RELATÓRIO No 71/03[1]

PETIÇÃO 12.191

SOLUÇÃO AMISTOSA

MARÍA MAMÉRITA MESTANZA CHÁVEZ

PERU

10 de outubro de 2003

 

 

I.         RESUMO

 

1.      Mediante petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”, “a Comissão Interamericana” ou “CIDH”) em 15 de junho de 1999, as organizações não governamentais Estudo para a Defesa da Mulher  (DEMUS), o Comitê da América Latina e o Caribe para a Defesa dos Direitos Humanos da  Mulher (CLADEM) e a Associação Pró-Direitos Humanos (APRODEH), as quais acreditaram posteriormente como co-peticionárias ao Centro Legal para Direitos Reprodutivos e Políticas Públicas (CRLP) e o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), (doravante denominada “as peticionárias”), denunciaram que a República do Peru (doravante denominada “Peru”, “o Estado” ou “o Estado peruano”) violou direitos humanos da  senhora María Mamérita Mestanza Chávez, ao submetê-la de maneira forçada a um procedimento cirúrgico de esterilização, que finalmente resultou na morte da senhora Mestanza Chávez.

 

2.      As peticionárias originais alegaram que os fatos denunciados configuram violação pelo  Estado peruano dos direitos à vida, à integridade pessoal, e a igualdade perante à  lei, consagrados nos  artigos 4, 5, 1 e 24 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção” ou a “Convenção Americana”), bem como violações aos artigos 3, 4, 7, 8 e 9 da  Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (doravante denominada “Convenção de Belém do Pará”), os artigos 3 e 10 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (doravante denominado "Protocolo de San Salvador"), e os artigos 12 e 14(2) da  Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

 

3.      Em 22 de fevereiro de 2001, o Estado peruano firmou um Comunicado de Imprensa Conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em que comprometeu-se a propiciar uma solução amistosa em alguns casos abertos perante à Comissão, entre eles o presente caso, a qual seria feita de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

4.      Em 2 de março de 2001, durante o 110º período de sessões da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Estado peruano e as representantes das vítimas firmaram o Acordo Prévio para Solução Amistosa com intervenção e aprovação da  CIDH. A solução amistosa final foi acordada em 26 de agosto de 2003, quando foi firmada na cidade de Lima a respectiva ata do acordo amistoso entre as partes.

 

5.      O  presente relatório de solução amistosa, segundo o estabelecido no  artigo 49 da  Convenção e do artigo 41(5) do Regulamento da  Comissão, contém uma breve exposição dos fatos alegados pelos peticionários, o texto da  solução alcançada e a solução de publicar o mesmo.

 

II.       TRâMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.      A Comissão recebeu a denúncia em 15 de junho de 1999. Em 14 de julho de 1999, a CIDH abriu o caso, remeteu as partes pertinentes da  denúncia ao Estado peruano, solicitando-lhe que apresentasse a informação dentro de um prazo de 90 dias. O Peru solicitou uma ampliação do prazo para responder, a qual foi concedida pela  CIDH. O Peru respondeu em 14 de janeiro de 2000. As peticionárias apresentaram observações à resposta do Estado em 12 de abril de 2000. Em 3 de outubro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou o Relatório de Admissibilidade Nº 66/00.

 

7.      Em 2 de março de 2001, com a intervenção e aprovação da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as partes firmaram o Acordo Prévio para Solução Amistosa, em que o Estado peruano admitiu sua responsabilidade internacional pelos  fatos alegados pelas peticionárias e adotar medidas de reparação em benefício das vítimas.

 

8.      Em 26 de agosto de 2003, na  cidade de Lima, as representantes das vítimas e o Estado firmaram o Acordo de Solução Amistosa, solicitando que a Comissão ratificasse o acordo em todo seu conteúdo.

 

III.     OS FATOS

 

9.      As peticionárias alegam que o caso da  Sra. María Mamérita Mestanza representa um a mais entre um número significativo de casos de mulheres afetadas pela  aplicação de uma política governamental de carácter massivo, compulsivo e sistemático que enfatizou a esterilização como método para modificar rapidamente o comportamento reprodutivo da  população, especialmente de mulheres pobres, indígenas e de zonas rurais. Indicam que a Defensoria Plúbica recebeu diversas denúncias a este respeito, e que entre novembro de 1996 e novembro de 1998, o CLADEM, por sua parte, conseguiu documentar 243 casos sobre violações de direitos humanos na  aplicação da  anticoncepção cirúrgica no Peru.

