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RELATÓRIO Nº 61/03 I. RESUMO1. Em 4 de novembro de 2002, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”) recebeu uma petição datada de 31 de outubro de 2002, do escritório jurídico do Texas Sergi & Associates (doravante denominados “os peticionários”), contra o Governo dos Estados Unidos da América (doravante denominado “o Estado” ou “Estados Unidos”). A petição foi apresentada em nome do Sr. Roberto Moreno Ramos (doravante denominado “Sr. Moreno Ramos” ou “Moreno Ramos”), cidadão mexicano que está no pavilhão da morte numa prisão no estado do Texas. A petição assinalou que o Sr. Moreno Ramos foi condenado em 18 de março de 1993, pelo homicídio capital de sua esposa e dois de seus filhos e sentenciado a morte em 23 de março de 1993. A petição também indica que o tribunal que teve a seu cargo o julgamento no Texas fixou uma audiência para o dia 12 de novembro de 2002, para estabelecer a data da execução do Sr. Moreno Ramos, e que o Fiscal do Distrito propôs que a execução fosse realizada em 12 de fevereiro de 2003. Até a data do presente relatório a Comissão não havia sido notificada sobre a data da execução do Sr. Moreno Ramos. 2. Os peticionários alegam que o Estado é responsável pelas violações dos direitos do Sr. Moreno Ramos previstos nos artigos I, II, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Declaração Americana” ou “a Declaração”), devido à transgressão de normas de justiça no processo penal contra ele, incluindo a suposta omissão do Estado de informar o Sr. Moreno Ramos sobre seus direitos de notificação consular e acesso ao Consulado de seu país na época de sua detenção, o que implica a violação do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Os peticionários alegam também que o Sr. Moreno Ramos esgotou os recursos internos, que lhe foi negado acesso aos recursos previstos na legislação interna ou que lhe foi impedido de esgotá-los em relação ao alegado perante a Comissão, motivo pelo qual sua petição é admissível. 3. O Estado, em resposta à petição, argumenta que o Sr. Moreno Ramos não esgotou os recursos internos que tinha a sua disposição conforme o disposto pelo Regulamento da Comissão, e que as questões formuladas pelos peticionários escapam à competência da Comissão, não podem ser examinadas em virtude de duplicação de procedimentos, ou carecem de fundamento. 4. Conforme determinado mais adiante pela Comissão no presente relatório, e tendo examinado a informação disponível e as alegações referentes à questão da admissibilidade, e sem prejulgar o mérito do assunto, a Comissão decidiu admitir as reclamações contidas na petição dos autos em relação aos artigos I, II, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana e prosseguir com a análise do mérito do assunto. II. TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO5. Após ter recebido a denúncia dos peticionários, que foi designada como Petição 4446/02, a Comissão enviou as partes pertinentes da mesma aos Estados Unidos através de uma nota datada de 8 de novembro de 2002, em que convidava esse país a formular observações dentro de um prazo de dois meses conforme o estabelecido pelo Regulamento da Comissão. Na mesma data a Comissão informou aos peticionários que haviam sido encaminhadas ao Estado as partes pertinentes de sua petição. 6. Ainda em 8 de novembro de 2002, a Comissão concedeu as medidas cautelares a favor do Sr. Moreno Ramos, cuja data de execução deveria ser determinada numa audiência perante o tribunal encarregado do julgamento em 12 de novembro de 2002. A Comissão solicitou aos Estados Unidos que adotassem as medidas necessárias para preservar a vida do Sr. Moreno Ramos enquanto estivesse pendente a investigação da Comissão sobre os fatos alegados na petição deste último. 7. Em 13 de novembro de 2002, a Missão Permanente dos Estados Unidos perante a Organização dos Estados Americanos informou a Comissão que estava coordenando com o estado do Texas e o Assessor Jurídico do Departamento de Estado dos Estados Unidos a preparação de uma resposta à solicitação de medidas cautelares formulada pela Comissão em relação ao Sr. Moreno Ramos. Em uma nota subsequente dirigida à Comissão e datada de 6 de janeiro de 2003, o Estado solicitou uma prorrogação por 30 dias do prazo de que dispunha para responder a solicitação da Comissão. Mediante uma comunicação dirigida ao Estado, de 21 de janeiro de 2003, a Comissão concedeu a prorrogação do prazo solicitada pelo Estado. 8. Mediante uma nota de 13 de fevereiro de 2003 e recebida pela Comissão em 14 de fevereiro de 2003, o Estado enviou sua resposta aos peticionários. Em 20 de fevereiro de 2003, a Comissão encaminhou aos peticionários as partes pertinentes da resposta do Estado. 9. Em 31 de março de 2003, a Comissão recebeu dos peticionários suas observações datadas de 28 de março de 2003, referentes à resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003. Em 8 de abril de 2003, a Comissão enviou ao Estado as partes pertinentes das observações formuladas pelos peticionários em 28 de março de 2003, e o intimou a responder dentro de um prazo de 30 dias. A Comissão não recebeu nenhuma observação posterior do Estado dentro do prazo estabelecido. III. POSIÇÕES DAS PARTESA. Posição dos Peticionários10. Segundo a petição, Roberto Moreno Ramos é cidadão mexicano e está preso no pavilhão da morte no estado do Texas. A petição indica que o Sr. Moreno Ramos foi condenado em 18 de março de 2003, pelos homicídios capitais de sua esposa e dos de seus filhos, e sentenciado a morte em 23 de março de 2003. 11. Os peticionários alegam que a Comissão tem jurisdição para examinar sua petição porque a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem é de observância obrigatória por parte dos Estados Unidos, como Estado membro da Organização dos Estados Americanos, e que a Comissão é competente para promover a observância e o respeito dos direitos previstos na Declaração em relação com todos os Estados membros da OEA. [1] 12. Com relação à admissibilidade da petição, os peticionários alegam que o Sr. Moreno Ramos esgotou os recursos internos disponíveis nos Estados Unidos, que lhe foi negado o acesso aos recursos previstos na legislação interna, ou que ele foi impedido de esgotá-los. Como respaldo dessa alegação, os peticionários proporcionaram informação referente as diversas atuações judiciais promovidas pelo Sr. Moreno Ramos perante os tribunais internos dos Estados Unidos. 13. Em especial, a informação dos peticionários assinala que a Corte de Apelações Penal do Texas confirmou a condenação do Sr. Moreno Ramos em 26 de junho de 1996, no recurso de apelação, e que a Corte Suprema dos Estados Unidos indeferiu o recurso de impugnação interposto contra essa sentença em 28 de abril de 1997. O Sr. Moreno Ramos apresentou posteriormente um recurso posterior à condenação, que foi desacolhido pela Corte de Apelações Penal do Texas em 15 de julho de 1998. 14. Na petição também se indica que o Sr. Moreno Ramos promoveu atuações posteriores à condenação perante as cortes federais dos Estados Unidos. Em particular, interpôs um recurso de habeas corpus perante a Corte Federal do Distrito para o Distrito Meridional do Texas em 2 de abril de 1999, que o indeferiu em 2 de março de 2000. Depois apelou desta sentença em 31 de maio de 2000, perante a Corte de Apelações para o Quinto Circuito, que indeferiu o recurso em 14 de fevereiro de 2001 e em 7 de outubro de 2000, a Corte Suprema dos Estados Unidos indeferiu o recurso de impugnação interposto pelo Sr. Moreno Ramos em relação a essa sentença. 15. Os peticionários reconhecem que, com uma exceção, as reclamações legais formuladas em sua petição não foram apresentadas aos tribunais dos Estados Unidos nas atuações acima descritas nem em nenhuma outra. Assinalam, porém, que o Sr. Moreno Ramos deve ficar isento do requisito do esgotamento dos recursos internos no que se refere a esses temas, porque os Estados Unidos não cumpriu as normas do devido processo em relação as violações de direitos aduzidas. Os peticionários alegam que o Sr. Moreno Ramos não é responsável de nenhuma forma de sua omissão de esgotar esses argumentos, já que foi vítima da incompetência de seus advogados. Os peticionários defendem que o advogado que o representou no julgamento não estava preparado e atuou de forma ineficaz, pois não apresentou nenhuma prova que atenuasse a responsabilidade de seu cliente na fase de determinação da pena no julgamento, não tentou convencer os jurados para que decidissem pela cadeia perpétua do Sr. Moreno Ramos, e se absteve de apresentar os argumentos internacionais agora formulados perante a Comissão. Ademais, o advogado que representou o Sr. Moreno Ramos na etapa de apelação absteve-se de formular essas reclamações. Os peticionários manifestam, a este respeito, que o Estado do Texas proporciona há muito tempo advogados incompetentes aos acusados contra quem se formulam cargos de homicídio que podem dar lugar à pena capital, e que no Texas, diferentemente do que ocorre em outros Estados, não existe um órgão central encarregado de proporcionar assistência jurídica especializada nos casos em que pode haver a aplicação da pena de morte. [2] 16. Os peticionários também alegam que todas as tentativas de esgotar os recursos internos por parte do Sr. Moreno Ramos formulando novos argumentos jurídicos, como a violação do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, a ineficaz assistência de advogado na fase de imposição da pena, a admissão de um delito não imputado, ou os comentários discriminadores da promotoria no sentido que os esforços seriam inúteis, pois a legislação estatal e federal limita estritamente a possibilidade das pessoas de interpor recursos “sucessivos” ou “subsequentes” posteriores à condenação. [3] Quanto a reclamação formulada conforme o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, e o fato de que o advogado do Sr. Moreno Ramos absteve-se de impugnar essa violação de direitos durante o julgamento, os peticionários alegam que essa omissão implicou na renúncia à elaboração do argumento legal, que não podia ser apresentado em nenhuma etapa subsequente. [4] 17. Baseando-se nessas manifestações, os peticionários argumentam que exigir do Sr. Moreno Ramos que apresentara um segundo recurso posterior à condenação a esta altura não faria mais que atrasar o exame de seus argumentos por parte da Comissão, não protegeria o Sr. Moreno Ramos frente a uma execução ilegal e, de fato, seria muito provável que fosse executado antes de que a Comissão estivesse em condições de tramitar sua petição. 