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RELATÓRIO Nº 70/03[1] PETIÇÃO 11.149 SOLUÇÃO AMISTOSA AUGUSTO ALEJANDRO ZUNIGA PAZ PERU 10 de outubro de 2003
I. RESUMO[2]
1. Em 1° de abril de 1993, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a “Comissão”, a “Comissão Interamericana” ou “CIDH”) recebeu uma petição apresentada pelo senhor Augusto Alejandro Zúñiga Paz, (doravante denominado “o peticionário”) contra a República do Peru (doravante denominada “Peru, “o Estado” ou “o Estado peruano”), por ter recebido um envelope-bomba que explodiu em suas mãos, ocasionando a perda de um braço. O peticionário alegou que este fato constitui violação pelo Estado peruano aos direitos à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial consagrados nos artigos 4, 5, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”).
2. A petição denuncia a falta de investigação e sanção acerca do fato ocorrido em 15 de março de 1991 na sede da Organização não Governamental Comissão de Direitos Humanos (COMISEDH), relativo a um envelope-bomba recebido pelo peticionário, que explodiu resultando na perda de seu braço esquerdo.
3. Em 22 de fevereiro de 2001, o Estado peruano firmou um Comunicado de Imprensa Conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no qual o Estado peruano comprometeu-se a propiciar uma solução amistosa em alguns casos abertos perante à Comissão, entre eles o presente caso, a qual seria feita de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A solução amistosa foi concluída em 13 de fevereiro de 2003, quando a respectiva ata do acordo entre as partes foi firmada na cidade de Lima.
4. O presente relatório de solução amistosa, segundo o estabelecido no artigo 49 da Convenção e do artigo 41(5) do Regulamento da Comissão, contém uma breve exposição dos fatos alegados pelos peticionários, o texto da solução alcançada e a solução de publicar o mesmo.
II. TRAMITE PERANTE A COMISSÃO
5. Em 27 de abril de 1993, a Comissão abriu o caso, remeteu as partes pertinentes da denúncia ao Estado peruano e solicitou informação às partes para ser apresentada dentro de um prazo de 90 dias. O Estado respondeu em 6 de julho de 1993. Em 30 de julho de 1993, a Comissão remeteu ao peticionário a resposta do Estado e solicitou-lhe que formulasse suas observações a esta resposta dentro de um prazo de 45 dias.
6. Em 3 de agosto de 1998, o Estado enviou uma comunicação à Comissão. A Comissão encaminhou esta comunicação ao peticionário em 17 de agosto de 1998 e solicitou-lhe suas observações num prazo de 30 dias. Em 8 de outubro de 1998, o peticionário apresentou suas observações e o Estado respondeu a estas em 4 de dezembro de 1998.
7. Em 14 de janeiro de 1999, a Comissão colocou-se à disposição das partes com o objetivo de conseguir uma solução amistosa. Em 22 de janeiro de 1999, o peticionário assinalou que estaria disposto a uma solução amistosa caso o Estado peruano reconhecesse a responsabilidade pelos fatos e concedesse uma adequada reparação. O Estado respondeu em 27 de Janeiro de 1999, e insistiu que o caso fosse declarado inadmissível.
8. Em 22 de fevereiro de 2001, mediante comunicação entregue pessoalmente à CIDH pelo senhor Ministro de Justiça do Peru, Dr. Diego García-Sayán, no marco do 110° período ordinário de sessões da Comissão, o Estado peruano assinalou que reconheceria a responsabilidade estatal no presente caso, e adicionou que
o grave atentado contra o doutor Zúñiga Paz, conhecido defensor dos direitos humanos, não deve ficar impune. Serão esgotadas todas as gestões necessárias para estabelecer responsabilidades e será formulada uma proposta de reparação moral e econômica.[1]
9. Em 13 de fevereiro de 2003, na cidade de Lima, foi firmado o Acordo de Solução Amistosa entre a vítima Augusto Alejandro Zúñiga, com Fausto Humberto Alvarado Dodero, Ministro da Justiça, e Fernando Carbone Campoverde, Ministro da Saúde, ambos representantes do Estado peruano.
III. FATOS
10. O peticionário assinala que é um advogado que trabalha como defensor dos direitos humanos no Peru. Alega que, em 15 de março de 1991, recebeu em seu escritório da Organização não Governamental Comissão de Direitos Humanos (COMISEDH), um envelope amarelo com logotipo da Secretaria da Presidência da República, que tinha uma carga de 50 grs. de explosivo. O peticionário informa que o envelope explodiu quando aberto por ele, resultando na perda de seu braço esquerdo.