 

10.  Assinalam que a senhora María Mamérita Mestanza, mulher camponesa de aproximadamente 33 anos de idade e mãe de 7 filhos, foi objeto de assédio desde 1996 por parte do Centro de Saúde do Distrito da  Encañada, que forma parte do sistema público de saúde, para que se esterilizasse.  Ela e seu esposo Jacinto Salazar Suárez foram intimidados de distintas formas, por exemplo, em que os funcionários de saúde os ameaçam em denunciá-los perante à polícia, alegando que o governo tinha decretado uma lei que determinava que a pessoa que tivesse mais de cinco filhos deveria pagar uma multa e seria levada à prisão.

 

11.  Os peticionários informam que o consentimento da  senhora Mestanza foi dado sob coação  para ser objeto de uma operação de ligadura de trompas. O procedimento cirúrgico foi realizado em 27 de março de 1998 no  Hospital Regional de Cajamarca, sem que se tivesse feito nenhum exame médico prévio. A senhora Mestanza teve alta no dia seguinte, 28 de março de 1998, mesmo apresentando sérios sintomas como vômitos e intensas dores de cabeça. Durante os dias seguintes o senhor Jacinto Salazar informou várias vezes o pessoal do Centro de Saúde da  Encañada sobre o estado de saúde da  senhora Mestanza, que ia piorando cada dia, mas os funcionários do Centro de Saúde diziam que eram os efeitos pós-operatórios da  anestesia.

 

12.  Os peticionários indicam que a senhora Mestanza Chávez faleceu em sua casa, em 5 de abril de 1998, e que no  certificado de óbito determinou  que sua morte tinha sido causada por uma “sepsia” como causa direta e bloqueio tubárico bilateral como causa antecedente. Informaram que, dias depois, um médico do Centro de Saúde ofereceu uma quantia em dinheiro ao senhor Jacinto Salazar para que este desse fim ao problema.

 

13.  Os peticionários informam que, em 15 de abril de 1998, o senhor Jacinto Salazar denunciou Martín Ormeño Gutiérrez, Chefe do Centro de Saúde da  Encañada perante o Promotor Provisório Mixta de Baños de Inca, em relação à morte da  senhora Mestanza, por delitos contra a vida, o corpo e a saúde, na  figura de homicídio culposo. Afirmam que, em 15 de maio de 1998, este Promotor Provisório formalizou a denúncia penal contra o senhor Ormeño Gutiérrez e mais outras pessoas perante à Juíza Provisória  da cidade, que, em  4 de junho de 1998, indeferiu a  abertura de instrução. Tal decisão foi confirmada em 1° de julho de 1998 pela  Sala Especializada Penal e, em 16 de dezembro de 1998, o Promotor Provisório ordenou o arquivamento  definitivo do caso.

 

IV.      SOLUÇÃO AMISTOSA

 

14.  O Estado e os peticionários firmaram o acordo de solução amistosa, cujo texto está transcrito a seguir:

 

PRIMEIRA: ANTECEDENTES

 

A senhora María Mamérita Mestanza Chávez foi submetida a um procedimento cirúrgico de esterilização, que finalmente resultou na sua morte. As organizações peticionárias denunciaram  que foram violados os direitos à vida, à integridade pessoal e à igualdade perante a lei, vulnerando os artigos 4, 5, 1 e 24 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os artigos 3, 4, 7, 8 e 9 da  Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), os artigos 3 e 10 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e os artigos 12 e 14 (2) da  Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. 

 

Em 14 de julho de 1999, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos remeteu ao Estado peruano as partes pertinentes da  denúncia e solicitou informação. Em 3 de outubro de 2000, a CIDH aprovou o Relatório Nº 66/00 de admissibilidade e continuou com a análise de mérito da  questão, referida a supostas  violações à Convenção Americana e à Convenção de Belém do Pará.

