RELATÓRIO Nº 13/03[1]

PETIÇÃO 12.031

ADMISSIBILIDADE

JORGE ROSADÍO VILLAVICENCIO

PERU

20 de fevereiro de 2003

 

 

I.        RESUMO

 

1.      Mediante petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Comissão") em 13 de abril de 1998, a senhora Amelia Villavicencio de Rosadío  (doravante denominada "a peticionária") denunciou que a República do Peru (doravante denominada "Peru", "o Estado" ou "o Estado peruano") violou, em detrimento de seu filho, o senhor Jorge Rosadío Villavicencio (doravante denominado "vítima"), o princípio de legalidade, o direito à liberdade pessoal, a proteção à honra e à dignidade, e as garantias judiciais, todos eles consagrados nos  artigos 9, 7, 11 e 8 respectivamente da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "Convenção" ou a "Convenção Americana"), em conjunção com o artigo 1(1) do citado instrumento internacional. As violações denunciadas referem-se a supostas irregularidades cometidas pelo  poder judicial no  procedimento criminal contra a vítima, para julgá-lo como o suposto responsável pelo delito de posse e tráfico de entorpecentes. A  Dra. Carolina Loayza Tamayo apresentou-se no caso na qualidade de co-peticionária.

 

2.      Quanto à  admissibilidade da  petição, a peticionária argumenta que foram esgotados os recursos pertinentes da  jurisdição interna e que a petição foi interposta no  prazo regulamentar tendo em vista o prazo em que foi notificada da mesma. Assinala que não requer que a CIDH atue no  presente caso como uma instância revisora, mas, ao  contrário,  verifique a vulneração de direitos convencionais em detrimento de seu filho.

 

3.      Por sua vez, o Estado manifesta que a CIDH deve declarar expressamente a inadmissibilidade da  presente petição, em aplicação dos  artigos 47 e 48 da  Convenção Americana, por sua manifesta improcedência.

 

4.      Após analisar os argumentos das partes e o cumprimento dos  requisitos de admissibilidade previstos na Convenção, a Comissão decidiu declarar admissível a petição, de conformidade com o estabelecido nos  artigos 46 e 47 da  Convenção Americana, no que se refere a eventuais violações aos artigos 1(1), 7, 8 e 9 da  Convenção Americana, e iniciar o  procedimento sobre o mérito da questão. A Comissão decide igualmente notificar esta decisão as partes, publicá-la e incluí-la em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da  OEA.

 

II.       TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

5.      Em 14 de julho de 1998, a Comissão admitiu o caso dando-lhe o número 12.031, e encaminhou as partes pertinentes da  denúncia ao Estado peruano, solicitando-lhe que enviasse  informação pertinente num prazo de 90 dias. Em 18 de agosto de 1998, a Comissão transmitiu ao Estado os anexos da  demanda a pedido do mesmo, determinando que o prazo de 90 dias fosse computado desde o recebimento destes; em 5 de outubro de 1998 a peticionária apresentou informação adicional relativa à denúncia.

 

6.      Mediante comunicação datada de 13 de novembro de 1998, o Estado apresentou sua resposta à demanda. Em 18 de janeiro de 1999, a peticionária apresentou suas observações  à resposta do Estado.

 

7.      Em 22 de fevereiro de 1999, o Estado apresentou informação adicional a respeito do caso. A CIDH efetuou o correspondente envio da mesma e em 21 de maio de 1999, a peticionária apresentou suas observações à informação remetida pelo  Governo peruano.  Em 3 de junho e em 3 de novembro de 1999, a mesma enviou informação atualizada em relação à situação da  vítima.

 

8.      Em 3 de janeiro de 2000, a comissão recebeu informação adicional apresentada pelo  Estado e a encaminhou ao peticionário. Desde a  referida data as partes continuaram  aportando informação adicional sobre o caso mantendo seus argumentos.

