncia e foram incluídos como co-autores Marcos Menezes Prochet e Osnir Sanches.

 

17.             Os peticionários alegaram que, em virtude da demora nas investigações, vários dos crimes cometidos na desocupação prescreveram. Isso ocorreu com os delitos de ameaça, exercício arbitrário das próprias razões e dano. Os peticionários alegaram também que outros delitos foram injustificadamente descartados pelo Ministério Público. Por exemplo, em relação ao delito de porte ilegal de armas, o Promotor de Justiça alegou que não foi possível conseguir indícios suficientes da autoria para sustentar a denúncia. O Ministério Público aduziu que não se havia configurado o crime de associação ilícita. Por outro lado, deixou-se de investigar o delito de lesões corporais, uma vez que “não foi possível localizar as vítimas”.[4]

 

18.             Os peticionários afirmaram que as autoridades foram negligentes na condução da investigação e no conseqüente processo contra as pessoas incriminadas. Em primeiro lugar, os peticionários alegaram que as autoridades deixaram de produzir provas chave para a identificação dos autores dos fatos. Alegaram que as 12 armas calibre 12 apreendidas após o crime não foram submetidas a testes de impressão digital. Tampouco foi requerido ou realizado um exame pericial dos sete detidos, com a finalidade de verificar a existência de resíduos de pólvora provenientes de armas de fogo. Em segundo lugar, os peticionários aduziram que, apesar do amplo material probatório constante do expediente interno, o processo criminal permanecia injustificadamente em fase de instrução inicial, ultrapassando os limites estabelecidos pela lei interna. Os peticionários citaram, por exemplo, que, apesar de a lei interna estabelecer o prazo de um mês para a realização da investigação policial, neste caso a investigação policial demorou 25 meses, em que pese o fato de três dos delitos investigados terem prescrito 24 meses depois de ocorridos os fatos.

 

19.             Com base no argumentado anteriormente, os peticionários alegaram que a demora injustificada na decisão dos mencionados recursos os excetuava do requisito de prévio esgotamento dos recursos internos, em conformidade com o disposto no artigo 46.2, c, da Convenção Americana. Os peticionários alegaram também que apresentaram a petição dois anos e quatro meses depois de ocorridos os fatos, prazo que consideraram razoável tendo em vista a demora judicial.

 

B.         Posição do Estado

 

20.        O Estado aduziu que deu início ao processo n.º  52/2000 perante a Vara Criminal da Comarca de Nova Londrina, Estado do Paraná. O Estado salientou que o magistrado da causa recebeu a denúncia formal em 10 de março de 2001 e, levando em conta que alguns dos depoimentos inicialmente obtidos pelo Ministério Público  “não foram encontrados, o que estendeu demasiadamente o curso do processo”, novos depoimentos foram ordenados pelo magistrado instrutor.

 

21.        Desse modo, segundo o Estado, apesar de o andamento do processo não ter tido a rapidez devida, levando em conta que foi necessária a realização de múltiplas citações para ouvir depoimentos de pessoas residentes em outras comarcas, o processo penal vem sendo conduzido pela vara criminal de maneira eficaz, no sentido de buscar a verdade dos fatos para sua conclusão final. O Estado também destacou que os princípios de contraditório e ampla defesa foram adequadamente respeitados, uma vez que os acusados foram devidamente citados, interrogados e puderam exercer seu direito de defesa.

 

22.             O Estado considerou, por conseguinte, que seus agentes tomaram todas as providências necessárias no sentido de processar os acusados pela morte de Sebastião Camargo Filho. No entanto, segundo o Estado, a demora na administração da justiça é um problema mundial, que afeta principalmente os países em desenvolvimento, que não dispõem de estrutura suficiente para proporcionar atendimento rápido e breve.

 

23.             O Estado aduziu que não deixava de reconhecer que a investigação policial foi demasiado extensa, o que retardou a abertura do caso. No entanto, assegurou que desde que os acusados foram denunciados foram tomadas medidas destinadas à conclusão do processo, dentre as quais se destacam os interrogatórios de Augusto Barbosa da Costa, Teissin Tina, Osnir Sanches e Marcos Menezes Prochet.

 

24.             O Estado afirmou, ademais, que nenhum de seus agentes participou de nenhuma forma do triste episódio da morte de Sebastião Camargo Filho. Segundo o Estado, conforme se depreende do expediente judicial, na desocupação da fazenda Boa Sorte não houve participação da Polícia Civil ou da Polícia Militar nem de nenhum outro agente estatal, motivo por que não se origina responsabilidade internacional do Estado nos fatos.

 

25.             Finalmente, o Estado aduziu que ademais dos processos em curso instaurados contra as pessoas acusadas das mortes de trabalhadores rurais, o Estado do Paraná adotou medidas drásticas para evitar ao máximo a violência no campo, em especial no que se refere a processos de desocupação de terras. Para esse efeito, segundo afirma o Estado, as últimas desocupações de terras ocupadas por trabalhadores sem terra foram realizadas durante o dia e com a participação de um representante do Ministério Público e do Poder Judiciário. Em algumas ocasiões, inclusive, o Procurador-Geral do Estado do Paraná esteve presente para verificar a legalidade das medidas.

 

26.             Em conclusão, o Estado alegou que os acusados da morte de Sebastião Camargo Filho foram devidamente processados; não houve participação de agentes do Estado no caso; e o Governo do Estado do Paraná vem realizando processos de reintegração de terras ocupadas de facto de maneira pacífica, evitando conflitos no campo. Em virtude dessas conclusões, o Estado solicitou à Comissão que declarasse improcedentes as petições formuladas na denúncia.

 

IV.      ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE

 

27.       Levando em conta as normas regulamentares vigentes no momento da abertura do caso e as amplas oportunidades que ambas as partes tiveram para argumentar tanto sobre a admissibilidade quanto sobre o mérito do caso, em 24 de janeiro de 2003, a Comissão decidiu aplicar a regra estabelecida no artigo 37.3 de seu Regulamento. Consequentemente, passará a decidir sobre a admissibilidade e o mérito da petição.

 

A.       Competência ratione temporis, ratione personae, ratione materia e ratione loci

 

28.       De acordo com os artigos 44 da Convenção Americana e 23 do Regulamento, os peticionários, como entidades não-governamentais legalmente reconhecidas, estão habilitados a apresentar petições perante a CIDH, referentes a supostas violações da Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão observa que a República Federativa do Brasil é Estado Parte na Convenção Americana, por ele ratificada em 25 de setembro de 1992. A petição menciona como suposta vítima Sebastião Camargo Filho, pessoa física cujos direitos consagrados na Convenção o Brasil se comprometeu a respeitar e garantir. A Comissão, portanto, tem competência pessoal para examinar a denúncia.

 

29.             Na petição são denunciadas violações de direitos protegidos pela Convenção Americana. A Comissão, portanto, tem competência material para examinar a denúncia.

 

30.             A Comissão tem igualmente competência temporal, porquanto os fatos alegados na petição ocorreram quando a obrigação de respeitar e garantir os direitos estabelecidos na Convenção já se encontrava em vigor para o Estado.

 

31.             Finalmente, a Comissão tem competência territorial para conhecer desta petição, uma vez que nela são alegadas violações de direitos protegidos na Convenção Americana, que teriam ocorrido no território do Estado brasileiro.

 

B.       Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

1.       Esgotamento de recursos internos

 

32.         O artigo 46.1 da Convenção Americana estabelece como requisito de admissibilidade de uma queixa o prévio esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna do Estado. Os peticionários alegaram que, dois anos e quatro meses após a ocorrência dos fatos, não havia sido concluída a investigação policial, o que demonstrava um atraso injustificado do processo, de acordo com o disposto no artigo 46.2, b, da Convenção. O Estado, por sua vez, não negou ou questionou o exposto pelos peticionários nos 90 dias estabelecidos pelo então vigente Regulamento da Comissão para informar sobre os fatos denunciados.[5] A Corte Interamericana afirmou que “a exceção do não esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna, deve ser apresentada nas primeiras etapas do procedimento, uma vez que, na sua ausência, poderá presumir-se a renúncia tácita a fazê-la valer por parte do Estado interessado”.[6] A Comissão considera, portanto, que o Estado renunciou tacitamente a alegar a exceção de falta de esgotamento dos recursos da jurisdição interna ao não haver interposto objeção nos prazos dispostos no artigo 30.3 do Regulamento da Comissão. [7]

 

2.       Prazo de apresentação

 

33.             O artigo 46.1, b, da Convenção Americana dispõe que toda petição deve ser apresentada no prazo de seis meses, contado a partir da data em que o peticionário tenha sido notificado da sentença definitiva que esgota os recursos internos. Os peticionários apresentaram a denúncia em 30 de junho de 2000, depois de transcorridos dois anos e quatro meses da morte do senhor Sebastião Camargo Filho. O Regulamento da CIDH dispõe em seu artigo 32 que “nos casos em que sejam aplicáveis as exceções ao requisito de esgotamento prévio dos recursos internos, a petição deverá ser apresentada dentro de um prazo razoável, a critério da Comissão. Para tanto a Comissão considerará a data em que haja ocorrido a presumida violação dos direitos e as circunstâncias de cada caso”. Nesse sentido, levando em conta a data dos fatos alegados e a situação dos recursos internos no Brasil com relação aos fatos específicos levados ao conhecimento da CIDH quanto a este assunto, bem como que o Estado não informou sobre a situação dos recursos internos, a CIDH considera que a petição em análise foi apresentada em prazo razoável.

 

3.       Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

34.        Não se depreende do expediente que a petição apresentada à Comissão Interamericana se encontre atualmente pendente de outro procedimento de solução internacional ou reproduza substancialmente alguma petição ou comunicação anterior já examinada pela Comissão ou outro organismo internacional, conforme dispõem os artigos 46.1, c, e 47, d, respectivamente.

 

4.       Caracterização dos fatos alegados

 

35.        Para efeitos de admissibilidade a Comissão deve determinar se os fatos expostos na petição tendem a constituir uma violação dos direitos previstos na Convenção Americana, conforme determina o artigo 47, b, ou se a petição, conforme o artigo 47, c, deve ser descartada por ser "manifestamente infundada" ou por ser "evidente sua total improcedência". Os critérios aplicáveis para avaliar esses extremos diferem do necessário para a definição do mérito de uma petição.

 

36.             Os peticionários argumentaram que os fatos que produziram a morte de Sebastião Camargo Filho e a falta de investigação adequada dos fatos configuram violações dos direitos estabelecidos nos artigos 4, 5, 8 e 25 da Convenção Americana. A Comissão considera que prima facie os fatos do caso poderiam gerar a suposta responsabilidade do Estado pela garantia dos direitos à vida, ao devido processo e à proteção judicial de Sebastião Camargo Filho. Por outro lado, a Comissão nota que os peticionários não sustentam fatos que possam chegar a determinar uma violação independente ao direito à integridade pessoal contra a suposta vítima. A Comissão, portanto, declarará inadmissível a petição quanto a esse direito.

 

37.             Pelas razões anteriormente expostas, a Comissão conclui que é competente para conhecer da presente petição que, em conformidade com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana, é admissível, nos termos acima mencionados.

 

V.      ANÁLISE DE MÉRITO

 

          A.    Considerações preliminares

 

38.             A Comissão Interamericana observa que os peticionários alegaram uma série de fatos que não foram contestados pelo Estado. Com efeito, a CIDH encaminhou as partes pertinentes da denúncia ao Estado em 19 de julho de 2000 e a ele solicitou que prestasse informações sobre os fatos denunciados. O Brasil respondeu em 14 de outubro de 2003, ocasião em que se limitou a questionar o esgotamento dos recursos da jurisdição interna.

 

39.             Específicamente, a CIDH observa que a resposta do Estado à petição e a posição por ele manifestada na audiência ante a CIDH demonstra acordo entre as partes quanto à morte da suposta vítima, bem como quanto à natureza jurídica de suas causas e conseqüências. O Estado, no entanto, questionou outros fatos, como a vinculação entre os atos praticados e sua autoria e a suposta falta de diligência de suas autoridades policiais e judiciais na investigação da morte.

 

40.             De acordo com o acima exposto, com base nas alegações dos peticionários, na posição do Brasil quanto aos fatos alegados, nas cópias dos expedientes judiciais e nas demais provas que tramitam nos autos, assim como na ausência de outros elementos de convicção que pudessem levar a CIDH a concluir o contrário, a Comissão passa a pronunciar-se sobre os fatos estabelecidos neste caso.

