RELATÓRIO No. 134/09[1]

PETIÇÕES P1133-04 E P115-05

INADMISSIBILIDADE

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS INATIVOS E PENSIONISTAS – UNAFISCO, CONAMP E OUTROS

BRASIL

12 de novembro de 2009

 

 

I.          RESUMO

 

1.         Em 26 de outubro de 2004 e em 8 de fevereiro de 2005 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante, a “Comissão Interamericana” ou “a CIDH”) recebeu duas petições alegando a responsabilidade internacional da República Federativa do Brasil (“o Estado” ou “Brasil”) pela eliminação da isenção dos servidores públicos inativos e pensionistas ao pagamento da contribuição previdenciária, ocorrida a partir de 19 de dezembro de 2003 em razão da promulgação da Emenda Constitucional No. 41/03.  Alega-se que o Estado é responsável por violações ao direito à propriedade, ao direito à proteção judicial e ao desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais, em prejuízo de determinados servidores públicos inativos e pensionistas brasileiros.

 

2.         As petições foram apresentadas pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – UNAFISCO; a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP; a Associação do Ministério Público de Pernambuco – AMPPE; e os indivíduos André Felipe Barbosa de Menezes, Felipe Travassos Sarinho de Almeida, Muryllo José Salgado da Silva, Maria Bernadete Gonçalves Aragão, Fernando José de Oliveira Amorim, Maria Denise Travassos Sarinho de Almeida e Waldomiro Augusto de Almeida (doravante “os peticionários”).  Os peticionários são associações e sindicatos que representam a servidores públicos inativos e pensionistas e apresentaram a petição em nome dos integrantes das mesmas, assim como sete servidores inativos e pensionistas em seu caráter individual, todos os quais seriam as supostas vítimas.

 

3.         Os peticionários alegam que o Estado violou os direitos fundamentais das supostas vítimas mediante a promulgação da Emenda Constitucional No. 41/03, em virtude da cobrança da contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos e pensionistas, quem anteriormente à mencionada emenda, eram isentos do pagamento de tal imposto. Consequentemente, sustentam que o Estado brasileiro violou os artigos 16, 21, 25 e 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (em adiante “a Convenção” ou “a Convenção Americana”) ; e que descumpriu igualmente suas obrigações gerais previstas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento.

 

4.         O Estado, por sua parte, alegou oportunamente a exceção de falta de caracterização, conforme o artigo 47.b da Convenção Americana. A respeito, o Estado ressalta que o mero fato de que a decisão judicial emitida pelo Supremo Tribunal Federal haja sido contrária aos interesses dos peticionários não significa que automaticamente exista uma violação ao direito à proteção judicial. Pelo contrário, segundo o Estado, tal sentença foi emitida de acordo com os princípios da ampla defesa e do contraditório, através de uma decisão devida e detalhadamente fundamentada, dentro de um prazo razoável. Do mesmo modo, o Estado sustenta que a Emenda Constitucional n. 41/03 foi motivada pelo déficit da Previdência Social e pelo aumento da expectativa de vida dos cidadãos brasileiros, assim como pela necessidade de manter o equilíbrio financeiro do Estado e garantir o direito de todos os cidadãos a receber uma pensão, portanto, foi uma medida justa, razoável e proporcional ao fim idôneo indicado supra.

 

5.         No presente relatório, a Comissão conclui que a petição não expõe fatos que tendam a caracterizar uma violação dos direitos garantidos pela Convenção Americana.  Portanto, com base no artigo 47.b da Convenção, a CIDH decide que a presente petição é inadmissível. A Comissão Interamericana decide ademais, publicar este relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual perante a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).

 

II.         TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.         A denúncia foi recebida em 26 de outubro de 2004.  Em 15 de novembro de 2006 a Comissão Interamericana informou aos peticionários e ao Estado que a petição P-1133-04 havia sido acumulada às petições P-989-04 (Sindicato dos Médicos do Distrito Federal), P-115-05 (Waldomiro Augusto de Almeida e outros) e P-644-05 (MOSAP e outros), conforme o artigo 29.1.d do Regulamento da Comissão Interamericana, em virtude de que as mesmas versavam sobre fatos similares. Do mesmo modo, a CIDH solicitou que os peticionários indicassem se haviam designado a um representante em comum para representá-los perante a Comissão Interamericana. Na mesma data, a CIDH transmitiu as partes pertinentes das petições acumuladas ao Estado e fixou um prazo de dois meses para que apresentasse suas observações. Nos dias 22 e 23 de fevereiro de 2007, o Estado apresentou sua resposta a respeito das petições acumuladas.