11. O peticionário menciona que vinha sofrendo constantes ameaças destinadas a intimidá-lo para que abandonasse o patrocínio do caso relacionado com o desaparecimento forçado do estudante Ernesto Rafael Castillo Páez, que foi tramitado inicialmente pela CIDH e depois pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
12. O peticionário assinala que várias pessoas atribuiram responsabilidade às forças de segurança pelo atentado que vitimou o doutor Zúñiga Paz, dada a conexão entre os fatos e a tramitação do processo do estudante Castillo Páez e a especificidade do explosivo utilizado, que estava sob o controle das forças armadas. 13. O peticionário aduz que embora os fatos narrados não provem suficiente para determinar a responsabilidade do Estado, era obrigação do mesmo efetuar uma investigação imparcial e efetiva sobre os fatos denunciados.
14. O peticionário afirma que a investigação que estava sendo conduzida pelo Promotor 19 Provisório Penal continha indícios suficientes para demonstrar que o explosivo utilizado estava sob controle das forças armadas, mas em 3 de janeiro de 1992, esta investigação foi remetida à 10a. Procuradoria Provisória Penal de Lima, baseando no fato de que havia caducado o cargo da Procuradoria 19 Ad-hoc, e foi ordenado o arquivamento provisório do caso mediante uma resolução emitida em 27 de abril de 1992. Indica que, em 16 de setembro de 1992, o Promotor Superior Especial para assuntos de Terrorismo confirmou esta resolução de arquivamento.
IV. SOLUÇÃO AMISTOSA
15. O Estado e os peticionários firmaram o acordo de solução amistosa, cujo texto está transcrito a seguir:
PRIMEIRA: ANTECEDENTES
O senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz sofreu um atentado com explosivos na modalidade de um “envelope bomba” em 15 de março de 1991, quando estava na sede da Organização Não Governamental Comissão de Direitos Humanos (COMISEDH). Este ataque resultou na perda de seu braço esquerdo. O Dr. Zúñiga considera que a investigação das autoridades peruanas não foi adequada e, portanto, os autores não foram punidos, razão pela qual dirigiu-se à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que abriu o caso No. 11.149 em 5 de março de 2001, tendo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovado o Relatório No. 45/01 admitindo a reclamação.
SEGUNDA: RECONHECIMENTO
O Estado peruano consciente de que a proteção e respeito irrestrito dos direitos humanos é a base de uma sociedade justa, digna e democrática e em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura e ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e demais instrumentos internacionais sobre a matéria, assume sua responsabilidade internacional pela violação dos artigos 1.1, 2, 5.1 e 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em detrimento do senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz.
Este reconhecimento foi manifestado no comunicado conjunto firmado entre o Estado peruano e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 22 de fevereiro de 2001. Neste documento, o Estado peruano admitiu a responsabilidade internacional pelos fatos descritos na cláusula primeira do presente instrumento e comprometeu-se em adotar medidas para restituir os direitos afetados e/ou reparar o dano causado.
TERCEIRA: INVESTIGAÇÃO E SANÇÃO
O Estado peruano compromete-se a garantir o acesso aos recursos da jurisdição interna à vítima ou a seu representante e/ou advogados para fazer efetivo seu direito à verdade, à justiça e à reparação, e atuar diligentemente perante às autoridades competentes para que estas, de forma autônoma e independente, procedam à investigação e sanção de todos os responsáveis pelos fatos imputados previstos neste Acordo.
QUARTA: INDENIZAÇÃO
01. Beneficiário do presente Acordo
O Estado peruano reconhece como único beneficiário de qualquer indenização o senhor Augusto Alejandro Zúñiga Paz.
02. Indenização pecuniária
O Estado peruano outorga uma indenização a favor do senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz, em sua qualidade de único beneficiário ascendente, a quantia de US$ 60,000. (SESSENTA MIL DÓLARES AMERICANOS) em compensação pelos danos e prejuízos causados pelos fatos descritos na cláusula primeira, valor que compreende reparação de todos os danos diretos e indiretos, bem como os prejuízos, o lucro cessante, os danos materiais e morais.
03. Compensações Não Pecuniárias
O Estado peruano compromete-se, também, a proporcionar ao senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz, de acordo com a disponibilidade, as seguintes prestações:
. Disco eletrônico contendo a Legislação Peruana editado pelo Ministério de Justiça. . Edições Oficiais disponíveis no Ministério de Justiça.
Tendo em vista que o Governo peruano presidido por Alberto Fujimori Fujimori, havia difundido uma notícia de que o senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz estava vinculado ao Sendero Luminoso através da Associação de Advogados Democráticos; o Estado peruano compromete-se a dar publicidade ao presente acordo como ato reparador e de desagravo.