 

B.       Contexto: violência rural no Brasil e sua impunidade

 

41.             A situação agrária no Brasil tem se caracterizado nas últimas décadas por uma alta concentração da terra e uma crescente mobilização de setores sociais que buscam melhor distribuição das propriedades agrárias. A pressão social pela implementação de um processo de reforma agrária provocou reações violentas por parte de setores latifundiários que, em alguns casos, contaram com a aquiescência e a conivência de funcionários locais.[8]

 

42.             Em seu relatório de 1997 sobre o Brasil, a CIDH salientou que “o Brasil possui um território extenso, com grande capacidade produtiva e de assentamento social; contudo, por razões históricas, a distribuição da propriedade das terras é extremadamente desequilibrada, gerando, em conseqüência, condições propícias para enfrentamentos sociais e violações de direitos humanos”. A CIDH salientou também que “a situação agrária é ‘aguda’ e que existem numerosos conflitos e ocupações em agosto de 1996, envolvendo 50.000 famílias de agricultores instalados em acampamentos precários nas áreas invadidas e enfrentando problemas de saúde, trabalho e educação, e confrontos com proprietários e forças policiais”.[9]

 

43.             Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, no período de 1988 a 2000, 1.517 pessoas ligadas à luta pela reforma agrária foram assassinadas. Nos 20 anos de ditadura militar (1964-1984) foram assassinados 42 trabalhadores rurais por ano. Entre 1985 e 1989 essa cifra triplicou e chegou a 117 assassinatos por ano. De 1990 a 1993, morreram 52 pessoas por ano. Entre 1994 e 1997 o número de mortes anuais chegou a 43.[10] Em 1998, ano em que ocorreu a morte de Sebastião Camargo Filho, 47 pessoas foram assassinadas em conflitos relacionados com a terra no país, oito dos quais no Estado do Paraná.

 

44.             De acordo com informações recebidas pela Comissão, tanto em sua sede quanto nas visitas in loco, a CIDH nota que no Brasil, no momento em que ocorreram os fatos, a violência contra trabalhadores rurais que lutam pela distribuição eqüitativa da terra é sistemática e generalizada. Em alguns estados há também profundas conexões entre poderosos proprietários latifundiários e autoridades locais, alguns dos quais agem como mandantes dos assassinatos e financiam as desocupações forçadas.

 

45.             Na época em que ocorreram os fatos era comum a constituição de grupos de pistoleiros para a realização de desocupações forçadas, inclusive no Estado do Paraná. Os segmentos da sociedade ligados ao poder latifundiário intensificaram seus ataques contra líderes de movimentos rurais mediante a constituição de milícias privadas e a fundação de empresas de segurança clandestina que dispunham de armamentos pesados e sessões de treinamento militar. A esse respeito, a Comissão recebeu ampla informação acerca da constituição e funcionamento de grupos tais como os autodenominados Primeiro Comando Rural e Primeiro Comando da Capital.[11]

 

46.             A Comissão constatou que essa violência se dirige e se intensifica contra os líderes dos movimentos, os defensores dos direitos humanos dos trabalhadores rurais e todo aquele que se destaque na promoção da implementação de um processo de reforma agrária. Assim como em outros países da Região que possuem esse tipo de conflito rural, no Brasil as pessoas que promovem e lideram as reivindicações relacionadas com os direitos de trabalhadores rurais são as mais afetadas, ao serem identificadas como alvos de ataques que servem de exemplo  para dissuadir as demais pessoas que participam das reivindicações. Os atos de violência contra essas pessoas são destinados a causar temor generalizado e, por conseguinte, desanimar os demais defensores e defensoras de direitos humanos, bem como a atemorizar e silenciar as denúncias, queixas e reivindicações das vítimas.

 

47.             As organizações de direitos humanos brasileiras têm insistido em que as violações dos direitos humanos dos defensores de trabalhadores rurais foram inclusive mais freqüentes na época dos governos democráticos do que na época da ditadura militar, graças à criação e funcionamento das milícias privadas patrocinadas por latifundiários. A esse respeito, a Comissão, por intermédio de sua Unidade Funcional de Defensores de Direitos Humanos, de audiências gerais e de visitas, recebeu múltiplas denúncias nos últimos anos sobre violações de direitos humanos de líderes rurais e membros de organizações tais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o Movimento de Luta Pela Terra, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Brasileiros, o Movimento Muda Brasil dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Comissão Pastoral da Terra e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, entre várias outras.[12]

 

48.             A estreita relação entre os mandantes dos crimes e as estruturas locais de poder tem garantido a impunidade na quase totalidade dos casos de violência rural no Brasil. O problema da impunidade generalizada no Brasil tem sido denunciado por instâncias internacionais como a Relatora Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, das Nações Unidas, que, no relatório sobre a visita que fez ao Brasil ressaltou que “em alguns casos, os juízes estão sujeitos à pressão de políticos locais ou influentes atores econômicos, tais como os latifundiários”.[13]

 

49.             A impunidade das violações de direitos humanos cometidas contra trabalhadores que lutam pela terra foi também denunciada pelo Relator Especial sobre a Independência dos Magistrados e Advogados. Tomando como exemplo a situação do Estado do Pará, o Relator mostrou sua preocupação com os graves índices de impunidade no Brasil, salientando que

 

No Estado do Pará a situação é ainda mais grave, com um altíssimo índice de violência e notória impunidade. Nos 1.207 casos de trabalhadores rurais assassinados entre 1985 e março de 2001, somente 85 pessoas envolvidas tiveram sentença definitiva, o que deixa uma média de 95% sem resposta judicial. No sul e no sudeste do Pará, no mesmo período, foram assassinados 340 trabalhadores rurais. Do total desses crimes, somente dois foram julgados de maneira definitiva, ou seja, uma média de 99,4% do total dos assassinatos sem nenhum tipo de resposta judicial, seja de condenação, seja de absolvição, no âmbito penal. A impunidade desses crimes é incontestável.[14]

 

50.             A Comissão se referiu em várias ocasiões à responsabilidade do Estado brasileiro pela falta de investigação adequada de atos de violência contra trabalhadores rurais e seus defensores. Desse modo, a Comissão constatou responsabilidade internacional do Brasil pela falta de investigação e sanção dos responsáveis pela morte de João Canuto de Oliveira, Presidente da União de Trabalhadores Rurais de Rio Maria, ocorrida em 18 de dezembro de 1985 no Estado do Pará.[15] Igualmente, a  Comissão também abordou o tema no caso do Massacre de Corumbiara, em que ressaltou que “o objeto deste [caso] transcende ao que se refere às situações preocupantes sobre a distribuição da terra no Brasil em geral, bem como o que diz respeito à situação específica dos trabalhadores e trabalhadoras sem terra que invadiram com suas famílias a fazenda Santa Elina, em agosto de 1995”.[16]

 

C.            Fatos estabelecidos

 

1.       Os fatos de 7 de fevereiro de 1998

 

51.             Em 7 de fevereiro de 1998 aproximadamente às cinco horas da manhã, cerca de 60 veículos, entre automóveis, caminhões e caminhonetes, organizaram uma caravana em direção às fazendas Santo Ângelo e Boa Sorte, município de Marilena, Estado do Paraná, onde se encontravam assentadas várias famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.[17] Fazia parte da caravana um coletivo de passageiros em que era transportado um grupo de 30 a 40 homens, armados com escopetas calibre 12, encapuzados e vestidos com camisas pretas.

 

52.             Chegaram inicialmente à fazenda Santo Ângelo, onde se encontravam assentadas várias famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Os encapuzados dispararam repetidamente suas armas para o ar. Agrediram várias pessoas, inclusive crianças, com pontapés, empurrões e golpes de escopeta, obrigando-as a abandonar a fazenda. Os encapuzados obrigaram as famílias a sair das construções rústicas que haviam levantado, antes de destruí-las juntamente com o que nelas encontravam.[18] Uma vez que todas as famílias assentadas na fazenda foram expulsas, os encapuzados as obrigaram a subir em caminhões que as levaram para fora da fazenda e, em seguida, se dirigiram à fazenda Boa Sorte, aonde chegaram aproximadamente a las 7h.[19]

 

53.             Na fazenda Boa Sorte, os encapuzados realizaram operação semelhante, na qual agrediram e destruíram os pertences de mais de 70 famílias. Os pistoleiros tiraram as famílias à força de seus ranchos e as levaram até a porta da fazenda, onde as obrigaram a deitar-se de bruços e de cabeça baixa.[20]

 

54.             Sebastião Camargo Filho, de 65 anos de idade, sofria de uma lesão na coluna que o obrigava a caminhar curvado. Essa lesão o impedia de adotar a posição que lhe foi ordenada, motivo por que tentou sustentar a cabeça com as mãos para evitar a dor. Um dos encapuzados, que parecia ser quem comandava a operação, ordenou-lhe que abaixasse a cabeça, mas Sebastião não pôde cumprir a ordem. Como reação a essa impossibilidade, o encapuzado apontou a arma para a cabeça do agricultor e disparou contra ele a menos de um metro de distância. O disparo produziu uma lesão cranioencefálica que tirou a vida de Sebastião Camargo Filho.[21] Em seguida, os dois encapuzados alçaram o corpo de Sebastião até a caminhonete em que foi levado ao Hospital Santa Teresinha de Nova Londrina, onde chegou sem vida.[22]

 

55.             Depois de disparar contra Sebastião, o líder dos encapuzados ordenou aos camponeses que entrassem em um caminhão, no qual foram trasladados, contra sua vontade, até o município de Querência do Norte.

 

2.       O processo judicial iniciado pelos fatos de 7 de fevereiro de 1998

 

56.             Em 7 de fevereiro de 1998, funcionários da Polícia Militar e Civil se dirigiram às fazendas Santo Ângelo e Boa Sorte onde apreenderam várias armas de fogo calibre 12, cartuchos de munição (deflagrados e sem deflagrar), camisetas pretas e capuzes, entre outros objetos.[23] No mesmo dia, às 16h, foi realizada a necropsia do cadáver de Sebastião Camargo Filho pelo Instituto Médico Legal do Paraná. Com essas diligências deu-se início à investigação policial nº 002/98.

 

57.             Em 8 de fevereiro de 1998, o Delegado de Polícia da 8ª Subdivisão da Polícia Civil expediu “auto de prisão em flagrante delito” contra Augusto Barbosa da Costa, João Alves da Silva, Milton F. Alves Filho, William K. Gomes, José Batista Moura, Valdeci Rosa de Oliveira e Jair Fermino Borracha. Em 10 de fevereiro de 1998, expediu-se ordem de detenção preventiva contra as pessoas acima citadas e contra Osnir Sanches, apontado no depoimento de um dos detidos (Augusto Barbosa da Costa) como a pessoa que havia contratado o grupo de pistoleiros por meio de uma empresa de segurança de sua propriedade denominada DEPROPAR.[24]

 

58.             Nos dias que se seguiram, a investigação policial colheu o depoimento de vários dos trabalhadores sem terra assentados nas fazendas Santo Ângelo e Boa Sorte. Esses depoimentos descreveram em pormenor as ações de desocupação e vários deles salientaram haver identificado a pessoa que disparou contra Sebastião Camargo Filho como Marcos Menezes Prochet.[25]

 

59.             Entre as provas produzidas e anexadas à investigação policial encontram-se os relatórios médico-legais sobre as lesões de Ademar Sakser, Olivera Franco da Rosa, Maldecir Schwinn, Milton Dalla Porta, Reginaldo Gomes, Adriana Beatriz Fernández, Eloi Citadalla, Adalberto Klos, Ilvo Schwinn, Joceli Machado, Joaquim Gonçalves da Silva, Arlindo Daguette, Sandro Gomes, Jorge Pires da Fonseca, Antonia Franca, Rogelio Lotice e Ana Claudia Lotice.

 

60.             Em 2 de abril de 1998, a Juíza de Direito Rosicler Maria Miguel revogou a ordem de prisão preventiva que recaía sobre Augusto Barbosa da Costa, João Alves da Silva, Milton F. Alves Filho, William K. Gomes, José Batista Moura, Valdeci Rosa de Oliveira e Jair Fermino Borracha.[26]

 

61.             Em 2 de junho de 1998, Osnir Sanches se entregou à justiça e foi detido, em virtude de ordem de captura em vigor. Em 18 de junho de 1998, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por meio de um recurso de habeas corpus revogou a ordem de prisão preventiva contra Osnir Sanches.

 

62.             Em 8 de fevereiro de 2000, a Promotora de Justiça Lucimara Salles Ferro, encarregada da investigação, prorrogou em um mês o prazo de conclusão da investigação policial, alegando “a necessidade de realização de diligências imprescindíveis para o oferecimento da denúncia”. Novas prorrogações foram concedidas em 28 de fevereiro e em 5 de abril de 2000.