18. Por último, os peticionários indicam que grande parte dos fatos formulados na petição não são objeto de disputa, razão pela qual o Sr. Moreno Ramos provou, prima facie, que foram cometidas as violações dos artigos I, II, XV, XVIII e XXVI da Declaração Americana. Alegam que os Estados Unidos não informaram ao Sr. Moreno Ramos sobre seu direito de notificação e consultar o acesso a serviços consulares no momento de sua detenção, infringindo assim o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares; que na fase de determinação da pena no julgamento os promotores introduziram provas de um delito pelo qual o Sr. Moreno Ramos não foi julgado e nem condenado; que o Sr. Moreno Ramos não teve um julgamento justo porque seus advogados não investigaram nem apresentaram nenhuma prova mitigatória na fase de determinação da pena de seu julgamento; que os promotores formularam argumentos acalorados na fase de determinação da pena do julgamento, destinados a chamar a atenção dos jurados sobre a situação do Sr. Moreno Ramos como imigrante mexicano sem documtentação, e que o tribunal a cargo do julgamento não informou aos jurados que se o Sr. Moreno Ramos fosse condenado à cadeia perpétua não teria direito a liberação condicional durante 35 anos. 19. Nas observações formuladas em 28 de março de 2003, com respeito à resposta do Estado a sua petição, os peticionários alegam que no caso dos autos deveriam ser isentos do esgotamento dos recursos internos porque a legislação dos Estados Unidos não concede as garantias do devido processo para a proteção dos direitos supostamente violados, e porque o acesso aos recursos internos é dificultado àquele que aduz violação dos direitos. Em especial, os peticionários alegam que a legislação dos Estados Unidos limita severamente a possibilidade de que os presos confinados no pavilhão da morte consigam o exame judicial de seus casos, e que vários tribunais deixaram de examinar cuidadosa e meticulosamente a correção dos procedimentos do julgamento original e a qualidade das provas que respaldam uma sentença de morte. [5] Também assinalam que o Sr. Moreno Ramos não tem a sua disposição nenhum recurso interno, salvo o de clemência do Poder Executivo, mas que no Texas essa possibilidade não pressupõe nenhuma medida de exame sério do caso. [6] 20. Os peticionários argumentam que os Estados Unidos impuseram outra dificuldade ao acesso do Sr. Moreno Ramos aos recursos internos ao designar-lhe advogados incompetentes e deficientemente capacitados, nomeados pelo tribunal, que omitiram-se em interpor recursos a respeito do julgamento, em segunda instância e em atuações estatais e federais posteriores à condenação. Alegam que o Sr. Moreno Ramos, como acusado estrangeiro indigente, não tinha meios de obter assessoramento jurídico, e que dependia inteiramente dos advogados designados pelo tribunal para exercer seus direitos constitucionais e uma defesa sólida. Os peticionários alegam também que no Texas não existe um órgão com competência em todo o Estado encarregado de proporcionar serviços de representação jurídica especializada em casos que podem dar lugar à imposição da pena capital; que a grande maioria dos advogados que se ocupam dos casos desse gênero no Texas são profissionais que atuam individualmente e carecem da experiência e dos recursos necessários para atender adequadamente seus clientes, motivo pelo qual as condenações à pena de morte geralmente não são acompanhadas de assessoramento jurídico adequado. No caso do Sr. Moreno Ramos, os peticionários alegam que durante o julgamento, a segunda instância ou as atuações posteriores à condenação nenhum dos seus advogados realizou uma investigação detalhada nem interpôs uma reclamação que já não figurasse no expediente. Os peticionários indicam também que não se pode culpar o Sr. Moreno Ramos pelas omissões do advogado que lhe foi designado, e que tudo isso constitui violações dos artigos I, XVIII e XXVI da Declaração Americana. 21. Os peticionários argumentam que seria fútil exigir do Sr. Moreno Ramos o esgotamento dos recursos internos, já que os obstáculos processuais erigidos pelos mecanismos do próprio Estado impedem os tribunais internos de ouvir as reclamações que deseja formular esta pessoa. Seria necessário que um tribunal reabrisse um procedimento anteriormente terminado, o qual, segundo os peticionários, é tão improvável conforme a legislação norte-americana que não pode ser considerado como recurso adequado e eficaz que deva ser esgotado. [7] 22. Os peticionários alegam também que uma reclamação baseada na denegatória das garantias do devido processo legal é assunto de competência da Comissão, inclusive no que se refere a vícios do devido processo legal provocados pela violação do direito à informação e notificação consular. [8] A este respeito, indicam que os Estados Unidos não nega sua omissão de notificar o Sr. Moreno Ramos sem demora sobre seus direitos consulares, mas que procura reduzir ao mínimo os efeitos dessa omissão no caso do Sr. Moreno Ramos, através de uma conjectura não respaldada por fatos acerca do que os funcionários consulares mexicanos teriam feito ou deixado de fazer se as violações de direitos não tivessem acontecido. Os peticionários afirmam que na medida em que essas conjeturas sejam pertinentes, sua consideração corresponde à análise de mérito do assunto e não a etapa de admissibilidade. Também alegam no momento em que os funcionários consulares mexicanos inteiraram-se da detenção do Sr. Moreno Ramos, já se estava realizando a seleção dos jurados, e já não havia tempo para a preparação do julgamento, a elaboração dos argumentos da defesa e a investigação de provas anteriormente não examinadas. 23. Os peticionários alegam, ademais, que contrariamente ao manifestado pelo Estado, no Estado de Texas o processo de clemência não pode ser considerado suficiente para “o exame e a reconsideração” das violações da Convenção de Viena conforme o requerido pela Corte Internacional de Justiça na sentença do caso LaGrand, mas que esse exame e essa reconsideração devem ser de carácter judicial. Os peticionários defendem que os procedimentos de clemência são totalmente discricionários, subjetivos e inapeláveis, motivo pelo qual não constituem recursos razoáveis, sólidos e eficazes como os necessários para sanear o descumprimento, por parte do Estado, de suas obrigações internacionais. 24. Os peticionários refutam a afirmação do Estado de que a petição do Sr. Moreno Ramos é inadmissível por consistir na duplicação de procedimentos recentes já realizados e instaurados no México perante a Corte Internacional de Justiça no Caso de Avena e outros nacionais mexicanos (México contra Estados Unidos). Alegam que as atuações perante a CIJ não cumprem com os requisitos do artigo 33(1) do Regulamento da Comissão referentes à duplicação, ou configuram uma das exceções previstas no artigo 33(2), e baseiam essas manifestações em três razões: em primeiro lugar argumentam que a solicitação formulada perante a CIJ não pode ser descrita como “petição individual”, já que somente os Estados, e não as pessoas, têm legitimidade processual perante a CIJ, e que o México não é mandatário do Sr. Moreno Ramos. Pelas mesmas razões, os peticionários alegam que não se pode afirmar que o Sr. Moreno Ramos tenha um caso “pendente de resolução” perante a CIJ. A este respeito manifestam que o caso do Sr. Moreno Ramos é um dos 51 casos individuais mencionados por México para “ilustrar o carácter sistêmico da violação, por parte dos Estados Unidos, do artigo 36 em casos de possível imposição da pena capital”, em que o México procura obter por direito próprio a restitutio in integrum, e advogam que não existe certeza de que uma eventual sentença da CIJ sobre o mérito do assunto dê lugar a uma resolução efetiva do caso que se refira especificamente as reclamações formuladas pelo Sr. Moreno Ramos. 