RELATÓRIO N° 100/03
CASO 12.240
MÉRITO
DOUGLAS CHRISTOPHER THOMAS
ESTADOS UNIDOS
29 de dezembro de 2003
I.
RESUMO
1. Em 4 de janeiro de 2000, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada, “a Comissão”)
recebeu a petição da mesma data, do Sr. Robert Lee, do Capital
Representation Resource Center (doravante denominado “o peticionário”)
contra os Estados Unidos da América (doravante denominados “Estados
Unidos” ou “o Estado”). A petição foi apresentada em nome de Douglas
Christopher Thomas, cidadão dos Estados Unidos, maior de idade
naquela ocasião, recluído à espera de execução no Estado de Virginia,
a qual havia sido fixada para o dia 10 de janeiro de 2000, e que
finalmente foi realizada segundo o programado. Na petição se alega
que o Sr. Thomas esgotou os recursos internos e, portanto, que as
denúncias da petição são admissíveis. Na petição se alega
também que os Estados Unidos são responsáveis pela violação dos
artigos I, II, VII e XXVI da Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração”), do direito
internacional consuetudinário e de uma norma de jus cogens, pois o
Sr. Thomas tinha 17 anos de idade quando foi acusado de cometer o delito
que deu origem à sua condenação por homicídio.
2. Até a data do presente relatório, o
Estado não havia proporcionado as observações sobre a admissibilidade ou o
mérito da petição.
3. Tendo em vista as circunstâncias
excepcionais do caso, a Comissão decidiu considerar a admissibilidade da
petição do Sr. Thomas juntamente com o mérito da mesma, de acordo
com o artigo 37 (3) de seu Regulamento.
4. Ao considerar a petição, a Comissão
declarou admissíveis as denúncias apresentadas em nome do Sr. Thomas a
respeito dos artigos I, II, VII e XXVI da Declaração
Americana. Quanto ao mérito da petição, a Comissão concluiu que o
Estado atuou em contravenção de uma norma internacional de jus cogens
compreendida no direito à vida consagrado no artigo I da
Declaração Americana ao executar o Sr. Thomas por um delito que havia
comprovadamente cometido aos 17 anos de idade, e recomendou ao Estado que
outorgasse aos familiares próximos do Sr. Thomas uma reparação efetiva que
incluisse uma indenização. Por último, a Comissão considerou que os
Estados Unidos não atuou de acordo com suas obrigações fundamentais
em matéria de direitos humanos, como membro da Organização dos
Estados Americanos, ao permitir a execução do Sr. Thomas estando pendentes
os resultados do procedimento iniciado perante à Comissão.
II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
5. Em 6 de janeiro de 2000, a
Comissão remeteu ao Estado as partes pertinentes da petição,
solicitando-lhe informação a respeito dentro de 90 dias,
segundo o disposto no artigo 34 (5) de seu Regulamento. Na
mesma comunicação, a Comissão solicitou que os Estados Unidos suspendessem
a execução do Sr. Thomas, maior de idade naquela ocasião, fixada
para o dia 10 de janeiro de 2000, enquanto estivesse pendente sua
investigação dos fatos alegados. Por meio de uma nota da mesma data,
a Comissão também informou ao Governador do Estado de Virginia da
petição interposta em nome do Sr. Thomas e lhe solicitou que o governo de
Virginia tomasse as medidas necessárias para suspender a execução até
que a Comissão concluísse a investigação.
6. Em 11 de janeiro de 2000, o Estado
informou à Comissão que o poder executivo federal dos Estado Unidos não
participou do caso do Sr. Thomas antes de receber o pedido de
informação da Comissão de 6 de janeiro de 2000, e confirmou que a
execução do Sr. Thomas havia sido realizada pelo Estado de Virginia
em 10 de janeiro de 2000, depois que a Suprema Corte dos Estados Unidos
denegou sua suspensão. O Estado também indicou que prepararia uma
resposta completa à comunicação dos peticionários, em consulta com
autoridades pertinentes do Estado, e que, entretanto, negava as alegações
formuladas na petição e se reservava o direito de responder
plenamente, de acordo com os procedimentos da Comissão.
7. Em 11 de maio de 2000, o Estado
pediu uma prorrogação de 45 dias para responder a petição. Em 15 de
maio de 2000, a Comissão outorgou a prorrogação ao Estado e lhe indicou
que suas observações sobre o caso deveriam ser submetidas dentro de
45 dias, a partir da data da correspondência da
Comissão.