 

III.      POSIÇÕES DAS PARTES

         

A.      A peticionária

 

9.      A peticionária alega que, em 30 de junho de 1994, seu filho Jorge Rosadío Villavicencio, oficial do Exército peruano, foi notificado pelo Plano de Mudança de Colocação 1994 do Exército peruano, através do qual foi designado a partir de 1º de julho desse mesmo ano, ao cargo de Chefe da  Base Militar de São da  Quinta Região Militar, destacamento "Leoncio Prado", Companhia de Inteligência N° 341, situada na cidade de Tarapoto, estado de San Martín.

 

10.  A peticionária manifesta que o Sr. Rosadío Villavicencio assumiu seu cargo e seu superior hierárquico, Coronel (EP) Emilio Murgueytio, lhe encomendou uma missão de inteligência na sua qualidade de chefe da  Base de São: levar a cabo o Plano de Operações "Angel" classificado como "Confidencial", consistente em infiltrar-se dentro das organizações de narcotraficantes para desarticulá-las. Alega que foi informado que a eficácia da  infiltração que iria realizar dependia de "fazer-se passar como um oficial corrupto", missão especial de inteligência que iniciou na primeira quinzena do mês de agosto de 1994.

 

11.  Em 25 de setembro de 1994, o Sr. Rosadío Villavicencio foi informado mediante Memorando N° 217/SLP/K-1/20.04 da mesma data que havia sido denunciado pelo  suposto cometimento dos  seguintes delitos: Tráfico ilícito de drogas (artigo 296 do Código Penal), no  foro comum, e pelos  seguintes delitos estabelecidos no  código de justiça militar: contra o dever e dignidade da  função (artigo 200); falsidade ideológica (artigo 299), negligência (artigo 238), contra a administração de justiça (artigo 302, inc. 4), abuso de autoridade (artigo 180, inc. 8.a ) e desobediência (artigo 158 do citado corpo legal). Desta maneira, alega que o senhor Rosadío Villavicencio foi submetido à uma múltipla perseguição pelo  mesmo fato,  sendo objeto de um processo disciplinar administrativo, investigação e processo por delitos tipificados no  Código de Justiça Militar no  Foro Militar, bem  como a investigação penal pelo  Foro Ordinário pelo  delito de tráfico ilícito de drogas, tudo relacionado com os mesmos fatos.

 

12.  Com relação ao processo administrativo disciplinar, a peticionária alega que, apesar de o Sr.  Jorge Rosadío Villavicencio ser oficial do Exército peruano, o processo esteve a cargo do Conselho de Investigação para Oficiais Subalternos, que, em sua sessão de 7 de fevereiro de 1995, decidiu transferí-lo para a reforma. Com a finalidade de regularizar a situação, o Comando Geral do Exército, mediante Resolução N° 0527 CP/EP/CP-JAPE de 3 de março de 1995, expedida na cidade de Lima, o transferiu para a reforma por medida disciplinar em 24 de fevereiro de 1995. Esta resolução foi proferida enquanto a vítima estava detida em San Martín, localidade longe da cidade de Lima, motivo pelo qual estava fisicamente impedido de agir contra ela. Esta resolução foi aplicada com efeito retroativo vulnerando as garantias do devido processo legal.

 

13.  Em relação às atuações efetuadas pela Jurisdição militar, a peticionária assinala que foi iniciado o procedimento contra a vítima em 6 de janeiro de 1997 devido ao suposto  cometimento de delitos tipificados no Código de Justiça Militar. Informa que o Conselho Superior de Guerra o condenou a pena de 16 meses de prisão como "autor e responsável pelo delito de negligência", mediante sentença de 29 de novembro de 1996. Posteriormente esta resolução foi anulada pelo  próprio Conselho Supremo de Justiça Militar. A nova sentença prolatada pelo  Conselho Superior de Guerra Permanente da  Sexta Zona Judicial do Exército em 15 de dezembro de 1997, o condenou por delito de desobediência, contra o dever e dignidade da  função, falsidade ideológica, negligência e abuso de autoridade". É sobre esta sentença que  o Conselho Supremo de Justiça Militar se pronunciou, em 30 de junho de 1998, condenando-o a  pena de vinte e oito meses de prisão pelo  delito de desobediência, a qual foi notificada à vítima em 18 de janeiro de 1999 a seu pedido.

