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RELATÓRIO No 71/03[1] PETIÇÃO 12.191 SOLUÇÃO AMISTOSA MARÍA MAMÉRITA MESTANZA CHÁVEZ PERU 10 de outubro de 2003
I. RESUMO
1. Mediante petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”, “a Comissão Interamericana” ou “CIDH”) em 15 de junho de 1999, as organizações não governamentais Estudo para a Defesa da Mulher (DEMUS), o Comitê da América Latina e o Caribe para a Defesa dos Direitos Humanos da Mulher (CLADEM) e a Associação Pró-Direitos Humanos (APRODEH), as quais acreditaram posteriormente como co-peticionárias ao Centro Legal para Direitos Reprodutivos e Políticas Públicas (CRLP) e o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), (doravante denominada “as peticionárias”), denunciaram que a República do Peru (doravante denominada “Peru”, “o Estado” ou “o Estado peruano”) violou direitos humanos da senhora María Mamérita Mestanza Chávez, ao submetê-la de maneira forçada a um procedimento cirúrgico de esterilização, que finalmente resultou na morte da senhora Mestanza Chávez.
2. As peticionárias originais alegaram que os fatos denunciados configuram violação pelo Estado peruano dos direitos à vida, à integridade pessoal, e a igualdade perante à lei, consagrados nos artigos 4, 5, 1 e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção” ou a “Convenção Americana”), bem como violações aos artigos 3, 4, 7, 8 e 9 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (doravante denominada “Convenção de Belém do Pará”), os artigos 3 e 10 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (doravante denominado "Protocolo de San Salvador"), e os artigos 12 e 14(2) da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
3. Em 22 de fevereiro de 2001, o Estado peruano firmou um Comunicado de Imprensa Conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em que comprometeu-se a propiciar uma solução amistosa em alguns casos abertos perante à Comissão, entre eles o presente caso, a qual seria feita de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
4. Em 2 de março de 2001, durante o 110º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Estado peruano e as representantes das vítimas firmaram o Acordo Prévio para Solução Amistosa com intervenção e aprovação da CIDH. A solução amistosa final foi acordada em 26 de agosto de 2003, quando foi firmada na cidade de Lima a respectiva ata do acordo amistoso entre as partes.
5. O presente relatório de solução amistosa, segundo o estabelecido no artigo 49 da Convenção e do artigo 41(5) do Regulamento da Comissão, contém uma breve exposição dos fatos alegados pelos peticionários, o texto da solução alcançada e a solução de publicar o mesmo.
II. TRâMITE PERANTE A COMISSÃO
6. A Comissão recebeu a denúncia em 15 de junho de 1999. Em 14 de julho de 1999, a CIDH abriu o caso, remeteu as partes pertinentes da denúncia ao Estado peruano, solicitando-lhe que apresentasse a informação dentro de um prazo de 90 dias. O Peru solicitou uma ampliação do prazo para responder, a qual foi concedida pela CIDH. O Peru respondeu em 14 de janeiro de 2000. As peticionárias apresentaram observações à resposta do Estado em 12 de abril de 2000. Em 3 de outubro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou o Relatório de Admissibilidade Nº 66/00.
7. Em 2 de março de 2001, com a intervenção e aprovação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as partes firmaram o Acordo Prévio para Solução Amistosa, em que o Estado peruano admitiu sua responsabilidade internacional pelos fatos alegados pelas peticionárias e adotar medidas de reparação em benefício das vítimas.
8. Em 26 de agosto de 2003, na cidade de Lima, as representantes das vítimas e o Estado firmaram o Acordo de Solução Amistosa, solicitando que a Comissão ratificasse o acordo em todo seu conteúdo.
