RELATÓRIO No  63/03[1]

PETIÇÃO 11.515

SOLUÇÃO AMISTOSA

BOLÍVAR FRANCO CAMACHO ARBOLEDA

EQUADOR

10 de outubro de 2003

 

 

          I.        RESUMO

 

        1.       A Comissão Ecumênica de Direitos Humanos ("CEDHU”) (doravante denominada “o peticionário”) apresentou uma petição perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou a “CIDH”) contra a República do Equador (doravante denominada “o Estado”) na qual denunciava a violação dos seguintes direitos protegidos pela  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”): direito à liberdade pessoal (artigo 7), garantias judiciais  (artigo 8) e direito à proteção judicial (artigo 25), em contravenção às obrigações estipuladas no artigo 1(1) em detrimento do senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda.

 

          2.       As partes alcançaram um Acordo de Solução Amistosa no  presente caso em 17 de julho de 2002.  O presente relatório contém uma breve exposição dos fatos e o texto da  solução alcançada, de conformidade com o artigo 49 da  Convenção.

 

          II.       FATOS

 

3.         Segundo a denúncia datada de 8 de novembro de 1994, no dia 7 de outubro  de 1989, o senhor Bolívar Camacho Arboleda, de 25 anos e nacionalidade equatoriana, foi detido aproximadamente às 16:00 horas por agentes da  INTERPOL[2] de Santo Domingo dos Colorados.  O senhor Bolívar Camacho foi acusado de posse ilícita de cocaína (um total de 6 gramas), e foi posto à disposição do Sexto Juizado Penal de Pichincha, localizado em Santo Domingo dos Colorados.

 

4.       O Sexto Juizado ordenou ao Segundo Juizado Penal de Quito para que realizasse a destruição da  droga e tomasse o depoimento do detido, mas o referido Juizado  não cumpriu esta ordem por dois anos. Após o transcurso de quatro anos, o Juiz emitiu um auto de arquivamento e, devido à dupla jurisdição, o caso subiu para a  Segunda Sala da  Corte Superior de Quito, onde permaneceu 180 dias sem que fosse emitida nenhuma resolução.

 

5.       A Corte Superior revogou o arquivamento e declarou os autos conclusos, e o Quinto Tribunal Penal expediu sentença absolutória em 24 de janeiro de 1995.  Da  sentença se depreende que o Segundo Juiz Penal de Pichincha, César Morais  Naranjo, foi determinado a efetuar as diligências de análise química e destruição das substâncias entorpecentes mas, por ter demorado no cumprimento dessas diligências, lhe foi imposta uma multa de trinta por cento de seu salário básico.  O senhor Bolívar Camacho foi posto em liberdade em fevereiro de 1995.

 

6.       O senhor Bolívar Camacho solicita que seja indenizado pelo dano causado ao terem privado-o arbitrariamente de sua liberdade durante mais de cinco anos (63 meses).  O peticionário afirma que não existe na  legislação interna nenhuma norma que lhe permita postular sua reclamação de indenização.

 

          III.      TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

7.       Em 19 de julho de 1995, a Comissão enviou as respectivas notas ao Estado e ao peticionário.  Em 10 de outubro de 1995, o Governo do Equador respondeu à denúncia.  Em 26 de outubro de 1995 enviou à CEDHU cópia da  informação proporcionada pelo  Governo do Equador.  Em 23 de novembro de 1995, CEDHU enviou à Comissão suas observações à resposta do Estado, na  qual afirmava que o senhor Bolívar obteve sentença absolutória, mas indica que o que não era correcto é que o senhor Camacho tivesse  podido interpor recurso de revisão  para conseguir uma indenização.  De acordo com o artigo 385 do Código de Processo Penal, vigente nessa época, somente se podia interpor recurso de revisão das sentenças condenatórias.  As observações do peticionário foram transmitidas ao Estado em 28 de fevereiro de 1996.

 

8.       Durante o seu 95º período de sessões, a Comissão aprovou o relatório sobre admissibilidade Nº 13/97 neste caso.  O relatório foi publicado no  Relatório Anual da  Comissão correspondente ao ano 1996.

 

          9.       Em 18 de março de 1997, a Comissão colocou-se à disposição das partes com o fim de alcançar uma solução amistosa.  Em 8 de outubro de 1997, durante o seu 99º período de sessões, a Comissão levou a cabo uma reunião para tratar de assuntos relacionados com uma solução amistosa no  caso.  As partes aceitaram a possibilidade de chegar a um acordo de solução amistosa, o qual foi firmado em 17 de julho de 2002.  As partes pediram à Comissão para ratificar o presente acordo de solução amistosa em todas suas partes e supervisionar seu cumprimento.

