RELATÓRIO Nº 19/07
PETIÇÃO
170-02
ADMISIBILIDADE
ARIOMAR
OLIVERIA ROCHA
ADEMIR
FEDERICCI
NATUR DE ASSIS
FILHO
BRASIL
3 de
março de 2007
I. RESUMO
1. Em
12 de março de
2002, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (“Comissão” ou “CIDH”)
recebeu petição apresentada por
Nelson Vicente Portela
Pellegrino, Helio Pereira Bicudo e Cláudio Grossman, (“peticionários”), em
que alegam a violação, pela República Federativa do Brasil (“Brasil” ou
“Estado”), dos artigos I, II, IV y XVIII da Declaração Americana de
Direitos e Deveres do Homem “Declaração Americana) e 4, 7, 13, 24 e 25 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Convenção Americana”) em
prejuízo dos direitos inerentes a Ariomar Oliveira Rocha, Ademir Federicci
e Natur de Assis Filho.
2. A
petição denuncia uma série de assassinatos de líderes políticos, ainda
impunes, como o do vereador Ariomar Oliveira Rocha, ocorrido em 22 de
julho de 1998, o do coordenador do Movimento pelo Desenvolvimento da
Transamazônia e Xingu, em Altamira, ocorrido em 26 de agosto de 2001, e o
de Edil Natur de Assis Filho, ocorrido em 9 de março de 2001.
3. O
Estado não contestou a denúncia, apesar de ter sido legal e devidamente
notificado.
4. Após
examinar as posições das partes à luz dos requisitos de admissibilidade
estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana, a Comissão
decidiu declarar admissível o caso em relação aos artigos
4, 8.1, 23 e 25
da Convenção Americana
em conexão com a obrigação geral estabelecida no artigo 1(1) da mesma, e
inadmissível em relação aos artigos
I, II, IV e XVIII da
Declaração Americana, assim como aos artigos 7, 13 e 24 da Convenção
Americana. Em conseqüência, a Comissão decidiu notificar as partes e dar
a público o presente Relatório de Admissibilidade, e incluí-lo no seu
Relatório Anual.
II. O TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
5. A
petição inicial foi recebida na Comissão em 12 de março de 2002 e
protocolada sob o número 170 de 2002, e seu recebimento foi acusado aos
peticionários em 15 de março de 2002.
6. Em
15 de março de 2002, a Comissão transmitiu ao Estado as partes pertinentes
da denúncia e solicitou, em relação às medidas cautelares requeridas
juntamente com a petição, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, da
informação que considerasse oportuna a respeito dos casos particulares.
7.
Mediante nota
datada de 7 de agosto de 2002, recebida pela Comissão em 9 do mesmo mês, o
Estado solicitou uma prorrogação do prazo que lhe fora concedido, a qual
foi denegada pelo fato de o pedido não estar devidamente fundamentado, em
conformidade com o artigo 30.3 do Regulamento da Comissão, o que foi
comunicado ao requerente em 22 de novembro de 2002.
8.
O Estado não
enviara nenhuma informação sobre o assunto e não contestara a petição até
a data de redação deste relatório.
III. POSIÇÕES DAS PARTES
A. A posição dos peticionários
9.
Alega-se que a denúncia formalmente
apresentada baseia-se em violações de direitos consagrados nos artigos I,
II, IV e XVIII da Declaração Americana, assim como nos artigos 4, 7, 13,
24 e 25 da Convenção Americana.
10.