III. OS FATOS
9. As peticionárias alegam que o caso da Sra. María Mamérita Mestanza representa um a mais entre um número significativo de casos de mulheres afetadas pela aplicação de uma política governamental de carácter massivo, compulsivo e sistemático que enfatizou a esterilização como método para modificar rapidamente o comportamento reprodutivo da população, especialmente de mulheres pobres, indígenas e de zonas rurais. Indicam que a Defensoria Plúbica recebeu diversas denúncias a este respeito, e que entre novembro de 1996 e novembro de 1998, o CLADEM, por sua parte, conseguiu documentar 243 casos sobre violações de direitos humanos na aplicação da anticoncepção cirúrgica no Peru.
10. Assinalam que a senhora María Mamérita Mestanza, mulher camponesa de aproximadamente 33 anos de idade e mãe de 7 filhos, foi objeto de assédio desde 1996 por parte do Centro de Saúde do Distrito da Encañada, que forma parte do sistema público de saúde, para que se esterilizasse. Ela e seu esposo Jacinto Salazar Suárez foram intimidados de distintas formas, por exemplo, em que os funcionários de saúde os ameaçam em denunciá-los perante à polícia, alegando que o governo tinha decretado uma lei que determinava que a pessoa que tivesse mais de cinco filhos deveria pagar uma multa e seria levada à prisão.
11. Os peticionários informam que o consentimento da senhora Mestanza foi dado sob coação para ser objeto de uma operação de ligadura de trompas. O procedimento cirúrgico foi realizado em 27 de março de 1998 no Hospital Regional de Cajamarca, sem que se tivesse feito nenhum exame médico prévio. A senhora Mestanza teve alta no dia seguinte, 28 de março de 1998, mesmo apresentando sérios sintomas como vômitos e intensas dores de cabeça. Durante os dias seguintes o senhor Jacinto Salazar informou várias vezes o pessoal do Centro de Saúde da Encañada sobre o estado de saúde da senhora Mestanza, que ia piorando cada dia, mas os funcionários do Centro de Saúde diziam que eram os efeitos pós-operatórios da anestesia.
12. Os peticionários indicam que a senhora Mestanza Chávez faleceu em sua casa, em 5 de abril de 1998, e que no certificado de óbito determinou que sua morte tinha sido causada por uma “sepsia” como causa direta e bloqueio tubárico bilateral como causa antecedente. Informaram que, dias depois, um médico do Centro de Saúde ofereceu uma quantia em dinheiro ao senhor Jacinto Salazar para que este desse fim ao problema.
13. Os peticionários informam que, em 15 de abril de 1998, o senhor Jacinto Salazar denunciou Martín Ormeño Gutiérrez, Chefe do Centro de Saúde da Encañada perante o Promotor Provisório Mixta de Baños de Inca, em relação à morte da senhora Mestanza, por delitos contra a vida, o corpo e a saúde, na figura de homicídio culposo. Afirmam que, em 15 de maio de 1998, este Promotor Provisório formalizou a denúncia penal contra o senhor Ormeño Gutiérrez e mais outras pessoas perante à Juíza Provisória da cidade, que, em 4 de junho de 1998, indeferiu a abertura de instrução. Tal decisão foi confirmada em 1° de julho de 1998 pela Sala Especializada Penal e, em 16 de dezembro de 1998, o Promotor Provisório ordenou o arquivamento definitivo do caso.
IV. SOLUÇÃO AMISTOSA
14. O Estado e os peticionários firmaram o acordo de solução amistosa, cujo texto está transcrito a seguir:
PRIMEIRA: ANTECEDENTES
A senhora María Mamérita Mestanza Chávez foi submetida a um procedimento cirúrgico de esterilização, que finalmente resultou na sua morte. As organizações peticionárias denunciaram que foram violados os direitos à vida, à integridade pessoal e à igualdade perante a lei, vulnerando os artigos 4, 5, 1 e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os artigos 3, 4, 7, 8 e 9 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), os artigos 3 e 10 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e os artigos 12 e 14 (2) da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Em 14 de julho de 1999, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos remeteu ao Estado peruano as partes pertinentes da denúncia e solicitou informação. Em 3 de outubro de 2000, a CIDH aprovou o Relatório Nº 66/00 de admissibilidade e continuou com a análise de mérito da questão, referida a supostas violações à Convenção Americana e à Convenção de Belém do Pará.
