RELATÓRIO
Nº 83/06
PETIÇÃO
641-03
ADMISSIBILIDADE
MANOEL LUIS
DA SILVA
BRASIL
21 de
outubro de 2006
I. RESUMO
1. Em
13 de
abril de 2005, a
Comissão
Interamericana de
Direitos
Humanos (doravante,
“Comissão”
ou “CIDH”) recebeu uma
petição apresentada
pelo
Centro de
Justiça
Global (CJG),
pela
Comissão
Pastoral da
Terra na Paraíba (CPT/PB) e
pela Dignitatis –
Assessoria
Técnica
Popular, representados
por James Cavallaro, Andressa
Caldas, Mahine Dorea, Noaldo
Belo de Meireles e Eduardo
Fernandes de Araújo (doravante,
“peticionários”), na
qual alegam a
violação,
por
parte da
República Federativa do Brasil (doravante,
“Brasil”
ou “Estado”),
dos
artigos 4, 5, 8, 25 e 1 (1)
da
Convenção
Americana
sobre
Direitos
Humanos (doravante,
“Convenção
Americana”),
em
prejuízo de Manoel Luiz da Silva.
2. Mediante
a
presente petição é atribuída ao
Estado a
responsabilidade
por
violações dos
direitos do Sr. Manoel Luiz da
Silva,
trabalhador
rural
sem-terra assassinado
em 19 de
maio de 1997 no
lugar
onde está localizada a
Fazenda
Engenho Taipu,
em
São Miguel de Taipu,
Estado da Paraíba, Brasil. Essa
fazenda
particular, diz a
petição, encontrava-se
então submetida a
um
processo de
expropriação a
título de
utilidade
pública
com
fins de reforma
agrária. Os peticionários assinalam
que, no
dia do aludido
fato, a
presumida
vítima estava acompanhada
por
outros
três
trabalhadores
sem-terra, e, ao atravessarem a
fazenda, de
propriedade do Sr. Alcides Vieira
de Azevedo, depararam-se
com
três
seguranças
particulares a
serviço deste, os
quais os advertiram de
que
não poderiam
circular
pelo
lugar, informando-os de
que haviam recebido
instruções de
seu
patrão no
sentido de
que deveriam
matar os
trabalhadores
sem-terra
que encontrassem
em
sua
propriedade.
Depois de uma
discussão
entre os
dois
grupos, diz a
petição,
um dos
seguranças atirou na
presumida
vítima,
que teve
morte
instantânea. Os
fatos,
conforme está
dito, foram denunciados à
polícia,
nada havendo sido resolvido,
contudo,
até a
data do
exame da
petição
quanto ao esclarecimento dos
mesmos
nem
sobre a
atribuição de a
quem cabe
sua
responsabilidade. Aduz-se a
existência de
conivência
entre os
membros da
Polícia e do
Poder
Judiciário e os
proprietários da
área, donde se induz
haver
total
impunidade
com
respeito aos
crimes cometidos
contra os
agricultores da
região,
situação
que
aumenta a cada
dia.
3. Em
20 de
junho de 2005, o
Estado respondeu à alegada
petição extemporaneamente,
manifestando
que
não estavam esgotados os
recursos
internos a
respeito da
elucidação do
caso,
em
vista do
que opunha a
exceção
pertinente.
Isso, diz, aconteceu
quando estava tramitando
perante o
Juiz de
Direito da
Comarca de
Pilar,
Estado da Paraíba, uma
ação
contra os
que estão sendo investigados
como acusados do
crime ocorrido,
sobre o
qual
ainda
não houve
deliberação, estando o
mesmo, afirma,
dentro do
prazo
previsto
em
lei
para
tal
efeito. Alega
que,
contra a
decisão a
ser adotada, procedem os
recursos de
revisão
internos, procedimento
que é
preciso
esgotar
antes de se
recorrer à
instância
internacional.
Ademais, diz,
não foi
juntada
qualquer
prova
acerca da instauração,
junto ao
órgão
competente, de
ações
cíveis
com
vistas à
obtenção de
indenização
por
perdas e
danos sofridos
pela
vítima,
razão
pela
qual a
petição deve
ser rechaçada e arquivada.