 

7.         Da mesma maneira, a CIDH recebeu comunicações dos peticionários a respeito da acumulação das petições e da impossibilidade da designação de um representante comum em 11 de dezembro de 2006, em 10 de fevereiro de 2007 e em 29 de fevereiro de 2008. Em 26 de junho de 2008, os peticionários das petições P-1133-04 e P-115-05 apresentaram uma comunicação à Comissão designando o Sr. Antônio Roberto Barbosa como representante comum no que concerne às duas referidas petições.

 

            8.         Em 10 de setembro de 2008 a CIDH informou aos peticionários e ao Estado que decidiu separar as petições P-1133-04[2], P-989-04 e P-644-05, conforme o disposto no artigo 29.1.c do Regulamento da Comissão Interamericana, com o objetivo de facilitar o trâmite entre as partes. Consequentemente, o presente relatório corresponde unicamente à P-1133-04.

 

9.         Do mesmo modo, a CIDH recebeu informação adicional dos peticionários nas seguintes datas: 28 de março de 2007, 25 de abril de 2007 e 29 de fevereiro de 2008. Tais comunicações foram devidamente transmitidas ao Estado.

 

10.       Por outra parte, a CIDH recebeu observações adicionais do Estado nas seguintes datas: 4 de junho de 2007, 11 de junho de 2007, 12 de julho de 2007, 18 de abril de 2008, 2 de julho de 2008, 17 de junho de 2009, e 16 de julho de 2009. Tais comunicações foram devidamente transmitidas aos peticionários.

 

III.        POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.         Os peticionários

 

11.       Os peticionários alegam que o Estado violou a Constituição brasileira e convenções e tratados de direitos humanos mediante a promulgação da Emenda Constitucional No. 41/03, em virtude da cobrança da contribuição previdenciária a servidores públicos inativos e pensionistas, quem anteriormente a tal emenda eram isentos do pagamento do referido imposto. Consequentemente, os peticionários sustentam que o Estado violou a “coisa julgada, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a segurança jurídica”, assim como o direito à propriedade e o direito a uma pensão sem deduções dos servidores inativos e pensionistas brasileiros.

 

12.       Segundo os peticionários, a cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas não corresponde à definição correta de solidariedade, uma vez que trata de corrigir vícios institucionais da Previdência Social brasileira, por exemplo, a má administração dos recursos públicos e as fraudes. A respeito, os peticionários agregam que a justificativa para a Emenda Constitucional No. 41/03 é falsa, devido ao fato de que não existe déficit na previdência social, mas sim superávit.

 

13.       Em relação à Emenda Constitucional No. 41/03, os peticionários assinalam que foi interposta uma ação direta de inconstitucionalidade (doravante “ADI 3105-2003”) perante o Supremo Tribunal Federal em 31 de dezembro de 2003,[3] a fim de que este examinasse se tal emenda violava a Constituição brasileira. Segundo os peticionários, em 18 de fevereiro de 2005, tal tribunal emitiu uma sentença contrária às pretensões das supostas vítimas e reafirmou a constitucionalidade da Emenda Constitucional No. 41/03. Portanto, os peticionários alegam que os recursos internos estão esgotados.

 

14.       Ainda, a respeito da aprovação da Emenda Constitucional No. 41/03 e da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre sua constitucionalidade, os peticionários indicam que tanto a aprovação da emenda como a sentença tiveram motivação política, e resultaram da articulação política entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

 

15.       Em conclusão, os peticionários sustentam que os fatos anteriormente expostos também danificaram consideravelmente o projeto de vida das supostas vítimas, e significaram uma violação da proibição do retrocesso na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais.  Portanto, os peticionários alegam que os artigos 16, 21, 25 e 26 da Convenção Americana foram violados pelo Estado, e que o Brasil igualmente descumpriu suas obrigações gerais previstas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. Ante todo o anterior, os peticionários sustentam que foram cumpridos os requisitos de admissibilidade previstos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana, e solicitam que a Comissão declare admissível a presente petição.

 

B.         O Estado

 

16.       O Estado alega que os peticionários, insatisfeitos com a decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal em relação à ADI 3105-2003, submeteram a presente petição à CIDH com o fim de obter uma revisão da sentença emitida no nível interno. Ainda, o Estado ressalta que o mero fato de que a decisão judicial referida supra haja sido contrária aos interesses dos peticionários, não significa que automaticamente exista uma violação do direito à proteção judicial. Pelo contrário, segundo o Estado, tal sentença foi emitida em observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório, através de uma decisão devida e detalhadamente fundamentada, dentro de um prazo razoável.