Em 2 de março de 2001, durante o 110° período ordinário de sessões da CIDH, foi firmado o Acordo Prévio de Solução Amistosa.
SEGUNDA: RECONHECIMENTO
O Estado peruano consciente de que a proteção e respeito irrestrito dos direitos humanos é a base de uma sociedade justa, digna e democrática e em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura e ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e demais instrumentos internacionais sobre a matéria, e consciente que toda violação a uma obrigação internacional que tenha produzido um dano comporta o dever de repará-lo adequadamente, constituindo a indenização da vítima, investigação dos fatos e a sanção administrativa, civil e penal dos responsáveis a forma mais justa de fazê-lo, reconhece sua responsabilidade internacional pela violação dos artigos 1.1, 4, 5 e 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como o art. 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em agravo da vítima María Mamérita Mestanza Chávez.
Este reconhecimento foi manifestado no Acordo Prévio para Solução Amistosa firmado entre o Estado Peruano e os representantes legais da vítima, com intervenção e aprovação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2 de março de 2001, durante o 110° Período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Neste acordo o Estado peruano admitiu a responsabilidade internacional pelos fatos descritos e comprometeu-se a adotar medidas de reparação material e moral pelo dano sofrido e impulsionar uma exaustiva investigação, destinada a punir os responsáveis no foro comum, bem como a adotar medidas de prevenção para evitar que se repitam fatos similares no futuro.
TERCEIRA: INVESTIGAÇÃO E SANÇÃO
O Estado Peruano compromete-se a realizar uma exaustiva investigação dos fatos e aplicar as sanções legais contra toda pessoa que tenha participado dos fatos, seja como autor intelectual, material, mediato ou outra condição, mesmo que se trate de funcionários ou servidores públicos, sejam civis ou militares.
Neste sentido, o Estado peruano compromete-se a realizar as investigações administrativas e penais pelos atentados contra a liberdade pessoal, a vida, o corpo e a saúde e, conforme o caso, a punir:
a. Os responsáveis pelos atos de vulneração do direito ao livre consentimento da senhora María Mamérita Mestanza Chávez, para que se submetesse à ligadura de trompas. b. O pessoal de saúde que realizou a operação omitiu-se na demanda de atenção urgente da senhora Mestanza depois da intervenção cirúrgica. c. Os responsáveis pela morte da Sra. María Mamérita Mestanza Chávez. d. Os médicos que entregaram dinheiro ao conjugue da senhora falecida a fim de encobrir as circunstâncias da morte. e. A Comissão Investigadora, nomeada pela Sub-Região IV de Cajamarca do Ministério de Saúde que, de forma questionável, concluiu pela ausência de responsabilidade do pessoal de saúde que atendeu a senhora Mestanza.
Sem prejuízo das sanções administrativas e penais, o Estado peruano compromete-se informar a Associação Profissional a respeito das faltas contra a ética que foram cometidas, a fim de que, conforme seu estatuto, providencie a punição do pessoal médico envolvido com os fatos referidos. O Estado também compromete-se a realizar as investigações administrativas e penais pela atuação dos representantes do Ministério Público e do Poder Judicial que omitiram-se em invetigar os atos destinados a esclarecer os fatos denunciados pelo viúvo da senhora Mamérita Mestanza.
QUARTA: INDENIZAÇÃO
01. Beneficiários do presente Acordo
O Estado Peruano reconhece como únicos beneficiários de qualquer indenização as pessoas de Jacinto Salazar Suárez, esposo de María Mamérita Mestanza Chávez e os filhos da mesma: Pascuala Salazar Mestanza, Maribel Salazar Mestanza, Alindor Salazar Mestanza, Napoleón Salazar Mestanza, Amancio Salazar Mestanza, Delia Salazar Mestanza e Almanzor Salazar Mestanza.