 

63.             Em 5 de maio de 2000, Jairo dos Santos, Delegado de Polícia de Nova Londrina, assinou um relatório de conclusão da investigação policial nº 002/98. Nesse relatório, solicitou-se ao Ministério Público que investigasse a suposta responsabilidade de Teissin Tina e Osnir Sanches pela co-autoria do delito de homicídio culposo e associação ilícita; e a de Toshio Konda, Nelson Tosia Konda e Augusto Barbosa da Costa pelo crime de associação ilícita (formação de quadrilha).

 

64.             Em 29 de agosto de 2000, o Ministério Público apresentou denúncia formal contra Teissin Tina e Augusto Barbosa da Costa por sua alegada participação nos fatos de 7 de fevereiro de 1998. Em decisão da mesma data, o Ministério Público declarou que os supostos delitos de ameaça, exercício arbitrário das próprias razões e dano haviam prescrito em 7 de fevereiro de 2000. Por outro lado, o Ministério Público declarou, com respeito aos delitos de posse de substância entorpecente e porte ilegal de arma de fogo, que não havia sido possível obter indícios suficientes de sua autoria para sustentar uma denúncia. O Ministério Público também se absteve de apresentar denúncia pelo suposto delito de lesões corporais porque “não foi possível localizar as vítimas”.[27]

 

65.             Em 1º de setembro de 2000, o Juiz de Direito Federico Mendes Júnior decidiu receber a denúncia no que se refere à suposta responsabilidade de Teissin Tina e Augusto Barbosa da Costa. Ademais, para evitar a possibilidade do arquivamento implícito da ação penal por falta de acusação de todas as pessoas que pudessem ter participado dos fatos, o juiz decidiu devolver ao Procurador-Geral de Justiça do Paraná os autos para que ampliasse a denúncia.

 

66.             Em 2 de março de 2001, o Ministério Público, ampliou a denúncia contra Marcos Menezes Prochet e Osnir Sanches, conforme o disposto no artigo 569 do Código de Processo Penal.

 

67.             Em 1º de maio de 2001, a defesa de Augusto Barbosa da Costa solicitou a realização de provas de defesa. Em 24 de setembro de 2001, a defesa de Marcos Menezes Prochet apresentou solicitação semelhante. Em 20 de novembro de 2001, a Comissão Pastoral da Terra apresentou informação para que fosse levada em conta pela autoridade judicial.

 

68.             Em 8 de agosto de 2002, o Juizado procedeu a um levantamento do material probatório constante do expediente e ordenou que fossem substituídos alguns depoimentos que havia ordenado, mas que não haviam sido realizados.

 

69.             Em 3 de janeiro de 2003, prestou declaração o Delegado de Polícia Civil da data dos fatos. Em 22 de maio de 2003, o Ministério Público solicitou ao juiz da causa que ordenasse a tomada de novos depoimentos.

 

70.             Em 5 de março de 2004 foi realizada audiência, em que foram ouvidos os depoimentos de Edson Luiz Zanini, Armando Chiamulera, Rogelio Luis Lotici, Antonia Franca, Aparecido José Batista e José Rodrigues dos Santos.

 

71.             Em 29 de agosto de 2004, foi realizada outra audiência, em que o juiz ordenou que fossem citadas novas testemunhas e que se oficiasse à UDR para que esta associação apresentasse uma lista de seus filiados em fevereiro de 1998.

 

72.             Em 17 de maio de 2005, a escrivã da Vara Criminal, Juliana Nunes Coletti, deixa consignado que o processo esteve paralisado desde 3 de março de 2005 por falta de funcionário judicial que lhe desse andamento. Em 13 de junho de 2005, realiza-se nova anotação indicando a nomeação de uma juíza substituta.

 

73.             Na data de aprovação deste relatório, transcorridos mais de oito anos da ocorrência dos fatos, o processo judicial encontra-se em etapa de discussão de primeira instância.

 

D.      ANÁLISE DE DIREITO

 

74.             A Comissão passa a analisar se neste caso foram violados os direitos à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial com relação à obrigação do Estado de respeitar e garantir os direitos humanos dispostos nos artigos 1.1, 4, 8 e 25 da Convenção Americana, por parte do Estado do Brasil, contra a suposta vítima do caso.

 

1.                 Violação do direito à vida (artigo 4)

 

75.             O artigo 4.1 da Convenção dispõe que "toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida” e que “ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente". O direito à vida reveste especial importância porquanto se trata do pressuposto essencial para a realização dos demais direitos. O direito à vida é de importância fundamental no sistema de garantias da Convenção Americana, em cujo artigo 27.2 se encontra consagrado como um dos que não podem ser suspensos em caso de guerra, perigo público ou outras ameaças à independência ou segurança dos Estados partes no referido instrumento internacional.

 

76.             A Comissão considera procedente advertir previamente que, de acordo com a jurisprudência do sistema interamericano de proteção, para se determinar que houve uma violação dos direitos consagrados na Convenção não é necessário determinar a culpabilidade de seus autores ou sua intencionalidade, assim como não é preciso identificar individualmente os agentes a que se atribuem os atos de violação. No caso Paniagua Morales, a Corte salientou expressamente que, a fim de estabelecer a responsabilidade internacional do Estado, basta demonstrar que houve apoio ou tolerância do poder público na infração dos direitos reconhecidos na Convenção, por um lado, ou que o Estado não executou as atividades necessárias, de acordo com seu direito interno, para identificar e, oportunamente, punir os autores das próprias violações.[28]

 

a.       Responsabilidade do Estado por falta de prevenção

 

77.             A Corte Interamericana salientou que os Estados têm a obrigação de garantir a criação das condições necessárias para que não ocorram violações ao direito à vida e, em especial, o dever de impedir que seus agentes atentem contra esse direito.[29] A Corte salientou também que o cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 4 da Convenção Americana, com relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, “não somente pressupõe que pessoa alguma seja privada de sua vida arbitrariamente (obrigação negativa), mas que ademais, à luz de sua obrigação de garantir o pleno e livre exercício dos direitos humanos, requer que os Estados adotem todas as medidas apropriadas para proteger e preservar o direito à vida (obrigação positiva). Esta proteção ativa do direito à vida por parte do Estado não implica somente seus legisladores, mas toda instituição do Estado e aqueles que devem resguardar a segurança, seja suas forças policiais, ou suas forças armadas”.[30] Por conseguinte, nas palavras da Corte

 

os Estados devem adotar as medidas necessárias, não somente no nível legislativo, administrativo e judicial, mediante a emissão de normas penais e o estabelecimento de um sistema de justiça para prevenir, suprimir e castigar a privação da vida em conseqüência de atos criminosos, mas também para prevenir e proteger os indivíduos de atos criminosos de outros indivíduos e investigar efetivamente essas situações.[31]

 

78.             A Corte também reconheceu que a responsabilidade internacional do Estado pode derivar de atos de violação de direitos humanos a ele atribuíveis, cometidos por terceiros ou particulares, no âmbito das obrigações do Estado de garantir o respeito desses direitos entre indivíduos. Quanto a esse aspecto, a Corte ressaltou que

 

essa responsabilidade internacional também pode derivar de atos de particulares em princípio não atribuíveis ao Estado. Os Estados Partes na Convenção Americana tem obrigações erga omnes de respeitar e fazer respeitar as normas de proteção e de assegurar a efetividade dos direitos nela consagrados em toda circunstância e a respeito de todas as pessoas. Essas obrigações do Estado projetam seus efeitos além da relação entre seus agentes e as pessoas submetidas a sua jurisdição, pois se manifestam também na obrigação positiva do Estado de adotar as medidas necessárias para assegurar a efetiva proteção dos direitos humanos nas relações interpessoais.  A atribuição de responsabilidade ao Estado por atos de particulares pode dar-se em casos em que o Estado descumpre, por ação ou omissão de seus agentes, quando se encontrem em posição de garantes, essas obrigações erga omnes constantes dos artigos 1.1 e 2 da Convenção.[32]

 

79.             Complementando, em relação a dito parâmetro de responsabilidade, a Corte recentemente salientou que

 

um Estado não pode ser responsável por qualquer violação de direitos humanos cometida entre particulares dentro de sua jurisdição. Com efeito, o caráter erga omnes das obrigações convencionais de garantia a cargo dos Estados não implica uma responsabilidade ilimitada destes frente a qualquer ato ou ação de particulares, pois seus deveres de adotar medidas de prevenção e proteção dos particulares em suas relações entre si encontram-se condicionados ao conhecimento de uma situação de risco real e imediato para um indivíduo ou grupo de indivíduos determinado e às possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco. Ou seja, ainda que um ato, omissão ou ação de um particular tenha como conseqüência jurídica a violação de determinados direitos humanos de outro particular, esse ato não é automaticamente atribuível ao Estado, pois deve atender-se às circunstâncias particulares do caso e à efetivação dessas obrigações de garantia.[33]

 

80.             Para estabelecer essa imputabilidade internacional de atos de terceiros como violações atribuíveis ao Estado, a Corte se baseia na doutrina da Corte Européia, segundo a qual se pode predicar a responsabilidade estatal de violações cometidas por terceiros quando se demonstra que o Estado tinha conhecimento de uma situação de risco real e imediato e não adotou medidas razoáveis para evitá-las. A esse respeito, a Corte Interamericana cita a jurisprudência européia, ao sugerir que

 

Levando em conta as dificuldades que implicam o planejamento e a adoção de políticas públicas nas sociedades modernas, a imprevisibilidade da conduta humana e as escolhas de natureza operacional que devem ser feitas em função de prioridades e recursos, essa obrigação positiva deve ser interpretada de maneira a não impor às autoridades uma carga impossível ou desproporcional. Por conseguinte, nem tudo o que se alega como risco à vida impõe às autoridades a obrigação convencional de tomar medidas operacionais para prevenir que aquele risco chegue a materializar-se. Para que surja essa obrigação positiva, deve ser estabelecido que no momento dos fatos as autoridades sabiam, ou deviam saber, da existência de um risco real e imediato para a vida de um determinado indivíduo ou de alguns indivíduos com respeito a atos criminosos de terceiros e que tais autoridades não tomaram as medidas que teriam a seu alcance que, julgadas razoavelmente, podiam-se esperar para evitar esse risco (ver a sentença de Osman […], p. 3159, par. 116).[34]

 

81.             De acordo com esses parâmetros, a CIDH passa a considerar se os fatos descritos comprometem a responsabilidade internacional por falta de prevenção. A esse respeito, a Comissão Interamericana constata, em primeiro lugar, que a situação descrita na sessão sobre os fatos estabelecidos coincide com um padrão de violações e de impunidade no Brasil, amplamente documentado por organizações locais e internacionais, bem como por organismos internacionais (parágrafo 48 supra e seguintes). Nesse sentido, tal como expressou a Comissão

 

Dado que esta violação […] faz parte de um padrão geral de negligência e falta de efetividade do Estado para processar e condenar os agressores, considera a Comissão Interamericana que, não somente se viola a obrigação de processar e condenar, mas também a de prevenir essas práticas degradantes. Essa ineficácia judicial geral e discriminatória cria um ambiente que facilita a violência […], por não existirem evidências socialmente percebidas da vontade e efetividade do Estado como representante da sociedade para punir esses atos.[35]

 

82.             No presente caso, está demonstrada a existência de um padrão de impunidade e repetição de atos de violência conhecidos pelas autoridades estatais e que, conforme indicou a Comissão, dão origem a um dever de proteção maior por parte do Estado. Não obstante isso, o Estado não demonstrou que na época em que ocorreram os fatos houvesse adotado medidas específicas de prevenção para evitar a violência.

 

83.             Adicionalmente, a Comissão Interamericana concluiu que o Estado contava com informações sobre o risco real e imediato à vida e integridade pessoal daquelas  pessoas que estavam acampadas nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo e não adotou nenhum tipo de medida para protegê-las. Da mesma forma, a CIDH constatou que as autoridades, por diferentes meios, foram informadas da preparação das operações de desocupação forçada patrocinadas pelos proprietários das fazendas da região. Especificamente, as autoridades sabiam da iminência de uma desocupação forçada das fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo. Em 5 de fevereiro de 1998, as pessoas que estavam acampadas nestas fazendas informaram o Assessor Especial para Assuntos Agrários do Estado do Paraná sobre as ameaças de uma desocupação violenta.