 

14.  A peticionária informa que o delito de desobediência previsto no  artigo 158 do Código de Justiça Militar dispõe que "cometem desobediência aqueles que deixam de cumprir com uma ordem de serviço sem causa justificada". Argumenta que existiu uma "ordem de serviço", motivo pelo qual os atos realizados pelo  Sr. Rosadío Villavicencio foram realizados em estrito cumprimento da  mesma.

 

15.  Em relação ao processo tramitado no foro ordinário, a peticionária indica que foi aberto inquérito em referência ao  delito de tráfico ilícito de entorpecentes em detrimento do Estado contra a vítima e os outros co-réus. Manifesta que durante a investigação judicial, a declaração do Sr. Rosadío Villavicencio sobre o chamado "Plano Angel" foi corroborada pelos co-réus militares e seu superior hierárquico, Coronel (EP) Emilio Murgueytio, que interveio na qualidade de testemunha. Também informa que seu filho interpôs a exceção de Natureza de Ação, tendo em vista que os fatos que lhe haviam sido imputados não eram matéria de ação penal.[2] O Juiz do processo declarou infundada a exceção de Natureza de Ação e condenou o senhor Jorge Rosadío Villavicencio pelo  delito de tráfico ilícito de drogas mediante sentença de 17 de abril de 1996, a pena de seis anos de reclusão e o pagamento de uma reparação civil a favor do Estado. A peticionária argumenta que a sentença baseou-se somente no depoimento do superior hierárquico, e a declaração de infundada da  exceção de natureza da ação não foi motivada nem  fundamentada.

 

16.  A peticionária assinala que o senhor Rosadío Villavicencio interpôs  um recurso de nulidade contra a sentença condenatória, mas a Sala Penal da  Corte Suprema de Justiça modificou a condenação e a reparação impostas ao Sr. Rosadío Villavicencio, elevando a pena privativa de liberdade de seis para quinze anos e o pagamento da  reparação civil, sem   fundamentação. A este respeito, a peticionária  alega que esta resolução vulnera as garantias judiciais consagradas no  artigo 8 da  Convenção Americana.

 

17.  Além disso, a  peticionária alega que o Estado vulnerou o princípio de legalidade consagrado no artigo 9 do mencionado instrumento internacional ao sancionar administrativamente e condenar nos  foros militar e penal ordinário o Sr. Jorge Rosadío Villavicencio, apesar de estar isento de responsabilidade penal conforme a legislação interna peruana e em atenção às circunstâncias do caso. Alega que a privação da  liberdade sofrida pela  vítima é arbitrária pois viola o artigo 7 da  Convenção e, consequentemente, o artigo 11 do citado tratado por afetar sua honra.

 

          18.     Quanto às questões de admissibilidade da  petição, manifesta que não pretende que a Comissão atue no  presente caso como um tribunal de revisão; pelo  contrário, solicita seu pronunciamento com relação à responsabilidade do Estado pela  violação de direitos humanos consagrados na  Convenção Americana  através de seus órgãos judiciários. No que se refere ao esgotamento dos  recursos da  jurisdição interna, alega que foram  interpostos todos os recursos pertinentes.

 

          19.     Por último, a peticionária informa que a suposta vítima está atualmente em liberdade, mas obrigada a  justificar suas atividades no final de cada mês perante à autoridade judiciária designada para este efeito.

 

 

B.       O Estado

 

          20.     O Estado não refutou os fatos alegados pelo  peticionário e focalizou sua resposta à Comissão em explicar o desenvolvimento dos  processos judiciais relacionados com o caso. Quanto os processos tramitados contra o Sr. Jorge Rosadío Villavicencio, o Estado assinala que "em ambos processos judiciais, militar e ordinário, foram expedidas resoluções uniformes que atestaram sua responsabilidade penal nos  ilícitos investigados" Informa que "a responsabilidade administrativa é determinda sem prejuízo da  responsabilidade penal ou civil”.