02. Indenização pecuniária.
a. Dano Moral
O Estado Peruano outorga uma indenização a favor dos beneficiarios por única vez de dez mil dólares americanos (US $10,000.00) para cada um deles, por conceito de reparação do dano moral, o qual chega a um total de oitenta mil dólares americanos (US $80,000.00).
Com relação aos menores de idade, o Estado depositará a quantia correspondente em um fundo de fideicomiso nas condições mais favoráveis segundo a prática bancária. As gestões serão realizadas conjuntamente com os representantes legais da familia Salazar Mestanza.
b. Dano emergente
O dano ocasionado como consequência direta dos fatos está constituido pelos gastos em que incorreu a família, que foram realizados para tramitar e acompanhar a denúncia penal perante o Ministério Público por homicídio culposo em agravo de María Mamérita Mestanza, bem como o montante por conceito de gastos de velório e enterro da senhora Mestanza. A quantia a este conceito chega a dois mil dólares americanos (US $ 2,000.00), a qual deverá ser abonada pelo Estado peruano aos beneficiários.
QUINTA: INDENIZAÇÃO A CARGO DOS RESPONSÁVEIS PENAIS PELOS FATOS
O Acordo de Solução Amistosa não inclui o direito dos beneficiários a reclamar a indenização que têm direito contra todos os responsáveis pela violação dos direitos humanos da senhora María Mamérita Mestanza, de conformidade com o artigo 92º do Código Penal Peruano, conforme determinado pela autoridade judicial competente, e que o Estado Peruano reconhece como direito. Este Acordo deixa sem efeito qualquer outra reclamação que o beneficiáio tenha contra o Estado peruano como responsável solidário e/ou terceiro civilmente responsável ou sob qualquer outra denominação.
SEXTA: DIREITO A REGRESSO
O Estado peruano reserva-se o direito de regresso, de conformidade com a legislação nacional vigente, contra aquelas pessoas que venham a ser determinadas como os responsáveis no presente caso, mediante sentença definitiva prolatada pela autoridade nacional competente.
SÉTIMA: ISENÇÃO DE TRIBUTOS, CUMPRIMENTO E MORA
O valor de indenização concedido pelo Estado peruano não estará sujeito ao pagamento de nenhum imposto, contribuição ou taxa existente ou que venha a ser criada e deverá ser paga no mais tardar seis meses depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos notifique a ratificação do presente Acordo, depois do qual incorrirá em mora e deverá pagar a taxa de juros compensatório e moratório máxima prevista e/ou permitida pela legislação nacional.
OITAVA: PRESTAÇÕES DE SAÚDE
O Estado Peruano compromete-se a outorgar aos beneficiários, numa única vez, a quantia de sete mil dólares americanos (US$ 7,000.00), por conceito de tratamento de reabilitação psicológica, que requerem os beneficiarios como consequência do falecimento da senhora María Mamérita Mestanza Chávez. Este montante será entregue em fideicomiso a uma instituição, pública ou privada, a qual se constituirá em fideicomissária, com o objetivo de administrar os recursos destinados a oferecer a atenção psicológica que requerem os beneficiários. A instituição será eleita de comum acordo entre o Estado e os representantes da família Salazar Mestanza, com o apoio da Cooordenadora Nacional de Direitos Humanos, DEMUS, APRODEH e o Arcebispado de Cajamarca. Os gastos relacionados com a constituição legal do fideicomisso serão assumidos pelo Estado peruano.
O Estado peruano compromete-se a oferecer ao esposo e filhos de María Mamérita Mestanza Chávez, um seguro permanente de saúde através do Ministério de Saúde ou da entidade competente. O seguro de saúde para o cônjuge sobrevivente será permanente, e o de seu filhos, enquanto não contem com um seguro de saúde público e/ou privado.
NONA: PRESTAÇÕES EDUCATIVAS
O Estado peruano compromete-se a providenciar aos filhos da vítima educação gratuita no nível primário e secundário, em colégios públicos. Quanto à educação superior, os filhos da vítima receberão educação gratuita nos Centros de Estudos Superiores estatais, sempre que reúnam os requisitos de admissão nesses centros educativos e para estudar uma carreira apenas.