 

Em 2 de março de 2001, durante o 110° período ordinário de sessões da  CIDH, foi firmado o Acordo Prévio de Solução Amistosa.

 

SEGUNDA: RECONHECIMENTO

 

O Estado peruano consciente de que a proteção e respeito irrestrito dos  direitos humanos é a base de uma sociedade justa, digna e democrática e em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura e ratificação da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos e demais instrumentos internacionais sobre a matéria, e consciente que toda violação a uma obrigação internacional que tenha produzido um dano comporta o dever de repará-lo  adequadamente, constituindo a indenização da vítima, investigação dos fatos e a sanção administrativa, civil e penal dos responsáveis a forma mais justa de fazê-lo, reconhece sua responsabilidade internacional pela  violação dos  artigos 1.1, 4, 5 e 24 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como o art. 7 da  Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em agravo da  vítima María Mamérita Mestanza Chávez.

 

Este reconhecimento foi manifestado no Acordo Prévio para Solução Amistosa firmado entre o Estado Peruano e os representantes legais da vítima, com intervenção e aprovação da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2 de março de 2001, durante o 110° Período de sessões da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Neste acordo o Estado peruano admitiu a responsabilidade internacional pelos  fatos descritos e comprometeu-se a adotar medidas de reparação material e moral pelo  dano sofrido e impulsionar uma exaustiva investigação, destinada a punir os responsáveis no foro  comum, bem como a adotar medidas de prevenção para evitar que se repitam fatos similares no  futuro.

 

TERCEIRA: INVESTIGAÇÃO E SANÇÃO

 

O Estado Peruano compromete-se a realizar uma exaustiva investigação dos fatos e aplicar as sanções legais contra toda pessoa que tenha participado dos fatos, seja como autor intelectual, material, mediato ou outra condição, mesmo que se trate de funcionários ou servidores públicos, sejam civis ou militares.

 

Neste sentido, o Estado peruano compromete-se a realizar as investigações administrativas e penais pelos  atentados contra a liberdade pessoal, a vida, o corpo e a saúde e, conforme o caso, a punir:

 

a.        Os responsáveis pelos atos de vulneração do direito ao livre consentimento da  senhora María Mamérita Mestanza Chávez, para que se submetesse à ligadura de trompas.

b.        O pessoal de saúde que realizou a operação omitiu-se na demanda de atenção urgente da  senhora Mestanza depois  da  intervenção cirúrgica.

c.        Os responsáveis pela morte da  Sra. María Mamérita Mestanza Chávez.

d.        Os médicos que entregaram dinheiro ao conjugue da  senhora falecida a fim de encobrir as circunstâncias da morte.

e.        A Comissão Investigadora, nomeada pela  Sub-Região IV de Cajamarca do Ministério de Saúde que, de forma questionável, concluiu pela ausência de responsabilidade do pessoal de saúde que atendeu a senhora Mestanza.

 

Sem prejuízo das sanções administrativas e penais, o Estado peruano compromete-se informar a Associação Profissional a respeito das faltas contra a ética que foram cometidas, a fim de que, conforme  seu estatuto, providencie a punição do pessoal médico envolvido com os fatos referidos.

O Estado também compromete-se a realizar as investigações administrativas e penais pela  atuação dos representantes do Ministério Público e do Poder Judicial que omitiram-se em invetigar os atos destinados a esclarecer os fatos denunciados pelo  viúvo da  senhora Mamérita Mestanza.

 

QUARTA: INDENIZAÇÃO

 

01.   Beneficiários do presente Acordo

 

O Estado Peruano reconhece como únicos beneficiários de qualquer  indenização as pessoas de Jacinto Salazar Suárez, esposo de María Mamérita Mestanza Chávez e os filhos da mesma: Pascuala Salazar Mestanza, Maribel Salazar Mestanza, Alindor Salazar Mestanza, Napoleón Salazar Mestanza, Amancio Salazar Mestanza, Delia Salazar Mestanza e Almanzor Salazar Mestanza.

 

02.   Indenização pecuniária.

 

a. Dano Moral

 

O Estado Peruano outorga uma indenização a favor dos beneficiarios por única vez de dez mil dólares americanos (US $10,000.00) para cada um deles, por conceito de reparação do dano moral, o qual chega a um total de oitenta mil dólares americanos (US $80,000.00).