4. Após
examinar a
posição das
partes à
luz dos
requisitos de admissibilidade
previstos
nos
artigos 46 e 47 da
Convenção
Americana, a
Comissão decidiu
declarar a admissibilidade do
caso
em
relação aos
artigos 4, 8 e 25 da
Convenção
Americana,
em
conexão
com a
obrigação
geral de
que
trata o
artigo 1 (1) do
mesmo
instrumento.
Por
conseguinte, a
Comissão resolveu
notificar às
partes e
tornar
público o
presente
Relatório de Admissibilidade,
bem
como incluí-lo
em
seu
Relatório
Anual.
II. TRÂMITE
PERANTE A
COMISSÃO
5. No
dia 17 de
fevereiro de 2005, a
Comissão notificou o
Estado
sobre a instauração de uma
petição
contra o
mesmo, encaminhando-lhe as
peças
pertinentes dos
autos,
além de notificá-lo do
conhecimento do
instante
em
que começava a
ser computado o
prazo estabelecido no
artigo 30 (2) de
seu
Regulamento
para a
resposta da
petição.
6.
Em
20 de
junho de 2005, o
Estado respondeu extemporaneamente
a alegada
petição.
7. No
dia 5 de
agosto de 2005, foram transmitidas
aos peticionários as
observações apresentadas
pelo
Estado
em
relação à
petição
por
eles formulada, havendo os
mesmos,
por
nota recebida
em 23 de
agosto do
mesmo
ano, requerido a prorrogação do
prazo
que
lhes
fora concedido
para
que se manifestassem
sobre
tais
observações.
8. Em
21 de
setembro de 2005, foi concedida aos
peticionários a prorrogação requerida
para a
apresentação de
suas
observações à
resposta do
Estado, sendo
tal
decisão notificada aos
mesmos naquela data.
9. Em
nota recebida no dia 24 de outubro do mesmo ano, os peticionários
apresentaram suas observações à contestação da petição realizada pelo
Estado.
10. Mediante
a
apresentação realizada
em 20 de
abril de 2006, os peticionários
fizeram
chegar a
informação
adicional
que
lhes
fora solicitada
sobre os
antecedentes da
petição.
11. Em
11 de
maio de 2006, foi transmitida ao
Estado a
informação
adicional apresentada
pelos peticionários.
III.
POSIÇÕES DAS
PARTES
A. Posição
dos peticionários
12. Segundo
a
informação apresentada
pelos peticionários à CIDH na
data supramencionada, a
qual
fundamenta a
petição
inicial, o
Estado é denunciado
como
responsável
pelo
assassinato do
trabalhador
rural
sem-terra, Manoel Luiz da Silva,
ocorrido
em 19 de
maio de 1997 no
lugar
onde está situada a
Fazenda
Engenho Taipu,
em
São Miguel de Taipu,
Estado da Paraíba, Brasil,
fazenda essa
que se encontrava
sob
processo de
expropriação a
título de
utilidade
pública
com
fins de reforma
agrária.
13. Aduzem
os peticionários
que
em 19 de
maio de 1997 a
presumida
vítima estava acompanhada
por
outros
três
trabalhadores
sem-terra (Juan Silva, Manuel Silva
e Sebastião Silva),
que moravam num
acampamento de
agricultores
sem-terra
sob a
tutela do
Instituto
Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, localizado na
Fazenda
Amarelo da
mesma
localidade. Os
quatro
trabalhadores
sem-terra haviam
saído do
assentamento
onde moravam
para
ir a uma
mercearia no
lugarejo
mais
próximo.
Quando voltavam ao
acampamento, aproximadamente às
16
horas, vinham
por uma
estrada
chamada “de carroça”,
que
passa pelas
terras
correspondentes à
Fazenda
Engenho Taipu, de
propriedade do Sr. Alcides Vieira
de Azevedo. Nessa
estrada, encontraram
três
agentes de
segurança
particular a
serviço de
dito
proprietário.