DÉCIMA : OUTRAS PRESTAÇÕES
O Estado peruano compromete-se a entregar adicionalmente ao montante vinte mil dólares americanos (US $ 20,000.00) ao senhor Jacinto Salazar Suárez para adquirir um terreno ou uma casa em nome de seus filhos com a senhora María Mamérita Mestanza. O senhor Salazar Suárez deverá acreditar esta aquisição –dentro do ano seguinte à firma do presente acordo- com a entrega do Registro de Escritura Pública à Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Direitos Humanos do Ministério de Justiça. O senhor Salazar Suárez compromete–se a não alienar ou alugar a propriedade adquirida enquanto o menor de seus filhos Salazar Mestanza não cumpra a maioridade, salvo autorização judicial.
A Coordenadora Nacional de Direitos Humanos de Peru efetuará o acompanhamento necessário para assegurar o cumprimento do disposto na presente cláusula.
DÉCIMA-PRIMEIRA: MODIFICAÇÕES LEGISLATIVAS E DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE SAÚDE REPRODUTIVA E PLANEJAMENTO FAMILIAR
O Estado peruano compromete-se a realizar as modificações legislativas e de políticas públicas sobre os temas de Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar, eliminando de seu conteúdo qualquer enfoque discriminatório e respeitando a autonomia das mulheres.
O Estado peruano também se compromete a adotar e implementar as recomendações formuladas pela Defensoria Pública a respeito das políticas públicas sobre Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar, entre elas as seguintes:
a. Medidas de sanção aos responsáveis por violações e reparação às vítimas
1) Revisar judicialmente todos os processos penais sobre violações dos direitos humanos cometidas na execução do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar, para que se individualize e se sancione devidamente os responsáveis, impondo-lhes, ademais, o pagamento da reparação civil que corresponda, o qual poderá alcançar o Estado caso seja determinada alguma responsabilidade sua nos fatos matéria dos processos penais. 2) Revisar os processos administrativos, relacionados com o parágrafo anterior, iniciados pelas vítimas e/ou familiares, que estavam em tramitação ou tenham concluído com relação à denúncias por violações de direitos humanos.
b. Medidas de supervisão e garantia de respeito dos direitos humanos das usuárias dos serviços de saúde:
1) Adotar medidas drásticas contra os responsáveis pela deficiente avaliação pré-operatória de mulheres que se submetem a uma intervenção de anticoncepção cirúrgica, conduta em que incorrem profissionais da saúde de alguns centros de saúde do país. Apesar de que as normas do Programa de Planejamento Familiar exigirem esta avalição, ela vem sendo descumprida. 2) Levar a cabo, permanentemente, cursos de capacitação qualificada, para o pessoal de saúde, em direitos reprodutivos, violência contra a mulher, violência familiar, direitos humanos e equidade de gênero, em coordenação com organizações da sociedade civil especializadas nestes temas. 3) Adotar as medidas administrativas necessárias para que as formalidades estabelecidas para o estricto respeito do direito ao consentimento informado sejam acatadas cabalmente pelo pessoal de saúde. 4) Garantir que os centros onde são realizadas intervenções cirúrgicas de esterilização tenham as condições adequadas e exigidas pelas normas do Programa de Planejamento Familiar. 5) Adotar medidas estritas para que o prazo de internação obrigatório, fixados em 72 horas, seja, sem exceção, zelosamente aplicado. 6) Adotar medidas drásticas contra os responsáveis pelas esterilizações forçadas não consentidas. 7) Implementar mecanismos ou canais para a recepção e trâmite célere e eficiente de denúncias de violação de direitos humanos nos estabelecimentos de saúde, com o fim de prevenir ou reparar os danos produzidos.