 

Com relação aos menores de idade, o Estado depositará a quantia correspondente em um fundo de fideicomiso nas condições mais favoráveis segundo a prática bancária. As gestões serão realizadas conjuntamente com os representantes legais da  familia Salazar Mestanza.

 

b. Dano emergente

 

O dano ocasionado como consequência direta dos fatos está constituido pelos  gastos em que incorreu a família, que foram realizados para tramitar e acompanhar a  denúncia penal perante o Ministério Público por homicídio culposo em agravo de María Mamérita Mestanza, bem como o montante por conceito de gastos de velório e enterro da  senhora Mestanza. A quantia a este conceito chega a dois mil dólares americanos (US $ 2,000.00), a qual deverá ser abonada pelo  Estado peruano aos beneficiários.

 

QUINTA: INDENIZAÇÃO A CARGO DOS RESPONSÁVEIS PENAIS PELOS FATOS

 

O Acordo de Solução Amistosa não inclui o direito dos beneficiários a reclamar a indenização que têm direito contra todos os responsáveis pela violação dos direitos humanos da  senhora María Mamérita Mestanza, de conformidade com o artigo 92º do Código Penal Peruano, conforme determinado pela autoridade judicial competente, e que o Estado Peruano reconhece como direito. Este Acordo deixa sem efeito qualquer outra reclamação que o beneficiáio tenha contra o Estado peruano como responsável solidário e/ou terceiro civilmente responsável ou sob qualquer outra denominação.

 

SEXTA: DIREITO A REGRESSO

 

O Estado peruano reserva-se o direito de regresso, de conformidade com a legislação nacional vigente, contra aquelas pessoas que venham a ser determinadas como os responsáveis no presente caso, mediante sentença definitiva prolatada pela  autoridade nacional competente.

 

SÉTIMA: ISENÇÃO DE TRIBUTOS, CUMPRIMENTO E MORA

 

O valor de indenização concedido pelo  Estado peruano não estará sujeito ao pagamento de nenhum imposto, contribuição ou taxa existente ou que venha a ser criada e deverá ser paga no mais tardar seis meses depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos notifique a ratificação do presente Acordo, depois do qual incorrirá em mora e deverá pagar a taxa de juros  compensatório e moratório máxima prevista e/ou permitida pela  legislação nacional.

 

OITAVA: PRESTAÇÕES DE SAÚDE

 

O Estado Peruano compromete-se a outorgar aos beneficiários, numa única vez, a quantia de  sete mil dólares americanos (US$ 7,000.00), por conceito de tratamento de reabilitação psicológica, que requerem os  beneficiarios como consequência do falecimento da  senhora  María Mamérita Mestanza Chávez. Este montante será entregue em  fideicomiso a uma instituição, pública ou privada, a qual se constituirá em fideicomissária, com o objetivo de administrar os recursos destinados a oferecer a atenção psicológica que requerem os  beneficiários. A instituição será eleita de comum acordo entre o Estado e os representantes da  família Salazar Mestanza, com o apoio da  Cooordenadora Nacional de Direitos Humanos, DEMUS, APRODEH e o Arcebispado de Cajamarca. Os gastos relacionados com a constituição legal do fideicomisso serão assumidos pelo  Estado peruano.

 

O Estado peruano compromete-se a oferecer ao esposo e filhos de María Mamérita Mestanza Chávez, um seguro permanente de saúde através do Ministério de Saúde ou da  entidade competente. O seguro de saúde para o cônjuge sobrevivente será permanente, e o de seu filhos, enquanto não contem com um  seguro de saúde público e/ou privado.

 

NONA: PRESTAÇÕES EDUCATIVAS

 

O Estado peruano compromete-se a providenciar aos filhos da  vítima educação gratuita no  nível primário e secundário, em colégios públicos. Quanto à educação superior, os filhos da  vítima receberão educação gratuita nos  Centros de Estudos Superiores estatais, sempre que reúnam os requisitos de admissão nesses centros educativos e para estudar uma carreira apenas. 