Em primeiro lugar está a existência de um alto
índice de violência e falta de segurança em território do Estado, que se
manifesta na forma de um elevado número de homicídios ocorridos desde o
ano de 1994, tendo como vítimas jovens entre 15 (quinze) e 29 (vinte e
nove) anos de idade, do sexo masculino, de cor negra ou parda e pobres,
tal como revelariam relatórios de organizações não-governamentais e
relatórios de órgãos do Governo, como é o caso da Secretaria Nacional de
Segurança Pública, sendo os órgãos responsáveis do setor público incapazes
de conter essa situação. Ademais da hipótese descrita, alegam os
peticionários, está uma impunidade em relação aos crimes cometidos, fato
que estimula a perpetração desses crimes. Acrescentam que a investigação
dos mesmos, segundo a legislação brasileira, é efetuada exclusivamente
pela polícia civil, relegando o Ministério Público, órgão encarregado de
iniciar a ação penal pública, à total mercê da primeira instituição
citada, que apresenta a investigação no momento que lhe aprouver, sem
nunca cumprir o prazo legal. Alegam que o Ministério Público carece de
faculdades investigatórias e depende permanentemente da polícia e dos
juízes, e que a falta de organização e preparo tanto na polícia civil como
na militar é total e, em conseqüência dessa ignorância, cumprem instruções
do poder político em vez de ater-se aos deveres que lhes são impostos por
lei. Os peticionários sustentam que as instituições policiais aplicam a
tortura em suas práticas correntes, e que a grande maioria dos crimes
assim cometidos por seus funcionários ficam impunes. Alegam que o Poder
Judiciário, com sua inoperância, contribui para que a justiça não seja
administrada no devido tempo e, ao fazê-lo, demonstra parcialidade.
11.
Os peticionários referem-se à existência de um
relatório emanado da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
que acompanha a presente como prova documental, que dá conta da existência
de grande número de pessoas assassinadas e de outras ameaçadas de morte.
Também invoca a existência de documentos de igual teor, emanados de outras
organizações, embora não os anexe como provas.
12.
Concretamente, a petição baseia-se na denúncia
de 3 (três) assassinatos. O primeiro foi o do vereador Ariomar Oliveira
Rocha, que fora eleito pelo Partido dos Trabalhadores em representação do
município de Jaguarari, Bahia. Alega-se que ele era um tenaz combatente da
corrupção municipal, que denunciou na câmara local, incorrendo assim no
ódio do prefeito municipal, Edson Luís Almeida, que não desejava que sua
administração fosse fiscalizada. O vereador foi abatido com cinco disparos
em 22 de julho de 1998. As investigações identificaram 5 (cinco) pessoas
como responsáveis pelo crime, a saber: Manuel José Custodio, Demontiel
Souza Monteiro, Wilson Coelho, Antonio Moura e o ex-prefeito municipal,
Edson Luís Almeida, tido como autor moral do crime. Decorridos quase 4
(quatro) anos desse fato, no momento em que foi apresentada a petição
estava preso apenas o primeiro deles. Os demais estavam residindo em
outros municípios, razão por que a Justiça não pode citá-los.
13.
O segundo, Ademir Federicci, coordenador do
Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônia e Xingu, em Altamira, um
líder carismático que, além de temas ambientais, dedicava-se também à
promoção de movimentos de resistência às represas no Xingu, foi
assassinado em 25 de agosto de 2001, em Altamira, por um indivíduo chamado
Daniel, em sua própria residência, enquanto outro indivíduo, Júlio César
dos Santos, aguardava fora da casa. Alega-se que a esposa da suposta
vítima e um vizinho testemunharam o fato. Identificados esses dois
indivíduos, iniciaram-se as investigações e, até a data da denúncia, o
segundo indivíduo estava detido, mas não o suposto autor material, que se
encontra em liberdade. Até a referida data, não foram determinados nem os
motivos, nem os mandantes do crime. Indica-se que o processo em questão
está em fase de investigação criminal.
14.