25. Os peticionários negam que a questão matéria da reclamação do México perante a CIJ seja a duplicação da gama de reclamações formuladas pelo Sr. Moreno Ramos perante a Comissão, visto que o que foi solicitado à CIJ constitui uma controvérsia entre Estados em relação à interpretação e aplicação da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, ao passo que o Sr. Moreno Ramos manifestou ter sido vítima de violações da Declaração Americana, assunto que é da competência da CIJ. Os peticionários alegam também que o objeto da reclamação do Sr. Moreno Ramos perante a Comissão não se limita a questões emanadas da violação de seus direitos consulares, mas que inclui outras reclamações referentes ao direito do Sr. Moreno Ramos ao devido processo legal, incluindo a introdução de delitos anteriores na fase de determinação da pena durante o julgamento, motivo pelo qual não se pode dizer que a reclamação perante a Comissão seja, em essência, uma repetição daquela apresentada perante a CIJ. 26. Os peticionários defendem também que não se pode considerar que a reclamação do Sr. Moreno Ramos perante a Comissão seja a repetição daquela apresentada à CIJ com base na jurisprudência da Comissão quanto a interpretação do artigo 33 de seu Regulamento, posto que os dois procedimentos não se referem a idênticas reclamações e garantias, nem aos mesmos fatos, e somente tangencialmente referem-se a mesma pessoa. [9] 27. Os peticionários argumentam que se a Comissão ainda não tivesse convencida de que a petição corresponda as exceções da disposição de seu Regulamento sobre duplicação de procedimentos, deve postergar o exame da questão da admissibilidade até que se chegue a etapa de debate e sentença sobre o mérito do assunto conforme o previsto no artigo 37(3) do Regulamento da Comissão. 28. Por último, os peticionários ressaltam que, conforme a jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana, a petição do Sr. Moreno Ramos deve ser objeto de um estudo mais detalhado, visto que em casos de possível imposição da pena capital deve-se dar importância às garantías do devido processo legal. Segundo os peticionários, as questões referentes ao devido processo formuladas na petição do Sr. Moreno Ramos são precisamente as que deram lugar a um exame mais minucioso e a recursos mais eficazes em casos anteriores, e que a legitimidade da sentença decretada contra o Sr. Moreno Ramos baseia-se na sua legitimidade processual. Neste sentido, os peticionários defendem que no caso de descumprimento dos requisitos do devido processo legal a sentença de morte e sua execução são arbitrárias, razão pela qual se o Estado tentasse executar o Sr. Moreno Ramos baseando-se nas acusações penais pelas quais foi declarado culpado e condenado, isto constituiria uma privação arbitrária de seu direito à vida, em violação do artigo I da Declaração Americana. B. Posição do Estado29. Em sua resposta de 13 de fevereiro de 2003, à petição, o Estado alega que a Comissão deve declarar inadmissíveis as reclamações do peticionário por cinco razões, a saber: que o Sr. Moreno Ramos não esgotou os recursos internos; que a Comissão não é competente para examinar a reclamação do Sr. Moreno Ramos conforme o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares; que a reclamação do Sr. Moreno Ramos sobre notificação consular está pendente perante a Corte Internacional de Justiça e, portanto, é inadmissível por razões de duplicidade de procedimentos; que as reclamações do Sr. Moreno Ramos relativas ao devido processo legal são infundadas, e que na petição não se enunciam fatos que constituam violação de direitos previstos na Declaração Americana. 30. O Estado faz um resumo dos antecedentes fáticos e processuais do caso, segundo os quais em 1993, um jurado do Texas declarou culpado Roberto Moreno Ramos dos assassinatos cometidos em 1992 contra sua mulher, Leticia, e seus dois filhos menores, Abigail e Jonathan. Segundo o Estado: [. . .] o Sr. Moreno Ramos matou sua mulher e seus dois filhos com uma marreta e depois enterrou os cadáveres debaixo do piso do banheiro. Uma investigação realizada nos Estados Unidos e no México revelou que o Sr. Moreno Ramos havia proposto casar-se com uma mulher com a qual mantinha relações extraconjugais. Em 7 de fevereiro de 1992, um vizinho escutou um grito de uma mulher e ninguém voltou a ver a esposa e os filhos do Sr. Moreno Ramos. Três dias mais tarde o Sr. Moreno Ramos casou-se com sua amante. Com seu consentimento e mediante duas ordens de busca, as autoridades revisaram seu domicílio e encontraram sangue em toda a casa. Também encontraram uma mancha de sangue no domicílio de sua nova esposa no México. Moreno Ramos mostrou-se elusivo sobre o paradeiro de sua família. Mais tarde admitiu perante as autoridades ter assassinado somente a sua mulher, embora esta e seus filos tivessem morrido devido a lesões similares na cabeça, infrigidas por uma arma similar, e foram enterrados juntos. Os funcionários de segurança pública interrogaram Moreno Ramos em 30 de março de 1992, acerca do suposto desaparecimento de sua esposa e filhos. O Sr. Moreno Ramos os acompanhou voluntariamente à estação de Polícia, quando então os funcionários leram seus direitos conforme o caso Miranda antes de interrogá-lo, advertindo-o que tinha direito a assistência de um advogado e a permanecer calado. Depois do interrogatório, os funcionários foram informados sobre uma ordem de prisão pendente de Moreno Ramos por infrações de trânsito e o prenderam. Posteriormente foi processado por homicídio, julgado e condenado. [10] 31. O Estado assinalou também que o Sr. Moreno Ramos foi condenado à morte conforme as disposições do Código Penal do Texas; que o recurso de apelação que interpôs contra a sentença de condenação foi indeferido pela Corte de Apelações Penal do Texas em 26 de junho de 1996, e que a Corte Suprema dos Estados Unidos indeferiu o recurso de impugnação em 28 de abril de 1997. [11] O Sr. Moreno Ramos interpôs também um recurso de habeas corpus perante os tribunais estatais, que foi indeferido pela Corte de Apelações Penal do Texas em 15 de julho de 1998, e perante os tribunais federais, que foi indeferido pela Corte Federal de Distrito para o Distrito Meridional do Texas em 2 de março de 2000, e depois pela Corte de Apelações dos Estados Unidos para o Quinto Circuito em 14 de fevereiro de 2001, e em 7 de outubro de 2002, a Corte Suprema dos Estados Unidos indeferiu o recurso de impugnação. [12] 32. Em relação à admissibilidade das reclamações formuladas pelo Sr. Moreno Ramos, o Estado defende que esta pessoa não esgotou os recursos que lhe oferece o sistema judicial dos Estados Unidos. Assinala, em especial, que os peticionários admitiram que somente uma das cinco reclamações formuladas perante a Comissão foram também formuladas perante tribunais dos Estados Unidos. O Estado alega que desde 1993, o Sr. Moreno Ramos apresentou três reclamações, e que aquela referente à omissão de notificar-lhe de seu direito a obter assistência consular foi formulada por ele no julgamento, como sabiam seu advogado defensor bem como os funcionários consulares mexicanos que tiveram conhecimento de seu caso antes do julgamento. O Estado alega, ademais, que as outras reclamações referentes à introdução de provas de delitos durante o julgamento, assistência ineficaz de advogado e argumentos acalorados na fase de sentença do julgamento, puderam e foram formuladas pelo Sr. Moreno Ramos em seus recursos iniciais de apelação contra a sentença e a condenação. O Estado defende também que o Sr. Moreno Ramos admitiu não ter apresentado perante os tribunais o argumento da assistência ineficaz de seu advogado, renunciando, desta forma, em fazê-lo. 33. O Estado refuta a afirmação dos peticionários de que o esgotamento de seus recursos internos mediante a elaboração de novos argumentos jurídicos nesta etapa seria inútil, dado que a função dos tribunais dos Estados Unidos não consiste em suprir estratégias não formuladas no julgamento pelos advogados do réu, ou formular questões que as partes não introduzam por si mesmas. O Estado indica que se um peticionário não introduz um tema perante um tribunal, priva a corte da possibilidade de examiná-lo, e que os Estados Unidos, por razões de soberania, tem o direito de conhecer toda reclamação antes de que se a levem a um foro internacional. A este respeito, o Estado argumenta que os tribunais internacionais não estão destinados a substituir os órgãos nacionais de resolução de casos, e que a omissão do Sr. Moreno Ramos de formular suas reclamações no sistema nacional quando teve a oportunidade de fazê-lo foi um obstáculo fatal para a admissibilidade de sua petição. 