RELATÓRIO nº 76/03 

ADMISSIBILIDADE [1]

PETIÇÃO 12.054

MARIA SALVADOR CHIRIBOGA E GUILLERMO SALVADOR CHIRIBOGA

EQUADOR

22 de outubro de 2003

 

 

I.        RESUMO

 

1.       Em 3 de junho de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “a CIDH”) recebeu uma petição na  qual se alegava a violação dos  direitos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”) por parte da  República do Equador (doravante denominada “o Estado” ou “Equador”) em detrimento da senhora María Salvador Chiriboga e o senhor Guillermo Salvador Chiriboga (doravante denominados “as alegadas vítimas”), ambos de nacionalidade equatoriana e irmãos, representados pelos  senhores Alejandro Ponce Villacís e Juan Manuel Marchán, seus advogados, (doravante denominados “os peticionários”).  A petição alega que o Estado equatoriano violou os artigos 21, 8(1), 25 e 2 da  Convenção Americana em detrimento das alegadas vítimas, faltando às obrigações impostas ao Estado pelo  artigo 1(1) da  citada Convenção.

 

2.       As alegadas vítimas afirmam que sua propriedade foi desapropriada e foram desprovidos da posse  e usufruto de suas terras sem ter recebido justa compensação por parte do Estado, tal como a legislação equatoriana estabelece.  Apesar de ter buscado uma solução judicial desde o ano 1994, os tribunais de Equador não emitiram uma sentença definitiva sobre sua reclamação nem determinaram o pagamento de uma compensação adequada por sua propriedade.

 

3.       Em 13 de maio de 1991, o então Conselho Municipal de Quito resolveu declarar que certas propriedades eram de utilidade pública, a fim de desapropriá-las e converter cerca de 571 hectares em um parque público que seria denominado “Metropolitano”.  De acordo com a lei, os proprietários da  terra que resultassem afetados poderiam apelar da decisão perante o Ministério do Governo.  Depois de seis anos, em 16 de setembro de 1997, o mencionado Ministério emitiu o  “Acordo Ministerial 408” anulando a decisão de declarar de utilidade pública a propriedade em questão.  Dois dias depois, o mesmo Ministério emitiu o “Acordo Ministerial 417” anulando os efeitos do acordo anterior.

 

4.       Os peticionários apresentaram vários recursos judiciais nesta matéria, desde 1994.  Nenhum deles chegou a ser concluido com uma sentença definitiva.  As tentativas para alcançar uma solução amistosa tampouco foram frutíferas. Os peticionários alegam que sua propriedade foi desapropriada sem pagamento de justa compensação, violando o artigo 21(2) da  Convenção Americana.  Ademais, os peticionários alegam que os procedimentos judiciais não culminaram e não resolveram a reclamação, violando o artigo 8(1), visto que o recurso de amparo que interpuseram e que foi resolvido pelo Tribunal Constitucional, não considerou a alegada violação da  Convenção Americana que foi formulada pelos peticionários, violando o artigo 25 e afirmando que o artigo 794 do Código de Procedimentos Civis do Equador viola os artigos 25 e 2, o qual representa uma falta de cumprimento das obrigações internacionais contraídas pelo  Estado, de conformidade com o  artigo 1(1) da  Convenção Americana.  O Estado, por sua vez, alegou que a denúncia é inadmissível posto que não forma esgotados os recursos da  jurisdição interna e porque a petição não se refere a fatos que constituam uma violação da  Convenção Americana.

 

5.       A Comissão decide  neste relatório que a petição reune os requisitos de admissibilidade  estabelecidos no  artigo 46 da  Convenção Americana.  Portanto, a Comissão decide declarar admissível esta petição, abrir o caso e notificar as partes esta decisão e continuar com a análise de mérito do caso referido as alegadas violações dos  artigos 2, 8(1), 21(2), 25(1) e 1(1) da  Convenção Americana.  A Comissão também decide publicar este relatório.