 

84.             Igualmente, a própria Superintendente do INCRA havia solicitado ao Comandante do 8º Batalhão de Polícia Militar de Paranavaí medidas de proteção, mas as autoridades encarregadas de oferecer proteção não adotaram nenhuma medida para prevenir os fatos. Um jornal local citou as declarações da funcionária do INCRA na qual lamentava os fatos e denunciava tê-los levado ao conhecimento da Polícia Militar

 

“Segundo Oliveira, havia denúncias de que os fazendeiros estavam se armando, contudo, a polícia local não tomou providencias. A Superintendência do INCRA disse haver solicitado providências ao Comandante do 8º Batalhão da Polícia Militar de Paranavaí, quando deveria haver falado diretamente com o Secretário de Segurança Pública do Paraná”.[36]

 

85.             Um funcionário da Polícia Militar reconheceu perante a imprensa local dias depois dos fatos que as autoridades tinham conhecimento da contratação e mobilização de pessoas armadas para a realização de desocupações. A esse respeito, o jornal Folha de São Paulo publicou depoimento do Subcomandante da Polícia Militar, em que se lê

 

“O tenente da PM Clóvis Manoel do Nascimento, 27, subcomandante da Polícia Militar em Loanda (PR), disse à Agência Folha que a PM tinha conhecimento de que fazendeiros recrutavam seguranças na região noroeste do Paraná: ‘nós fomos informados pela Secretaria da Segurança Pública de que fazendeiros estavam recrutando pessoas nos municípios de Loanda, Querência do Norte e Santa Cruz de Monte Castelo, a finalidade seria desapropriar fazendas na região’. Segundo o subcomandante, o batalhão ficou sabendo dos seguranças na quinta-feira passada. A desocupação das fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo por seguranças armados ocorreu dois dias depois, no sábado de madrugada”.[37]

 

86.             Um artigo publicado na imprensa dias depois dos fatos confirma a informação acima, citando como fonte o Coordenador Geral da União Democrática Ruralista

 

“O Coordenador-Geral da União Democrática Ruralista (UDR), regional Noroeste, Tarciso Barbosa de Souza, afirmou ontem que, em Paranavaí, os proprietários de terras rurais da região estão preparados para resistir a possíveis invasões, podendo utilizar até mesmo armas de fogo para defender suas propriedades”.[38]

 

87.             Esta informação é conhecida pelas autoridades encarregadas de fazer a investigação, mas nenhuma autoridade estatal foi investigada pela sua omissão. E mais, no material probatório constante do processo interno há depoimentos das próprias autoridades que indicam não somente que autoridades locais sabiam da iminência das desocupações, mas também que funcionários estatais haviam sido coniventes com os autores intelectuais dos fatos, o que se depreende da declaração do Delegado de Polícia Civil que, ao ser indagado se tinha tomado conhecimento de planos de desocupação na região, respondeu

 

“Que na mesma semana, especificamente na quarta-feira, já que a invasão se deu no sábado, no CTG do município de Nova Londrina-PR, ocorreu uma reunião entre fazendeiros, autoridades locais, integrantes da UDR e algumas pessoas da sociedade local, ficando ajustado que eles fariam a desocupação; que o depoente não esteve na reunião mas que na sexta-feira soube dos fatos através de seus funcionários; que então o depoente comunicou acerca dos fatos ao delegado chefe da comarca de Paranavaí e este comunicou o Secretário da Segurança Pública [...]

 

Que as pessoas que participaram da reunião realizada antes da desocupação são o presidente do CTG à época, ARLINDO TROIAN, VALDIR TROIAN, ARMANDO CHIAMULERA, Presidente do Sindicato Patronal Rural, PEDRO PAULO DE MELO, Vice-Prefeito de Loanda-PR, HUGO ACORSI, Prefeito de Nova Londrina à época dos fatos, JOÃO FERNANDES e TARCISO, representante da UDR”[39].

 

88.             Das provas anteriormente citadas depreende-se que autoridades federais, a Polícia Civil e a Polícia Militar sabiam da iminência das desocupações e que estas seriam realizadas com armas. Não obstante haver informado as autoridades estatais com antecipação, nenhuma medida de proteção foi adotada. Os camponeses assentados nas fazendas ficaram indefesos, à mercê dos pistoleiros, apesar de serem amplamente conhecidas na região as condições em que seriam realizadas essas desocupações ilegais.

 

89.             Nessas circunstâncias, a Comissão Interamericana considera que o Estado não adotou medidas razoáveis para evitar que fossem cometidas as violações de 7 de fevereiro de 1998, nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo, apesar de que as informações em poder dos órgãos de segurança do Estado eram claras em indicar a iminência de um risco de violações, entre elas do direito à vida das pessoas assentadas nas mencionadas fazendas. Como era previsível, a desocupação gerou conseqüências nefastas, dentre as quais se destaca a execução extrajudicial de Sebastião Camargo Filho. Por conseguinte, a Comissão Interamericana considera que o Estado descumpriu sua obrigação de adotar medidas para prevenir o atentado contra a vida de Sebastião Camargo Filho, com o que violou o artigo 4 da Convenção Americana, em conexão com o artigo 1.1 desse tratado.[40]

 

b.       Responsabilidade do Estado pela falta de investigação adequada

 

90.             A jurisprudência do sistema interamericano tem reiterado que a ausência de investigação e punição constitui descumprimento da obrigação do Estado de garantir o livre e pleno exercício dos direitos humanos[41] às vítimas e seus familiares e à sociedade o conhecimento do ocorrido.[42] A falta de investigação e a impunidade se revestem de especial gravidade nos casos de violações do direito à vida, sobretudo quando acontecem no âmbito de um padrão de violações sistemáticas dos direitos humanos, já que propiciam um clima favorável à repetição crônica dessas infrações.[43]

 

91.             Essencialmente, a Comissão constata que o Estado não tem cumprido com a sua obrigação de garantir o direito à vida mediante uma investigação séria e imparcial. Com base no material probatório constante do expediente penal interno, a Comissão Interamericana considera demonstrado que há, com relação ao direito à vida, múltiplos indícios que sugerem a participação ou colaboração de funcionários oficiais na operação de desocupação, sendo que nenhum deles foi seriamente investigados pela justiça brasileira.

 

92.             Em primeiro lugar, as provas constantes do expediente judicial interno demonstram que os fatos de 7 de fevereiro de 1998 tiveram uma fase de planejamento longa e pública, que incluiu diversas reuniões nas quais teriam participado autoridades civis e que essas autoridades teriam desempenhado papel fundamental na condução dessas reuniões. Além disso, vários depoimentos coincidiram quanto ao fato de que essas mesmas autoridades participaram dos fatos ou fizeram parte da caravana de veículos que acompanhou os pistoleiros. O proprietário de uma das fazendas reiterou essas acusações em vários de seus depoimentos perante a Delegacia de Polícia ou do Ministério Público, por exemplo, sustentou que

 

Dentre as pessoas que ligaram para o Interrogando, a fim de que fosse feita a manifestação(passeata), estava o Dr. HUGO, Presidente do Sindicato Patronal Rural de Loanda-PR, DR. PEDRO PAULO DE MELO, o Sr. JOÃO FERNANDES DE ALMEIDA, Prefeito Municipal, ARLINDO TROIAN[44].

 

No dia em que aconteceram estes fatos, por volta das 05:00 horas da manhã, telefonaram na minha casa chamando para fazer uma passeata [...] Quem me ligou de madrugada, foi o Dr. Paulinho, Presidente do Sindicato Rural [...] Chegando lá havia uns 60 ou 70 carros no trevo. Tinha muita gente. Me lembro do Sr. Vicente Garcia, que é irmão do Sr. Bolivar da Fazenda Romania. Os dois estavam lá. O Arlindo Troian, o falecido prefeito João Fernandes, o Valter Kondo, o Dr. Armando Chiamulera e acho que também Napoleão Chiamulera, o Antonio Bono, Nelson Bono, Paulo Hara, Camilo e Bento Somenzari, filhos do Gino Hayashi, Tatsusi Suguawara. Tinha bastante gente de Loanda, o que é prefeito atualmente que não me lembro o nome.[45]

 

93.             Por sua vez, uma das pessoas relacionadas pela testemunha anterior declarou às autoridades que havia visto na caravana de veículos o então Vice-Prefeito de Loanda. Essa testemunha declara que

 

No dia dos fatos estava vindo de Loanda em uma comitiva para fazer um manifesto no Trevo de Loanda, viemos uns 10 ou 12 automóveis, o organizador da comitiva era o Sr. Hugo Acorci, Vice-Prefeito de Loanda.[46]

 

94.             Essas versões foram também confirmadas extra-oficialmente por um dos advogados dos fazendeiros acusados de planejar os fatos e deles participar. No expediente judicial aparece uma fotocópia de uma reportagem de um jornal local em que são citadas as palavras do defensor

 

O advogado Lamartine Godoi, de Presidente Prudente, SP, disse ontem que o prefeito de Nova Londrina, João Fernandes de Almeida (PDT) e o Vice-Prefeito de Loanda, Hugo Acorsi (sem partido) participaram da operação que desocupou as Fazendas Santo Ângelo e Boa Sorte.[47]

 

95.             Nenhuma dessas declarações deu lugar a que se investigasse de maneira séria a possível participação de autoridades do Estado no planejamento e prática dos atos.[48] Pelo contrário, mais de oito anos depois de ocorridos os fatos, pareceria que a resposta do Estado à morte de Sebastião Camargo Filho mostra um favorecimento à impunidade mais que à realização de uma investigação transparente que leve ao pleno esclarecimento da identidade e da responsabilidade de todas as pessoas envolvidas nos fatos. Precisamente em virtude do Estado não haver cumprido seu dever de investigação, não puderam ser comprovados ou anulados os múltiplos indícios sobre responsabilidade de autoridades do Estado no homicídio de Sebastião Camargo Filho.

 

96.             A Comissão Interamericana nota que desde a ocorrência dos fatos as autoridades estatais não adotaram medidas diligentes e eficazes para seu esclarecimento. Algumas ações e omissões oficiais pareceriam, inclusive, indicar a aquiescência das autoridades com a prática dos delitos investigados. Por exemplo, ao analisar as declarações, depoimentos e provas derivadas das investigações policiais, observa-se que os policiais que detiveram o caminhão em que eram transportados, contra sua vontade, os camponeses desalojados, nada fizeram para impedir esse traslado, deter o condutor do veículo ou buscar maiores elementos de prova para esclarecer o assassinato. A esse respeito, alguns dos depoimentos recolhidos pela autoridade policial indicaram

           

que no trajeto entre a Fazenda e a Cidade de Querência, policiais rodoviários do posto da entrada de Loanda pararam o caminhão, onde nesta oportunidade vários sem-terra gritavam pedindo socorro, pois estariam sendo seqüestrados e já havia inclusive um morto; que então dois policiais rodoviários mandaram que o caminhão tocasse destino.[49]

 

no momento em que passavam pelo Posto da Polícia Rodoviária em Loanda, ouviu quando uma mulher pediu socorro, tendo inclusive dito que havia um homem machucado, mas não foram atendidos.[50]

 

ao passarem pelo Posto da Polícia Rodoviária de Loanda, o Declarante gritou para o Policial Rodoviário: ‘socorro gente, tem um morto e um ferido lá na Fazenda Boa Sorte! Socorre a gente!’ que o Policial Rodoviário então, através de um gesto, mandou que o motorista continuasse.[51]

 

97.             Os policiais de serviço no posto corroboraram essas denúncias. No relatório de conclusão da investigação policial se lê que

 

“foram inquiridos os policiais José Alvacir Borges, Sergio Canola e Adenil Lucio Aleixo, os quais informaram que foi abordado um veículo Mercedes Benz, no dia 07/02/98, por volta das 8:00 horas, onde havia mais de 50 pessoas, estando todos muitos agitados, desesperados e com muito medo, onde lhes foram relatados que na fazenda de Marilena havia ocorrido tiroteio e mortes, mas não lhes pediram socorro e nem falaram de jagunços, sendo o caminhão liberado para evitar confusão”.[52]

         

98.               Assim, apesar de os policiais terem declarado que “todos [os passageiros do caminhão] queriam falar e narrar a respeito do acontecido em uma fazenda no Município de Marilena-PR, onde teria ocorrido um tiroteio e mortes” e que “estas pessoas estavam desesperadas e com muito medo”, os policiais permitiram que o caminhão continuasse sua marcha.[53] A falta de reação imediata que isso significou não foi recriminada disciplinar ou judicialmente.

 

99.               A investigação que se seguiu à morte de Sebastião Camargo Filho, depois de mais de oito anos de iniciada, não redundou na punição de nenhum dos responsáveis, em que pese as múltiplas provas a que tiveram acesso os funcionários encarregados da investigação. Com isso, o caso de Sebastião Camargo Filho se inclui no padrão de impunidade de atos violentos cometidos pelos grupos de pistoleiros que operam no Estado do Paraná e em outros estados do Brasil.

 

100.        Com base no exposto, a Comissão considera que o Brasil não cumpriu as obrigações internacionais que a ele competem, ao não investigar e punir todos os responsáveis. O Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de investigar devidamente o paradeiro dos autores intelectuais e materiais do assassinato de Sebastião Camargo Filho, julgá-los e puni-los, nem indenizou os familiares das vítimas. Ademais, o Estado não corroborou nem anulou os indícios da aquiescência e conivência de seus funcionários com relação aos fatos.