 

17.       O Estado observa que a Comissão Interamericana não pode revisar sentenças ditadas pelos tribunais nacionais quando atuem dentro dos limites de sua competência, e de conformidade com as normas previamente estabelecidas. Segundo o Estado, os peticionários solicitam à CIDH que examine meros supostos erros de fato e de direito. Do mesmo modo, o Estado sustenta que atuou de acordo com o estabelecido pela instância judicial máxima do país.

 

18.       O Estado alega que a isenção de pagar um imposto ou uma taxa que a maioria da população paga, não constitui um direito individual no sentido da Convenção Americana. Ademais, o Estado ressalta que a alegação da existência de um direito adquirido (à isenção do pagamento da contribuição previdenciária), não pode prosperar, em virtude de que o regime vigente prévio à Emenda Constitucional n. 41/03 baseava-se em circunstâncias de fato que já não existem no país. Nesse sentido, o Estado sustenta que foi exatamente o déficit da Previdência Social e o aumento da expectativa de vida dos cidadãos brasileiros, assim como a necessidade de manter o equilíbrio financeiro do Estado, que motivaram a promulgação de tal Emenda à Constituição do Brasil.

 

19.       O Estado destaca que a contribuição previdenciária é um tributo baseado na solidariedade de todos a fim de financiar o direito de todos os cidadãos a receber uma pensão. Com efeito, a contribuição – antes objeto de isenção – dos servidores públicos inativos e pensionistas à Previdência Social, segundo o Estado, não tende a caracterizar violação de direitos fundamentais, devido ao fato de que a mesma tem caráter de tributo social, baseado na solidariedade e no direito de todos os cidadãos a receber uma pensão em razão de sua inatividade.

 

20.       Na mesma linha, o Estado observa que a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “no exercício de seus direitos e no gozo de suas liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades dos demais” (artigo 29.2). Em razão disso, o Estado observa que, nas decisões adotadas a respeito de direitos sociais e do direito à propriedade, o interesse público prevalece em relação ao interesse individual.

 

21.       Ainda, o Estado destaca que seguem isentos deste tributo os servidores públicos inativos e pensionistas que recebem uma pensão de valor inferior a R$ 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta reais), portanto, a Emenda Constitucional levou em conta a realidade dos servidores públicos inativos e pensionistas mais vulneráveis.

 

22.       Com base em todo o anteriormente exposto, o Estado afirma que os fatos descritos pelos peticionários não caracterizam violações aos direitos garantidos pela Convenção Americana. Portanto, o Estado solicita que a CIDH declare esta petição inadmissível, conforme o artigo 47.b da Convenção. Nesse sentido, o Estado destaca que a contribuição dos servidores públicos inativos e pensionistas é necessária para proteger e garantir o direito de todos os cidadãos à previdência social.

 

IV.        ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE

 

23.       Em aplicação da prática de adotar decisões per curiam, de acordo com a decisão da CIDH no Relatório 132/09 sobre a P-644-05, de 12 de novembro de 2009, a Comissão conclui que tem competência para analisar esta petição e que os fatos apresentados não tendem a caracterizar possíveis violações à Convenção Americana. Em consequência, a CIDH declara inadmissível a petição pela falta de cumprimento do requisito previsto no artigo 47.b da mencionada Convenção, em virtude de que os fatos alegados não tendem a caracterizar uma violação da mesma, não sendo necessário prosseguir com a consideração sobre o mérito do assunto. Com fundamento nos argumentos de fato e de direito referidos,
 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.         Declarar inadmissível a presente petição;

 

2.         Notificar esta decisão às partes;

 

3.         Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual para a Assembléia Geral da OEA.

 

Preparado e assinado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos na sua sede em Washington D.C. no dia 12 de novembro de 2009. (assinaturas):  Luz Patricia Mejía Guerrero, Presidente; Víctor E. Abramovich, Primeiro Vice-Presidente; Felipe González, Segundo Vice-Presidente; Sir Clare K. Roberts, Florentín Meléndez e Paolo G. Carozza, Comissários.


[1] O Comissionado Paulo Sérgio Pinheiro, de nacionalidade brasileira, não participou nas deliberações nem na decisão da presente petição, em conformidade com o disposto no artigo 17.2.a do Regulamento da Comissão.

[2] Em virtude do desejo declarado pelos peticionários (supra para. 7), a petição P-115-05 continuou acumulada à petição P-1133-04. A petição P-115-05 havia sido recebida pela CIDH em 8 de fevereiro de 2005, conjuntamente a uma solicitação de medidas cautelares, que foi registrada sob o número MC-29-05. A solicitação de medidas cautelares foi negada mediante decisão de 17 de fevereiro de 2005.

[3] A ADI 315-2003 foi interposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP (peticionários da P-115-05).