8. Em comunicações ao Estado e ao
peticionário datadas de 18 de maio de 2003, a Comissão informou às
partes que, devido as circunstâncias excepcionais e, de
conformidade com o artigo 37(3) de seu Regulamento, havia iniciado o
caso sobre a denúncia dos peticionários, mas havia prorrogado sua
análise de admissibilidade para o debate e a decisão sobre o mérito
da matéria. Ademais, de conformidade com o artigo 38(1)
do Regulamento da Comissão, esta pediu aos peticionários que
enviassem toda observação adicional que pudessem ter sobre o mérito do
caso dentro de um prazo de dois meses, a partir da data de
recebimento da comunicação da Comissão.
9. Em 25 de julho de 2003, a Comissão
informou ao Estado que, até a data da correspondência da
Comissão, não havia recebido nenhuma observação adicional do peticionário.
Na mesma nota, a Comissão solicitou ao Estado que apresentasse toda
observação adicional que tivesse sobre o mérito da petição dentro de
um período de dois meses, de conformidade com o artigo 38(1) de seu
Regulamento.
10.
Até a data do presente relatório, a Comissão não havia recebido nenhuma
observação do Estado sobre a admissibilidade ou o mérito da
petição.
III.
POSIÇÃO DAS PARTES
A.
Posição dos peticionários
11. De acordo com a informação submetida pelo
peticionário, em agosto de 1991, Douglas Christopher Thomas, cidadão dos
Estados Unidos, declarou-se culpado no Estado de Virgínia de
homicídio em primeiro grau contra J.B. Wiseman, foi julgado como adulto e
declarado culpado do homicídio punível com pena capital de Kathy Wiseman,
e foi sentenciado à morte pela condenação punível com pena
capital e a 67 anos de prisão pela condenação de homicídio em
primeiro grau. J.B. e Kathy Wiseman eram pais da noiva do Sr.
Thomas, Jessica Wiseman, e foram mortos a tiros enquanto dormiam em sua
cama. O Sr. Wiseman morreu imediatamente com o primeiro disparo que
atingiu o tórax. Kathy Wiseman foi atingida com disparos na face.
Ela levantou-se da cama e caminhou pelo corredor em direção ao quarto de
Jessica, mas ao parar de frente à porta do quarto, recebeu um segundo
disparo, que ocasionou sua morte instantânea. Ao sentenciar ao Sr.
Thomas pela morte da Sra. Wiseman, o júri determinou, como
fator agravante, que sua conduta ao cometer o homicídio era cruel, atroz
ou desumana. No momento de cometer os delitos, o Sr.
Thomas tinha 17 anos de idade.
12. Quanto à admissibilidade da petição, o
peticionário argumenta que o Sr. Thomas esgotou os recursos internos sobre
as questões formuladas perante à Comissão. Em particular, os
peticionários alegam que o Sr. Thomas apelou perante à Corte Suprema de
Virgínia, que confirmou sua sentença em 5 de junho de 1992,
e que a
Suprema Corte denegou seu recurso de certiorari em 2 de novembro de 1992.
Em 26 de julho de
1993, o Sr. Thomas apresentou um pedido de habeas corpus perante o
Tribunal do Estado de Virgínia, e a Suprema Corte de Virgínia desestimou
sumariamente sua petição, sem celebrar audiência, em 17 de junho de 1996.
O Sr. Thomas impetrou uma petição de habeas corpus perante o
Tribunal de Distrito dos Estados Unidos para o Distrito Oriental de
Virgínia, que a denegou em 11 de junho de 1998.
O Tribunal de
Apelações do Quarto Circuito confirmou a decisão do Tribunal distrital e a
Corte Suprema dos Estados Unidos denegou sua petição de certiorari em 16
de junho de 1999.
À essa altura das
atuações, a execução do Sr. Thomas foi programada para o dia 16 de junho
de 1999.
13. Após a primeira série de petições de habeas
corpus, o Sr. Thomas impetrou um segundo habeas corpus e uma
apelação perante à Corte Suprema de Virgínia. Depois de suspender
sua execução e acelerar o litígio do caso, em 5 de novembro de 1999, a
Corte denegou a petição de habeas corpus e, por ordem separada,
indeferiu a apelação. Em 12 de novembro de 1999, o Sr. Thomas
apresentou então uma notificação de intenção de solicitar um novo
julgamento para cada uma das matérias, depois que o Procurador Geral de
Virgínia aplicou a lei que obriga a fixar uma data de execução,
solicitando que a mesma fosse efetuada em 10 de janeiro de 2000, data
deferida pelo Tribunal de Circuito do Estado. Em 3 de dezembro de
1999, o Sr. Thomas apresentou um pedido de nova audiência, e em 27 de
dezembro de 1999 apresentou uma emenda ao pedido de nova audiência, uma
petição de habeas corpus e um pedido de suspensão da execução
perante à Corte Suprema de Virgínia, mas todos foram indeferidos em última
instância. Em 10 de janeiro de 2000, depois da apresentação da
petição perante à Comissão, a Corte Suprema dos Estados Unidos indeferiu o
pedido de certiorari do Sr. Thomas a respeito destas decisões. Em
sua petição final de habeas corpus, o Sr. Thomas formulou
reivindicações similares às apresentadas perante à Comissão na
presente petição, a saber, a afirmação de que o direito internacional
consuetudinário e uma norma de jus cogens vinculante para os
Estados Unidos proibem a imposição da pena de morte aqueles que eram
menores de 18 anos quando cometeram os delitos.