 

101.        A Comissão conclui que o artigo 4 da Convenção Americana deve ser interpretado com referência ao objeto e propósito da Convenção "como um instrumento para a proteção de seres humanos individuais" que "requer que suas disposições sejam interpretadas e aplicadas de modo que suas garantias se façam práticas e efetivas".[54] A obrigação do Estado de proteger o direito à vida, analisada em conjunto com a obrigação constante do artigo 1.1 de respeitar e garantir os direitos estabelecidos na Convenção Americana, necessariamente requer uma "investigação oficial efetiva quando pessoas foram assassinados em decorrência do uso da força por parte, entre outros, de agentes do Estado".[55] O direito internacional e regional dos direitos humanos determinou que qualquer violação do direito à vida requer que o Estado em questão proceda a uma investigação judicial por meio de um tribunal penal designado para "processar penalmente, julgar e punir aqueles que sejam considerados responsáveis por essas violações".[56] Essa investigação, punição e reparação não foi adotada de maneira séria e exaustiva pelo Estado, o que compromete sua responsabilidade internacional.

 

102.        A Comissão considera, por conseguinte, que o Estado brasileiro descumpriu sua obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho, por ter deixado de prevenir a violação do direito à vida da vítima, apesar de ter tomado conhecimento, por intermédio de várias de suas autoridades, do risco iminente que corriam os trabalhadores assentados nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo. Descumpriu também sua obrigação de garantir o direito à vida, ao deixar de investigar rapidamente os fatos, apesar de sua posição de garante, e de punir os responsáveis, apesar dos indícios de aquiescência que constam do expediente judicial, tudo isso em violação do artigo 4.1 da Convenção Americana, com relação ao artigo 1.1.

 

2.       Garantias judiciais e proteção judicial (artigo 8 e artigo 25)

 

103.        Conforme a jurisprudência da Corte Interamericana, toda pessoa afetada por uma violação de direitos humanos tem direito de obter dos órgãos competentes do Estado o esclarecimento dos atos de violação e o estabelecimento das responsabilidades respectivas, mediante a investigação e o julgamento de que tratam os artigos 8 e 25 da Convenção.[57]

 

104.        O artigo 25 da Convenção dispõe que:

 

1.         Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

 

2.         Os Estados Partes comprometem-se:

 

a.          a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;

 

b.         a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e

c.          a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.

 

105.        Por sua vez, o artigo 8 da Convenção dispõe na parte pertinente:

 

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

 

106.        A proteção oferecida pelas normas transcritas se vê reforçada pela obrigação geral de respeitar os direitos humanos imposta pelo artigo 1.1 da Convenção. A esse respeito, a Corte estabeleceu expressamente que:

 

[o] artigo 25, em relação com o artigo 1.1 da Convenção Americana, obriga o Estado a garantir a toda pessoa o acesso à administração de justiça e, em particular, a um recurso rápido e simples para conseguir, entre outros resultados, que os responsáveis pelas violações dos direitos humanos sejam julgados, e para obter uma reparação pelo dano sofrido… [O] artigo 25 “constitui um dos pilares básicos, não somente da Convenção Americana, mas do próprio Estado de direito em uma sociedade democrática…”. Esse artigo guarda relação direta com o artigo 8.1 … que consagra o direito de toda pessoa a ser ouvida com as devidas garantias … para a determinação de seus direitos de qualquer natureza.[58]

 

107.        Os Estados Partes têm, por conseguinte, a obrigação de tomar todo tipo de providência para que ninguém seja privado da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso simples e eficaz.[59] O Estado tem, nesse âmbito, a obrigação de investigar as violações de direitos humanos, julgar os responsáveis, indenizar as vítimas e evitar a impunidade. Essa obrigação adquire conotações especiais quando, como no caso específico, se trata de atos em que há indícios da aquiescência ou conivência de autoridades civis e militares e que se enquadram num padrão generalizado de violência contra trabalhadores rurais.

 

108.        A Comissão, como a Corte, considera que a simples constatação de que os responsáveis por violações dos direitos humanos não foram identificados mediante uma investigação diligente e, em última instância, punidos por atos judiciais em um processo devidamente substanciado basta para concluir que o Estado descumpriu o artigo 1.1 da Convenção.[60]

 

109.        Quanto à obrigação do Estado de investigar, não se descumpre somente por não existir uma pessoa condenada na causa ou pela circunstância de que, em que pese os esforços envidados, seja impossível a documentação dos fatos. No entanto, para que os órgãos de proteção internacional possam estabelecer de maneira convincente e confiável que este resultado não foi produto da execução mecânica de certas formalidades processuais, sem que o Estado tivesse buscado efetivamente a verdade, deve este demonstrar que realizou uma investigação imediata, exaustiva, séria e imparcial.[61] A investigação judicial deve ser empreendida de boa-fé, de maneira diligente, integral e justa, e deve se voltar para a análise de todas as linhas investigativas possíveis, que possibilitem a identificação dos autores do delito, para que sejam posteriormente julgados e punidos.

 

110.        Neste caso, com relação aos fatos ocorridos em 7 de fevereiro de 1998, nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo, o Estado tinha o dever de realizar de ofício uma investigação judicial efetiva destinada a identificar todos os autores das violações, bem como de julgá-los e de a eles aplicar as respectivas penalidades legais, para cujo efeito deveria promover e incentivar o processo penal até suas últimas conseqüências.

 

111.        Conforme salientou a CIDH em outros casos,[62] os “Princípios relativos a uma eficaz prevenção e investigação das execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias”, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas mediante a resolução 1989/65, explicam o que é necessário para a investigação de uma morte suspeita, de acordo com a norma da devida diligência.

 

112.        Os princípios mencionados dispõem que, em casos como o que ora se analisa, a investigação deve ter por objetivo determinar a causa, a forma e o momento da morte, a pessoa responsável e o procedimento ou prática que poderia tê-la provocado. Deve-se, ademais, realizar uma autópsia adequada, compilar e analisar todas as provas materiais e documentais e recolher as declarações das testemunhas. A investigação deve distinguir entre a morte por causas naturais, a morte por acidente ou suicídio e o homicídio.

 

113.        Os órgãos da ONU complementaram esses princípios com o “Manual sobre a prevenção e investigação eficazes das execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias”,[63] segundo o qual o objetivo principal de uma investigação é “descobrir a verdade acerca de acontecimentos que ocasionaram a morte suspeita de uma vítima". O Manual estabelece que os encarregados do inquérito devem adotar, como mínimo, medidas que visem ao seguinte:

 

b)         Recuperar e conservar meios probatórios relacionados com a morte, a fim de colaborar, da melhor maneira possível, com o julgamento dos responsáveis;

 

c)          Identificar e prender a pessoa ou pessoas que tenham participado da execução; …[e]

g)         Submeter o que tenha cometido ou que se suspeite tenha cometido delito a um tribunal competente criado por lei.

 

114.        A fim de garantir a investigação exaustiva e imparcial de uma execução extrajudicial, sumária ou arbitrária, o Manual destaca que “[u]m dos aspectos mais importantes é a reunião e a análise das provas”. Por conseguinte, “[a]s pessoas encarregadas da investigação de uma suposta execução extrajudicial devem ter acesso ao lugar em que foi descoberto o cadáver, bem como ao lugar em que possa ter ocorrido a morte”. Segundo os parâmetros previstos no Manual, o procedimento de recolhimento da prova deve se ajustar a determinados critérios, alguns dos quais são enumerados a seguir:

 

a)          Será isolada a área adjacente ao cadáver e a ela só terão acesso os investigadores e seu pessoal;

 

b)         Serão tiradas da vítima fotografias a cores, que, ao serem comparadas com as fotografias em preto e branco, poderão revelar em mais pormenores a natureza e as circunstâncias da morte;

 

c)          Serão fotografados o lugar (interior e exterior), bem como toda prova física;

 

(...)

 

j)          Serão recolhidas e preservadas todas as provas da existência de armas, tais como armas de fogo, projéteis, balas e estojos ou cartuchos. Quando for o caso, deverão ser realizados testes de detecção de resíduos de disparos e/ou de metais.

         

115.        Com base nesses parâmetros, a Comissão considera que a investigação policial iniciada para investigar os fatos foi imprecisa, morosa e rica em omissões. Quanto à coleta e prática de testes, a investigação registrou várias irregularidades. Inexplicavelmente, as autoridades não realizaram testes de impressão digital nas 12 armas apreendidas nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo no dia em que ocorreram os fatos. Tampouco realizaram testes de absorção atômica nas sete pessoas detidas, para verificar se haviam disparado armas de fogo. Outra mostra da falta de diligência das autoridades foi a demora na apreensão das armas que os trabalhadores sem terra encontraram na fazenda Água da Prata.

 

116.        Assim, em 20 de fevereiro de 1998 foi assinado um “laudo de exame de arma de fogo” realizado numa pistola marca Taurus apreendida na operação em que foram detidas sete pessoas em 8 de fevereiro de 1998. Apesar de o relatório técnico ter determinado que “no interior do cano foram observados resíduos de pólvora combusta”, não se fez teste de impressão digital na arma.

 

117.        A folhas 306-311 do expediente judicial interno aparecem seis “Autos de Exame de Eficiência e Prestabilidade de Arma de Fogo” realizados em 9 de dezembro de 1998, que correspondem às armas apreendidas em 7 de fevereiro do mesmo ano na fazenda Santo Ângelo. Segundo as conclusões desses testes, todas as armas examinadas estavam em bom estado de funcionamento e tinham condições de ser disparadas. No entanto, inexplicavelmente não foram recolhidas as impressões digitais dessas armas, com vistas à identificação das pessoas que delas haviam feito uso.

 

118.        Ademais, facilmente se comprova que as autoridades encarregadas da investigação não agiram com diligência no envio das provas, o que se deduz do ofício de 8 de setembro de 1999, assinado pela Promotora de Justiça encarregada da investigação, que assim se expressa:

 

Tendo em vista que o presente caderno investigatório encontra-se paralisado aguardando a resposta de ofícios enviados à Delegacia de Polícia de Loanda (ofício n. 342/98-datado de fevereiro/98) e ao Instituto de Criminalística de Maringá (ofício n. 054/98-datado de agosto/98), já reiterados pela Delegacia local (v. fls. 294/295 e 307/308), requer o Ministério Público seja oficiado, através deste juízo, àquelas instituições a fim de que informem acerca do cumprimento das diligências requeridas pela autoridade policial, sob pena de desobediência.[64]

 

119.        Deduz-se da comunicação citada como solicitações feitas pelo Ministério Público em fevereiro e agosto de 1998, reiteradas em 8 de dezembro do mesmo ano, não haviam sido cumpridas mais de um ano após terem sido encaminhadas. No caso do Instituto de Criminalística, a Comissão constata que, em 24 de novembro de 1999, esta instituição remeteu um relatório em resposta à reiteração do Ministério Público, em que salienta que a prova técnica solicitada havia sido realizada em 10 de março de 1998, mas não explica a razão por que o relatório sobre essa prova foi apresentado às respectivas autoridades mais de um ano e oito meses após ter sido ela realizada.[65]

 

120.        Essas graves omissões não foram explicadas pelo Estado brasileiro apesar de serem necessárias para a individualização dos autores dos atos. O Estado tampouco esclareceu a omissão das autoridades de polícia que detiveram o caminhão em que eram transportados à força os camponeses, no que se refere à retenção imediata do veículo e de seu condutor.

 

121.        Assim, a investigação policial foi conduzida com negligência por um período de mais de dois anos, apesar de as normas internas fixarem um prazo de um mês para sua realização. As próprias autoridades judiciais brasileiras criticaram a maneira por que foi conduzida a investigação policial. A esse respeito, o juiz do processo ressaltou que

 

Dois anos e meio após o acontecimento deste trágico evento, que culminou na morte de um trabalhador sem terra, poucas informações foram colhidas para a formação da opinio delicti, é verdade, mas ainda assim outras pessoas devem ser denunciadas, com base em indícios que surgiram ao longo da investigação.

 

Muito mais poderia ter sido feito: inquirição de pessoas – referidas inclusive-, procedimento para reconhecimento, reconstituição do fato e trajeto percorrido por supostos agressores, apuração sobre a idoneidade de testemunhas, enfim, uma investigação mais minuciosa, capaz de fornecer ao Promotor de Justiça subsídios sobre os fatos, as circunstancias e seus autores”.[66]

 

122.        Nessas condições, o recurso interno se tornou ineficaz, a ponto de seu injustificado atraso ter levado à prescrição de vários dos delitos investigados. Com isso, a falta de diligência das autoridades culminou na impunidade dos fatos. Três dos delitos investigados tinham pena inferior a um ano, motivo por que, em conformidade com a legislação interna, prescreviam dois anos após terem sido cometidos. No entanto, somente a fase inicial de investigação confiada à Polícia Civil superou o prazo de dois anos. Quando as investigações chegaram ao conhecimento do Ministério Público, os delitos de ameaça, exercício de razões próprias e dano haviam prescrito.