Estes vinham a
cavalo e
fortemente armados. Avisaram aos
agricultores
sem-terra
acima referidos
que
eles
não podiam
circular
pela
estrada
em
que se encontravam e
que o citado
proprietário daquelas
terras
lhes havia
ordenado
que matassem os
agricultores
sem-terra
que estivessem nas
imediações de
sua
fazenda.
Logo
após
proferir
tal
ameaça, manifestam, os
seguranças ordenaram aos
trabalhadores
que soltassem os
objetos
que portavam,
que consistiam, dizem
eles, de
três
foices e uma
faca, e
que,
depois de
alguns
insultos proferidos
pelos
seguranças
para os
sujeitos, atribuídos a
sua
condição de
sem-terra, a
presumida
vítima, Manuel
ou Manoel Luiz da Silva, foi
atingida
por
um
tiro disparado à
queima-roupa, tendo morte
instantânea. Os
outros
dois
sem-terra
que o acompanhavam (Manoel Luiz da
Silva,
homônimo da
presumida
vítima, e Sebastião Félix da Silva)
conseguiram
fugir correndo, havendo recebido
tiros pelas
costas,
enquanto Juan Maximiniano da Silva
ficou
detido
pelos
seguranças
particulares
por
alguns
minutos, sendo
logo liberado.
14. No
mesmo
dia, os
trabalhadores do
acampamento da
presumida
vítima foram à
Delegacia de Polícia
local
denunciar o
homicídio do Sr. Manoel Luiz da
Silva.
Não
obstante, os peticionários
mencionam
que, passados 6 (seis)
anos do
fato, os
responsáveis
pelo
assassinato
ainda
não foram julgados. Alegam
que há
fortes
indícios de
conivência de
membros da
Polícia e do
Poder
Judiciário
com os
proprietários da
região,
que, dessa
forma, conseguem
manter a
impunidade
sobre
crimes
contra
trabalhadores
sem-terra,
como o
ora denunciado. Nesse
sentido, informam
que
apenas
dois dos
seguranças
particulares envolvidos foram
denunciados
pelo
Ministério
Público
como
autores do
homicídio. Dizem
que o
fazendeiro Alcides Vieira de
Azevedo
sequer foi indiciado
como
autor
moral do
fato.
15. Alegam
que há
responsabilidade do
Estado
com
respeito a
violações dos
artigos 1 (1), 4, 5, 8 e 25
em
relação à
pessoa da
presumida
vítima, representada
por
seus
familiares.
16. Na
informação
adicional recebida
em 24 de
outubro de 2005, sustentam
que
em
novembro de 2004 o
Tribunal de
Justiça do
Estado da Paraíba decidiu
que o
processo criminal deveria
prosseguir
apenas
contra o
segurança Severino da Silva, uma
vez
que José Caetano da Silva
não
fora
devidamente notificado da
incriminação de
sua
pessoa, tendo sido fixada a
data do
julgamento
para 21 de
setembro de 2005,
em
cuja
ocasião o
mesmo foi adiado
para 20 de
dezembro de 2005,
em
virtude do não-comparecimento do
advogado de
defesa do
réu.
17. Peticionam,
definitivamente,
que seja recomendado às
autoridades do
Estado:
investigar e
punir criminalmente os
responsáveis
pelo
assassinato da
presumida
vítima;
indenizar os
familiares da
mesma;
adotar
medidas
eficazes
para
proteger os
direitos dos
trabalhadores
rurais,
bem
como
medidas legislativas
que visem ao
desbloqueio da
Justiça
Federal
com
relação aos
crimes
contra os
direitos
humanos cometidos nas
áreas sujeitas a
conflitos
agrários.
B. Posição do Estado
18. O
Estado,
em
primeiro
lugar,
manifesta
que
não foram esgotados os
recursos
internos
concernentes à
elucidação do
caso,
em
vista do
que opõe a
exceção
pertinente. Nesse
sentido,
sustenta
que se
encontra
em
trâmite
perante o
Juiz de
Direito da
Comarca de
Pilar,
Estado da Paraíba, uma
ação
penal
contra os acusados José Caetano da
Silva e Severino
Lima da Silva,
processo
em
que se alega
não
haver sido
dada
resolução, encontrando-se
dentro dos
prazos
previstos na
legislação processual
local
para
tal
efeito.