 

          21.     O Estado peruano argumenta  que os delitos pelos quais Rosadío Villavicencio foi  processado e condenado são o de tráfico ilícito de drogas e delitos contra a disciplina das  Forças Armadas, na modalidade desobediência, que devem ser investigados e resolvidos de acordo com os procedimentos estabelecidos no  ordenamento jurídico interno para cada uma destas condutas puníveis: o foro comum (para o delito de tráfico ilícito de drogas) e o foro militar (para o delito de desobediência). Sendo assim, não está caracterizada  o duplo julgamento pelos mesmos fatos.

 

          22.     Com relação às  atuações administrativas, o Estado assinala que "mediante Resolução do  Comando Geral do Exército N° 0527 CP/EPICP-JAPE de  3 de março de 1999, decidiu-se transferir o Sr. Rosadío Villavicencio para a reforma como medida disciplinar, a partir de 24 de fevereiro de 1995". Alega que esta resolução "não foi impugnada em via contenciosa-administrativa, tendo, por tal motivo, sido aceita”. Além disso afirma que as normas que "contêm  deveres e direitos dos  servidores do estado assinalam  também que os servidores públicos são responsáveis, civil, penal e administrativamente, pelo  cumprimento das normas legais e administrativas no  exercício do serviço público, sem prejuízo das sanções de caráter disciplinar pelas faltas que cometam (artigo 25 do Decreto Legislativo N° 276) e que os servidores públicos serão sancionados administrativamente pelo  descumprimento das normas legais e administrativas no exercício de suas funções, sem prejuízo das responsabilidades civil e/ou penal em que podem incorrer (art. 153° do Decreto Supremo N° 005-90-PCM)".

 

          23.     Em relação às atuações no foro militar, o Estado indica que foi aberta a causa N° 1594-0648 contra o Sr. Rosadío Villavicencio e outros, sendo que ele foi sentenciado à pena de 16 meses de prisão pelo  delito de negligência pelo  Conselho Superior de Guerra Permanente da  Sexta Zona Judicial do Exército em 29 de novembro de 1996. Informa que o Sr. Rosadío Villavicencio interpôs recurso de impugnação contra esta sentença, que foi resolvido mediante Executória de 30 de junho de 1998 em recurso de revisão pelo  Conselho Supremo de Justiça Militar, tendo este condenado o Sr. Rosadío como autor do delito de desobediência à pena de vinte e oito meses de prisão. O Estado afirma que "não existiram dois processos penais no foro militar, mas sim que se trata de um único processo no qual foi dada aplicação dos princípios e direitos da  função jurisdicional previstos na  Constituição Política, como a pluralidade de instâncias, a não ser condenado sem processo judicial, à fundamentação das sentenças, ao princípio de legalidade, entre outros".

 

          24.     Com respeito às atuações no  foro ordinário, o Estado assinala que a suposta vítima, "em exercício pleno de seu direito à defesa, interpôs os recursos que estimou conveniente, como a exceção de Natureza de Ação, recurso que tem  como objetivo anular o processo por estimar-se que os fatos não seriam matéria de ação penal". A Sala Penal da  Corte Superior de San Martín na  causa, mediante Sentença de 17 de abril de 1996, devidamente motivada e fundamentada, declarou infundada esta Exceção e condenou Jorge Rosadío a 6 anos de pena privativa da  liberdade e ao pagamento de uma quantia por Reparação Civil. Sobem os autos à Corte Suprema em recurso de nulidade. A Sala especializada em delitos de Tráfico Ilícito de Drogas da  Corte Suprema de Justiça por Resolução de 19 de junho de 1997, declarou  "Não Haver Nulidade da  sentença de 17 de abril de 1996, e Haver Nulidade quanto à pena imposta, impondo-lhe a pena de quinze anos de pena privativa da  liberdade".

 

          25.     Em relação aos funcionários públicos,  a legislação peruana permite que seja realizado um duplo julgamento,  de um lado, o processo administrativo por descumprimento de normas durante o exercício de suas funções, e  de outro lado, por responsabilidade civil na  via penal.