34. O Estado alega também que o Sr. Moreno Ramos carecia de todo recurso adicional conforme a Convenção para impugnar o fato de não ter sido notificado de seu direito a receber assistência consular, porque a Comissão não é competente para examinar reclamações formuladas conforme a Convenção de Viena sobre Relações Consulares. O Estado defende, a este respeito, que discorda da Opinião Consultiva OC-16/99 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo a qual a omissão de notificar o direito à assistência consular representa uma violação dos direitos humanos ou do devido processo legal. O Estado defende, de forma alternativa, que os argumentos dos peticionários referentes à suposta violação do artigo 36(1)(b) da CVRC são errôneos, visto que os funcionários consulares efetivamente conheceram a situação do Sr. Moreno Ramos na data de seu julgamento, e puderam assistir ao julgamento e providenciar assistência ao acusado nesse momento. Em consequência, o Estado alega que o Sr. Moreno Ramos não pode identificar nenhum momento, durante o julgamento ou nos procedimentos de segunda instância, em que tenha sido privado de acesso a um recurso na acepção do artigo 37(2)(b) do Regulamento da Comissão. Argumenta também que os peticionários não provaram que os funcionários consulares mexicanos tenham feito outra coisa que deixar avançar o julgamento impassivelmente, nem que tivessem providenciado maior assistência se tivessem tido conhecimento anterior de sua situação. 35. Além disso o Estado defende, baseando-se na sentença prolatada pela Corte Internacional de Justiça no caso LaGrand, que o texto e a história das negociações da CVRC não respaldam nenhum argumento dos peticionários de que a Convenção imponha aos Estados Unidos e a outros Estados partes da Convenção, a obrigação de emendar sua legislação interna para estabelecer um recurso automático de modificação de uma sentença nos casos em que não foi notificado o interessado de seu direito de assistência consular. O Estado argumenta que o aduzido pelos peticionários é compatível com a conclusão da Corte Internacional de Justiça de que nos casos de violação do artigo 36 em que nacionais de países estrangeiros são declarados culpados e condenados a severas penas, os Estados Unidos devem “revisar e reconsiderar a declaração de culpabilidade e a condenação” o que deve ser feito “através dos meios que os Estados Unidos delegam por si mesmos”. A este respeito, o Estado ressalta que realizou esse exame e essa reconsideração conforme a decisão do caso LaGrand. No que se refere ao caso do Sr. Moreno Ramos, o Estado informa que o Departamento de Estado dos Estados Unidos informou o Governador do Texas sobre o tema das relações consulares, e lhe pediu que investiguasse o caso; [13] que o Juiz da Corte de Distrito do Condado de Hidalgo (Texas) aceitou ouvir o Consul Geral do México em relação a suas preocupações com respeito ao Sr. Moreno Ramos, e que se ele deseja pode promover a revisão e reconsideração de sua sentença através do pedido de liberdade condicional estipulado pelo Estado do Texas. 36. Os Estados Unidos rejeitam a admissibilidade da petição dos peticionários invocando a duplicidade de procedimentos. Em especial, assinalam que em 5 de fevereiro de 2003, a Corte Internacional de Justiça dispôs sobre medidas provisórias para o Sr. Moreno Ramos e a outras duas pessoas de nacionalidade mexicana que foram condenadas à morte e as que supostamente não foram informadas oportunamente sobre seu direito de solicitar que seu consulado fosse notificado. [14] O Estado assinalou também que a Corte ainda não conheceu o caso do Sr. Moreno Ramos, apresentado por México, sobre o mérito do assunto. Em tais circunstâncias, o Estado alega que a consideração da petição do Sr. Moreno Ramos por parte da Comissão determinaria a duplicidade de esforços e gastos para os tribunais internacionais, motivo pelo qual a petição deveria ser considerada inadmissível por constituir duplicidade de procedimentos. 37. Por último, o Estado argumenta que a petição é manifestadamente infundada, razão pela qual deve ser considerada improcedente. O Estado refuta, em particular, a asseveração dos peticionários de que o Sr. Moreno Ramos foi privado de seu direito ao devido processo em diversas etapas das atuações. Segundo o Estado, o expediente reflete claramente o fato de que foram dados ao Sr. Moreno Ramos os direitos do devido processo legal previstos na Constituição dos Estados Unidos e em todas as normas internacionais aplicáveis, através do exame do assunto por parte da Corte de Distrito do Condado de Hidalgo, a Corte Federal de Distrito para o Distrito Meridional do Texas, a Corte de Apelações Penal do Texas em duas ocasiões, a Corte de Apelações para o Quinto Distrito e a Corte Suprema dos Estados Unidos em duas ocasiões [15] O Estado reiterou também de que não existem bases sólidas para alegar que a omissão de informar uma pessoa de nacionalidade estrangeira seu direito a que os funcionários consulares de seu país sejam notificados de sua detenção represente uma violação dos direitos ao devido processo legal do acusado, e que a Opinião Consultiva OC-16/99 da Corte Interamericana é fundamentalmente errônea quando entende o contrário. Ademais, segundo o Estado, a condenação imposta ao Sr. Moreno Ramos não viola o direito à vida previsto no artigo I da Declaração Americana, posto que a imposição da pena capital para os delitos mais graves é compatível com o direito internacional, incluindo os tratados de direitos humanos aplicáveis, quando aplicada em observância do devido processo legal. Como o delito cometido pelo Sr. Moreno Ramos foi suficientemente atroz para merecer a pena de morte e como foram aplicadas todas as normas do devido processo legal pertinentes, esta pessoa não foi vítima de uma violação do artigo I da Declaração. III. ANÁLISEA. Competência ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci da Comissão 38. A Comissão tem competência ratione pessoae para examinar as reclamações contidas na petição dos autos. Segundo o artigo 23 de seu Regulamento, os peticionários estão autorizados a interpor denúncias que aleguem violações de direitos protegidos pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. A suposta vítima, o Sr Moreno Ramos, é uma pessoa cujos direitos estão protegidos pela Declaração Americana, e cujas disposições o Estado está obrigado a respeitar, de conformidade com a Carta da OEA, o artigo 20 do Estatuto da Comissão e o artigo 49 do Regulamento da Comissão. Os Estados Unidos estão submetidos à jurisdição da Comissão desde 19 de junho de 1951, data em que depositou o instrumento de ratificação da Carta da OEA. 39. A Comissão tem competência ratione temporis para examinar as denúncias porque na petição se alegam fatos que ocorreram depois de 30 de março de 1992, data em que o Sr. Moreno Ramos foi preso pela Polícia depois de ser interrogado acerca do desaparecimento de sua esposa e seus filhos. Portanto, os fatos aduzidos foram posteriores à data em que entraram em vigência as obrigações dos Estados Unidos no marco da Declaração Americana. 40. Ademais, a Comissão tem competência ratione loci, dado que na petição se indica que o Sr. Moreno Ramos estava submetido à jurisdição dos Estados Unidos quando ocorreram os supostos fatos, que tiveram lugar dentro do território deste Estado . 41. Por último, com respeito à competência ratione materiae da Comissão, o Estado argumentou que a Comissão carece de jurisdição para examinar as reclamações dos peticionários referentes à omissão em notificar o Sr. Moreno Ramos sobre seu direito de receber assistência consular, visto que a Comissão foi estabelecida, fundamentalmente, para examinar petições e comunicações relativas à Convenção Americana e a Declaração Americana, e não a Convenção de Viena sobre Relações Consulares. A este respeito, o Estado assinala seu desacordo com a conclusão formulada pela Corte Interamericana em sua Opinião Consultiva OC-16/99, segundo a qual a omissão da notificação dos direitos consulares é uma violação dos direitos humanos ou do devido processo legal. 42. Considerando a objeção do Estado sobre este ponto, a Comissão observa que em sua decisão de outubro 2002, recaída no caso Martínez Villareal contra Estados Unidos, chegou a conclusão de que era apropriado considerar o cumprimento, por um Estado parte, dos requisitos do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, para efeitos de interpretar e aplicar as disposições da Declaração Americana em relação a uma pessoa de nacionalidade estrangeira que tenha sido presa, remetida a prisão ou que esteja em custódia a espera de julgamento, ou detida de qualquer outra forma por esse Estado. Em especial, a Comissão concluiu que estava facultada para determinar em que medida um Estado parte efetivou os requisitos do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares a fim de avaliar o cumprimento, por esse Estado, dos direitos de uma pessoa de nacionalidade estrangeira ao devido processo legal conforme os artigos XVIII e XXVI da Declaração Americana. [16] Para chegar a essa conclusão, a Comissão contou com o respaldo da Opinião Consultiva 16/99 da Corte Interamericana sobre o direito à informação sobre assistência consular no marco das garantias do devido processo legal, bem como da sentença prolatada pela Corte Internacional de Justiça no Caso LaGrand. [17] Em virtude da informação e dos argumentos expostos no presente expediente, a Comissão não vê razão alguma para diferenciar das conclusões que havia chegado a este respeito. O Estado não impugnou a jurisdição por razão de matéria da Comissão para examinar as restantes reclamações apresentadas na denúncia dos peticionários. 