DÉCIMA-SEGUNDA: BASE JURÍDICA
O presente Acordo é firmado de conformidade com o disposto nos artigos 1º, 2º e 48º 1.f. da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 41º do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; nos artigos 2º incisos 1 e 24, cáput h), 44º, 55º, 205º e Quarta Disposição Final da Constituição Política do Peru e no disposto nos artigos 1205º, 1306º, 1969º e 1981º do Código Civil do Peru.
DÉCIMA-TERCEIRA: INTERPRETAÇÃO
O sentido e alcance do presente Acordo são interpretados de conformidade com os artigos 29 e 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no que seja pertinente e o princípio de boa-fé. Em caso de dúvida ou controvérsia entre as partes sobre o conteúdo do presente Acordo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decidirá sobre sua interpretação. Também lhe corresponde verificar seu cumprimento, estando as partes obrigadas a informar cada três meses sobre seu estado e cumprimento.
DÉCIMA-QUARTA: HOMOLOGAÇÃO
As partes intervenientes obrigam-se a informar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o presente Acordo de Solução Amistosa a fim de que este órgão o homologue e o ratifique em todos seus termos.
DÉCIMA-QUINTA: ACEITAÇÃO
As partes intervenientes na assinatura do presente Acordo manifestam sua livre e voluntária conformidade e aceitação com o conteúdo de todas suas cláusulas, deixando expressa constância de que põem fim à controvérsia e a qualquer reclamação sobre a responsabilidade internacional do Estado Peruano pela violação dos direitos humanos que afetou a senhora María Mamérita Mestanza Chávez.
Firmado em três exemplares, na cidade de Lima, aos vinte e seis dias de agosto do ano dois mil três.
V. DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO
15. A Comissão Interamericana reitera que, de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da Convenção, este procedimento tem como finalidade “chegar a uma solução amistosa do assunto fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção”. A aceitação de levar a cabo este trâmite expressa a boa-fé do Estado para cumprir com os propósitos e objetivos da Convenção em virtude do princípio pacta sunt servanda, pelo qual os Estados devem cumprir de boa-fé as obrigações assumidas nos tratados. Também deseja reiterar que o procedimento de solução amistosa contemplado na Convenção permite a conclusão dos casos individuais de forma não contenciosa, e vem demonstrando, em casos relativos a diversos países, oferecer um veículo importante de solução, que pode ser utilizado por ambas partes.
16. A Comissão Interamericana acompanhou de perto o progresso da solução amistosa alcançada no presente caso. A Comissão valoriza em muito os esforços efetuados por ambas partes para buscar esta solução, que é compatível com o objeto e finalidade da Convenção. Conforme a Comissão vem assinalando reiteradamente, proteger e promover os direitos da mulher é uma prioridade para nosso hemisfério, com o fim de alcançar o goze pleno e eficaz de seus direitos fundamentais, em especial a igualdade, a não discriminação e a viver livre da violência baseada no gênero.
VI. CONCLUSÕES
17. Com base nas considerações anteriores e em virtude do procedimento previsto nos artigos 48(1)(f) e 49 da Convenção Americana, a Comissão deseja reiterar seu profundo apreço pelos esforços realizados pelas partes e sua satisfação pelo acordo de solução amistosa no presente caso baseado no objeto e finalidade da Convenção Americana.
18. Em virtude da análise e conclusões expostas neste relatório,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1. Aprovar os termos do acordo de solução amistosa firmado pelas partes em 26 de agosto de 2003.
2. Continuar com o acompanhamento e a supervisão dos pontos do acordo amistoso, cujo cumprimento ainda está pendente, e neste contexto, recordar às partes seu compromisso de informar à Comissão Interamericana, cada três meses, sobre o cumprimento do presente acordo amistoso.
3. Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu relatório anual à Assembléia Geral da OEA
Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2003. Assinado por José Zalaquett, Presidente; Clare K. Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Comissionados: Robert K. Goldman e Julio Prado Vallejo.
[1] Conforme o disposto pelo artigo 17(2)(a) do Regulamento da Comissão, a Comissionada Susana Villarán, de nacionalidade peruana, não participou do debate nem da decisão do presente caso .
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