14. O peticionário argumenta que, com base nestas
circunstâncias, deve-se entender que o Sr. Thomas esgotou, ou teria
esgotado os recursos internos, posto que procurou uma reparação de sua
sentença de morte perante à Suprema Corte de Virgínia em três ocasiões e
tinha uma quarta petição pendente. Ademais, o peticionário observa
que a quarta e última petição do Sr. Thomas de uma reparação consistia
unicamente em questões vinculadas à sentença de morte ilegal de que foi
objeto por delitos cometidos quando tinha 17 anos de idade. O
peticionário também observa que o poder executivo dos Estados Unidos
aconselhou contra a revisão da Suprema Corte da questão da
pena de morte a delinquentes juvenis e que a Corte Suprema dos Estados
Unidos aceitou examinar a questão apenas em 1999, no caso de
Domínguez contra Nevada.
15. O peticionário também indica que a matéria de
sua petição não está pendente de solução de acordo com nenhum outro
procedimento aplicável perante uma organização governamental
internacional. Ademais, o peticionário declara que a petição foi
interposta no prazo, ou seja, dentro dos seis meses a partir do
indeferimento da petição de certiorari do Sr. Thomas pela
Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1º de outubro de 2001 .
16. Com relação ao mérito de sua petição, os
peticionários alegam que o Estado violou o artigo 1 da Declaração
Americana posto que existe uma norma internacional de jus cogens
que proibe a pena de morte contra delinquentes juvenis.
17. O peticionário argumenta a este respeito que,
em sua decisão de 1986 - caso de James Terry Roach e Jay Pinkerton,
a Comissão
Interamericana chegou à conclusão de que existia uma norma de jus
cogens reconhecida que proíbe a execução de menores, mas não
pronunciou uma decisão judicial sobre a questão da pena de morte
contra delinquentes juvenis porque chegou à conclusão de que não existia
um consenso acerca da idade da norma jus cogens. Os
peticionários argumentam que a norma de jus cogens está definida no
contexto do artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados como “uma norma aceita e reconhecida pela
comunidade internacional de Estados em seu conjunto, como norma que
não admite acordo em contrário e que somente pode ser modificada por uma
norma posterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter.”
O peticionário
também argumenta que, na medida em que as práticas das nações
evoluem e se conformam ao longo dos anos, a interpretação e
aplicação pela Comissão da Declaração Americana deve
adaptar-se à essas normas e, ademais, que a ratificação de tratados é uma
prática dos Estados que pode dar lugar à evolução positiva das
normas de direito internacional consuetudinário que são vinculantes.
18. De acordo com o peticionário, a Comissão pode
constatar a existência de um consenso internacional acerca da idade mínima
que exige a norma de jus cogens examinando os tratados mundiais que
proíbem a aplicação da pena de morte a menores de 18 anos no
momento da comissão dos delitos. Estes instrumentos
incluem: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
a Convenção
da ONU sobre os Direitos da Criança,
a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos,
o Quarto Convênio de
Genebra Relativo à Proteção de Civis em tempos de Guerra,
e o Primeiro e Segundo
Protocolos Adicionais aos Convênios de Genebra de 1949.
19. O peticionário também refere-se ao trabalho de
importantes organizações multinacionais no estabelecimento de uma
norma universal de jus cogens. Em particular, faz referência
às resoluções e normas adotadas pela Comissão de Direitos Humanos
das Nações Unidas,
o Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas,
e a Subcomissão da
ONU sobre a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos
que, de acordo com o
peticionário, militam contra a execução de menores de 18 anos no
momento de cometer o delito.
20. Por último, o peticionário argumenta que a
Comissão deve examinar a prática das nações para determinar se foi
estabelecida uma norma de jus cogens. Afirma que, desde 1990,
somente seis Estados executam menores que eram menores de 18 anos no
momento em que cometeram os delitos, a saber, Irã, Nigéria, Paquistão,
Arábia Saudita, Iêmen, e os Estados Unidos.
Adicionalmente, o peticionário argumenta que alguns estados dentro dos
Estados Unidos vem seguindo recentemente a proibição de jus cogens
ao proibir a execução de delinquentes de 16 anos.