 

          IV.      SOLUÇÃO AMISTOSA

 

          10.     O Acordo de Solução Amistosa firmado pelas partes estabelece:

 

I.        ANTECEDENTES

 

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado, no seu afã de  promover e proteger os direitos humanos e, em vista da grande importância que revista na atualidade para a imagem internacional de nosso país, o respeito irrestrito aos direitos humanos, como base de uma sociedade justa, digna, democrática e representativa, resolveu começar um novo processo dentro da evolução dos direitos humanos no Equador.

 

A Procuradoria Geral do Estado iniciou, com todas as pessoas que foram  vítimas de violações de direitos humanos, negociações tendentes a chegar a soluções amistosas que busquem a reparação dos danos causados.

 

O Estado Equatoriano, em estrito cumprimento de suas obrigações adquiridas com a assinatura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos de direito internacional de direitos humanos, e consciente de que toda violação à uma obrigação internacional, que tenha produzido um dano, comporta no dever de repará-lo adequadamente, constituindo a indenização pecuniária  e a sanção penal dos responsáveis às formas mais justas e eqüitativas de fazê-lo, de modo que a Procuradoria Geral do Estado, conjuntamente com  o senhor Cliter Celso Arboleda, em representação do senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda, resolveram chegar à uma solução amistosa de conformidade com o disposto nos artigos 48.1 lit (f), 49, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 45 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

II.          PARTICIPANTES

 

Comparecem à celebração do presente acordo amistoso:

 

a)          Por uma parte, o Dr. Ramón Jiménez Carbo, Procurador-Geral do Estado, segundo a sua nomeação e ata de posse, que se anexa à presente como documentos de habilitação;

 

b)         Por outra parte comparece o senhor Cliter Celso Arboleda, de nacionalidade equatoriana, com cédula de identidade número 110207616-1, em representação do senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda, mediante poder especial outorgado pelo Cartório Público Quinto de  Cantón Loja, que são anexados à presente como documentos de habilitação.

 

III.         RESPONSABILIDADE DO ESTADO

 

O Estado Equatoriano reconhece sua responsabilidade internacional por ter violado os direitos humanos do Sr. Bolívar Franco Camacho Arboleda reconhecidos nos  Artigos 8 (Garantias Judiciais ), Artigo 7 (Direito à Liberdade Pessoal) e Artigo 25 (Proteção Judicial) em conjunção com a obrigação geral contida no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais, sendo mencionadas violações cometidas por agentes do Estado, fato que não pôde ser controvertido pelo  Estado e gerou a responsabilidade deste frente à sociedade.

 

Tendo em vista estes antecedentes, o Estado Equatoriano reconhece os fatos constitutivos do Caso Nº 11.515, que se encontra em trâmite perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e se obriga a assumir  medidas reparadoras necessárias a fim de ressarcir os prejuízos ocasionados as vítimas de tais violações ou a seus familiares.

 

IV.        INDENIZAÇÃO

O Estado Equatoriano, por intermédio do Procurador-Geral do Estado, como único representante judicial do Estado Equatoriano de acordo com o Art. 215 da Constituição Política da República do Equador, promulgada no Registro Oficial Nº 1, vigente desde 11 de Agosto de 1998, entrega ao senhor Cliter Celso Arboleda, com cédula de identidade número 110207616-1, em representação do senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda, mediante poder especial outorgado pelo Cartório  Público Quinto de Cantón Loja, uma indenização compensatória em uma parcela, de trinta mil dólares dos Estados Unidos da América (US$ 30,000.00), com cargo ao Orçamento Geral do Estado.

 

Esta indenização envolve o dano emergente, o lucro cessante e o dano moral sofridos pelo senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda bem como qualquer outra reclamação que pudessem ter o senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda ou seus familiares, pelo conceito mencionado neste acordo, observando a legislação interna e internacional, com cargo ao Orçamento Geral do Estado, e para cujo efeito a Procuradoria Geral do Estado notificará ao Ministério da Economia e Finanças, a fim de dar cumprimento à esta obrigação.

           

V.         SANÇÃO DOS RESPONSÁVEIS

 

O Estado Equatoriano compromete-se a proceder ao julgamento civil e penal, além de buscar as sanções administrativas, das pessoas que, em cumprimento de funções estatais ou imbuídos do poder público, presume-se,  tiveram participação na violação alegada.