Alega-se que o terceiro assassinato foi o de
Natur de Assis Filho, vereador pelo Partido Verde em Ubaira, Bahia,
ocorrido em 9 de março de 2001, este também um férreo denunciante de
irregularidades na administração municipal. Aduz-se que, na data da
ocorrência do fato, a vítima encontrava-se na residência de um líder
político chamado Ramalho, avaliando juntamente com outras 48 (quarenta e
oito) pessoas uma audiência que se realizara na Câmara Municipal de
Vereadores, e durante a qual havia sido formulada uma série de denúncias
sobre a administração do ex-titular da Prefeitura Municipal, Ivan Eça
Menezes, o qual, enfurecido com o que ali fora tratado, seguiu o senhor
Ramalho para realizar um ajuste de contas, ocasião em que foi recebido
casualmente pela suposta vítima. Nesse momento, manifesta-se o irmão de
quem se sentira ofendido, o senhor Laurito Eça Menezes, que sujeitou a
suposta vítima, tendo o ex-prefeito disparado vários tiros contra a mesma,
que sofreu morte instantânea. Em razão desse fato, os irmãos foram presos
e permaneceram privados de liberdade de março a setembro de 2001, para a
seguir serem postos em liberdade de ir e vir, outorgada em razão de uma
suposta amizade do ex-prefeito com o juiz. Informa-se que, até o momento
da formulação da denúncia, não foi decretada nem sequer a decisão que
dispõe submeter os dois libertados a juízo perante o Tribunal pertinente,
estando o processo penal paralisado.
15.
Em síntese, alega-se que a Comissão é
competente para receber a petição e que existe uma impossibilidade de
esgotar os recursos internos em face da demora injustificada dos órgãos
competentes, o que resulta na tramitação indefinida dos processos e em
total impunidade dos responsáveis pelos crimes aludidos.
16.
Os peticionários denunciam a violação de
numerosos direitos humanos no território do Estado, e a sua omissão em
adotar medidas efetivas para que tais violações cessem ou sejam
prevenidas. No que se refere à situação particularmente denunciada,
alega-se a violação do direito à vida e às garantias judiciais das
supostas vítimas. No tocante a 100 (cem) pessoas identificadas, às quais,
segundo alegam os peticionários, cumpre acrescer toda a população do
Estado, denuncia-se uma violação tanto do direito à liberdade como à
segurança pessoal, ao exercício do livre pensamento e expressão, ao
tratamento igualitário e às garantias judiciais, e solicita-se a
declaração de admissibilidade do caso em função dos direitos que teriam
sido violados.
B. A posição do Estado
17.
O Estado não contestou a denúncia, embora
tenha sido legal e devidamente solicitado, em 15 de março de 2002, a
enviar informação sobre o caso a que esta se referia.
IV. ANÁLISE DE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE
A.
Competência rationae personae, rationae loci, rationae temporis
e
rationae materiae da Comissão
18. Os
peticionários estão facultados pelo artigo 44 da Convenção a formular
denúncias perante a CIDH. A petição indica, como supostas vítimas,
Ariomar
Oliveira Rocha, Ademir Federicci e Natur de Assis Filho,
cidadãos do Estado. Portanto, a Comissão é competente rationae personae
para examinar a petição. No que se refere ao Estado, este ratificou a
Convenção Americana em 25 de setembro de 1992.
19.
A Comissão é competente rationae loci
para conhecer da petição, por conter a mesma alegações sobre violações de
direitos humanos protegidos na Convenção Americana e na Declaração
Americana sobre Direitos e Deveres do Homem, que teriam ocorrido no
território de um Estado que é parte desses instrumentos.
20.