21. Além de argumentar que a proibição contra a
execução de menores que tinham menos de 18 anos no momento de
cometer o delito é uma norma de jus cogens, o peticionário afirma
que os Estados Unidos omitiram em impedir que os estados apliquem a pena
de morte a delinquentes juvenis, e que isto deu lugar a uma arbitrariedade
legislativa sistemática nos Estados Unidos, que causa a privação
arbitrária da vida e a desigualdade perante à lei, em contravenção
dos artigos I e II da Declaração. A este respeito,
o peticionário cita a decisão desta Comissão no caso Roach e
Pinkerton, no qual, com base nas provas apresentadas nesse caso,
defendeu-se que a omissão dos Estados Unidos, ao não tirar faculdade dos
estados em torno da questão da pena de morte contra delinquentes
juvenis, resultou na privação arbitrária da vida e a desigualdade
perante à lei, em contravenção dos artigos I e II da
Declaração.
22. Os peticionários afirmam que, no momento de
apresentar esta petição, a aplicabilidade da pena de morte a
delinquentes juvenis nos Estados Unidos registrava uma total desordem,
posto que oito estados tinham leis específicas que autorizavam a pena de
morte contra delinquentes de 16 anos, cinco estados fixavam a idade mínima
de 17 anos, 15 e o governo federal fixavam a idade mínima de 18, nove não
especificavam em sua legislação idade alguma e 13 proibiam a pena de morte
absolutamente.
Os
peticionários também observam que, de acordo com a legislação de
Virgínia, delinquentes juvenis de apenas 14 anos de idade poderiam ser
condenados e sentenciados como adultos e que não há exceção para a pena de
morte nesta legislação.
Portanto, os
peticionários argumentam que, desde a decisão em Roach e Pinkerton, os
Estados Unidos não fizeram de fato nada para uniformizar a prática dos
estados quanto à execução de delinquentes juvenis, motivo pelo qual
continua a violação das obrigações impostas pelo artigos I e II da
Declaração.
23. Por último, o peticionário argumenta que a
reserva dos Estados Unidos ao artigo 6(5) do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos não é válida posto que viola os términos
do tratado e o objeto e propósito deste, e porque contravém uma norma de
jus cogens. Neste sentido, o peticionário observa que o
artigo 6 do Pacto está expressamente incluído entre os dispositivos do
mesmo que não admitem derrogação, nem sequer em situações de emergência
pública. Também afirma que o Comitê de Direitos Humanos da ONU
declarou inválida a reserva dos Estados Unidos sobre o artigo 6(5),
e que a
reserva também provocou a objeção direta de pelo menos 11 países
signatários que, da mesma forma, a condenam como inválida.
24. Além disso, o peticionário argumenta que a
reserva dos Estados Unidos é inválida por ser contrária ao objeto e
propósito do tratado, pois o Pacto é um tratado de direitos humanos que
destina-se a proteger as pessoas dentro da jurisdição dos
Estados Partes, e no qual o direito à vida é um direito humano
fundamental, que se expressa em todo seu contexto. Na
medida em que a reserva dos Estados Unidos contravém a condição do artigo
6(5) do Pacto que proibe a execução de pessoas que, no
momento de cometer o delito tinham menos de 18 anos, o peticionário
argumenta que este não pode conciliar-se com o objeto e propósito
fundamental do artigo 6 especificamente e do Pacto, em geral. Em
respaldo a seu argumento, o peticionário cita a conclusão do Comitê de
Direitos Humanos da ONU, de 1995, de que a reserva dos Estados
Unidos ao artigo 6(5) era incompatível com o objeto e propósito do Pacto.
O
peticionário também faz referência ao artigo 53 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados, de acordo com o qual será nulo
todo tratado que, na data de sua elaboração, entre em conflito com uma
norma peremptória de direito internacional, e afirma que, se esta
disposição proíbe que os Estados elaborem um tratado que viole uma norma
de jus cogens, isto impede que os Estados apresentem reservas em
relação à uma disposição de um tratado que viole o jus cogens.
25. Com base nos argumentos que antecedem, o
peticionário defende que a petição é admissível, e que o Estado é
responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas
consagrados nos artigos I, II, VII e XXVI da Declaração
Americana e da violação de uma norma de jus cogens.
B.
Posição do Estado
26. Como indicado anteriormente, apesar do pedido
inicial de observações remetido pela Comissão ao Estado em 6 de
janeiro de 2000, e da concessão ao Estado de uma prorrogação de 45
dias, em 15 de maio de 2000, e de seus pedidos de observações adicionais
remetidos em 25 de julho de 2003 ao Estado em relação ao mérito da
petição, até a data do presente relatório a Comissão não havia recebido
observação alguma dos Estados Unidos sobre a admissibilidade ou sobre o
mérito do caso.