Sustenta
que,
contra a
decisão
que venha a
ditar o
órgão jurisdicional
em
referência, procedem
vários
recursos
hierárquicos
internos,
tais
como o
Recurso de
Apelação e o
Recurso
Especial
perante o
Tribunal
Superior de
Justiça e
perante o
Supremo
Tribunal
Federal, os
quais precisam
ser esgotados. Aduz,
ainda,
que os peticionários
não apresentaram
qualquer
prova
que
leve a
demonstrar a instauração de
ações
cíveis destinadas a
obter
indenização pelas
perdas e
danos sofridos
pela
presumida
vítima,
razão
pela
qual
não é
possível
pleitear uma
indenização
em
instância
internacional,
como no
caso
presente,
até
que
tal
não aconteça.
19. No
que concerne ao
Processo Criminal Nº 028.1997.000177-3,
em tramitação
perante o
supracitado
Juízo da
Comarca de
Paz de
Pilar, indica
que
em
tal
processo foram expedidas 16 (dezesseis)
cartas precatórias (ofício
requerendo
diligências), nas
quais o
Juiz solicita a juízes de
outra
competência
territorial a
realização de
atos
relativos a procedimento,
situação
que acarreta
atrasos ao
andamento da
ação
penal.
Ademais, alega
que
em
outubro de 2001, na
causa
em
questão, incidiu uma
declaração de nulidade de
atos a
partir de
folhas 259 do
processo, o
que implicou
que uma
série de
atos viciados deveriam
voltar a
ser realizados,
com
natural
dilação do litígio.
Em
conclusão, requer
que a
petição seja declarada
inadmissível e arquivada,
em
virtude dos
motivos
expostos.
IV.
ANÁLISE
QUANTO A
COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE
A. Competência
1. Competência
rationae personae, rationae loci, rationae temporis e rationae
materiae da Comissão
20. O
peticionário tem o
amparo do
artigo 44 da
Convenção
para
apresentar
denúncias
perante a CIDH. A
petição aponta Manoel Luiz da Silva
como
presumida
vítima;
portanto, a
Comissão tem
competência rationae personae
para
examinar a
petição. No
que concerne ao
Estado,
este ratificou a
Convenção
Americana
em 25 de
setembro de 1992.
21. A
Comissão tem
competência rationae loci
para
receber a
petição,
porquanto nela
são alegadas
violações de
direitos protegidos na
Convenção
Americana
que teriam ocorrido
dentro do
território de
um
Estado
parte
em
dito
Tratado.
22. A
CIDH tem
competência rationae temporis,
visto
que a
obrigação de
respeitar e
garantir os
direitos protegidos na
Convenção
Americana
já vigorava
para o
Estado à
data
em
que os
fatos alegados na
petição ocorreram.
23. Finalmente,
a
Comissão tem
competência rationae materiae
porque na
petição
são denunciadas
violações de
direitos
humanos protegidos
pela
Convenção
Americana.
2. Esgotamento dos
recursos internos
24. O
artigo 46(1) da
Convenção
Americana dispõe
que,
para
que uma
denúncia apresentada de
acordo
com o
artigo 44 do
mesmo
instrumento
legal seja admitida
pela
Comissão será
necessário
que hajam sido interpostos e
esgotados os
recursos da
jurisdição
interna, de
acordo
com os
princípios de
direito
internacional
geralmente reconhecidos.
Esse
requisito tem
por
objetivo
permitir
que as
autoridades
nacionais conheçam da
presumida
violação de
um
direito
protegido e, se for
pertinente, a solucionem
antes
que a
controvérsia seja
conhecida
por uma
instância
internacional. Dos
autos se depreende
que o
fato punível denunciado ocorreu
em 19 de
maio de 1997 e
que foi
iniciada a
investigação
tanto
policial
como
judicial, estando esta
em
andamento.