A Comissão é competente rationae temporis,
porquanto a obrigação de respeitar e garantir os direitos
internacionalmente reconhecidos na Convenção Americana vigoravam para o
Estado na data em que teriam ocorrido os fatos alegados na petição. A
Comissão esclarece que as alegadas violações de direitos humanos de
Ariomar
Oliveira Rocha, Ademir Federicci e Natur de Assis Filho ocorreram
posteriormente à data em que o Estado ratificou a Convenção Americana,
razão pela qual essas alegações devem ser analisadas em função do citado
instrumento, situação que confere à Comissão competência
rationae materiae,
e não em função da Declaração Americana, conforme constava no pedido. A
CIDH tem reiterado que "…uma vez que a Convenção entrou em vigor (…)
esta, e não a Declaração, converteu-se na fonte de direito aplicável pela
Comissão, sempre que a petição se refira à suposta violação de direitos
substancialmente idênticos e não se trate de uma situação de violação
contínua…",
razão pela qual cumpre declarar inadmissíveis as alegações relativas a
direitos preservados pela Declaração Americana, para que as mesmas,
especificamente o direito à vida e à liberdade de opinião, tanto quanto de
expressão, direito à igualdade e à justiça, sejam estudadas sob a
Convenção Americana.
B. Requisitos de admissibilidade
1. Considerações prévias
21.
A jurisprudência do sistema indica que "…o
silêncio do demandado ou sua contestação elusiva ou ambígua podem ser
considerados como aceitação dos fatos da demanda, pelo menos enquanto não
apareça o contrário nos autos ou não resulte da convicção judicial…".
Em conseqüência, o Estado está obrigado a colaborar com os órgãos do
sistema interamericano de direitos humanos para permitir o cumprimento das
suas funções de proteção dos direitos humanos.
2. Esgotamento dos recursos internos
22.
O artigo 46.1 da Convenção Americana
estabelece, como requisito de admissibilidade de um recurso, que hajam
sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo
com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos.
23.
O item 2 do mesmo artigo estabelece que as
disposições sobre esgotamento de recursos da jurisdição interna não se
aplicarão quando:
a. não
existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido
processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham
sido violados;
b. não
se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos
recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los;
e
c.
houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.
24.
Os
peticionários assinalaram que a denúncia tem sua fonte no assassinato de 3
(três) cidadãos brasileiros, até agora impunes, não havendo sido sequer
superada a fase de investigação policial, estando a maioria dos
responsáveis por esses fatos em liberdade, sem que pose sobre eles nenhuma
acusação, vendo-se os familiares das supostas vítimas impossibilitados de
impulsionar o procedimento rumo a alguma conclusão em razão dos freios
existentes no sistema legal, que confere poder exclusivo de iniciativa à
Polícia, o que faz com que o desenvolvimento das tarefas dos demais
órgãos, como o Ministério Público, responsável pela acusação dos
indiciados com base na aludida investigação, seja totalmente ineficaz.
25.
O Estado não contestou a petição, embora tenha
sido notificado na forma legal e devida, não correspondendo, assim, a
exceção de falta de esgotamento de recursos internos. A Corte
Interamericana estabeleceu, em reiteradas oportunidades, que “a
exceção de não-esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna, deve
ser alegada nas primeiras etapas do procedimento, a cuja falta se presume
a renúncia tácita do Estado interessado em valer-se da mesma…”.
26.
A Comissão observa, ademais, que na presente
data não se esgotaram os recursos internos em relação ao homicídio das
supostas vítimas. Porém, o do primeiro ocorreu em 22 de julho de 1998, o
do segundo, em 25 de agosto de 2001 e, o do terceiro, em 9 de março de
2001, tendo até a presente data decorrido mais de 8 (oito) anos em relação
ao primeiro caso e mais de 5 (cinco) anos em relação aos outros 2 (dois),
sem que haja sido concluído o processo interno instaurado para determinar
responsabilidades nesses homicídios. A respeito, a CIDH conclui que, mesmo
que os recursos internos não tenham sido esgotados, existe um elemento
causal de exceção ao esgotamento desses recursos que consiste no “atraso
injustificado na decisão sobre os mencionados recursos”, a que se refere o
artigo 46.2.c da Convenção Americana.
27.