IV.
ADMISSIBILIDADE
27. A Comissão examina a admissibilidade da
presente denúncia de acordo com os artigos 30 e 34 de seu Regulamento, e
formula as seguintes observações.
A.
Competência da Comissão ratione pessoae, ratione materiae,
ratione temporis e ratione loci
28. A Comissão é competente para examinar a
petição em questão. Conforme o disposto no artigo 23 do Regulamento
da Comissão, os peticionários têm autoridade para apresentar
denúncias que alegam violações dos direitos protegidos pela
Declaração Americana. A suposta vítima, Douglas Christopher Thomas,
é uma pessoa cujos direitos estão protegidos em virtude da
Declaração Americana, cujas disposições o Estado deve respeitar de acordo
com a Carta da OEA, o artigo 20 do Estatuto da Comissão e o
artigo 49 do Regulamento da Comissão. Os Estados Unidos estão
sujeitos à jurisdição da Comissão desde 19 de junho de 1951, data em
que depositou seu instrumento de ratificação da Carta da OEA.
29. Dado que os peticionários apresentaram
denúncias que alegam violações dos artigos I, II, VII, e XXVI da
Declaração Americana, a Comissão é competente ratione materiae para
examiná-las.
30. A Comissão é competente ratione temporis
para examinar as denúncias já que a petição alega fatos que ocorreram em
26 de agosto de 1991, data em que o Sr. Thomas foi sentenciado
à morte. Portanto, os fatos alegados ocorreram posteriormente,
na data em que as obrigações contraídas pelos Estados Unidos no
marco da Declaração Americana entraram em vigor.
31. Por último, a Comissão é competente ratione
loci, dado que a petição indica que a suposta vítima estava sob a
jurisdição dos Estados Unidos no momento em que ocorreram os eventos
alegados, os quais segundo a informação disponível, ocorreram dentro do
território desse Estado.
B.
Duplicidade de procedimentos
32. Não existe informação nos autos que indique
que a matéria das denúncias do Sr. Thomas tenha sido apresentada
previamente à Comissão ou perante nenhum outro órgão internacional de que
os Estados Unidos seja membro. O Estado não contestou a questão da
duplicação de procedimentos. Portanto, a Comissão não encontra nenhum
impedimento à admissibilidade da denúncia dos peticionários, de acordo com
o artigo 33 de seu Regulamento.
C.
Esgotamento dos recursos internos
33. O artigo 31(1) do Regulamento da
Comissão especifica que, para que um caso seja admitido, a Comissão deve
verificar se foram utilizados e esgotados os recursos do sistema jurídico
interno, de acordo com princípios geralmente reconhecidos de direito
internacional. De conformidade com o artigo 31(2) do Regulamento da
Comissão, porém, as disposições do artigo 31(1) não são aplicadas quando,
entre outros, não se tenha permitido ao suposto ofendido em seus direitos
o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou tenha sido impedido
de esgotá-los. A jurisprudência
do sistema interamericano também deixa claro que a norma que requer o
esgotamento prévio da via interna tem o propósito de beneficiar o Estado
posto que a mesma procura isentá-lo de ter que responder à acusações
perante um órgão internacional por atos imputados contra ele, antes de que
tenha tido a oportunidade de repará-los por meios internos. O
requisito é considerado, pois um meio de defesa e, como tal, é possível
renunciar ao mesmo, inclusive tacitamente. Ademais, esta renúncia a
invocar o requisito, uma vez efetuada, é irrevogável.
Diante desta renúncia, a Comissão não está obrigada a considerar algum
impedimento potencial à admissibilidade das denúncias do peticionário que
poderia ter sido devidamente invocado pelo Estado em relação ao
esgotamento dos recursos internos.
34. No presente caso, o Estado não aportou
observação ou informação alguma a respeito da admissibilidade da
denúncia do Sr. Thomas, com a qual tenha renunciado implícita ou
tacitamente ao seu direito de objetar a admissibilidade das denúncias
incluindo o requisito de esgotamento da via interna.
Ademais, o expediente disponível à Comissão indica que o Sr. Thomas
recorreu a instâncias de apelação
e
posteriormente a condenação perante à justiça do Estado e à justiça
federal dos Estados Unidos,
incluindo duas ações de
habeas corpus perante à justiça do Estado. No curso de sua
segunda petição de habeas corpus, o Sr. Thomas formulou a questão
de jus cogens interposta perante esta Comissão, a saber, a
afirmação de que o direito internacional consuetudinário é uma norma de
jus cogens que obrigam os Estados Unidos a proibir a imposição da
pena de morte à pessoas que tivessem menos de 18 anos no momento de
cometer o delito.