 

123.        As autoridades judiciais dispunham de amplo material probatório que lhes teria possibilitado abordar distintas linhas de investigação, mas indesculpavelmente não fizeram uso oportuno desse material. Por exemplo, dias depois dos fatos, a UDR regional fez circular uma nota em que se atribuía a desocupação,[67] mas somente em 26 de agosto de 2004 (seis anos depois dos fatos), o juiz da causa solicitou à UDR de Paranavaí uma lista dos fazendeiros filiados à referida organização em fevereiro de 1998.

 

124.        Com base nas considerações acima, a Comissão conclui que a falta de devida diligência no processo de investigação e coleta de prova essencial, sem a qual os processos judiciais não poderiam ser levados adiante, em que incorreu o Brasil caracteriza violação dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, com relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento.

 

VI.      CONCLUSÕES

 

125.        Com base nas considerações de fato e de direito acima expostas, a Comissão Interamericana conclui que:

 

1.       tem competência para conhecer deste caso e que a petição é admissível, em conformidade com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana;

 

2.       o Estado brasileiro é responsável pela violação do direito à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial, consagrados, respectivamente, nos artigos 4, 8 e 25 da Convenção Americana, todos eles em conexão com a obrigação imposta ao Estado pelo artigo 1.1 do referido tratado, relativa a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção, em detrimento de Sebastião Camargo Filho.

 

VII.     RECOMENDAÇÕES

 

126.        Com fundamento na análise e nas conclusões deste relatório, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomenda ao Estado brasileiro:

 

1.       realizar una investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, com o objetivo de estabelecer e punir a responsabilidade material e intelectual pelo assassinato de Sebastião Camargo Filho;

 

2.       reparar plenamente os familiares de Sebastião Camargo Filho, no aspecto tanto moral quanto material, pelas violações de direitos humanos determinadas neste relatório;

 

3.                 adotar em caráter prioritário uma política global de erradicação da violência rural, que abranja medidas de prevenção e proteção de comunidades em risco e o fortalecimento das medidas de proteção destinadas a líderes de movimentos que trabalham pela distribuição eqüitativa da propriedade rural;

 

4.                 adotar medidas efetivas destinadas ao desmantelamento dos grupos ilegais armados que atuam nos conflitos relacionados com a distribuição da terra;

 

5.                 adotar uma política pública de combate à impunidade das violações de direitos humanos das pessoas envolvidas em conflitos agrários, que lutam por uma distribuição eqüitativa da terra.

 

VIII.      ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO N° 4/06

 

127.        Em 28 de fevereiro de 2006, durante o 124º período de sessões, a CIDH aprovou o Relatório Nº 4/06, conforme o artigo 50 da Convenção Americana, o qual foi notificado ao Estado em 17 de abril de 2006, outorgando-lhe um prazo de dois meses para que desse cumprimento às recomendações estabelecidas nesse relatório.

 

128.        Em 17 de abril de 2006, a CIDH informou aos peticionários que havia aprovado o Relatório Nº 4/06 e lhes solicitou que num prazo de um mês informassem sobre sua posição a respeito do envio do caso à Corte, a posição da vítima e os fundamentos com base nos quais consideravam que o caso devia ser encaminhado à Corte. Além disso, lhes solicitou que remetessem durante o mesmo prazo os dados da vítima; a procuração que os credenciava na qualidade de representantes da vítima; prova disponível adicional à apresentada durante o trâmite perante a Comissão; dados de testemunhos e peritos que se pretendia oferecer à Corte; e as pretensões em matéria de reparações e custas.

 

129.        Em 21 de junho de 2006, o Estado apresentou seu primeiro relatório sobre as medidas adotadas a fim de cumprir as recomendações constantes do Relatório Nº 4/06. Além disso, o Estado solicitou à CIDH uma prorrogação para submeter informação sobre as recomendações 2 e 4 do referido relatório de admissibilidade e mérito, já que estas eram objeto de negociação entre as partes e de estudos realizados por vários órgãos estatais envolvidos em sua implementação.

 

130.        Em 26 de junho de 2006, os peticionários se manifestaram a favor de que o caso fosse enviado à Corte Interamericana e informaram os dados dos familiares da vítima. Além disso, tendo em conta que a comunicação da CIDH havia sido recebida de forma tardia, os peticionários solicitaram uma prorrogação de um mês para apresentar seus fundamentos sobre o envio do caso ao Tribunal, assim como outros dados e documentos requeridos pela Comissão.

 

131.        Em 5 de julho de 2006, a Comissão concedeu uma prorrogação de 30 dias para que o Estado brasileiro apresentasse resposta às recomendações 2 e 4 do Relatório Nº 4/06. Na mesma data, foi transmitida aos peticionários uma cópia da comunicação do Estado sobre o cumprimento das recomendações mencionadas.

 

132.        Em 10 de julho de 2006, o Estado solicitou à Comissão uma ampliação da prorrogação concedida, pelo período de quatro meses, a fim de que pudesse dar cumprimento às recomendações constantes do Relatório Nº 4/06. O Estado assinalou seu entendimento quanto à suspensão do prazo de três meses previsto no artigo 51.1 da Convenção Americana.

 

133.        Em 11 de julho de 2006, a CIDH concedeu a prorrogação de quatro meses solicitada pelo Estado, para cumprir as recomendações do Relatório Nº 4/06. Além disso, a Comissão solicitou ao Estado que apresentasse seu relatório final sobre o cumprimento das recomendações até 30 de outubro de 2006.

 

134.        Em 27 de outubro de 2006, os peticionários apresentaram um documento a respeito de sua posição sobre o envio do caso à Corte Interamericana, baseada, sobretudo, no alegado descumprimento das recomendações do Relatório Nº 4/06; a posição e dados dos familiares da vítima; possíveis provas documentais, testemunhas e peritos para o caso; e sua posição quanto a reparações e custas. Além disso, apresentaram os documentos que lhes outorgavam poderes na qualidade de representantes dos familiares da vítima. Essa comunicação foi complementada pelo ofício dos peticionários de 6 de novembro de 2006, no qual se indicou um perito adicional.

 

135.        Em 1º de novembro de 2006, o Estado apresentou um relatório sobre as medidas adotadas a fim de cumprir as recomendações da CIDH. As partes pertinentes desse relatório foram transmitidas aos peticionários em 14 de dezembro de 2006, dando-lhes o prazo de um mês para apresentar suas observações a respeito.

 

136.        Em 13 de novembro de 2006, o Estado solicitou nova prorrogação, pelo período de 6 meses, para o cumprimento das recomendações do Relatório Nº 4/06. Além disso, requereu à Comissão que intermediasse um possível acordo com os peticionários. O Estado expressou seu entendimento de que, ante a eventual concessão de uma nova prorrogação, o prazo previsto no artigo 51.1 da Convenção Americana estaria suspenso.

 

137.        Em 17 de novembro de 2006, a Comissão concedeu a prorrogação de seis meses solicitada pelo Estado e lhe solicitou que apresentasse um relatório sobre o cumprimento das recomendações em 17 de janeiro de 2007. Além disso, requereu que o Estado assinalasse uma data para realizar uma reunião de trabalho entre as partes, com a participação da CIDH. O propósito dessa reunião seria o de discutir um possível acordo a respeito da reparação aos familiares da vítima.

 

138.        Em 1º de fevereiro de 2007, a Comissão convocou as partes do caso para uma reunião de trabalho, que foi realizada em 1º de março de 2007, durante o 127º Período Ordinário de Sessões.

 

139.        Em 7 de fevereiro de 2007, os peticionários remeteram suas observações à comunicação do Estado de 1º de novembro de 2006, sobre o cumprimento das recomendações formuladas pela CIDH. Na mesma data, os peticionários informaram que não poderiam comparecer à reunião de trabalho convocada pela Comissão, já que não dispunham dos recursos materiais para cobrir os custos da viagem dos familiares da vítima e seus representantes. Além disso, sugeriram que a reunião de trabalho fosse levada a cabo no Estado do Paraná, ou no seguinte período de sessões da CIDH.

 

140.        Em 27 de fevereiro de 2007, os peticionários manifestaram que uma representante da organização Justiça Global poderia comparecer à reunião de trabalho convocada pela Comissão. Em 1º de março de 2007 realizou-se a reunião entre as partes a fim de discutir um possível acordo. Nessa reunião o Estado se comprometeu a que em 20 de março de 2007 enviaria um calendário, com a concordância dos peticionários, sobre o cumprimento das recomendações, incluindo uma data para realizar uma reunião de acompanhamento no Brasil.

 

141.        Em 2 de maio de 2007, a Comissão solicitou às partes informação sobre as medidas acordadas durante a reunião de trabalho realizada em 1° de março de 2007, em especial sobre o calendário de cumprimento das recomendações e as medidas adotadas nesse sentido. Os peticionários apresentaram informação a esse respeito em 8 de maio de 2007. No dia 11 de maio de 2007, a CIDH decidiu não enviar o presente caso à Corte Interamericana, tendo em conta questões referentes à competência temporal.

 

142.        Em 18 de maio de 2007, o Estado forneceu cópia da sentença de Pronúncia dos acusados pelo homicídio de Sebastião Camargo e informou sobre o cumprimento da recomendação N° 1, relacionada com a investigação dos fatos e sanção dos responsáveis pela morte da vítima, e a recomendação N° 2, sobre a reparação dos familiares da vítima, constantes do Relatório Nº 4/06.

 

143.        Em 30 de outubro de 2007, os peticionários remeteram comunicação sobre novos fatos de violência ocorridos nas zonas rurais do Estado do Paraná, o que implicaria descumprimento das recomendações da CIDH.

 

144.        Em 8 de fevereiro de 2008, a Comissão solicitou às partes que apresentassem informação sobre o cumprimento das recomendações do Relatório Nº 4/06, dentro do prazo de um mês. Os peticionários responderam a essa solicitação em 11 de março de 2008. Por sua vez, em 19 de março de 2008, o Estado solicitou uma prorrogação de um mês para apresentar a informação requerida pela Comissão.

 

145.        Em 26 de março de 2008, a Comissão concedeu novo prazo para que o Estado apresentasse informação sobre o cumprimento das medidas constantes do relatório, o qual venceria em 26 de abril de 2008.

 

146.        Em 5 de maio de 2008, o Estado solicitou uma prorrogação de 15 dias para apresentar dados sobre o cumprimento das recomendações da Comissão. Essa prorrogação foi concedida ao Estado em 6 de maio de 2008. Até a data, o Estado não apresentou informação a esse respeito.

 

147.        Em 18 de julho de 2008, a Comissão Interamericana aprovou o Relatório N° 33/08 – cujo texto é o que antecede - em conformidade com o artigo 51(1) da Convenção Americana.  Em 5 de agosto de 2008, a CIDH transmitiu o relatório ao Estado do Brasil e aos peticionários, em conformidade com o estipulado no artigo 51(2) da Convenção Americana, e concedeu ao Estado o prazo de um mês para informar sobre o cumprimento das recomendações indicadas supra (para. 126).  O Estado apresentou informação relativa ao cumprimento das recomendações da CIDH no presente caso, em 8 de setembro e 19 de setembro de 2008.  Por sua vez, em 22 de outubro de 2008, os peticionários apresentaram informação sobre as medidas adotadas a fim de cumprir as recomendações da Comissão Interamericana.

 

IX.                ANÁLISE DO CUMPRIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES

 

A.         Realização de uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, com o objeto de estabelecer e sancionar a responsabilidade material e intelectual do assassinato de Sebastião Camargo Filho

 

148.        Em 23 de outubro de 2005, a Juíza de Direito da Comarca de Nova Londrina emitiu decisão de Pronúncia[68] contra os réus Teissin Tina, Augusto Barbosa da Costa, Osnir Sanches e Marcos Prochet.  Os três primeiros réus não apelaram da decisão, razão pela qual poderiam ser levados a julgamento pelo Tribunal do Júri.  Contudo, o promotor requereu que o caso fosse transferido da jurisdição de Nova Londrina para a jurisdição de Curitiba, a fim de garantir a imparcialidade dos jurados.  Por sua vez, o réu Marcos Prochet recorreu da referida decisão mediante recurso em sentido estrito.  Adicionalmente, o Estado ressaltou que fora promovida recentemente uma reforma do Código de Processo Penal brasileiro mediante a Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, com o fim especial de dar maior celeridade ao procedimento relativo aos crimes de competência do Tribunal do Júri.  Isto não obstante, a CIDH observa com pesar que, de acordo com a informação mais atualizada apresentada pelas partes, tanto o pedido de transferência do juízo como o recurso em sentido estrito, mencionados supra, estão pendentes até esta data.