Segundo se infere do
que está consignado
nos
autos,
em 9 de
outubro de 2001 o
Juiz da
Comarca de
Pilar, Nieto Xavier de
Lira, declarou a nulidade de
todos os
atos no
processo a
partir de
folhas 259, havendo sido
reiniciada,
assim, a
instrução criminal. Uma
vez cumpridos
esses
trâmites,
em 15 de
setembro de 2003,
depois de
quase
seis
anos do
fato punível, o
mesmo
Juiz proferiu a
decisão
que julgava
procedente a
denúncia
contra os acusados José Caetano da
Silva e Severino
Lima da Silva,
em
vista do
que foram os
mesmos submetidos ao
Tribunal do
Júri
Popular. Das
observações apresentadas
pelos peticionários no
dia 24 de
outubro de 2005 à
resposta do
Estado
sobre a
petição, consta
que
em
novembro de 2004 o
órgão jurisdicional de
competência decidiu
que o
processo deveria
prosseguir
somente
contra Severino da Silva,
pois José Caetano da Silva
não
fora
devidamente notificado do
pronunciamento
em
questão,
que o acusava da
comissão do
fato punível,
segundo se depreende do
Anexo F. Consta,
ademais,
que
em 16 de
março de 2005 o
Ministério
Público apresentou
denúncia
contra Severino da Silva, tendo
sido fixada a
data de 21 de
setembro de 2005
para a
sessão do
Tribunal do
Júri
Popular de
julgamento da
causa. Nessa
data a
sessão foi adiada
para 20 de
dezembro do
mesmo
ano, tendo
em
vista o não-comparecimento do
advogado de
defesa do
réu.
Com
relação a
esse
fato, a
Comissão considerou
que
um
período
superior a
nove
anos
desde a
data de
início do
exame da
petição,
sem
que os
processos de
instrução
penal
internos tivessem
chegado a
dar
qualquer
solução ao
caso
em
questão, configura a
hipótese denominada “demora
injustificada” na
administração da
Justiça,
com
exceção,
apenas, do
requisito de esgotamento dos
recursos
internos, de
acordo
com o
artigo 46 (2) (c) da
Convenção e 37 (2) do
Regulamento.
25. A
Comissão tem sustentado, de
acordo
com o
princípio
geral
em
vigor
em
matéria
probatória,
que, no
caso de o
Estado
alegar
não haverem sido esgotados os
recursos
internos, cabe ao
mesmo
indicar
quais
são os
recursos a serem esgotados e, ao
mesmo
tempo,
assinalar a
prova de
sua
eficácia.
Embora o
Estado tenha indicado os
recursos
que poderiam
ser interpostos
contra a
resolução a
ser proferida,
como
fora
dito, o
fato punível ocorreu há
mais de
nove
anos, o
que os
torna
patentemente
ineficazes e implica uma
muito
provável
demora injustificada no
acesso à
Justiça
para as presumidas
vítimas.
26. Só
resta
assinalar
que a
invocação das
exceções à
regra do esgotamento dos
recursos
internos, previstas no
artigo 46 (2) da
Convenção, encontra-se
estreitamente vinculada à
determinação de
possíveis
violações de
certos
direitos nela consagrados,
tais
como as
garantias do aludido
acesso à
Justiça. No
entanto, o
artigo 46 (2)
por
sua
natureza e
objeto, é uma
norma
com
teor
independente,
em comparação
com as
normas
substanciais da
Convenção.
Portanto, a
determinação de se as
exceções à
regra de esgotamento dos
recursos
internos se aplicam ao
caso
em
apreço deve
ser estabelecida
com
antecedência e à
parte da
análise do
mérito da
questão,
já
que depende de
um
critério de apreciação
diferente daquele utilizado
para
determinar a
possível
violação dos
artigos 8 e 25 da
Convenção. Cabe
esclarecer
que as
causas e os
efeitos
que impediram o esgotamento dos
recursos
internos
serão analisados no
relatório
que a
Comissão
adotar
sobre o
mérito da
controvérsia a
fim de
constatar se configuram
violações à
Convenção
Americana,
não constituindo a
presente apreciação
que se realiza
prima facie
qualquer prejulgamento
sobre a
decisão
que, no
futuro,
após uma
análise
exaustiva da
questão, venha a ditar-se.