43. Por conseguinte, a Comissão considera-se competente ratione materiae para examinar as denuncias formuladas pelos peticionários sobre violações dos artigos II, XVII, XVIII e XXVI da Declaração Americana, incluindo as consequências que o suposto descumprimento do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares por parte do Estado possam ter suscitado nos direitos do Sr. Moreno Ramos ao devido processo legal e a um julgamento justo. B. Duplicidade de procedimentos 44. O artigo 33 do Regulamento da Comissão dispõe: 1. A Comissão não considerará uma petição nos casos em que a respectiva matéria: a. se encontre pendente de outro processo de solução perante organização internacional governamental de que seja parte o Estado aludido; b. constitua substancialmente a reprodução de uma petição pendente ou já examinada e resolvida pela Comissão ou por outro organismo internacional governamental de que faça parte o Estado aludido. 2. Contudo, a Comissão não se absterá de conhecer das petições a que se refere o parágrafo 1, quando: a. o procedimento seguido perante o outro organismo se limitar ao exame geral dos direitos humanos no Estado aludido e não existir uma decisão sobre os fatos específicos que forem objeto da petição ou não conduzir à sua efetiva solução; b. o peticionário perante a Comissão, ou algum familiar, for a presumida vítima da violação e o peticionário perante o outro organismo for uma terceira pessoa ou uma entidade não-governamental, sem mandato dos primeiros. 45. O Estado não concorda com a admissibilidade da petição do Sr. Moreno Ramos baseado no fato de que o assunto está pendente de resolução em outro procedimento em trâmite perante a Corte Interancional de Justiça, de que os Estados Unidos são membros, o que essencialmente duplica uma petição pendente ou já examinada e resolvida pela Comissão ou por outro órgão internacional governamental de que os Estados Unidos são membros, o que infringe o artigo 33(1) do Regulamento da Comissão. Em especial o Estado alega que a situação do Sr. Moreno Ramos representa um dos numerosos casos incluidos por México num procedimento recentemente apresentado por esse Estado perante a Corte Internacional de Justiça contra os Estados Unidos conforme o Protocolo Facultativo da Convenção de Viena sobre Relações Consulares referente à Jurisdição Obrigatória para a Solução de Controvérsias; a saber, o caso de Avena e outros nacionais mexicanos (México contra Estados Unidos). O Estado assinala que assuntos idênticos aos contidos na petição dos peticionários foram apresentados perante a CIJ, razão pela qual o exame da petição por parte da Comissão “daria lugar à duplicidade de esforços e gastos por parte dos tribunais internacionais”. 46. Os peticionários questionaram as afirmações do Estado, essencialmente com base no fato de que as atuações perante a CIJ não constituem um procedimento ao qual se possa aplicar o artigo 33(1) do Regulamento da Comissão e, de maneira alternativa, que as exceções ao requisito da duplicidade de procedimentos previstas no artigo 33(2) do Regulamento da Comissão permitiriam a esta examinar a petição apesar da existência de um procedimento perante a CIJ. 47. À luz das disposições do artigo 33 de seu Regulamento, a Comissão deve, em primeiro lugar, determinar se a petição do Sr. Moreno Ramos pode estar compreendida no disposto pelo artigo 33(1), porque o assunto a que se refere sua reclamação está pendente de resolução perante outro organismo internacional do qual os Estados Unidos são membros, ou porque, em essência, é idêntico a uma petição pendente perante esse organismo. A esse respeito, a Comissão conclui, em primeiro lugar, que a Corte Internacional de Justiça como órgão das Nações Unidas cuja competência aceitaram os Estados Unidos através do Protocolo Facultativo à Convenção de Viena sobre Relações Consulares referente a Jurisdição Obrigatória para a Solução de Controvérsias, [18] constitui um organismo internacional governamental na conceito do artigo 33(1) e nas circunstâncias do caso dos autos. 48. Para estabelecer se a questão discutida na denúncia do Sr. Moreno Ramos implica a duplicidade de procedimentos perante a CIJ, a Comissão deve, em primeiro lugar, enunciar sua interpretação das características e o objeto do procedimento perante a CIJ. A solicitação apresentada por México contra os Estados Unidos, no Caso Avena, refere-se a 54 pessoas de nacionalidade mexicana detidas, julgadas, declaradas culpadas e condenadas a morte em diversos estados nos Estados Unidos depois de procedimentos em que, segundo as autoridades mexicanas, as autoridades competentes não cumpriram com suas obrigações previstas no artigo 36(1)(b) da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. [19] Surge claramente da petição formulada pelo México que uma pessoa chamada Roberto Moreno Ramos é uma das 54 pessoas de nacionalidade mexicana sobre as quais se faz referência neste procedimento. [20] Aparentemetne não existe desacordo entre as partes no sentido de que a pessoa mencionada nas atuações perante a CIJ é também a suposta vítima das atuações perante a Comissão no caso dos autos. De fato, na petição formulada perante a CIJ se faz referência expressa ao fato de que o Sr. Moreno Ramos apresentou uma petição perante a Comissão em novembro de 2002. 49. Em sua solicitação, o Governo dos Estados Unidos Mexicanos pediu a CIJ que se pronuncie declarando: (1) que os Estados Unidos, ao prender, julgar, declarar culpados e condenar as 54 pessoas de nacionalidade mexicana que estão presas no pavilhão da morte, descritas nesta solicitação, violou sua obrigação jurídica internacional perante o México, referente a seu próprio direito e ao exercício de seu direito à proteção consular de seus nacionais previsto nos artigos 5 e 36, respectivamente, da Convenção de Viena; (2) que portanto, o México tem direito a restitutio in integrum; (3) que os Estados Unidos está sujeito a uma obrigação jurídica internacional de não aplicar a doutrina de subsidiariedade processual nem nenhuma outra doutrina de seu direito municipal para impedir o exercício dos direitos reconhecidos pelo artigo 36 da Convenção de Viena; (4) que os Estados Unidos têm a obrigação jurídica internacional de realizar, conforme as obrigações jurídicas internacionais mencionadas antes, qualquer futura detenção ou processo penal contra as 54 pessoas de nacionalidade mexicana que estão no pavilhão da morte ou qualquer outra pessoa dessa nacionalidade que se encontre em seu território, por parte de um poder constituinte, legislativo, judicial ou outro, independentemente de que esse poder goze de uma posição superior ou subordinada na organização dos Estados Unidos, e independentemente de que as funções desse poder sejam de caráter internacional ou interno; (5) que o direito à notificação consular previsto na Convenção de Viena é um direito humano; e que, conforme as obrigações jurídicas internacionais antes referidas, (1) os Estados Unidos devem restabelecer o status quo ante, ou seja, a situação que existia antes da detenção, ou os procedimentos contra estas pessoas e as declarações de culpabilidade e condenação nacionais mexicanos, em violação das obrigações jurídicas internacionais dos Estados Unidos; (2) os Estados Unidos devem adotar as medidas necessárias e suficientes para garantir que as disposições de sua legislação nacional permitam fazer plenamente efetivos, para os fins a que estão destinados, os direitos reconhecidos pelo artigo 36; (3) os Estados Unidos devem adotar as medidas necessárias e suficientes para estabelecer um recurso jurídico eficaz frente a violações dos direitos reconhecidos ao México e a seus nacionais pelo artigo 36 da Convenção de Viena, inclusive proibindo a imposição, como questão de legislação nacional, de toda sanção processual pela omissão de interpor a tempo uma reclamação ou defesa baseada na Convenção de Viena quando as autoridades competentes dos Estados Unidos infringiram sua obrigação de informar os nacionais de seu direito conforme a Convenção; e (4) os Estados Unidos, à luz da modalidade e prática de violações estabelecidas nesta Solicitação, devem proporcionar ao México plenas garantias de que os fatos ilegais não se repetirão. [21] 50. Também é pertinente observar que conforme os instrumentos internacionais que regem as atuações perante a CIJ, em especial o Estatuto da CIJ e o Protocolo Facultativo à Convenção de Viena sobre Relações Consulares, os Estados são as únicas partes nos procedimentos. [22] Ademais, os peticionários alegaram que o México não é mandatário do Sr. Moreno Ramos e que apresentou sua reclamação perante a CIJ por direito próprio, que os Estados Unidos não questionou. Adicionalmente é evidente que além das alegações de que os Estados Unidos violaram o direito do Sr. Moreno Ramos a obter informação e notificação consulares e de conceder-lhe o direito ao devido processo conforme o artigo XXVI da Declaração, os peticionários denunciaram perante a Comissão violações do devido processo legal baseadas na qualidade da representação jurídica que recebeu e nas características das provas introduzidas durante a fase de determinação da pena no processo por delito capital ao qual foi submetido. 