 

          II.       TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

6.       A Comissão recebeu esta petição em 3 de junho de 1998.  Em 2 de outubro do mesmo ano, a Comissão comunicou a petição ao Estado e solicitou uma resposta dentro dos  90 dias.  Em 8 de dezembro de 1998, a Comissão recebeu a resposta do Estado, a qual incluiu informação por parte do economista Roque Sevilla Larrea, Prefeito de Quito.  Esta informação foi transmitida aos peticionários em 31 de dezembro desse ano, concedendo um prazo de 30 dias para que apresentassem suas observações.  Em 3 de maio de 1999, a Comissão recebeu as observações dos  reclamantes em um documento datado de  8 de março do mesmo ano, o qual foi encaminhado ao Estado em 13 de julho de 1999, solicitando que a resposta fosse apresentada dentro dos  30 dias.  Em 22 de setembro de 1999, a Comissão recebeu a segunda resposta do Estado que novamente incluiu informação proveniente de Roque Sevilla Larrea, Prefeito de Quito.

 

          Solução amistosa

 

7.       Em 5 de outubro de 1999, a Comissão celebrou uma audiência neste caso, durante a qual o Centro de Mediação da  Procuradoria Geral do Estado ofereceu mediar na  disputa e iniciar um diálogo entre as partes a fim de chegar a uma solução amistosa nesta matéria.  As partes acordaram em informar à Comissão sobre suas propostas e do tempo que estimavam empregar no processo de mediação.  Em 13 de outubro de 1999, a Comissão solicitou às partes informar, dentro do prazo de 30 dias, sobre suas propostas e o tempo estimado do procedimiento.  Em 29 de novembro de 1999, a Comissão recebeu uma  comunicação do Procurador Geral, Dr. Ramón Jiménez Carbo, datada de 18 de novembro de 1999, que incluia cópias das notificações às partes para o início do processo de mediação.

 

8.       Em 2 de março de 2000, a Comissão celebrou uma segunda audiência neste caso. Em 16 de junho de 2000, os peticionários apresentaram suas observações à resposta do Estado e também as posições assumidas por este durante a audiência realizada em 2 de março.  Estas observações foram enviadas ao Estado em 14 de agosto seguinte, concedendo-lhe um prazo de 30 dias para que apresentasse a resposta correspondente.  Em 17 de janeiro de 2001, os peticionários solicitaram uma nova audiência para a Comissão, a qual foi indeferida devido ao grande número de solicitações de audiência apresentadas para essa sessão. Em 26 de janeiro de 2001, a Comissão recebeu uma terceira resposta do Estado, datada de 24 de janeiro desse ano, na qual reiterava seu interesse em buscar uma solução amistosa do assunto, que foi enviada aos peticionários em 25 de setembro de 2001.  A resposta do Estado incluiu uma carta do Procurador Geral ao Secretário Executivo da  Comissão listando as ações judiciais que haviam sido realizadas pelos  peticionários nos  tribunais nacionais e assinalando que ainda  não haviam sido esgotados os recursos da  jurisdição interna.

 

9.       A Comissão recebeu informação adicional dos  peticionários em 22 de fevereiro de 2001 e  em 26 de abril do mesmo ano. A Comissão recebeu uma quarta resposta do Estado datada de 6 de setembro de 2001 na qual ratificava os conceitos expressados em respostas anteriores, reiterando que o Estado havia atuado de conformidade com as leis e normas constitucionais que regulamentam a ação do Estado. As partes pertinentes desta resposta foram encaminadas aos peticionários em 25 de setembro de 2001. Em 27 de outubro de 2001, a Comissão recebeu as observações dos  peticionários à quarta resposta do Estado, as quais foram transmitidas ao Estado em 31 de outubro de 2001, e lhes foi solicitado que  apresentassem observações dentro do prazo de 30 dias. A Comissão recebeu informação adicional dos  peticionários, no  curso do ano de 2002, em 5 de fevereiro, 2 de julho, 31 de julho e 5 de novembro.