3.
Prazo de
apresentação da petição
27. Na
petição
em
consideração, a CIDH concluiu
que
não foram esgotados
suficientemente os
recursos
internos
que a
legislação previa
para os peticionários a
fim de obterem a
reivindicação dos
direitos
que dizem conculcados, diferindo,
não
obstante,
seu
estudo
para o
momento
em
que for analisada a
questão de
mérito. Da
mesma
forma, as
disposições da
Convenção
que requerem o
prévio esgotamento dos
recursos
internos e a
apresentação da
petição
dentro do
prazo de
seis meses, a
partir da
data da
sentença
definitiva da
jurisdição
interna,
são
independentes.
28. Deixando
de
lado essa
situação, a
Comissão deve
determinar se a
petição
em
apreço foi apresentada
dentro de
um
prazo
razoável, de
acordo
com o
artigo 32 do
seu
Regulamento. É
válido
ressaltar
que a
petição denuncia
precisamente a impossibilidade de
acesso à
Justiça
por
parte dos
familiares da
presumida
vítima,
em
virtude do
excessivo e injustificado
atraso ocorrido na
mesma.
Como foi
dito, o
fato punível data de 19 de
maio de 1997.
Em
que pese
haver sido
iniciada
sua
investigação e, no
seu
contexto, terem surgido
fatos
que puderam
justificar
um
atraso,
como,
por
exemplo, a
já aludida
declaração de nulidade de
atos processuais, e
mesmo tendo sido fixada a
data do
julgamento
com
relação a
um dos
réus, à
data do
exame deste
caso haviam-se
passado
nove
anos da
ocorrência do
fato, o
que constitui
um
lapso
demasiadamente prolongado
para
que os
órgãos
pertinentes do
Estado ofereçam alguma
solução. Nesse
sentido, a
Comissão tem sustentado
que: “... num
caso
em
que,
desde
que ocorreram os
fatos, a lentidão da
investigação e
sua
falta de
resultados configuravam
um
claro
caso de
demora injustificada na
administração da
Justiça
que, de
fato, implicava a
negação de justiça...”,
premissa
que
leva a
afirmar
que o
cumprimento do
requisito da
apresentação da
petição no
prazo de
seis meses, contados
desde
que se esgotaram os
meios
previstos na
legislação
interna,
guarda
relação
com o adequado
funcionamento e a
eficácia dos
mesmos
para
apresentar
resultados às presumidas
vítimas,
em
vista do
que cabe, da
mesma
forma,
diferir a
determinação de se o
prazo estabelecido no
artigo 46 (1) (b) da
Convenção
Americana é
exigível neste
caso.
4. Duplicação de
processos e
trânsito
em julgado internacional
29. Não
se depreende do
processo
que a
matéria da
petição esteja
pendente de
outro
processo de
solução
internacional
nem
que seja
reprodução de
petição
já examinada
pela
Comissão
ou
por
outro
organismo
internacional.
Portanto, cabe
dar
por cumpridos os
requisitos estabelecidos
nos
artigos 46 (1) (c) e
47 (d) da
Convenção.
5.
Caracterização dos
fatos alegados
30. Para
os
fins de admissibilidade, a CIDH
deve
decidir se os
fatos
expostos poderiam
caracterizar uma
violação,
como estabelece o
artigo 47 (b) da
Convenção
Americana, se a
petição é “manifestamente
infundada”
ou se é “evidente
sua
total
improcedência”,
nos
termos do
inciso c do
mesmo
artigo.
31. O
critério de apreciação desses
extremos é
diferente do
que se requer
para
decidir
sobre o
mérito de uma
denúncia. A CIDH deve
realizar uma avaliação
prima facie
para
examinar se a
denúncia se
fundamenta na
aparente
ou
potencial
violação de
um
direito garantido
pela
Convenção e
não na
determinação da
existência de
violação.