51. Considerando a objeção do Estado, a Comissão assinala que é o Estado, como parte que formula a objeção, aquele que tem o ônus de provar perante a Comissão o cumprimento dos requisitos jurídicos da duplicidade de procedimentos. A este respeito a Comissão refere-se a sua jurisprudência anterior, segundo a qual uma situação proibida de duplicidade de procedimentos conforme o estipulado pela Comissão implica, em princípio, identidade de pessoas, identidade de reclamações e garantias judiciais, e identidade de fatos aduzidos em respaldo das mesmas. [23] Consequentemente, as reclamações apresentadas em relação a diferentes vítimas ou formuladas com respeito a mesma pessoa mas em relação a fatos ou garantias não expostos anteriormente e que não sejam reformulações, em princípio não podem ser proibidas em aplicação da norma que veda duplicidade de procedimentos. [24] 52. No caso dos autos, a Comissão considera, com base na informação disponível, que não pode-se afirmar que as partes estejam intervindo nos procedimentos perante a Comissão e a CIJ, ou que as atuações referem-se a idênticas reclamações e garantías. É evidente que o Sr. Moreno Ramos não pode ser considerado parte da reclamação perante a CIJ, já que somente os Estados podem ser partes em procedimentos contenciosos perante a Corte. Embora as circunstâncias que rodeiam o processo penal podem compreender alguns dos assuntos considerados pela CIJ ao resolver a solicitação do México, o Sr. Moreno Ramos carece de legitimidade independente para apresentar argumentos ou interpor recursos, e o México não está obrigado a promover seus interesses perante a CIJ, nem existe certeza de que o faça. O Estado não apresentou nenhuma prova que indique o contrário. 53. Tampouco se pode afirmar que se tenham formuladas idênticas reclamações jurídicas perante um e outro tribunal. A questão principal sob estudo perante a CIJ é se os Estados Unidos violou suas obrigações internacionais frente ao México no marco dos artigos 5 e 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares em virtude dos procedimentos que aplicou a fim de deter, declarar culpado e condenar as 54 pessoas de nacionalidade mexicana que estão no pavilhão da morte, incluindo o Sr. Moreno Ramos. A questão a ser examinada pela Comissão, por outro lado, é se os Estados Unidos violaram o direito do Sr. Moreno Ramos ao devido processo legal e a um julgamento justo previstos nos artigos XVIII e XXVI da Declaração Americana por cinco razões principais: não fazer efetivo o direito do Sr. Moreno Ramos à informação e notificação consulares no marco do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares; proporcionar-lhe um advogado incompetente em um caso de possível imposição da pena capital; fazer gravitar, através da promotoria um delito a cujo respeito não havia recaído a sentença, para conseguir a condenação à morte do réu; formulação, por parte dos promotores, de argumentos acalorados na fase de imposição de pena no julgamento do Sr. Moreno Ramos, e erros, por parte do juiz que presidiu o julgamento, em suas instruções ao jurados. Na opinião da Comissão, a petição em estudo pela Comissão apresenta questões substanciais diferentes daquelas apresentadas pelo México à Corte Internacional de Justiça. 54. Embora as reclamações contidas em ambos procedimentos sejam similares na medida em que requer a consideração do cumprimento, por parte dos Estados Unidos, das obrigações impostas pelo artigo 36 da Convenção de Viena, esta questão foi formulada em dois contextos diferentes: solicita-se à CIJ que determine a responsabilidade internacional dos Estados Unidos frente ao México por violações da CVRC, ao passo que se pede a Comissão que avalie as consequências de uma eventual omissão de proporcionar ao Sr. Moreno Ramos informação e notificação consulares em relação ao seu direito individual ao devido processo legal e a um julgamento justo no marco da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Esta discrepância contextual revela a ampla distinção entre os respectivos mandatos e finalidades da CIJ e da Comissão. A função da CIJ, definida através do artigo I do Protocolo Facultativo à Convenção de Viena sobre Relações Consulares, consiste em resolver controvérsias entre Estados emanadas da interpretação e aplicação da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Esta Comissão, por outra parte, é o primeiro órgão de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos encarregado de promover a observância e proteção dos direitos humanos nas Américas, função que compreende a determinação da responsabilidade internacional dos Estados por supostas violações dos direitos fundamentais das pessoas. 55. Tendo em vista o exposto, a Comissão considera que a petição não implica a duplicidade de procedimentos do Caso Avena perante a Corte Internacional de Justiça, na acepção do artigo 33(1) do Regulamento da Comissão, motivo pelo qual não existe proibição alguma que faça inadmissível a presente petição em razão da duplicidade de procedimentos. C. Esgotamento dos recursos internos 56. O artigo 31(1) do Regulamento da Comissão indica que para decidir acerca da admissibilidade de uma matéria, a Comissão deve comprovar que foram invocados e esgotados todos os recursos legais internos, segundo os princípios geralmente reconhecidos do direito internacional. O artigo 31(2) do Regulamento da Comissão estabelece que este requisito não é aplicável se a legislação interna do Estado em questão não prevê o devido processo para a proteção do direito supostamente violado, quando a parte que aduz a violação foi privada de acesso a recursos internos ou impedida de esgotá-los, ou quando houve demora injustificada para prolatar uma sentença definitiva a partir dos recursos internos. 57. Além disso a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que os recursos internos, para serem conformes aos princípios de direito internacional geralmente reconhecidos, devem ser adequados, no sentido de serem aptos para fazer frente a uma infração de um direito jurídico, e eficazes, no sentido de suscetíveis de produzir o resultado para o qual foram concebidos. [25] 58. Quando um peticionário aduz não estar em condições de provar o esgotamento, o artigo 31(3) do Regulamento da Comissão transfere ao Estado o ônus da prova de que os recursos previstos na legislação interna não foram previamente esgotados, a menos que isto estejam claro no expediente. 59. No presente caso, os peticionários reconheceram que, com uma exceção --a saber, o argumento do Sr. Moreno Ramos de que o tribunal do Estado que efetuou o julgamento errou por omissão de instruir os jurados a respeito da elegibilidade desta pessoa para obter a liberdade condicional- não foram apresentadas perante os tribunais dos Estados Unidos as reclamações jurídicas formuladas na petição. Entretanto, alegam que o Sr. Moreno Ramos deve ser isento do cumprimento do requisito de esgotamento em relação a esses temas, porque os Estados Unidos não reconheceu os benefícios do devido processo legal pelas violações de direitos aduzidas. Em especial, os peticionários alegam que o fato de que o Sr. Moreno Ramos não tenha esgotado esses argumentos obedeceu à incompetência dos advogados que o representaram no julgamento e em segunda instância, que se abstiveram de formular esses temas ou de preservá-los de outro modo para um futuro exame perante os tribunais internos. Os peticionários alegam, ademais, que seria inútil toda tentativa de esgotar seus recursos internos formulando novos argumentos legais, como a violação do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, ineficaz assistência de advogado na fase de determinação da pena, admissão de um delito não imputado ou expressões discriminatórias da promotoria no caso dos autos, já que a legislação estatal e federal limita estritamente a possibilidade de que as pessoas formulem solicitações “sucessivas” ou “subsequentes” posteriores à declaração de culpabilidade nos casos em que não tenham formulado essas questões nas etapas iniciais do processo penal. [26] Com relação à reclamação imbuida no artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, o Sr. Moreno Ramos não objetou essa violação de direitos durante o julgamento, razão pela qual os peticionários alegam que renunciou à possibilidade de formular esse argumento legal, e que o mesmo não pôde ser interposto em nenhuma atuação posterior. [27] 60. Em sua resposta, o Estado alegou que as reclamações formuladas perante a Comissão devem ter sido de conhecimento de seu advogado defensor e dos funcionários consulares em seu julgamento, motivo pelo qual puderam ter sido apresentada por ele nesse momento, bem como em seus recursos iniciais contra a sentença que o declara culpado e lhe impõe a pena. Com relação ao argumento de que o Sr. Moreno Ramos não formulou essas reclamações devido à incompetência de seu advogado, o Estado assinala que esta pessoa também se absteve de apresentar esse argumento perante o tribunal, renunciando assim a fazê-lo. Com respeito à reclamação do Sr. Moreno Ramos relativa ao artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, o Estado, como mencionado antes, argumenta que a Comissão carece de competência para examinar reclamações apresentadas no marco desse tratado, e discorda com a conclusão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que a falta de uma notificação consular represente uma violação dos direitos humanos ou o devido processo legal. 61. Após analisar os argumentos das partes, a Comissão rejeita em primeiro lugar a afirmação do Estado de que a Comissão carece de jurisdição para examinar as reclamações dos peticionários referentes à Convenção de Viena sobre Relações Consulares, pelas razões estipuladas na Parte III(A), acima mencionadas. 