Resta assinalar apenas que a invocação das
exceções à regra de esgotamento dos recursos internos prevista no artigo
46.2 da Convenção guarda estreita relação com a determinação de possíveis
violações a certos direitos ali consagrados, tais como as garantias de
acesso à justiça. Não obstante, o artigo 46.2 da Convenção Americana é,
por sua natureza e objeto, uma norma com conteúdo autônomo vis á vis
as normas substantivas da Convenção. Portanto, a determinação da
aplicabilidade ou não das exceções à regra de esgotamento dos recursos
internos previstas na norma citada deve ser levada a cabo de maneira
prévia e separada da análise do mérito do assunto, já que depende de um
padrão de apreciação distinto do utilizado para determinar a violação dos
artigos 8 e 25 da Convenção. Cabe esclarecer que as causas e efeitos que
impediram o esgotamento dos recursos internos no presente caso serão
pertinentemente analisados, no relatório que a Comissão adotar sobre o
mérito da controvérsia, a fim de constatar se constituem efetivamente
configuram violações à convenção Americana.
3.
Prazo para a apresentação da petição
28.
O artigo 32 do Regulamento da CIDH dispõe que,
nos casos em que resultem aplicáveis as exceções ao requisito de
esgotamento dos recursos internos, a petição deverá ser apresentada dentro
de um prazo razoável, a critério da Comissão, levando em conta a data das
supostas violações e as circunstâncias de cada caso.
29.
A respeito, levando em conta as datas
individualizadas supra, em que se denuncia a ocorrência das
alegadas violações, bem como a situação dos recursos internos no Brasil,
alegação que, segundo o critério jurisprudencial citado, deve-se presumir
como certa quanto aos fatos específicos submetidos à consideração da CIDH
no caso presente, deve a Comissão considerar que a petição sob exame foi
apresentada dentro de um prazo razoável.
4. Duplicidade de procedimentos e coisa julgada internacional
30.
Não ressalta do expediente que a matéria da
petição esteja pendente de outro procedimento de âmbito internacional, nem
que reproduza uma petição já examinada por este ou por outro órgão
internacional. Portanto, corresponde dar por cumpridos os requisitos
estabelecidos nos artigos 46.1.c e 47.d da Convenção.
5. Caracterização dos fatos alegados
31.
Para os fins da admissibilidade, a CIDH deve
decidir se estão expostos os fatos que poderiam caracterizar uma violação,
como estipula o artigo 47.b da Convenção, se a petição é “manifestamente
infundada” ou se é “evidente sua total improcedência”, nos termos do
inciso (c) do mesmo artigo.
32.
O padrão de apreciação destes extremos difere
do requerido para decidir sobre os méritos de uma denúncia. A CIDH deve
proceder a uma avaliação prima facie para examinar se a denúncia
fundamenta a violação aparente ou potencial de um direito garantido pela
Convenção, e não para estabelecer a existência de uma violação. Tal exame
é uma análise sumária que não implica prejuízo ou antecipação de opinião
sobre o mérito.
33.
A Comissão não constata que a petição seja
“manifestamente infundada” ou que seja “evidente a sua improcedência”.
34.
Por outro lado, o artigo 7 da Convenção
Americana preconiza a proteção ao direito à liberdade e à segurança
pessoal. No presente caso, já que as 3 (três) supostas vítimas faleceram,
o sentido prático empregado por este órgão leva a determinar, segundo a
descrição factual da situação, que a suposta violação ao artigo 4 da
Convenção Americana supera a potencial violação ao direito à liberdade e à
segurança pessoal, motivo pelo qual cumpre decretar sua
inadmissibilidade.
35.
O artigo 23 da Convenção consagra os direitos
à participação na direção dos assuntos públicos, a votar, a ser eleito e a
ter acesso às funções públicas, os quais devem ser garantidos pelo Estado
em condições de igualdade.
É indispensável que o Estado gere as condições e mecanismos ótimos para
que esses direitos políticos possam ser efetivamente exercidos,
respeitando o princípio de igualdade e não-discriminação.