 

B.         Plena reparação aos familiares de Sebastião Camargo Filho, incluindo tanto o aspecto moral como o material, pelas violações de direitos humanos determinadas no relatório.

 

149.        Até o momento, os familiares de Sebastião Camargo Filho não receberam reparação pelas violações de direitos humanos indicadas pela CIDH.  A respeito, o Estado afirmou que, apesar dos esforços do Governo Federal, não obtivera o compromisso do Estado do Paraná de pagar a indenização aos familiares da vítima.  Por sua vez, o peticionários referiram-se às precárias condições de vida dos familiares de Sebastião Camargo Filho e destacaram que, conforme o artigo 28 da Convenção Americana, não podia o governo federal justificar o não-cumprimento da presente recomendação com base na falta de compromisso da entidade federada de pagar o montante da indenização.

 

C.         Adoção em caráter prioritário de uma política global de erradicação da violência rural, que contempla medidas de prevenção e proteção destinadas a líderes de movimentos que trabalham pela distribuição equitativa da propriedade rural

 

150.        O Estado adotou uma série de medidas em cumprimento a esta recomendação.  Destaque-se a adoção de medidas tais como a criação da Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), instituição equivalente ao ombudsman, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem procurado facilitar a resolução de conflitos no campo mediante audiências públicas, reuniões e interlocuções com as partes afetadas, autoridades estaduais competentes e membros da sociedade civil.  Segundo o Estado, criaram-se mais de dez ouvidorias agrárias locais em distintos estados, assim como programas de assistência social, jurídica e técnica a famílias assentadas.  Esses programas são implementados por intermédio de organizações da sociedade civil, com financiamento do Estado.  A OAN também oferece o serviço telefônico gratuito Disque Terra e Paz, por meio do qual é possível formular denúncias sobre conflitos agrários e obter informação sobre questões de terras em todo o território brasileiro.  No que se refere ao programa Paz no Campo, também coordenado pela OAN, criou-se o escritório de prevenção de tensão social, encarregado de supervisar e diagnosticar políticas capazes de ser adotadas pelos distintos poderes do Estado, e de receber denúncias sobre situações específicas.  Informa o Estado que, em 2004 e 2005, a OAN atendeu 268.811 famílias[69].  Ademais, foi criada a Comissão de Combate à Violência no Campo, cujo propósito principal é a elaboração do Plano Nacional de Combate à Violência no Campo, e que está em fase de implementação.  O Estado informou que, entre 2001 e 2005, registraram-se 414 homicídios como resultado da violência no campo.   O número de casos estaria em queda após a adoção dessas medidas.  Também foi apresentada informação sobre o Plano de Combate à Violência na Zona Rural do Paraná elaborado pela OAN, as políticas estaduais sobre este tema e os dados sobre a reforma agrária realizada nesse estado da Federação.  Finalmente, o Estado mencionou o lançamento, em 2004, do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, que já foi implementado mediante convênios com os estados do Pará, Pernambuco e Espírito Santo.   O Estado disse também que espera para fins de 2008 a conclusão da implementação do programa nos estados do Paraná e Mato Grosso.

 

151.        Por outro lado, os peticionários sustentaram que o tema da violência no campo, sobretudo no Paraná, continua a ser um fator de muita preocupação.  Assinalaram que, em 2006, ocorreram no Paraná 33 casos de agressão, uma ameaça de morte, duas intimidações, quatro mortes em conseqüência de conflitos no campo, 55 detenções, três tentativas de homicídio e três casos de tortura.

 

D.         Adoção de medidas efetivas destinadas a desmantelar os grupos armados ilegais que atuam nos conflitos relacionados com a distribuição da terra

 

152.        No cumprimento desta obrigação, o Estado mencionou algumas medidas adotadas a fim de combater os grupos armados ilegais que atuam em conflitos agrários: especificamente, as operações realizadas pela Polícia Federal de desmantelamento desses grupos armados, denominadas Paz no Campo, Faroeste, Março Branco, Tentáculos e Terra Limpa.  Os peticionários, por sua vez, deram conta do prosseguimento da ofensiva de grupos armados ilegais no Paraná.  Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, o Estado do Paraná ocupa o terceiro lugar entre as unidades federativas em matéria de número de famílias vítimas das ações das milícias armadas.

 

E.         Adoção de uma política pública de luta contra a impunidade das violações aos direitos humanos das pessoas envolvidas em conflitos agrários e que lutam por uma distribuição equitativa da terra.

 

153.        O Estado argumenta que adotou medidas integrais para combater a violência, incluídas no Plano Nacional de Combate à Violência no Campo, que está em fase de implementação, tais como a criação de juizados, promotorias e delegacias de polícia especializadas em conflitos agrários.  A respeito, os peticionários alegaram que a criação de juizados e promotorias agrárias não é suficiente para combater a impunidade das violações dos direitos humanos relacionadas com os conflitos no campo.  Ressaltaram, ademais, que a parcialidade do Poder Judiciário á fator determinante na continuidade da violência, devido à falta de investigação e sanção dos responsáveis por assassinatos.

 

X.                  PUBLICAÇÃO

 

154.        A CIDH reconhece que o Estado brasileiro adotou uma série de medidas para combater a violência rural.  Não obstante, a Comissão Interamericana deve assinalar que a violência rural não diminuiu significativamente no Brasil, como também não diminuiu a impunidade das violações aos direitos humanos das pessoas que participam destes conflitos.  As políticas governamentais para erradicar a violência rural também não tem sido suficientemente eficazes para conter os grupos armados ilegais envolvidos em conflitos ligados à distribuição de terra.

 

155.        Por outro lado, a Comissão Interamericana ressalta que decorreram mais de dez anos desde o homicídio de Sebastião Camargo Filho, sem que o Estado haja efetuado uma investigação diligente para identificar, processar e julgar os responsáveis por esse crime.  Até o momento, não existe decisão definitiva no contexto do processo penal relacionado com o homicídio da vítima e, conforme a informação proporcionada pelas partes, nenhum dos réus foi levado a julgamento perante o Tribunal do Júri.  Ademais, a CIDH observa que os familiares de Sebastião Camargo Filho não foram reparados, nem moral nem materialmente, pelas violações de direitos humanos determinadas no presente relatório.

 

156.        Em conclusão, a Comissão Interamericana reitera que o Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho, prevista no artigo 4 da Convenção Americana, ao não prevenir a morte da vítima, apesar de conhecer o risco iminente que corriam os trabalhadores assentados nas fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo, e ao deixar de investigar devidamente os fatos e sancionar os responsáveis.  Além disso, a CIDH reitera que o Estado brasileiro é responsável pela violação da garantias judiciais e a proteção judicial, em conformidade com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana, pela falta de devida diligência no processo de investigação e coleta de evidência, sem a qual os processos judiciais não podem ser levados adiante.  Finalmente, a Comissão Interamericana reitera que o Estado não cumpriu a obrigação geral estabelecida no artigo 1(1) do mesmo instrumento.

 

157.        Em virtude das considerações que antecedem e do disposto no artigo 51(3) da Convenção Americana, a CIDH decide reiterar as recomendações contidas no parágrafo 126 supra e decide dar publicidade a este relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.  A CIDH, no cumprimento do seu mandato, continuará a avaliar as medidas adotadas pelo Estado do Brasil, até que as recomendações hajam sido totalmente cumpridas.

 

Dado e assinado na cidade de Washington, D.C., aos 19 dias do mês de março de 2009. (Assinado): Luz Patricia Mejía Guerrero, President; Víctor E. Abramovich, Primeiro Vice-Presidente; Sir Clare K. Roberts, Florentín Meléndez, Paolo G. Carozza, Membros da Comissão.

 


 


            [1] O comissário Paulo Sérgio Pinheiro, de nacionalidade brasileira, não participou das deliberações e da votação sobre este relatório, em conformidade com o artigo 17.2.a. do Regulamento da Comissão. Além disso, o comissário Felioe González não participou das deliberações e da votação sobre este relatório, em conformidade com o artigo 17.2.b. do Regulamento da Comissão.

[2] A Constituição Brasileira dispõe em seu artigo 184 que:

Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

[3] A União Democrática Ruralista (UDR) se autodefine como “uma entidade de classe que se destina a reunir ruralistas e tem como princípio fundamental a preservação do direito de propriedade e a manutenção da ordem e respeito às leis do País. A entidade teve sua primeira sede regional, fundada em 1985, na cidade de Presidente Prudente - SP, e posteriormente no ano 1986, na cidade de Goiânia, GO foi fundada a primeira UDR Nacional, com sede em Brasília - DF”. De acordo com sua página eletrônica, a associação foi criada porque “os proprietários rurais sentiram a necessidade de se mobilizarem para pressionarem o Congresso Nacional. Na época, a ala da esquerda da recém nascida "Nova República" queria acabar com o direito de propriedade e os ruralistas decidiram reagir”. Cf. http://www.udr.org.br/

[4] Ministério Público do Estado do Paraná, Promotora de Justiça da Comarca de Nova Londrina, resolução de 9 de agosto de 2000.

[5] O Estado se absteve de apresentar suas observações no decorrer desse procedimento, com relação às questões de admissibilidade e mérito, apesar das reiteradas solicitações da Comissão. O único documento do Estado foi apresentado na audiência sobre o caso realizada no 118º Período Ordinário de Sessões da Comissão, em 14 de outubro de 2003, ou seja, três anos e três meses após o primeiro traslado efetuado pela Comissão.

[6] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 88

[7] CIDH, Relatório nº 38/02 (Admissibilidade), Petição 12.237, Damião Ximenes Lopes contra o Brasil, 9 de outubro de 2002, para. 23.

[8] Cf. ONU, Comissão de Direitos Humanos, Relatório apresentado pelo Relator Especial sobre habitação adequada, como parte do direito a um padrão de vida adequado, Miloon Kothari, Missão ao Brasil, Doc. E/CN.4/2005/48/Add.3; 18 de fevereiro de 2004, par. 37 e seguintes.

[9] CIDH, Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, OEA/Ser.L/V/II.97, Doc. 29 rev.1, 29 de setembro de 1997, Capítulo VII: A propriedade de terras rurais e os direitos humanos dos trabalhadores rurais.

[10] Dados da Comissão Pastoral da Terra, citados por Bernardo Mancano Fernandes no artigo “Brasil: 500 anos de luta pela terra”, disponível na página oficial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), http://www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/pubs/pubs.htm.

[11] Cf. Milícias Privadas: Estratégias para impedir a reforma agrária em defesa do latifúndio. Relatório da Terra de Direitos, organização de defesa dos direitos humanos.

[12] A esse respeito, ver os casos sobre defensores de direitos humanos de trabalhadores rurais compilados nos relatórios: “Na Linha de Frente: Defensores de Direitos Humanos no Brasil. 1997-2001”, Front Line & Justiça Global; e “Na Linha de Frente: Defensores de Direitos Humanos no Brasil. 2002-2005”, Justiça Global e Terra de Direitos (coordenadores).

[13] ONU, Comissão de Direitos Humanos, Relatório especial sobre a missão ao Brasil da Relatora Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Asma Jahanguir, Doc. E/CN.4/2004/7/Add.3, página 18 (tradução não oficial).

[14] ONU, Comissão de Direitos Humanos, Relatório especial sobre a missão ao Brasil do Relator Especial sobre a Independência dos Magistrados e Advogados, Leandro Despouy, Doc. E/CN.4/2005/60/Add.3, página 13.

[15] CIDH, Relatório nº 24/98 (Mérito), Caso 11.287, João Canuto de Oliveira (Brasil), 7 de abril de 1998.

[16] CIDH, Relatório nº 32/04 (Mérito), Caso 11.556, Corumbiara (Brasil), 11 de março de 2004.

[17] O proprietário de uma das fazendas declarou perante os tribunais internos que

chegando ao local havia cerca de sessenta veículos, entre caminhões e automóveis; que então se dirigiram até a Fazenda Santo Ângelo [...]

Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, Auto de Qualificação, vida pregressa e interrogatório de Teissin Tina, 16 de fevereiro de 1998.

[18] Cf. Depoimentos de Adalberto Klos, Ademar Sakser, Ilvo Scwinn, Joaquim Gonçalves da Silva e Antonia Engster, no expediente do inquérito policial nº 002/98.