62. Com referência à afirmação dos peticionários de que o Sr. Moreno Ramos deve ser isento do cumprimento do requisito de esgotamento dos recursos internos devido a incompetência de seus advogados durante os procedimentos, a Comissão assinala que uma das reclamações formuladas pelos peticionários ao fundamentar sua petição é que o Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Moreno Ramos ao devido processo legal e a um julgamento justo conforme os artigos XVIII e XXVI da Declaração Americana, porque o estado do Texas lhe proporcionou advogados incompetentes. Os peticionários argumentam que em cada uma das etapas do procedimento penal contra o Sr. Moreno Ramos, o desempenho de seus advogados não reuniu o conjunto de atributos próprios de um patrocínio profissionalmente competente. Ademais, o Estado omitiu apresentar toda prova ou informação que indique que as reclamações dos peticionários a este respeito poderiam ser manifestamente infundadas. 63. Dada a interrelação existente entre a efetiva disponibilidade, para o Sr. Moreno Ramos, de procedimentos internos e uma das violações dos direitos humanos aduzidas nos fundamentos do caso –a referente à competência dos patrocinadores do Sr. Moreno Ramos no julgamento-- a Comissão considera que a questão do prévio esgotamento desses recursos deve ser apresentada juntamente com os fundamentos do caso. [28] Por conseguinte, a Comissão abordará esse tema ao considerar o mérito do assunto. D. Apresentação da petição no prazo 64. O expediente indica que a petição dos peticionários foi apresentada à Comissão em 4 de novembro de 2002, e portanto, dentro de um prazo de seis meses contados a partir de 7 de outubro de 2002, data do indeferimento do recurso de impugnação pela Corte Suprema dos Estados Unidos. O Estado não aduziu a exceção de extemporaneidade da petição. Em consequência, a Comissão considera que o artigo 32 do Regulamento da Comissão não obsta à consideração da petição. E. Plausibilidade da reclamação 65. O artigo 27 do Regulamento da Comissão dispõe que nas petições devem ser estabelecidas fatos referentes a “supostas violações dos direitos humanos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos aplicáveis”. Ademais, o artigo 34(a) deste Regulamento dispõe que esta deve declarar inadmissível uma petição quando nela não se estabeleçam fatos que tendem a provar a violação dos direitos a que se faz referência no artigo 27 do Regulamento. 66. Os peticionários alegam que o Estado violou os artigos I, II, XXV, XVIII e XXVI da Declaração. Na Parte III do presente Relatório, a Comissão expôs as alegações substanciais dos peticionários e a informação apresentada por estes para respaldá-las. Após examinar cuidadosamente a informação e os argumentos proporcionados pelos peticionários à luz do critério de uma severa investigação dos fatos que aplica a Comissão nos casos em que pode impor a pena capital, [29] e sem prejulgar o mérito do assunto, a Comissão considera que a petição enuncia fatos que tendem a configurar violações dos artigos I, II, XXV, XVIII e XXVI da Declaração e que não é manifestamente infundada nem improcedente. Em consequência, a Comissão conclui que a petição dos peticionários não deve ser declarada inadmissível conforme o artigo 34 do Regulamento. F. Medidas cautelares 67. Conforme a informação atualmente disponível, ainda não foi fixada a data para a execução do Sr. Moreno Ramos, mas o Estado pode fazê-lo a qualquer momento. A este respeito, a Comissão recorda sua jurisprudência referente aos efeitos jurídicos das medidas cautelares que adota no contexto dos casos de imposição da pena capital. Segundo a CIDH, em muitos casos, sua capacidade de investigar eficazmente e resolver casos de possível imposição da pena capital foi afetada quando os Estados fixaram a data de execução das pessoas condenadas e levado a cabo a execução apesar da existência de procedimentos pendentes perante a Comissão referentes a essas pessoas. 68. Para impedir essa situação inadmissível, a Comissão continua com a prática de solicitar aos Estados medidas cautelares em casos de possível aplicação da pena capital, para preservar a vida e a integridade física de um preso até que a Comissão tenha tido a possibilidade de investigar suas reclamações. A Comissão entende que os Estados membros da OEA, ao criar a Comissão e encomendar-lhe, através da Carta da OEA e do Estatuto da Comissão, a promoção da observancia e proteção dos direitos humanos dos povos americanos, comprometeu-se implicitamente a aplicar medidas desta natureza quando elas sejam essenciais para preservar o mandato da Comissão. 69. Conforme ressaltado pela Comissão em numerosas ocasiões, é inquestionável que o fato de que um Estado membro da OEA não preserve a vida de um preso durante o exame da sua petição pela Comissão, prejudica a eficácia do procedimento da Comissão, priva as pessoas condenadas de seu direito de petição perante o sistema interamericano de direitos humanos e lhes inflige prejulgamentos graves e irreparáveis. Por tais razões, a Comissão conclui que um Estado membro falta a suas obrigações fundamentais sobre direitos humanos conforme a Carta da OEA e instrumentos conexos se omite a aplicação de medidas cautelares dispostas pela Comissão nessas circunstâncias. [30] 70. Tendo em vista esses princípios fundamentais e dado o fato de que a Comissão concluiu que as reclamações apresentadas pelo Sr. Moreno Ramos são admissíveis conforme o seu Regulamento, a Comissão reitera sua solicitação de 7 de março de 2002, baseada no artigo 25 de seu Regulamento, de que os Estados Unidos adote as medidas necessárias para preservar a vida e a integridade física do Sr. Moreno Ramos enquanto a Comissão se pronuncia sobre o mérito de sua petição. V. CONCLUSÕES 71. A Comissão conclui que tem competência para examinar as alegações dos peticionários, e que a petição é admissível, de conformidade com o Regulamento da Comissão. 72. Em virtude dos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto, A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1. Declarar admissível o presente caso a respeito dos artigos I, II, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana. 2. Notificar o Estado e o peticionário desta decisão. 3. Iniciar o trâmite sobre o mérito do assunto. 4. Reiterar seu pedido, conforme o artigo 25 de seu Regulamento, para que os Estados Unidos adotem as medidas necessárias para preservar a vida e integridade física do Sr. Moreno Ramos enquanto esteja pendente a decisão da Comissão sobre o mérito da petição 5. Publicar o presente relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA. Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2003. (Assinado): José Zalaquett, Presidente; Clare K. Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Susana Villarán, Segunda Vice-Presidenta, e Julio Prado Vallejo, Comissionado.
* O membro da Comissão Prof. Robert Goldman não participou nas deliberações nem na votação deste caso, conforme estipulado pelo artigo 17(2) do Regulamento da Comissão. [1] Petição dos peticionários de 2 de novembro de 2002, pág. 8, em que se cita o Caso No. 9.647 (Estados Unidos), Res. 3/87 de 27 de março de 1987, Relatório Anual da CIDH 1986-87, OEA/Ser.L/L/V/II.71, doc/ 9, rev. 1 (22 de setembro de 1987), pág. 147 e seguintes. [2] Petição dos peticionários de 2 de novembro de 2002, pág. 5, que cita Texas Defender Service: A State of Denial: Texas Justice and the Death Penalty, págs. 77-118 (2000). [3] Petição dos peticionários de 2 de novembro de 2002, pág. 6, que cita o Código de Procedimento Penal do Texas 11.071, Sec/ 5 (a) (quem apresente recursos posteriores deve demonstrar que anteriormente não existiam fundamentos de fato ou de direito para a reclamação, estabelecendo normas estritas sobre o ônus da prova); 28 U.S.C/ § 2244(b)(2) (uma reclamação apresentada no segundo recurso de habeas corpus, não apresentado anteriormente, deve ser indeferida a menos que se baseie em uma nova norma de direito constitucional a qual tenha dado caráter retroativo para casos de exame colateral a cargo da Corte Suprema anteriormente não disponíveis). Os peticionários assinalam também que, em agosto de 2002, a Corte de Apelações Penal do Texas e a Corte Suprema dos Estados Unidos recusaram-se a examinar o caso de Javier Suárez Medina, que tinha interposto uma petição à Comissão formulando duas das mesmas reclamações formuladas pelo Sr. Moreno Ramos e que foi executado em 14 de agosto de 2002, antes de que a Comissão tivesse tido a possibilidade de pronunciar-se sobre suas reclamações. [4] Petição dos peticionários de 2 de novembro de 2002, pág. 5, que cita Breard c/ Greene, 523 U.S. 371 (1998). [5] Observações dos peticionários de 28 de março de 2003, referentes à resposta do Estado de 13 de feveiro de 2003, pág. 2, em que se cita Texas Defender Service: A State of Denial: Texas Justice and the Death Penalty 119 (2000), www.texasdefender.org/study. [6] Observações dos peticionários de 28 de março de 2003, referentes à resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 2, em que se cita Anistia Internacional, Matar sem piedade: Os procedimentos de concessão de indulto no Texas, AI Index AMR 