 

          III       POSIÇÕES DAS PARTES

 

A.       Posição do peticionário

 

10.     Em 13 de maio de 1991, o Conselho Municipal de Quito de então resolveu  declarar que certas propriedades eram de utilidade pública a fim de desapropriá-las e convertê-las em um parque público com uma superfície aproximada de 571 hectares.  Entre elas estava uma parcela de 60 hectares, designada com o número 108, de propriedade do Sr.  Guillermo Salvador Tobar, pai dos  peticionários.  Esta extensa propriedade é também conhecida como “Batán de Merizalde” e hoje forma parte do Parque Metropolitano.  Depois do falecimento do  senhor Guillermo Salvador Tobar, a senhora María Salvador Chiriboga e o senhor Guillermo Salvador Chiriboga tornaram-se seus herdeiros.  Como resposta à ação administrativa adotada, alguns dos  proprietários das terras afetadas apelaram da decisão perante o Ministério de Governo, de conformidade com o estabelecido no artigo 253 da  Lei de Regimes Municipais.  Seis anos mais tarde, em 16 de setembro de 1997, o Ministério emitiu o “Acordo Ministerial 408” anulando a decisão de declarar de utilidade pública a propriedade.  Dois dias depois, o mesmo Ministério emitiu o “Acordo Ministerial 417” deixando sem efeito o acordo antes mencionado.  Os peticionários interpuseram  diversas ações judiciais, algumas das quais estão ainda pendentes , mas todas elas têm o  mesmo propósito: declarar contrário ao direito o Acordo Ministerial 417 e válido o Acordo Ministerial 408, anulando a declaração de utilidade pública sobre sua propriedade.

 

          11.     Em 11 de maio de 1994, os peticionários interpuseram um recurso subjetivo ou de plena jurisdição perante o Tribunal Distrital Contencioso-Administrativo No. 1 contra o ex-Município de Quito (hoje Município do Distrito Metropolitano de Quito) por ter declarado de  utilidade pública, entre outros imóveis, aquele pertencente ao senhor Guillermo Salvador Tobar, que havia falecido naquela época, portanto, não era proprietário do imóvel sobre o qual recaiu a declaração de utilidade pública.  Além disso, tal recurso baseou-se na  falta de cumprimento de requisitos legais para esta declaração de utilidade pública, entre outros, a falta de aplicação de várias normas da  Lei de Contratação Pública, de seu Regulamento, da  Lei de Administração Financeira e Controle, bem como a falta de notificação do ato administrativo aos peticionários.

 

12.     Em 7 de junho de 1997, a Municipalidade tomou controle da  propriedade e começou a cortar as árvores.  Os empregados do parque informaram aos peticionários que não podiam ter acesso à propriedade porque o Município estava introduzindo as modificações que estimava necessárias. A Municipalidade processou os peticionários perante o Juiz Nono Civil de Quito, no  julgamento  1300-96, por desapropriação de imóvel.  Em 4 de novembro de 1997, o juiz revogou o auto de qualificação da  demanda do mencionado processo por ter descumprido o previsto na  Constituição e não o artigo 42 da  Lei de Contratação Pública.  Como consequência, foram  declaradas ilegais em sede judicial a autorização para a imediata ocupação da  propriedade e a  declaração de utilidade pública.  Os peticionários afirmam que, apesar desta decisão, a Municipalidade continua ocupando o imóvel.

 

13.     Segundo os peticionários, apesar de a Municipalidade arbitrariamente ter privado os peticionários da posse e usufruto de sua propriedade, continua exigindo os peticionários que paguem impostos sobre ela.

 

14.     Os peticionários assinalam que, entre as outras propriedades declaradas de utilidade pública em 13 de maio de 1991, em uma parcela denominada “Mercantil Urbana” e hoje conhecida como “Jardines del Batán”, foi autorizada a construção dos edificios que hoje existem naquela área.  Os peticionários observam que esse empreendimento foi construido na  terra que pertence à família Mahuad e que, desde 10 de agosto de 1992, o Dr. Jamil Mahuad é o Prefeito da  Municipalidade de Quito.  Os peticionários solicitaram autorização para fazer empreendimentos em sua parcela e a permissão foi denegada.  Em 12 de janeiro de 1995, os peticionários interpuseram um recurso subjetivo ou de plena jurisdição perante o Tribunal Distrital Contencioso-Administrativo No 1 contra o Conselho do Distrito Metropolitano de Quito e seu Prefeito, com o fim de que se declarasse nulo e ilegal o ato administrativo da  Comissão de Planificação e Nomenclatura de 7 de setembro de 1994, que contém um relatório desfavorável e  a solicitação de urbanizar aproximadamente três hectares do imóvel dos  peticionários.  No  momento da apresentação desta petição, esta ação estava pendente.