Tal
exame constitui uma
análise
sumária
que
não implica prejulgamento
ou
avanço de
resolução
sobre o
mérito.
Como nesta
hipótese estamos
diante de
um relato
que descreve uma
possível
violação de
direitos
básicos,
como,
por
exemplo, os
referentes à
vida, à
integridade
pessoal e às
garantias
judiciais,
com
relação à
presumida
vítima, cometidos
por
particulares
em
conivência
ou
com a aquiescência das
autoridades
locais, cabe
aprofundar o
estudo dessa
controvérsia.
32. A
Comissão
não considera
que a
petição seja “manifestamente
infundada”
ou
que seja “evidente
a
sua
improcedência”.
Por
conseguinte, a CIDH entende
que,
prima facie, o
peticionário observou os
extremos requeridos no
artigo 47, b e c. No
entanto, a
natureza dos
fatos descritos
leva
este
órgão a
concluir, ex officio,
que a
violação
em
potencial do
artigo 5 da
Convenção
Americana se enquadra, neste
caso, no
artigo 4 do
mesmo
Tratado,
em
vista do
que deve
ser declarada
inadmissível a
alegação de
que o
primeiro tenha sido infringido.
33. Em
vista do
exposto, a
Comissão
Interamericana considera
que, se forem comprovados os
fatos
expostos
com
relação à
violação do
direito à
vida, ao
gozo das
garantias
judiciais e à
proteção
judicial, o
caso
presente caracterizaria uma
possível
violação dos
direitos protegidos
pelos
artigos 4, 8, 25 e 1 (1) da
Convenção
Americana,
pois,
prima facie,
ante a
descrição fática da
situação, asseveramos, de
forma
verossímil,
que
nos encontramos
diante de uma vulneração
em
potencial dos
direitos garantidos pelas aludidas
normas.
Agora cabe
esclarecer
que a
violação
em
potencial dos
direitos consagrados nas
normas alegadas diz
respeito ao Sr. Manoel Luiz da
Silva
em
relação ao
artigo 4 da
Convenção
Americana, e a
seus
herdeiros
diretos,
em
relação aos
artigos 8 e 25 do
mesmo
instrumento.
34. As
possíveis
violações
serão analisadas
em
conexão
com as
obrigações
gerais previstas
nos
artigos 1 (1) e 2 da
Convenção
Americana.
V. CONCLUSÕES
35. Com
base nas
considerações de
fato e de
direito expostas, e
sem
prejulgar o
mérito da
questão, a
Comissão conclui
que o
caso
em
apreço atende aos
requisitos de admissibilidade
enunciados
nos
artigos 46 e 47 da
Convenção
Americana.
A
COMISSÃO
INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS
DECIDE:
1.
Declarar admissível a
petição
em
exame,
em
relação aos
artigos 4, 8, 25, no
que tange às
obrigações
gerais
constantes dos
artigos 1 (1) e 2 da
Convenção
Americana.
2.
Declarar
inadmissível a
petição
em
relação ao
artigo 5 da
Convenção
Americana.
3.
Notificar esta
decisão ao
Estado e ao peticionário.
4.
Iniciar o
trâmite
sobre o
mérito da
questão.
5.
Publicar esta
decisão e incluí-la no
Relatório
Anual a
ser apresentado à
Assembléia
Geral da OEA.
Dado e assinado na
sede da
Comissão
Interamericana de
Direitos
Humanos, na
Cidade de Washington, D.C., aos
vinte e
um
dias do
mês de
outubro do
ano
dois
mil e
seis. (Assinado: Evelio Fernández
Arévalos,
Presidente; Paulo Sérgio
Pinheiro,
Primeiro Vice-Presidente; Florentín Meléndez,
Segundo Vice-Presidente; Freddy
Gutiérrez, Paolo G. Carozza e Víctor E. Abramovich,
membros da
Comissão).
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