 

DÉCIMA : OUTRAS PRESTAÇÕES

 

O Estado peruano compromete-se a entregar adicionalmente ao montante vinte mil dólares americanos  (US $ 20,000.00) ao senhor Jacinto Salazar Suárez para adquirir um terreno ou uma casa em nome de seus filhos com a senhora María Mamérita Mestanza. O senhor Salazar Suárez deverá acreditar esta aquisição –dentro do ano seguinte à firma do presente acordo- com a entrega do Registro de Escritura Pública à Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Direitos Humanos do Ministério de Justiça. O senhor Salazar Suárez compromete–se a não alienar ou alugar a propriedade adquirida enquanto o menor de seus filhos Salazar Mestanza não cumpra a maioridade, salvo autorização judicial.

 

A Coordenadora Nacional de Direitos Humanos de Peru efetuará o acompanhamento necessário para assegurar o cumprimento do disposto  na  presente cláusula.

 

DÉCIMA-PRIMEIRA: MODIFICAÇÕES LEGISLATIVAS E DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE SAÚDE REPRODUTIVA E PLANEJAMENTO FAMILIAR

 

O  Estado peruano compromete-se a realizar as modificações legislativas e de políticas públicas sobre os temas de Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar, eliminando de seu conteúdo qualquer  enfoque discriminatório e respeitando a autonomia das mulheres.

 

O Estado peruano também se compromete a adotar e implementar as recomendações formuladas pela  Defensoria Pública a respeito das políticas públicas sobre Saúde Reprodutiva e Planejamento  Familiar, entre elas as seguintes:

 

a.          Medidas de sanção aos responsáveis por violações e reparação às vítimas

 

1)       Revisar judicialmente todos os processos penais sobre violações dos direitos humanos cometidas na  execução do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar, para que se individualize e se sancione devidamente os responsáveis, impondo-lhes, ademais, o pagamento da  reparação civil que corresponda, o qual poderá alcançar o Estado caso seja determinada alguma responsabilidade sua nos  fatos matéria dos processos penais.

2)       Revisar os processos administrativos, relacionados com o parágrafo anterior, iniciados pelas vítimas e/ou familiares, que estavam em tramitação ou tenham concluído com relação à denúncias por violações de direitos humanos.

 

b.         Medidas de supervisão e garantia de respeito dos direitos humanos das usuárias dos serviços de saúde:

 

1)       Adotar medidas drásticas contra os responsáveis pela deficiente avaliação pré-operatória de mulheres que se submetem a uma intervenção de anticoncepção cirúrgica, conduta em que incorrem profissionais da saúde de alguns centros de saúde do país. Apesar de que as normas do Programa de Planejamento Familiar exigirem esta avalição, ela vem sendo descumprida.

2)        Levar a cabo, permanentemente, cursos de capacitação qualificada, para o pessoal de saúde, em direitos reprodutivos, violência contra a mulher, violência familiar, direitos humanos e equidade de gênero, em coordenação com organizações da  sociedade civil especializadas  nestes temas.

3)        Adotar as medidas administrativas necessárias para que as formalidades estabelecidas para o estricto respeito do direito ao consentimento informado sejam acatadas cabalmente pelo  pessoal de saúde.

4)        Garantir que os centros onde são realizadas  intervenções cirúrgicas de esterilização tenham as condições adequadas e exigidas pelas normas do Programa de Planejamento Familiar.

5)        Adotar medidas estritas para que o prazo de internação obrigatório, fixados em 72 horas, seja, sem  exceção, zelosamente aplicado.

6)        Adotar medidas drásticas contra os responsáveis pelas esterilizações forçadas não consentidas.

7)        Implementar mecanismos ou canais para a recepção e trâmite célere e eficiente de denúncias de violação de direitos humanos nos  estabelecimentos de saúde, com o fim  de prevenir ou reparar os danos produzidos.

 

DÉCIMA-SEGUNDA:  BASE JURÍDICA

 

O presente Acordo é firmado de conformidade com o disposto nos  artigos 1º, 2º e 48º 1.f. da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 41º do Regulamento da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos; nos  artigos 2º incisos 1 e 24, cáput h), 44º, 55º, 205º e Quarta Disposição Final da  Constituição Política do Peru e no disposto nos  artigos 1205º, 1306º, 1969º e 1981º do Código Civil do Peru.