Este procedimento,
assim como os anteriores, em última instância fracassou quando a Corte
Suprema dos Estados Unidos indeferiu a petição de certiorari em 10 de
janeiro de 2000, e o Sr. Thomas foi executado nesse mesmo dia.
35. Em consequência, com base na informação
disponível, a Comissão considera que a petição do Sr. Thomas é admissível
segundo as disposições do artigo 31 de seu Regulamento.
D.
Apresentação da petição no prazo
36. De acordo com o artigo 32(1) do Regulamento da
Comissão, a Comissão deve abster-se de aceitar petições apresentadas
depois de transcorridos os seis meses contados a partir da data em
que a suposta vítima tenha sido notificada da decisão que esgota os
recursos internos. No presente caso, a petição foi apresentada em 5
de janeiro de 2000 e, portanto, não depois da data do indeferimento
pela Corte Suprema dos Estados Unidos da ação de certiorari
interposta pelo Sr. Thomas, em 10 de janeiro de 2000. O Estado não
disputou especificamente a apresentação no prazo da petição dos
peticionários. Por conseguinte, a Comissão conclui que não encontra
obstáculo algum para considerar a petição dos peticionários,
conforme o artigo 32 do Regulamento da Comissão
E.
Caracterização da denúncia
37. A Comissão descreveu na Parte III deste
relatório as alegações substantivas dos peticionários,
às quais o Estado não respondeu. Depois de examinar cuidadosamente a
informação e os argumentos que constam do expediente conforme o
escrutínio rigoroso que aplica nos casos de pena capital,
e sem prejulgar o mérito
da matéria, a Comissão considera que na petição se afirmam fatos que
tendem a estabelecer uma violação dos direitos consagrados na
Declaração Americana e não é manifestamente improcedente ou extemporânea.
Em consequência, a Comissão conclui que a petição não deve ser declarada
inadmissível de acordo com o artigo 34 do Regulamento.
F.
Conclusões sobre a admissibilidade
38. De acordo com a análise anterior acerca dos
requisitos dos artigos 30 a 34 do Regulamento da Comissão, e
sem prejulgar sobre o mérito da matéria, a Comissão decide declarar
admissível as denúncias apresentadas em nome do Sr. Thomas a respeito dos
artigos I, II, VII e XXVI da Declaração Americana e continuar com a
análise do mérito do caso.
V.
MÉRITO
39. O peticionário afirma que os Estados Unidos
são responsáveis pela violação dos artigos I e II da
Declaração Americana porque o Sr. Thomas tinha 17 anos quando cometeu o
delito pelo qual foi condenado e sentenciado à morte. O
peticionário baseia-se na decisão da Comissão no caso de
Roach e Pinkerton contra Estados Unidos, em que a Comissão concluiu
que existia uma norma reconhecida de jus cogens que proíbe a
execução de menores, mas não formulou um decisão jurídica sobre a questão
da pena de morte contra delinquentes juvenis porque comprovou que
existia falta de consenso quanto à idade da norma de jus cogens.
O peticionário também argumenta que houve uma evolução internacional
suficiente desda a decisão da Comissão de 1986 em Roach e
Pinkerton para estabelecer a idade dos 18 anos como a norma de
jus cogens.
40. A Comissão recorda que, em sua recente decisão
no caso de Michael Domíngues contra os Estados Unidos,
concluiu
que o estado de direito internacional havia evoluído desde a decisão
da Comissão de 1987 no caso de Roach e Pinkerton e que proibia
como norma de jus cogens a execução de pessoas que tivessem menos
de 18 anos no momento de cometer o delito. Para chegar à esta
conclusão, a Comissão analisou exaustivamente a evolução jurídica
política internacional e a prática dos Estados ao longo de mais de
14 anos, transcorridos de 1987 a 2001, em relação à execução de
delinquentes juvenis. Esta evidência inclui a promulgação e
ratificação de tratados, resoluções e normas das Nações Unidas, a prática
interna dos estados e a prática dos Estados Unidos. Com base
nesta evolução, a Comissão concluiu o seguinte:
84.
Na opinião da Comissão, as evidências descritas anteriormente ilustram
claramente que, ao persistir na prática de executar delinquentes menores
de 18 anos, os Estados Unidos se singulariza entre as nações do mundo
desenvolvido tradicional e no sistema interamericano, e ficou cada
vez mais isolado da comunidade mundial. As provas abundantes da
prática mundial dos Estados indicada ilustra a sintonia e
generalização entre os países no sentido de que a comunidade mundial
considera que a execução de delinquentes menores de 18 anos no momento de
cometer o delito é incompatível com as normas imperantes de decência.