 

          15.     Em 9 de julho de 1997, o peticionário interpôs um recurso de amparo constitucional perante o Tribunal Distrital Contencioso-Administrativo No 1 por violação a seus direitos garantidos na  Constituição Política, na  Convenção Americana (artigo 21) e na  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem.  O Tribunal Distrital Contencioso-Administrativo No. 1 não conheceu o recurso de amparo .  Esta decisão foi apelada perante o Tribunal Constitucional, que determinou que o tribunal inferior não podia deixar de conhecer a causa e deveria continuar com a tramitação do recurso, mediante resolução de 15 de setembro de 1997.

 

          16.     O Tribunal Distrital Contencioso-Administrativo No 1, mediante resolução de 2 de outubro de 1997, rejeitou o recurso de amparo proposto por considerar que não existe ato ilegítimo de autoridade, qualificando, portanto, de legítimos todos os atos executados pelas distintas autoridades.  Da  resolução do Tribunal Contencioso-Administrativo foi interposto recurso de apelação perante o Tribunal Constitucional, que denegou o  amparo proposto e afirmou a legitimidade do atuado mediante resolução de 2 de fevereiro de 1998.

 

          17.     Deve-se notar que existem dois procedimentos que estão em jogo neste caso.  O primeiro procedimento envolve a reação ao ato administrativo adotado e a apelação interposta perante o Ministério de Governo.  O segundo procedimento refere-se aos recursos subjetivos ou de plena jurisdição interpostos perante o Tribunal Distrital Contencioso-Administrativo.  O primeiro procedimento é de natureza administrativa, enquanto que o segundo é judicial.

 

          18.     O mérito desta petição é que as alegadas vítimas foram privadas da posse e usufruto de sua propriedade sem ter recebido uma “indenização justa” pela  desapropriação de seu bem, em alegada violação ao artigo 21 da  Convenção Americana. Os peticionários não se opõem à faculdade do Estado de privá-los de sua propriedade baseando-se na  declaração de utilidade pública de sua propriedade em função do bem comum. A disputa, argumentam, é sobre o tema da  justa compensação, ou mais precisamente, sobre o montante de tal compensação.  Os peticionários alegam, ademais, que a justa compensação por sua propriedade deve ser paga antes de iniciar os procedimentos de desapropriação.  Os peticionários alegam que foram privados de sua propriedade sem que o Estado tenha  respeitado “as formas estabelecidas pela  lei” como requer a Convenção Americana.  Ademais, desde 1994 os peticionários iniciaram diversos processos que, como resultado de diversas demoras, não culminaram nas correspondentes sentenças, alegando que, desta maneira se viola o artigo 8(1) da  Convenção Americana.  Os peticionários alegam também que o Tribunal Constitucional, ao indeferir o recurso de amparo interposto pelos peticionários, não consideraram as alegadas violações da  Convenção Americana, violando desta forma o artigo 25 deste instrumento internacional.  Os peticionários também alegam que, havendo  apresentado um recurso administrativo para anular a declaração de utilidade pública sobre o imóvel de sua propriedade sem que este tenha sido resolvido, viola o compromisso do Estado “a garantir que a autoridade competente prevista pelo  sistema legal do Estado decidirá sobre os direitos de toda pessoa que interponha tal recurso” tal como estipulado no artigo 25 da  Convenção Americana.  Os peticionários alegam, por fim, que a anulação do Acordo Ministerial 408 dois dias depois que fora adotado, não somente viola a legislação interna mas também o compromisso do Estado de “garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha estimado procedente tal recurso” tal como disposto no artigo 25 da  Convenção Americana e, ademais, o artigo 2 deste instrumento. Além disso, os peticionários alegam que o Artigo 794 do Código de Processo Civil equatoriano dispõe que a declaração de utilidade pública ou social formulada pelas entidades antes mencionadas, para efeitos da desapropriação, não pode ser matéria de revisão judicial, mas sim administrativa. Os peticionários alegam que esta norma viola o Artigo 25 que garante o direito à proteção judicial, e viola o Artigo 2 da  Convenção Americana, porque impede que os peticionários iniciem uma ação judicial contra a declaração de utilidade pública.   Os peticionários alegam que o Estado equatoriano violou os artigos 2, 8, 21 e 25 da  Convenção Americana, em detrimento dos  irmãos  Chiriboga, em conjunção com o artigo 1(1) desta Convenção. 