 

DÉCIMA-TERCEIRA: INTERPRETAÇÃO

 

O sentido e alcance do presente Acordo são interpretados de conformidade com os artigos 29 e 30 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no que seja pertinente e o princípio de boa-fé. Em caso de dúvida ou controvérsia entre as partes sobre o conteúdo do presente Acordo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decidirá sobre sua interpretação. Também lhe corresponde verificar seu cumprimento, estando as partes obrigadas a informar cada três meses sobre seu estado e cumprimento.

 

DÉCIMA-QUARTA: HOMOLOGAÇÃO

 

As partes intervenientes obrigam-se a informar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o presente Acordo de Solução Amistosa a fim de que este órgão o homologue e o ratifique em todos seus termos.

 

 

DÉCIMA-QUINTA: ACEITAÇÃO

 

As partes intervenientes na  assinatura do presente Acordo manifestam sua livre e voluntária conformidade e aceitação com  o conteúdo de todas suas cláusulas, deixando expressa constância de que põem fim à controvérsia e a qualquer reclamação sobre a responsabilidade internacional do Estado Peruano pela  violação dos  direitos humanos que afetou a senhora María Mamérita Mestanza Chávez.

 

Firmado em três exemplares, na  cidade de Lima, aos  vinte e seis dias de agosto do ano dois mil três.

 

V.      DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO

 

15.  A Comissão Interamericana reitera que, de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção, este procedimento tem como finalidade “chegar a uma solução amistosa do assunto fundada no  respeito aos direitos humanos reconhecidos na  Convenção”. A aceitação de levar a cabo este trâmite expressa a boa-fé do Estado para cumprir com os propósitos e objetivos da  Convenção em virtude do princípio pacta sunt servanda, pelo qual os Estados devem cumprir de boa-fé as obrigações assumidas nos  tratados. Também deseja reiterar que o procedimento de solução amistosa contemplado na  Convenção permite a conclusão dos  casos individuais de forma não contenciosa, e vem demonstrando, em casos relativos a diversos países, oferecer um veículo importante de solução, que pode ser utilizado por ambas partes.

 

 

16.  A Comissão Interamericana acompanhou de perto o progresso da  solução amistosa alcançada no presente caso. A Comissão valoriza em muito os esforços efetuados  por ambas partes para buscar esta solução, que é compatível com o objeto e finalidade da  Convenção. Conforme a Comissão vem assinalando  reiteradamente, proteger e promover os direitos da mulher é uma prioridade para nosso  hemisfério, com o fim de alcançar o goze pleno e eficaz de seus direitos fundamentais, em especial a igualdade, a não discriminação e a viver livre da  violência baseada no  gênero. 

 

          VI.      CONCLUSÕES

 

17.  Com base nas considerações anteriores e em virtude do procedimento previsto nos  artigos 48(1)(f) e 49 da  Convenção Americana, a Comissão deseja reiterar seu profundo apreço pelos  esforços realizados pelas partes e sua satisfação pelo acordo de solução amistosa no  presente caso baseado no  objeto e finalidade da  Convenção Americana.

 

18.  Em virtude da análise e conclusões expostas neste relatório,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Aprovar os termos do acordo de solução amistosa firmado pelas partes em 26 de agosto de 2003.

 

2.       Continuar com o acompanhamento e a supervisão dos pontos do acordo amistoso, cujo cumprimento ainda está pendente, e neste contexto, recordar às partes seu compromisso de informar à Comissão Interamericana, cada três meses, sobre o cumprimento do presente acordo amistoso.

 

3.       Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu relatório anual à Assembléia  Geral da  OEA

 

Dado e assinado na  sede da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos na  cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2003.  Assinado por José Zalaquett, Presidente; Clare K. Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Comissionados: Robert K. Goldman e Julio Prado Vallejo.


 


[1] Conforme o disposto pelo  artigo 17(2)(a) do Regulamento da  Comissão,  a Comissionada Susana Villarán, de  nacionalidade peruana, não participou do debate nem da  decisão do presente caso .