[19] Uma das pessoas apontadas como membro do grupo de pistoleiros relatou na investigação judicial:

“Que naquela oportunidade os outros receberam armas, mas o interrogado não; que numa primeira fazenda, que não recorda o nome, foi retirado todo mundo, às 05:00 horas sem nenhum incidente; que daí foram para a segunda fazenda por volta dos 07:00 horas da manhã; que todas as pessoas foram retiradas do local, sem problema nenhum, que depois aconteceu esse acidente; que houve disparo de uma arma que atingiu o senhor Sebastião; [...] que Osnir distribuiu doze armas para as pessoas que participaram da desocupação.

Poder Judiciário, Segunda Vara Criminal, Paranavaí, Paraná, Termo de Interrogatório, interrogado: Augusto Barbosa da Costa, 8 de maio de 2001.

[20] Uma das pessoas investigadas nos fatos, por haver contratado os pistoleiros e haver participado da desocupação, salientou em sua declaração perante a Delegacia Policial:

“Que chegaram na fazenda; no clarear do dia e logo começou o tiroteio para intimidar os invasores da fazenda; que os tiros eram dados para o alto; que no corre-corre foram efetuados vários disparos havendo notícia que havia uma pessoa ferida [...] que o interrogado não estava encapuzado e nem armado; que os outros estavam encapuzados e trajando camisetas pretas por ordem de Tarcizio, que as armas foram distribuídas no trevo de Nova Londrina e o interrogado não tem conhecimento da procedência”

Poder Judiciário, Segunda Vara Criminal, Paranavaí, Paraná, Termo de Interrogatório, interrogado: Osnir Sanches, 8 de maio de 2001.

[21] Cf. Laudo de Exame de Necropsia de Sebastião Camargo Filho, realizada em 7 de fevereiro de 1998.

[22] Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, assentada de Valdisa Simão, escriturária do Hospital Santa Teresinha, 20 de fevereiro de 1998. Cf. também o depoimento de Osnir Sanches perante o Poder Judiciário, Segunda Vara Criminal Paranavaí- PR, Termo de interrogatório CP. n.º 171/2000, 8 de maio de 2001, onde confessa que ajudou a alçar o corpo de Sebastião até o veículo.

[23] Cf. “Atas de recibo de entrega de arma”, constantes das folhas 10-20 do processo criminal 52/00 conduzido pelo Juizado da Vara Criminal da Comarca de Nova Londrina.

[24] Em seu depoimento, Augusto Ferreira, proprietário da fazenda Água da Prata, declarou por sua vez que as armas encontradas em sua propriedade pertenciam à firma DEPROPAR. Cf. Relatório de conclusão do inquérito policial n.º 002/98, assinado pelo Delegado de Polícia Jairo dos Santos, em 5 de maio de 2000, p. 8.

[25] No relatório conclusivo da investigação policial, declara-se que “Sandro Gomes Guarezi, acampado da Faz. Boa Sorte, declarou a fls. 106, que fazia guarda da porteira da fazenda, quando chegou um caminhão cheio de encapuzados, armados com espingarda cal. 12, sendo agredido com coronhadas, tendo visto Marcos Prochet, que não estava encapuzado, mas depois este colocou um capuz”. Os depoimentos de Antonia Franca, Eloi Citadalla, João Otaviano dos Santos, Joaquim Gonçalves da Silva, Aparecido José Batista e Gilson Alcântara são coincidentes com este depoimento. Cf. Relatório de conclusão do inquérito policial n.º 002/98, assinado pelo Delegado de Polícia Jairo dos Santos, em 5 de maio de 2000.

[26] Poder Judiciário do Estado do Paraná, Pedido de revogação de prisão preventiva n. 11/98, assinado por Rosicler Maria Miguel, Juíza de Direito, em 2 de abril de 1998.

[27] Resolução do Ministério Público, assinada pela Promotora de Justiça Lucimara Salles Ferro, Autos n.º 036/98, Nova Londrina, 29 de agosto de 2000.

[28] Corte IDH, Caso Paniagua Morales, Sentença de mérito, de 8 de março de 1998, par. 91.

[29] Corte IDH, Caso 19 Comerciantes, Sentença de 5 de julho de 2004. Série C, nº 109, par. 153.

 

[30] Corte IDH, Caso do “Massacre de Mapiripán”. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C, nº 134, par. 232.

[31] Corte IDH, Caso do “Massacre de Pueblo Bello”. Sentença de 31 de Janeiro de 2006, par. 120. (Tradução livre do espanhol).

[32] Corte IDH, Caso do “Massacre de Mapiripán”. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C, nº 134, par. 111. (Tradução livre do espanhol).

[33] Corte IDH, Caso do “Massacre de Pueblo Bello”. Sentença de 31 de janeiro de 2006, par. 123. (Tradução livre do espanhol).

[34] Cf. European Court of Human Rights, Kiliç v. Turkey, judgment of 28 March 2000, Application No. 22492/93, paras. 62 and 63; Osman v. the United Kingdom, judgment of 28 October 1998, Reports of Judgments and Decisions 1998-VIII , paras. 115 and 116. Tradução da Secretaria da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Cf. Corte IDH, Caso do “Massacre de Pueblo Bello”. Sentença de 31 de janeiro de 2006, par. 124, citação de pé de página 203.

[35] CIDH, Relatório n° 54/01 (Mérito), Caso 12.051, Maria da Penha Maia Fernandes contra o Brasil, 16 de abril de 2001, par. 54. (Tradução livre do espanhol).

[36] “Emoção e revolta no enterro do sem-terra”. Jornal Estado do Paraná, 12 de fevereiro de 1998; “MST reage a ataque com invasão no PR”, Folha de São Paulo, 9 de fevereiro de 1998.

[37] “PM sabia sobre recrutamento”, Folha de São Paulo, 10 de fevereiro de 1998.

[38] “Noroeste prepara-se contra invasões”, Gazeta do Paraná, 23 de janeiro de 1998.

[39] Poder Judiciário, Segunda Vara Criminal, Paranavaí, Paraná, Assentada, testemunho de Eduardo Mady Barbosa, Delegado de Polícia Civil, 30 de janeiro de 2003.

[40] A Comissão Interamericana já havia constatado a responsabilidade do Brasil pela falta de adoção de medidas de proteção de pessoas ameaçadas. Cf. CIDH, Relatório nº 24/98 (Mérito), Caso 11.287, João Canuto de Oliveira (Brasil), 7 de abril de 1998.

[41] Corte I.D.H. Caso Juan Humberto Sánchez, Sentença de 7 de junho de 2003. Série C, nº. 99, par. 134,. Ver também CIDH, Resolução 1/03 sobre Julgamento de Crimes Internacionais, 24 de outubro de 2003, em CIDH, Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2003, 29 de dezembro de 2002, Anexo I.

[42] Corte I.D.H. Caso Trujillo Oroza, Reparações, (art. 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Sentença de 27 de fevereiro de 2002. Serie C, nº  92, par. 99-101 e 109; e Caso Bámaca Velásquez. Reparações, (art. 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Sentença de 22 de fevereiro de 2002. Série C, nº 91, par. 74-77.

 

[43] Corte I.D.H., Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri contra o Peru, Sentença de 8 de julho de 2004. Série C, nº 110, par. 132; Caso Myrna Mack Chang, Sentença de 25 de novembro de 2003. Série C, nº 101, par. 156.

[44] Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, auto de qualificação, vida pregressa e interrogatório de Teissin Tina, 16 de fevereiro de 1998.

[45] Poder Judiciário, Estado do Paraná, termo de interrogatório, Teissin Tina, 8 de dezembro de 2000.

[46] Poder Judiciário, Estado do Paraná, testemunha (acusação), Napoleão Augusto Chiamulera, 12 de março de 2003.

[47] “Advogado de fazendeiros acusa prefeito”, Estado do Paraná, 12 de fevereiro de 1998. Constante a fls. 553 do expediente interno.

[48] Outro indício de suposta participação de autoridades estatais que não foi seriamente investigado deduz-se de uma declaração constante do processo que salienta

Que além das pessoas citadas, reconheceu também no local do conflito os proprietários, digo, o proprietário da Fazenda Santo Ângelo e o proprietário da Fazenda Boa Sorte, bem como uma pessoa que declara ser policial, pois vestia uma camisa com emblema da Polícia por debaixo de uma camisa preta; que essa pessoa propositadamente puxava a camisa preta para que os outros vissem que o mesmo era Policial Militar.

Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, Termo de declaração de Sandro Gomes Guarez, 17 de fevereiro de 1998.

[49] Termo de declaração, prestado por Antonia Franca em 17 de fevereiro de 1998 ante o Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná.

[50] Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, Termo de declaração de Edson Luiz Zanini, 10 de fevereiro de 1998.

[51] Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, Termo de declaração de Jorge Pires da Fonseca, 19 de fevereiro de 1998.

[52] Relatório de conclusão do inquérito policial n.º 002/98, assinado pelo Delegado de Polícia Jairo dos Santos, em 5 de maio de 2000, p. 10.

[53] Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, Assentada de José Alvacir Borges, Policial Militar Rodoviário, 23 de abril de 1999.

[54] Corte Européia, Caso McCann e outros contra o Reino Unido (1995), Série A, nº 324, parágrafo 146 (citações omitidas).

[55] Id., parágrafo 161.

[56] Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, Bautista contra a Colômbia, Decisão de 27 de outubro de 1995, parágrafo 8.6; Ver CIDH, Relatórios 28/92 (Argentina), Herrera e outros; e 29/92 (Uruguai), De los Santos Mendoza e outros, em Relatório Anual da CIDH 1992-1993, 12 de março de 1993, p. 35, 154.

[57] Corte IDH, Caso Barrios Altos, Sentença de 14 de março de 2001, par. 48.

[58] Corte IDH, Caso Loayza Tamayo, Sentença de reparações de 27 de novembro de 1998, par. 169; Casos Velásquez Rodríguez, Fairén Garbi e Solís Corrales e Godínez Cruz, Exceções Preliminares, par. 91, 90 e 93, respectivamente.

[59] Corte IDH, Caso Barrios Altos, Sentença de 14 de março de 2001, par. 43.

[60] Corte I.D.H., Caso Villagrán Morales e outros (Caso dos “Meninos de rua””). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C, nº 63; par. 228.

[61] CIDH, Relatório Anual 1997, Relatório 55/97, Caso 11.137 (Juan Carlos Abella e outros), Argentina, par. 412. Sobre o mesmo tema, cf.: CIDH, Relatório Anual 1997, Relatório 52/97, Caso 11.218 (Arges Sequeira Mangas), Nicarágua, par. 96 e 97.

[62] Inter alia, CIDH, Relatório nº 10/95, Caso 10.580, Manuel Stalin Bolaños, Equador, Relatório Anual da CIDH 1995, OEA/Ser.L/V/II.91, Doc. 7, rev. 3, 3 de abril de 1996, par. 32 a 34; Relatório nº 55/97, caso 11.137, Juan Carlos Abella e outros, Argentina, par. 413 a 424; e Relatório nº 48/97, Caso 11.411, "Ejido Morelia", México, Relatório Anual da CIDH, 1997, OEA/Ser.L/V/II.98, Doc. 7, rev., 13 de abril de 1996. par. 109 a 112.

[63] ONU, documento ST/CSDHA/12.

[64] Ministério Público do Estado do Paraná, Autos de Inquérito Policial sob n.º 36/98, ofício emitido por Lucimara Salles, Promotora de Justiça, em 8 de setembro de 1999.

[65] Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, Instituto de Criminalística, ofício assinado por Helio Marineli Franco e Rosaline P.F. Martins ao Juiz de Direito da Comarca de Nova Londrina, em 24 de novembro de 1999.

[66] Poder Judiciário, Estado do Paraná, Conclusão de Federico Mendes Junior, Juiz de Direito, 1º de setembro de 2000, Autos n.52/00, de processo crime.

[67] Um jornal local noticiou a circular nos seguintes termos:

“Nota distribuída pela UDR Regional do Noroeste diz que a desocupação foi realizada por um grupo de produtores rurais da região, revoltados com a situação dos proprietários das fazendas Boa Sorte e Santo Ângelo”.[67]

“UDR diz que ação foi organizada por produtores rurais”, Folha de Londrina, 10 de fevereiro de 1998.

[68] Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, após a instrução processual deve o juiz analisar o acervo probatório existente no processo penal a fim de verificar a possibilidade de demonstrar a provável existência de crime doloso contra a vida, bem como da respectiva e suposta autoria.  Em conseqüência, o magistrado elabora decisão de Pronúncia, na qual afirma a existência de provas indicativas da materialidade e autoria do crime, e determina o dispositivo legal em cuja sanção entenda haver incidido o réu.  Sobre a pronúncia, ver o artigo 413 do Código de Processo Penal brasileiro.

[69] Informa-se também sobre um programa de capacitação de mediadores, que preparou 240 pessoas em distintas zonas, e sobre o programa de assistência social, técnica e jurídica às famílias acampadas.