 

 

B.     Posição do Estado

 

          19.     O Estado argumenta que os procedimentos de desapropriação foram levados a cabo de acordo com a lei e regulamentações vigentes na  época, mas que as alegadas vítimas não estiveram dispostas a aceitar o montante da compensação determinada pela  Municipalidade, de conformidade com o artigo 254 da  Lei de Regimes Municipais e os artigos 801 e 802(2) do Código de Processo Civil.  O artigo 794(2) do Código de Processo Civil dispõe expressamente que a declaração de utilidade pública não deverá ser um assunto que possa  ser submetido à consideração judicial mas somente à revisão administrativa.  Os peticionários solicitaram a revisão administrativa mas os procedimentos não foram ainda completados, segundo o Estado, devido aos “sérios problemas que afligem a administração de justiça do Equador”.  O único procedimento que encerrou com uma sentença final o recurso de amparo perante o Tribunal Constitucional, que foi indeferido em 22 de fevereiro de 1998.

 

          20.     Na  terceira resposta do Estado, recebida em 29 de novembro de 1999, o Procurador Geral informou à Comissão que o Centro de Mediação do escritório do Procurador Geral estava disponível para tentar uma solução amistosa deste caso.  O mediador designado pelo  Estado foi o Dr. Álvaro Galindo Cardona.  Em sua quarta resposta, datada de 24 de janeiro de 2001, o Estado formulou que não haviam sido esgotados os recursos da  jurisdição interna, o que é uma condição sine qua non para que a Comissão declare admissível o caso.  O Estado também expressou sua disposição em continuar o diálogo a fim de alcançar uma solução amistosa do assunto.  Em sua quinta e última resposta de 6 de setembro de 2001, o Estado reiterou que havia atuado respeitando as normas constitucionais e legais do país.  Assinalou que desde 1993 havia negociado distintos acordos com 50% dos  proprietários das terras que se encontravam dentro dos  limites do Parque Metropolitano.  Segundo a nota, a Municipalidade continua negociando com os proprietários e nos  próximos meses se espera consolidar a propriedade de 70% do parque.  No que se refere a este caso, o Estado concluiu que a Municipalidade ainda continua com as gestões e está interessada em concluir as negociações com os peticionários.

 

VI.    ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE

 

A.      A competência da  Comissão ratione pessoae, ratione loci, ratione
   
      temporis e ratione materiae

 

          21.     Os peticionários estão facultados pelo  artigo 44 da  Convenção  Americana para apresentar denúncias perante a Comissão.  A petição assinala como supostas vítimas a pessoas a respeito das quais o Equador assumiu o compromisso de respeitar e assegurar o respeito dos  direitos reconhecidos pela  Convenção Americana.  O Estado demandado, a República do Equador, ratificou a Convenção Americana em 28 de dezembro de 1977.  Portanto, a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.

 

          22.     A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, porque a petição alega violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte neste tratado .

 

          23.     A CIDH tem competência ratione temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na  Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que haviam  ocorrido os fatos alegados na  petição .

 

          24.     Por último, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição se denunciam violações a direitos humanos protegidos pela  Convenção Americana.