A participação política pode incluir atividades amplas e diversas que
as pessoas realizam individualmente ou em organização, com o propósito de
intervir na designação daqueles que governarão um Estado ou se
encarregarão de dirigir os assuntos públicos, assim como de influir na
formação da política estatal através de mecanismos de participação direta.
36.
Avaliando os fatos denunciados na petição, é
preciso ter em conta que as 3 (três) vítimas eram pessoas que participavam
ativamente na vida política das suas comunidades. Assim sendo, a situação
de fato descrita no caso leva a deduzir que uma violação dos mencionados
direitos poderia caracterizar-se na hipótese de se comprovar o que foi
alegado pelos peticionários, ou seja, de que os assassinatos teriam sido
consumados em represália à atividade política das supostas vítimas, razão
por que a Comissão, aplicando o princípio iura novit curiae,
avoca-se ex officio a o exame de uma possível violação ao artigo
8.1 da Convenção, pois o direito ao gozo das garantias judiciais pelos
familiares das supostas vítimas poderia ser sido desprezado.
37.
No que se refere a uma potencial violação do
artigo 24 da Convenção Americana, a Comissão, de acordo com a descrição
factual da situação, entende que a mesma está subordinada à garantia
contida no artigo 23 desse instrumento, o que configura um mérito
suficiente para decretar a inadmissibilidade do exame da primeira norma de
referência. No mesmo sentido, a Comissão entende que os fatos descritos
não materializam uma possível violação ao artigo 13 da Convenção, razão
por que também cumpre declarar sua inadmissibilidade.
38.
Em conseqüência, a CIDH considera que,
prima facie, os peticionários satisfizeram os extremos requeridos no
artigo 47, incisos (b) e (c) da Convenção.
39.
Tendo em vista o exposto, a Comissão
Interamericana considera que, a serem comprovados os fatos descritos a
respeito da violação dos direitos à vida, ao gozo dos direitos políticos e
a garantias, bem como de proteção judicial, inerentes a
Ariomar
Oliveira Rocha, Ademir Federicci e Natur de Assis Filho,
poderia encontrar-se frente a uma transgressão dos artigos
4, 8.1, 23 e 25
da Convenção Americana, em conexão com a obrigação geral contida no artigo
artículo 1.1 do mesmo instrumento.
V. CONCLUSÕES
40.
Fundamentada nas considerações de fato e de
direito expostas e sem pré-julgar o mérito da questão, a Comissão conclui
que o caso presente satisfaz os requisitos de admissibilidade enunciados
nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
RESOLVE:
1.
Declarar
admissível a denúncia formulada na petição 170-2002, em conformidade com
os artigos 4, 8.1, 23 e 25 da Convenção Americana, em conexão com as
obrigação geral contida no artigo 1.1 do mesmo instrumento.
2.
Declarar inadmissível a denúncia formulada no
caso 170-2002, no referente às violações alegadas com base nos artigos I,
II, IV e XVIII da Declaração Americana, bem como nos artigos 7, 13 e 24 da
Convenção Americana.
3.
Transmitir o
presente relatório ao Estado e aos peticionários.
4.
Continuar a
considerar as questões de mérito suscitadas no presente caso.
5.
Publicar o
presente relatório no Relatório Anual à Assembléia de Governadores da OEA.
Dado e
assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade
de Washington, D.C., aos três dias do mês de março de 2007. (Assinado:
Florentín Meléndez, Presidente: Paolo Carozza, Primeiro Vice-presidente;
Victor Abramovich, Segundo Vice-presidente; Evelio Fernández Arévalos;
Clare K. Roberts e Freddy Gutiérrez, membros da Comissão).
Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez,
sentença de 29 de julho de 1988, Série C, Nº4, parágrafo 138. Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, Relatório Nº28/96, Caso 11.297,
Juan Hernández (Guatemala), 16 de outubro de 1996, parágrafo 45.
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