Portanto, a Comissão opina que surgiu uma norma de direito internacional
consuetudinário que proibe a execução de delinquentes que tivessem menos
de 18 anos no momento em que cometeram o delito.
85.
Além disso, com base na informação disponível, a Comissão comprovou que
esta foi reconhecida como uma norma de carácter suficientemente
inalienável para constituir uma norma de jus cogens, evolução
prevista pela Comissão em sua decisão em Roach e Pinkerton.
Como assinalado anteriormente, quase todos os Estados nações rejeitaram a
imposição da pena capital à pessoas menores de 18 anos, em sua forma
mais explícita, através da ratificação do PIDCP, a Convenção da
ONU sobre os Direitos da Criança e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, tratados em que esta proscrição é reconhecida como não
derrogável. A aceitação desta norma engloba as fronteiras políticas e
ideológicas e os esforços de separar-se da mesma foram energicamente
condenados pelos integrantes da comunidade internacional como
não permitidos, segundo as normas contemporâneas de direitos
humanos. Com efeito, poderia-se dizer que os próprios Estados Unidos
reconheceram o significado desta norma ao prescrever a idade de 18 anos
como norma federal para a aplicação da pena capital e ao ratificar o
Quarto Convênio de Genebra sem reservas a esta norma. Com base
nisto, a Comissão considera que os Estados Unidos estão obrigados por uma
norma de jus cogens a não impor a pena capital a pessoas que não
haviam cumprido 18 anos de idade quando cometeram os delitos. Como
norma de jus cogens, esta proscrição obriga a comunidade dos
Estados, incluindo os Estados Unidos. A norma não pode ser
derrogada com validez, seja por tratado ou por objeção de um Estado,
persistente ou não.
41.
No presente caso, o Sr. Thomas foi executado pelo Estado de
Virgínia em 10 de janeiro de 2000, 21 meses antes do relatório preliminar
da Comissão no Caso Domíngues. A maior parte das provas
analisadas pela Comissão no caso Domíngues relacionava-se com
a prática internacional e dos Estados manifestada antes da
execução do Sr. Thomas em 10 de janeiro de 2000.
Portanto, a Comissão adota, para efeito do presente relatório, suas
conclusões do caso Domíngues e determina que, na data da execução do
Sr. Thomas, os Estados Unidos estavam igualmente obrigados por uma norma
de jus cogens que proibe a aplicação da pena de morte contra
pessoas que não tenham cumprido 18 anos quando cometeram o delito.
42. Consequentemente, a Comissão conclui que, ao
executar o Sr. Thomas por um delito cometido por este quando tinha 17
anos, os Estados Unidos são responsáveis pela violação do direito à
vida do Sr. Thomas em virtude do artigo I da Declaração Americana.
43. De acordo com a conclusão da Comissão de
que a execução do Sr. Thomas estava proibida em razão da idade que
tinha no momento em que havia cometido o delito em questão, a
Comissão não entende necessário considerar se a execução poderia também
violar os direitos protegidos pela Declaração Americana em razão da
aplicação da pena de morte contra delinquentes juvenis pelos
Estados de Estados Unidos ou a admissibilidade da reserva
apresentada pelos Estados Unidos ao artigo 6(5) do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos.
44. Por último, a Comissão considera importante
examinar o cumprimento por parte dos Estados Unidos do pedido que formulou
a este em 6 de janeiro de 2000 de que suspendesse a execução do Sr. Thomas
até que tramitasse a sua denúncia. A este respeito, a Comissão
observou anteriormente que as possibilidades de investigar e formular
determinações sobre casos de pena de morte, vem sendo frequentemente
afetada quando os Estados programam e efetuam a execução do condenado,
embora este tenha procedimentos pendentes perante à Comissão.
45. Para evitar esta situação inaceitável, a
Comissão solicita medidas cautelares aos Estados nos casos de pena capital
para que suspendam a execução dos reclusos condenados até que tenham
tido a oportunidade de investigar suas denúncias. A Comissão opina
no sentido de que os Estados Membros da OEA, ao criar a Comissão e dar-lhe
um mandato, através da Carta da OEA e de seu Estatuto, de
promover a observância e proteção dos direitos humanos dos
povos americanos, comprometeram-se implicitamente a implementar medidas
desta natureza quando resultam essenciais para a preservação desse
mandato. Conforme ressaltado pela Comissão em numerosas ocasiões, a
omissão dos Estados Membros da OEA na preservação da
vida de um recluso condenado, até que se examine sua denúncia,
afeta a eficácia do processo da Comissão, priva os condenados de
seus direitos de petição perante o sistema interamericano de direitos
humanos e dá lugar a um prejulgamento grave e irreparável para essas
pessoas. Por estas razões, a Comissão determinou que o Estado
Membro desconhece suas obrigações fundamentais em matéria de direitos
humanos conforme a Carta da OEA e os instrumentos afins quando não
aplica as medidas cautelares decretadas pela Comissão em tais
circunstâncias.