 

          B.       Outros requisitos de admissibilidade da  petição

 

a.      Esgotamento dos  recursos da  jurisdição interna

 

25.     O Estado argumentou que os peticionários não esgotaram os recursos da  jurisdição interna neste caso.  Segundo o Estado, os peticionários somente podiam aceder a um recurso administrativo para impugnar a declaração de utilidade pública, tendo em vista que  o  Artigo 794(2) do Código de Processo Civil exclui expressamente os recursos judiciais.  Os peticionários apresentaram um recurso de amparo que expôs os assuntos incluidos neste caso, em especial, que os peticionários tiveram denegada a proteção concedida pela  Constituição do Equador e pelos  tratados internacionais dos quais o Equador é Estado parte, no que se refere ao direito a não ser privado da  propriedade exceto quando se concede uma justa compensação.  O recurso de amparo foi indeferido  pelo  Tribunal Constitucional do Equador em 2 de fevereiro de 1998. Os peticionários também iniciaram ações administrativas, mas de acordo com o Estado, estas ainda não foram concluidas devido a “graves problemas que afetam a administração de justiça no Equador.” Consequentemente, a Comissão conclui que os peticionários não estão obrigados a esgotar os recursos internos devido à exceção prevista no  Artigo 46 (2)(c ) da  Convenção Americana, que dispõe que esta via não tem que ser necessariamente esgotada para fins de  admissibilidade quando “haja atraso injustificado na  decisão sobre os mencionados recursos”.

 

b.     Prazo para a apresentação da  petição

 

          26.     Conforme o artigo 46(1)(b) da  Convenção, toda petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses, à partir da data em que o suposto ofendido tenha sido notificado da  decisão definitiva final que esgotou os recursos da  jurisdição interna. Visto que a Comissão considera que os recursos internos foram esgotados ao ser indeferido o recurso de Amparo pelo  Tribunal Constitucional em 2 de fevereiro de 1998, os peticionários estão dentro do prazo previsto, pois apresentaram sua petição em 3 de junho de 1998.

 

c.      Duplicação de procedimentos e res judicata

 

          27.     A Comissão considera que a matéria da  petição não está pendente de outro procedimento de acordo internacional, nem reproduz uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional.  Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos  artigos 46(1)(c) da  Convenção. 

 

d.     Caracterização dos  fatos alegados

 

          28.     A Comissão considera que, se comprovados os fatos alegados, os mesmos poderiam tender a estabelecer violações dos  direitos reconhecidos pelos  artigos 21(2), 8(1), 25 e 2 da  Convenção Americana em conjunção com o artigo 1(1) desse instrumento.  Os peticionários argumentam que são vítimas de um claro confisco já que foram privados da posse e usufruto de sua propriedade sem terem recebido uma justa compensação por parte do Estado, como requer a lei do Equador e os tratados internacionais em que o Estado é parte.  Apesar de que os peticionários terem tentado que os tribunais resolvessem sua reclamação desde 1994, não conseguiram ter resolvidos o tema da  desapropriação,  nem receberam uma justa compensação pela  propriedade.  Portanto, a petição pode ser considerada admissível de conformidade com o artigo 47(b) ou (c) da  Convenção.

 

V.    CONCLUSÃO

 

29.     Em virtude dos  argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto, a Comissão conclui que é competente para examinar o caso dos autos e que a petição é admissível conforme o artigo 46 da  Convenção Americana.

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

a.       Declarar admissível a petição 12.054, em relação aos artigos 21(2), 8(1), 25, 2 e 1(1) da  Convenção Americana.

 

b.       Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.

 

c.         Iniciar o trâmite sobre o mérito do assunto.

 

d.         Publicar o presente relatório e inclui-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 22 de outubro de 2003. Assinado: José Zalaquett, Presidente; Clare Kamau Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Susana Villarán, Segunda Vice-Presidenta; Comissionado Robert K. Goldman

 


 


[1]  O doutor Julio Prado Vallejo, de nacionalidade equatoriana, não participou deste caso, conforme o artigo 17 do Regulamento da  Comissão.