 

A Procuradoria Geral do Estado compromete-se a instar a Ministra Procuradora Geral do Estado, órgãos competentes da Função Judicial, bem como os órgãos públicos ou privados competentes para que aportem informação legalmente respaldada que permita estabelecer a responsabilidade das referidas pessoas.  Havendo o julgamento, este será realizado em obediência ao ordenamento constitucional e legal do Estado Equatoriano.

 

VI.        DIREITO DE REGRESSO

 

O Estado Equatoriano se reserva o Direito de Regresso conforme o Art. 22 da Constituição Política da República do Equador, contra aquelas pessoas que forem declaradas responsáveis pela violação aos direitos humanos mediante sentença definitiva, proferida pelos tribunais do país, ou após a determinação das responsabilidades administrativas, de conformidade com o artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

VII.       PAGAMENTO ISENTO DE IMPOSTO 

 

O pagamento que o Estado Equatoriano realizará para a pessoa objeto deste acordo amistoso não está sujeito a impostos atualmente existentes ou que possam ser decretados no futuro.

 

VIII.       INFORMAÇÃO

 

O Estado Equatoriano, através da Procuradoria Geral do Estado compromete-se a informar, a  cada três meses, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude deste acordo amistoso. 

 

De conformidade com sua prática e as obrigações impostas pela  Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos supervisionará o cumprimento deste acordo.

 

IX.        BASE JURÍDICA

 

A indenização compensatória que concede o Estado Equatoriano ao senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda encontra-se prevista nos artigos 22 e 24 da Constituição Política da República do Equador, por violação à normas constitucionais, e demais normas do ordenamento jurídico nacional, bem como as normas da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos.

 

Este acordo amistoso está baseado no respeito aos direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos e na política do Governo Nacional da República do Equador, de respeito e proteção aos direitos humanos.

 

X.         NOTIFICAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO

 

O senhor Cliter Celso Arboleda, em representação do senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda, autoriza expressamente ao Procurador-Geral do Estado, para que este informe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre o presente acordo amistoso, a fim de que esse órgão o homologue e o ratifique em todas suas partes.

 

XI.           ACEITAÇÃO

 

As partes, que intervierem na subscrição deste acordo, expressam livre e voluntariamente sua conformidade e aceitação com o conteúdo das cláusulas precedentes, deixando constância que, desta maneira, terminam com a controvérsia sobre a responsabilidade internacional do Estado quanto aos direitos que afetaram o senhor Bolívar Franco Camacho Arboleda, que tramita perante à  Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

          V.      DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIDADE E CUMPRIMENTO

 

          8.       A Comissão determina que os  acordos de solução transcritos são compatíveis com o que estabelece o artigo 48(1)(f) da Convenção Americana.

 

          VI.      CONCLUSÕES

 

          12.     A Comissão valoriza a celebração de um acordo de solução amistosa nos termos da Convenção Americana em que concorreram o Estado e os peticionários.

 

          13.     A CIDH seguirá acompanhando o cumprimento dos compromissos assumidos pelo  Equador relativo ao julgamento das pessoas implicadas nos fatos alegados.

 

          14.     A CIDH ratifica que a modalidade de solução amistosa contemplada na  Convenção Americana permite o encerramento de casos individuais de forma não contenciosa, e demonstra ser um procedimento importante de solução de supostas violações de direitos humanos em casos relativos a diversos países, e que pode ser utilizado por ambas partes (Peticionário e Estado).

 

 

a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,

 

Decide:

 

          1.       Certificar o cumprimento pelo Estado do pagamento de US$ 30,000 ao peticionário neste caso por conceito de indenização.

 

          2.       Recordar ao Estado que deve dar pleno cumprimento ao acordo de solução amistosa iniciando os processos judiciais contra as pessoas implicadas nas violações alegadas.

 

          3.       Continuar com o  seguimento e a supervisão do cumprimento de cada um dos pontos dos acordos amistosos, e neste contexto, recordar ao Estado, através da Procuradoria- Geral do Estado, de seu compromisso de informar à  CIDH, a cada três meses, do cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado em virtude destes acordos amistosos.

 

4.       Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

          Dado e firmado na  sede da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na  cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2003.  Assinado:  José Zalaquett, Presidente; Clare K. Robert, Vice-Presidente; Susana Villarán, Segunda Vice-Presidenta, Robert K. Goldman, Comissionado.

 


 


[1]  O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou da  discussão deste caso,  conforme o artigo 17 do Regulamento da  Comissão.

[2]  INTERPOL é a Organização Internacional da  Polícia Criminal.