QUINTA: Indenização a cargo dos responsáveis penalmente pelos fatos
O Acordo de Solução Amistosa não extingue as responsabilidades civil e penais dos autores diretos da violação do direito do senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz à sua integridade física, de conformidade com o Artigo 92º do Código Penal Peruano, segundo seja determinado pela autoridade judicial competente, e cujo direito reconhece o Estado peruano. Este Acordo deixa sem efeito qualquer outra reclamação do senhor doutor Augusto Alejandro Zúñiga Paz contra o Estado peruano como responsável solidário e/ou terceiro civilmente responsável ou sob qualquer outra denominação.
SEXTA: Direito de regresso
O Estado peruano reserva-se o direito de regresso, de conformidade com a legislação nacional vigente, contra aquelas pessoas que venham a ser determinadas como os responsáveis no presente caso, mediante sentença definitiva prolatada pela autoridade nacional competente.
SÉTIMA: Isenção de tributos e cumprimento
O valor de indenização concedido pelo Estado peruano não estará sujeito ao pagamento de nenhum imposto, contribuição ou taxa existente ou que venha a ser criada e deverá ser paga no mais tardar seis meses depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos notifique a ratificação do presente Acordo.
OITAVA: Prestação de Saúde
O Estado peruano compromete-se a conceder ao beneficiário atenção médica gratuita através do sistema de saúde público de Saúde, incluindo medicamentos, reabilitação e manutenção da prótese do braço esquerdo.
NONA: Base Jurídica
O presente Acordo é firmado de conformidade com o disposto nos artigos 2º incisos 1 e 24, cáput h), 44º, 55º, 205º e Quarta Disposição Final da Constituição Política do Peru, artigos 1205º, 1306º, 1969º e 1981º do Código Civil do Peru e nos artigos 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
DÉCIMA: Interpretação
O sentido e alcance do presente Acordo são interpretados de conformidade com os artigos 29 e 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no que seja pertinente e o princípio de boa-fé. Em caso de dúvida ou controvérsia entre as partes sobre o conteúdo do presente Acordo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decidirá sobre sua interpretação. Também lhe corresponde verificar seu cumprimento, estando as partes obrigadas a informar cada três meses sobre seu estado e cumprimento.
DÉCIMA-PRIMEIRA: Homologação
As partes intervenientes obrigam-se a informar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o presente Acordo de Solução Amistosa a fim de que este órgão o homologue e o ratifique em todos seus termos.
DÉCIMA-SEGUNDA: Aceitação
As partes intervenientes na assinatura do presente Acordo manifestam sua livre e voluntária conformidade e aceitação com o conteúdo de todas suas cláusulas, deixando expressa constância de que põem fim à controvérsia e a qualquer reclamação sobre a responsabilidade internacional do Estado Peruano pela violação dos direitos humanos que afetou o senhor Augusto Alejandro Zúñiga Paz.
V. DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO
16. A Comissão Interamericana reitera que, de acordo com os artigos 48(1)(f) e 49 da Convenção, este procedimento tem como finalidade “chegar a uma solução amistosa do assunto fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção”. A aceitação de levar a cabo este trâmite expressa a boa-fé do Estado para cumprir com os propósitos e objetivos da Convenção em virtude do princípio pacta sunt servanda, pelo qual os Estados devem cumprir de boa-fé as obrigações assumidas nos tratados. Também deseja reiterar que o procedimento de solução amistosa contemplado na Convenção permite a conclusão dos casos individuais de forma não contenciosa, e vem demonstrando, em casos relativos a diversos países, oferecer um veículo importante de solução, que pode ser utilizado por ambas partes.
17. A Comissão Interamericana acompanhou de perto o progresso da solução amistosa alcançada no presente caso. A Comissão valoriza em muito os esforços efetuados por ambas partes para buscar esta solução, que é compatível com o objeto e finalidade da Convenção.
VI. CONCLUSÕES
18. Com base nas considerações anteriores e em virtude do procedimento previsto nos artigos 48(1)(f) e 49 da Convenção Americana, a Comissão deseja reiterar seu profundo apreço pelos esforços realizados pelas partes e sua satisfação pelo acordo de solução amistosa no presente caso baseado no objeto e finalidade da Convenção Americana.
19. Em virtude da análise e conclusões expostas neste relatório,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1. Aprovar os termos do acordo de solução amistosa firmado pelas partes.
2. Continuar com o acompanhamento e a supervisão dos pontos do acordo amistoso, cujo cumprimento ainda está pendente, e neste contexto, recordar às partes seu compromisso de informar à Comissão Interamericana, cada três meses, sobre o cumprimento do presente acordo amistoso.
3. Publicar o presente relatório e incluí-lo no seu relatório anual à Assembléia Geral da OEA
Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2003. Assinado por José Zalaquett, Presidente; Clare K. Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Comissionados: Robert K. Goldman e Julio Prado Vallejo.
[1] Conforme o disposto pelo artigo 17(2)(a) do Regulamento da Comissão, a Comissionada Susana Villarán, de nacionalidade peruana, não participou do debate, nem da decisão do presente caso.
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