 

          26.     O Estado conclui que é possível determinar que o senhor Jorge Rosadío Villavicencio, "foi processado e condenado pelas autoridades competentes na  jurisdição peruana, no  marco dos  procedimentos previstos pela  legislação penal e processual penal aplicável, tanto no  Foro Militar, a respeito dos delitos cometidos no exercício  de sua função militar, como pelo  Foro Comum, em relação ao delito de Tráfico Ilícito de Drogas; além de ter sido submetido a um processo administrativo disciplinar, de acordo com os Procedimentos militares". Afirma que "os referidos processos foram tramitados com plena observância dos  princípios e direitos da  função jurisdicional e com observância das garantias do devido processo legal, tendo contado o Sr. Rosadío Villavicencio com o  irrestrito direito a defesa, fazendo  uso dos  recursos previstos no nosso ordenamento penal e processual; foi aplicada a pluralidade de instâncias, e as resoluções jurisdicionais foram devidamente motivadas e fundamentadas. Portanto, em ambos processos judiciais, militar e ordinário, foram prolatadas resoluções uniformes que versaram sobre sua responsabilidade penal nos  ilícitos investigados, tendo sido decretadas as sentenças condenatórias correspondentes".

 

          27.     No que se refere ao princípio de legalidade, o Estado argumenta que os órgãos judiciários peruanos processaram e condenaram o Sr. Rosadío Villavicencio por fatos tipificados como delito no  ordenamento jurídico penal, no momento que os cometeu. A respeito do direito à liberdade, o Estado assinala  que a suposta vítima foi privada de liberdade por ter  sido processada e condenada por ilícitos penais que prevêem tal pena, e assim sucedeu em  todas as instâncias e foros de maneira uniforme, devido a sua responsabilidade penal. Desta forma, o Estado conclui que qualificar a sua detenção de arbitrária carece de fundamento, assim como a alegação de ter-se afetado sua honra e dignidade.

 

          28.     Tendo em vista o exposto, o Estado argumenta que a petição é manifestamente inadmissível. O Estado alega que a peticionária pretende que a Comissão atue como uma instância de revisão daquilo que foi resolvido pelos  tribunais peruanos e que isto não é  sua competência, pois pretender que a CIDH "efetue uma nova valoração da  prova e fatos que originaram o processo e a condenação, é simplesmente inadmissível".

 

IV.      ANÁLISE

 

A.      Competência da  Comissão

 

          29.     Os peticionários estão facultados pelo  artigo 44 da  Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala  como supostas vítimas indivíduos, para os quais o Peru comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na  Convenção Americana.  No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que o Peru é um  Estado parte na  Convenção Americana desde 5 de setembro de 1984, data em que depositou o  instrumento de ratificação respectivo.  Portanto, a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.

 

30.     A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, porque a petição alega violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte neste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na  Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que haviam  ocorrido os fatos alegados na  petição. Por último, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição se denunciam violações a direitos humanos protegidos pela  Convenção Americana.

 

B.       Outros requisitos de admissibilidade

 

1.       Esgotamento dos  recursos internos

  

          31.     Quanto à admissibilidade, a Comissão observa que no  trâmite do presente assunto o Estado não se opôs em nenhum momento à exceção de falta de esgotamento de recursos internos com respeito aos procedimentos domésticos tramitados contra o Sr. Jorge Rosadío Villavicencio.

 

          32.     Cabe a CIDH determinar se o Estado renunciou tacitamente em opor esta exceção.

 

          33.     A Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que “A exceção de não esgotamento dos  recursos internos, para ser oportuna, deve ser apresentada nas primeiras etapas do procedimento, caso contrário poderá presumir-se a renúncia tácita a ser válida contra o Estado interessado".[3] Consequentemente, a CIDH estabelece, com relação ao presente assunto, que o Estado peruano não opôs a exceção que ocupa a presente análise tendo renunciado tacitamente à mesma, por não tê-la invocado expressa e oportunamente em nenhuma das comunicações dirigidas à Comissão. A Comissão considera cumprido o requisito previsto no  artigo 46(1)(a) da  Convenção Americana.