51/85/99; Centro de Informação sobre a Pena de Morte, http: // deathpenaltyinfo.org (que se indica que em 21 de março de 2003 o Estado do Texas havia executado 300 prisioneiros desde o restabelecimento da pena de morte, em 1977, mas que somente uma sentença de morte imposta nesse Estado havia sido comutada por razões humanitárias). [7] Observações dos peticionários de 28 de março de 2003, referentes à resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 5, em que se cita a Comissão Européia de DH, X and Church of Scientology contra Suecia, 7805/77, 5 de maio de 1979, 16 D.R. 68; G c/ Reino Unido, 11932/86, 9 de maio de 1988, 56 D.R. 199; Karaduman contra Turquía, 16278/90, (Dec/), 3 de maio de 1993, 74 D.R. 93. [8] Observações dos peticionários de 28 de março de 2003, referentes a resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 6, em que se cita o Relatório No. 52/02, Caso No. 11.753, Martínez Villareal contra Estados Unidos, Relatório Anual da CIDH 2002, par. 62, 77. [9] Observações dos peticionários de 28 de março de 2003, referentes à resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, págs. 11-12 em que se cita o Relatório No. 96/98, Caso No. 11.827, Peter Blaine contra Jamaica, Relatório Anual da CIDH 1998, párrafo 42; Relatório No. 25/99, Caso No. 12.018, Steve Shaw contra Jamaica, Relatório Anual da CIDH 1998, par. 24. [10] Resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 2. [11] Resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 2, em que se cita Estado de Texas contra Ramos, Corte de Distrito do Condado de Hidalgo, 26 de junho de 1996; Ramos contra Estado, 934 S.W. 2d 358 (Tex. Cr. App. 1996); Moreno Ramos c/ Texas, 117 S.Ct. 1556 (1997). [12] Resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 2, em que se cita Ex parte Ramos, 977 S.W. 2d 616 (Tex. Cr. App. 1998); Ramos contra Cockrell, 123 S.Ct. 248 (2002). [13] Resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 5, em que se cita a Carta de Clyde Howard, Coordenador em Matéria de Notificação Consular, Escritório de Assuntos Consulares, Departamento de Estado dos Estados Unidos, dirigida a David Zimmerman, Assessor Jurídico Adjunto, Governador do Texas, de 18 de novembro de 2002; Carta de J. Kevin Paterson, Assessor Jurídico Adjunto, Governador do Texas, dirigida a Clyde Howard, Coordenador em Matéria de Notificação Consular, Escritório de Assuntos Consulares, Departamento de Estado dos Estados Unidos, 19 de dezembro de 2002. [14] Resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 5, em que se cita o Caso referente a Avena e outros nacionais mexicanos (México contra Estados Unidos da América). [15] Resposta do Estado de 13 de fevereiro de 2003, pág. 6, em que se cita Ramos c/ Estado, 934 S.W. 2d 358 (Tex. Cr. App. 1996); Moreno Ramos c/ Texas, 117 S.Ct. 1556 (1997); Ex Parte Ramos, 977 S.W. 2d 616 (Tex. Cr. App. 1998); Ramos contra Cockrell, 123 S. Ct. 248 (2002). [16] Relatório Nº 52/02, Case 11.753, Ramón Martínez Villareal contra Estados Unidos, Relatório Anual da CIDH 2002, par. 77. [17] Ídem, par.s 65-75, em que se cita Corte IDH, Opinião Consultiva OC-16/99, de 1 de outubro de 1999, O direito a informação sobre a assistência consular no marco das garantias do devido processo legal, (Ser. A) No. 16 (1999); Corte Internacional de Justiça, Caso LaGrand (Alemania contra Estados Unidos), Sentença de 27 de junho de 2001, Lista Geral No.104. [18] A este respeito, os Estados Unidos ratificou a Carta das Nações Unidas em 8 de agosto de 1945 e o Protocolo Facultativo à Convenção de Viena sobre Relações Consulares referente a Jurisdição Obrigatória para a Solução de Controvérsias em 24 de novembro de 1969. Ver Base de Dados de Tratados das Nações Unidas, http://untreaty.un.org/, visitado em 24 de setembro de 2003. [19] Avena e outros nacionais mexicanos (México contra Estados Unidos da América), Lista Geral No. 128 (9 de janeiro de 2003), par. 1 (http://www.icj-cij.org/icjwww/idocket/imus/imusframe.htm). [20] Ídem, par.s 201-205, cujo texto é o seguinte: 201. Em 30 de março de 1992, autoridades de segurança pública do Estado de Texas prenderam o Sr. Moreno Ramos, de 37 anos, por suspeita de homicídio. Em 18 de março de 1993, o Sr. Moreno Ramos foi declarado culpado de homicídio e em 23 de março de 1993, foi condenado à morte pelo tribunal encarregado do julgamento. 202. Embora os promotores tenham-se referido à nacionalidade mexicana do Sr. Moreno Ramos durante seu julgamento por homicídio capital, as autoridades competentes não lhe informaram em nenhum momento seu direito a solicitar assistência consultar. Não tendo sido notificado desses direitos, o Sr. Moreno Ramos não podia exercê-los no julgamento e, de fato, não o fez. 203. As autoridades consultares mexicanas se inteiraram da detenção do Sr. Moreno Ramos através dos meios de difusão em fevereiro de 1993, aproximadamente onze meses depois de sua prisão, quando o processo já se estava tramitando. Como não haviam sido informados da detenção desta pessoa, os funcionários consulares não puderam ajudá-lo durante sua detenção anterior ao julgamento, fase chave de todo julgamento por homicídio que pode dar lugar à imposição da pena capital. Uma vez inteiradas da situação desta pessoa, as autoridades consulares mexicanas começaram a prestar-lhe assistência jurídica e de outro tipo. 204. Os recursos interpostos pelo Sr. Moreno Ramos foram indeferidos pela Corte de Apelações Penal de Texas, que é uma corte federal de distrito, por uma corte de apelações dos Estados Unidos e pela Corte Suprema dos Estados Unidos. No curso dos recursos diretos ou colaterais formulados pelo Sr. Moreno Ramos nunca foi alegada a violação de seus direitos no marco da Convenção de Viena. Em 4 de novembro de 2002, o Sr. Moreno Ramos apresentou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, uma petição referente a violações de seus direitos humanos, bem como a solicitação de medidas cautelares. Em sua petição, o Sr. Moreno Ramos alega que o estado do Texas violou seu direito à notificação consular, entre outras violações de seus direitos humanos. A Comissão decretou Medidas Cautelares em 8 de novembro de 2002. 205. Como o Sr. Moreno Ramos esgotou os recursos primários de que dispunha nos Estados Unidos, o estado do Texas está facultado para dispor sua execução em qualquer momento . [21] Ídem, par. 281. [22] Estatuto da Corte Internacional de Justiça, artigo 34(1) (que dispõe que “somente os Estados poderão ser partes nos casos perante a Corte”); Protocolo Facultativo à Convenção de Viena sobre Relações Consulares referente à Jurisdição Obrigatória para a Solução de Controvérsias, artigo I (“as controvérsias originadas pela interpretação ou aplicação da Convenção serão submetidas obrigatoriamente à Corte Internacional de Justiça, que a este título poderá examiná-las a respeito de qualquer das partes na controvérsia que seja Parte no presente Protocolo”). [23] Ver, por exemplo, Caso No. 11.827, Relatório No. 96/98, Peter Blaine (Jamaica), Relatório Anual da CIDH 1998, par. 43. [24] Ídem, par. 45. [25] Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Mérito, Sentença de 29 de julho de 1988, Ser. C No. 4, (1988), par.s 64-66. [26] Petição de 2 de novembro de 2002, pág. 6, em que se cita o Código de Procedimento Penal do Texas 11.071, Sec/ 5 (a); 28 U.S.C/ § 2244(b)(2). [27] Petição de 2 de novembro de 2002, pág. 5, em que se cita Breard contra Greene, 523 U.S. 371 (1998). [28] Ver Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez, Objeções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1989, Ser. C No. 1 (1994), par. 94. [29] Conforme a jurisprudência pacífica da Comissão, ela analisará e decidirá os casos em que pode ser imposta a pena capital através de uma investigação mais severa para ter a certeza de que toda privação do direito à vida que um Estado membro da OEA se proponha a realizar através da imposição da pena de morte cumpra estritamente com os requisitos dos instrumentos interamericanos de direitos humanos aplicáveis. Ver Relatório No. 57/96 (Andrews contra Estados Unidos), Relatório Anual da CIDH 1997, par.s 170-171; Relatório No. 38/00 (Baptiste contra Grenada), Relatório Anual da CIDH 1999, par.s 64-66; Relatório No. 41/00 (McKenzie e outros contra Jamaica), Relatório Anual da CIDH 1999, par.s 169-171. [30] Ver Caso 12.243, Relatório No. 52/01, Juan Raúl Garza contra Estados Unidos, Relatório Anual da CIDH 2000, par. 117; CIDH, Quinto Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na Guatemala, Doc/ OEA/Ser.L/V/II.111 doc/21 rev. (6 de abril de 2001), par.s 71, 72. Ver, Corte IDH, Medidas Provisórias adotadas no Caso James e outros, Resolução de 29 de agosto de 1998, Series E; Corte Internacional de Justiça, Case Concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Alemania contra Estados Unidos de América), Solicitação de indicação de Medidas Provisórias, Ordem de 3 de março de 1999, CIJ, Lista Geral No. 104, par.s 22-28; Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, Dante Piandiong and others contra The Philippines, Comunicação No. 869/1999, Doc/ da s Nações Unidas CCPR/C/70/D/869.1999 (19 de outubro de 1999), par.s 5.1-5.4; Corte Européia de DH, Affaire Mamatkulov et Abdurasulovic contra Turkey, Sol. Nos. 46827/99, 46951/99 (6 de fevereiro de 2003), par.s 104-107. |