46. No presente caso, a execução do Sr.
Thomas foi realizada embora houvesse uma petição em trâmite perante
o sistema interamericano de direitos humanos e a Comissão tivesse pedido a
suspensão de sua execução. Ao permitir a execução do Sr. Thomas em
tais circunstâncias, a Comissão considera que os Estados Unidos minaram a
capacidade de seu processo para examinar a denúncia do Sr. Thomas,
privaram o Sr. Thomas de seu direito de petição perante o sistema
interamericano de direitos humanos e causaram ao Sr. Thomas um
prejulgamento grave e irreparável, e não obedeceram as obrigações
fundamentais de direitos humanos como membro da Organização dos
Estados Americanos. A Comissão considera que as omissões do Estado a
este respeito são sumamente graves e insta os Estados Unidos a adotarem as
medidas necessárias para dar cumprimento aos pedidos de medidas cautelares
da Comissão em outras denúncias presentes e futuras perante o
sistema interamericano.
VI.
TRÂMITE POSTERIOR AO RELATÓRIO Nº 52/03
47. A Comissão examinou este caso no curso
de seu 118° período ordinário de sessões e em 9 de outubro de 2003
aprovou o Relatório N° 52/03 de acordo com o artigo 43(2) de seu
Regulamento.
48. Em 29 de outubro de 2003, a Comissão remeteu o
Relatório N° 52/03 ao Estado, pedindo-lhe que o governo dos Estados
Unidos informasse à Comissão, dentro de um prazo de dois meses, acerca das
medidas que tivesse adotado para dar cumprimento às recomendações
formuladas para resolver a situação denunciada.
49. A Comissão não recebeu uma resposta do Estado
a seu pedido de informação dentro do prazo especificado em sua nota de 29
de outubro de 2003.
VII.
CONCLUSÕES
50. A Comissão, com base nas considerações de fato
e de direito expostas anteriormente e, na ausência de uma resposta do
Estado ao Relatório N° 52/03, ratifica as seguintes conclusões.
51. A Comissão conclui que a denúncia do
peticionário é admissível quanto à suposta violação dos artigos I,
II, VII e XXVI da Declaração Americana.
52. A Comissão também conclui que o Estado
atuou em contravenção a uma norma de jus cogens internacional
refletida no artigo I da Declaração Americana ao sentenciar
Douglas Christopher Thomas à pena de morte por delitos que havia cometido
quando tinha 17 anos, e ao executá-lo de conformidade com essa sentença.
VIII.
RECOMENDAÇÕES
53. De acordo com a análise e as conclusões que
constam no presente relatório,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS REITERA SUAS
RECOMENDAÇÕES AOS ESTADOS UNIDOS NO SENTIDO DE QUE
1.
Conceda aos familiares mais próximos de Douglas Christopher Thomas uma
reparação efetiva que inclua uma indenização.
2.
Examine suas leis, procedimentos e práticas para garantir que a pena de
morte não seja imposta contra aqueles que tivessem menos de 18 anos
de idade no momento em que cometeram o delito.
IX.
NOTIFICAÇÃO E PUBLICAÇÃO
54. Tendo em consideração o exposto anteriormente
e as circunstâncias excepcionais do presente caso, em que as violações
determinadas referem-se à aplicação de leis que permitam a execução de
menores de 18 anos e em que o Estado não informou à Comissão de nenhuma
medida que tenha adotado para dar cumprimento às suas recomendações,
a Comissão,
em virtude dos artigos 45(2) e (3) de seu Regulamento, decidiu não
estabelecer um novo prazo antes da publicação para que as partes
apresentem informação sobre o cumprimento das recomendações,
remeter este relatório ao
Estado e aos representantes do peticionário, publicar o presente relatório
e incluí-lo no Relatório Anual da Assembléia Geral da
Organização dos Estados Americanos. A Comissão, de acordo com
as normas contidas nos instrumentos que regem seu mandato, seguirá
avaliando as medidas que forem adotadas pelos Estados Unidos em relação às
recomendações mencionadas, até que as mesmas tenham sido cumpridas
por este Estado.
Aprovado
pela Comissão no dia 29 de dezembro de 2003, José Zalaquett,
Presidente; Clare Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Susana Villarán,
Segunda Vice-Presidenta; e Julio Prado Vallejo, Comissionado.