 

2.       Prazo de apresentação

 

          34.     Na  petição sob exame, a CIDH determinou a renúncia tácita do Estado peruano a seu direito de interpor a exceção de falta de esgotamento dos  recursos internos, motivo pelo qual não é aplicável o requisito do artigo 46(1)(b) da  Convenção Americana.

 

          35.     Entretanto, os requisitos convencionais de esgotamento de recursos internos e de apresentação dentro do prazo de seis meses da  sentença que esgota a jurisdição interna são independentes. Portanto, a Comissão Interamericana deve determinar se a petição sob  exame foi apresentada dentro de um prazo razoável. A Comissão observa que na  petição se alega uma múltipla perseguição mediante atuações judiciais, administrativas e militares pelos  mesmos fatos contra a suposta vítima; em tal sentido e sem prejulgar sobre tais alegações, para  determinar se houve uma apresentação oportuna ou não da  denúncia, deve-se considerar dois aspectos:  a data de apresentação da  petição e a vigência dos  processos internos. Sendo assim, na data de apresentação da  denúncia tramitava o procedimento na  jurisdição militar; portanto, a CIDH considera que a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável.

 

3.       Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

          36.     Não existe evidência de que a matéria da  petição esteja pendente de outro procedimento de acordo internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional. 

 

          4.       Caracterização dos  fatos alegados

 

          37.     A Comissão considera que a exposição da  peticionária refere-se a fatos que poderiam caracterizar violações aos direitos consagrados nos  artigos 7 e 8 da  Convenção Americana, bem como a  obrigação de respeitar os direitos a que se referem o artigo 1(1) desta Convenção.

 

          38.     Da mesma forma, a Comissão considera que a peticionária não especificou a alegada violação do artigo 9 da  Convenção, não sendo, portanto, procedente admiti-la, porque do contexto da sua petição não há fatos que caracterizem tal violação.

 

          V.      CONCLUSÕES

 

          39.     Com base nos  argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito da questão,  

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITO HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Declarar o presente caso admissível no que se refere às possíveis violações de direitos protegidos pelos  artigos 1(1) 7, 8 e 9 da  Convenção Americana contra o senhor Jorge Rosadío Villavicencio por parte do Estado peruano.

 

2.         Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.

 

3.         Iniciar o trâmite sobre o mérito do assunto.

 

4.       Colocar-se à disposição das partes com a finalidade de alcançar uma solução amistosa baseada no  respeito aos  direitos consagrados na  Convenção Americana e convidar as partes a pronunciarem-se sobre esta possibilidade.

 

5.         Publicar o presente relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.

 

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 20 de fevereiro de 2003.  Assinado:  Juan E. Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Comissionados: Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare Roberts.


 


[1] Conforme o estipulado no artigo 17(2) do Regulamento da  Comissão, a Comissionada Susana Villarán, de nacionalidade peruana, não participou no  debate nem na decisão do presente assunto.

[2] O artigo 5 do Código de Procedimentos Penais estabelece: "Contra a ação penal podem ser interpostas as exceções de natureza de julgamento e natureza de ação, (...).

A de natureza de julgamento pode ser interposta quando a denúncia contém uma matéria distinta daquele  que corresponde no  processo penal. A de natureza de ação pode ser interposta quando o fato denunciado não constitui delito ou não é matéria de ação penal(...).

As exceções podem ser interpostas em qualquer estado do processo e podem ser resolvidas de oficio pelo  juiz. Se declarada fundada a exceção de natureza de julgamento, se regularizará o procedimento de acordo com o trâmite que lhe corresponda. Se declarada fundada qualquer das outras exceções, se dará por concluído o processo e se determinará o arquivamento definitivo da causa".

[3] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C Nº 1, par. 88; Caso Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C Nº 3, par. 90; Caso Fairén Garbi e Solís Corrais, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C Nº 2, pars. 87; Caso Loayza Tamayo, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996. Serie C Nº 25, par. 40.