RELATÓRIO
N° 98/03
CASO 11.204
MÉRITO
STATEHOOD
SOLIDARITY COMMITTEE
ESTADOS UNIDOS
29 de dezembro de 2003
I.
RESUMO
1.
Em 1 de abril de 1993, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(doravante denominada "a Comissão"), recebeu uma petição de Timothy Cooper
em nome de Statehood Solidarity Committee (doravante denominado
"os peticionários") contra o governo dos Estados Unidos (doravante
denominado "o Estado" ou "Estados Unidos"). Na petição se indica que
a mesma era apresentada em nome dos membros do Statehood
Solidarity Committee e de todos os demais cidadãos do Distrito de
Columbia.
2.
Na petição se alega também que todos os esforços para interpor os recursos
internos disponíveis tinham fracassado, que todos os recursos internos
tinham sido esgotados e, portanto, a petição era admissível. Também
se alega que os Estados Unidos são responsáveis pela violação dos artigos
II (direito à igualdade perante a lei) e XX (direito ao voto e a
participar do governo) da Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem, em relação a impossibilidade de os cidadãos do Distrito de
Columbia votaran e elegerem membros do Congresso dos Estados Unidos.
3.
O Estado argumenta que a petição não é admissível por não ter esgotado os
recursos internos perante os tribunais dos Estados Unidos, e que a petição
não estabelece uma denúncia em relação aos artigos II e XX da Declaração
Americana. De acordo com o Estado, o estatuto especial outorgado ao
Distrito de Columbia baseia-se somente na geografia e não em nenhuma
característica individual, como a raça, o gênero, a crença ou
características de outra índole, motivo pelo qual não constitui uma
violação dos direitos humanos. O Estado também alega que os
residentes do Distrito de Columbia não estão excluidos do processo
político dos Estados Unidos e que a impossibilidade de que os residentes
do Distrito de Columbia elegam por votação os membros do Congresso envolve
questões de direitos constitucionais e estrutura federal que devem
restringir-se ao âmbito do debate e o processo decisório políticos.
4.
Conforme determinado no presente relatório, após examinar a
informação e os argumentos submetidos pelas partes sobre a questão da
admissibilidade, e sem prejuízo dos méritos da questão, a Comissão
decide admitir a presente petição em relação aos artigos II e XX da
Declaração Americana. Ademais, depois de examinar os méritos das
denúncias dos peticionários, a Comissão conclui que o Estado é
responsável pela violação dos direitos dos peticionários consagrados
nos artigos II e XX da Declaração Americana por negar-lhes uma
oportunidade efetiva de participar no órgão legislativo federal.
II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
5.
Após a interposição da petição pelos peticionários em 1 de abril de
1993, a Comissão, mediante comunicações enviadas ao Estado e aos
peticionários de 28 de maio de 1993 e 16 de setembro de 1993, outorgou a
estes uma audiência sobre sua denúncia, que foi fixada para o dia 4 de
outubro de 1993. Em 1 de setembro de 1993, ou cerca desta data, os
peticionários apresentaram à Comissão um documento intitulado "Comunicação
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos do Peticionário Statehood
Solidarity Committee, em relação a Admissibilidade da Petição de 1 de
abril de 1993." A Comissão posteriormente remeteu as partes
pertinentes deste documento ao Estado, por nota de 14 de novembro de 1994.
6.
A audiência perante a Comissão foi convocada para o dia 4 de outubro de
1993. Durante a audiência, os peticionários formularam exposições
verbais em relação à admissibilidade e os méritos da denúncia, e
submeteram a Comissão documentos em relação a sua intenções de esgotar os
recursos internos e o exercício da autoridade parlamentar no Distrito de
Columbia. Depois da audiência, os peticionários enviaram à Comissão
um novo documento relativo ao esgotamento de suas denúncias de 12 de
outubro de 1993, intitulado "Memorando sobre o Esgotamento."
7.
Posteriormente, em 8 de outubro de 1993, a Comissão decidiu iniciar o Caso
N° 11.204 a respeito da denúncia dos peticionários e remeteu as partes
pertinentes da petição ao Estado, solicitando-lhe que proporcionasse
informação a respeito da comunicação dentro dos 90 dias, segundo o
estabelecido pelo Regulamento anterior da Comissão. Em nota da mesma data, a Comissão informou aos
peticionários sobre as medidas adotadas e solicitou-lhes uma resposta ao
Estado.
8.
Mediante comunicação de 14 de janeiro de 1994, o Estado solicitou uma
prorrogação até o dia 15 de fevereiro de 1994 para preparar uma
resposta à petição. Posteriormente, por comunicação de 15 de
fevereiro de 1994, o Estado solicitou uma nova prorrogação até o dia 17
de março do mesmo ano para examinar a petição apresentada pelos
peticionários e preparar uma resposta, e em 18 de março de 1994, voltou a
pedir prorrogação até o dia 18 de abril de 1994, prazo dentro do qual
responderia a petição. Em 29 de março de 1994, a Comissão concedeu o
pedido do Estado.
9.
Em 25 de abril de 1994, o Estado apresentou à Comissão suas observações
sobre a petição. Em 13 de maio de 1994, a Comissão remeteu as partes
pertinentes das observações do Estado aos peticionários, solicitando-lhe
uma resposta dentro de 30 dias.
10.
Em 13 de junho de 1994, os peticionários pediram prorrogação de um mês
para responder às observações do Estado de 25 de abril de 1994,
solicitação que foi concedida pela Comissão em 14 de julho de 2000.
11.
Os peticionários posteriormente enviaram à Comissão, por comunicação
datada de 18 de julho de 1994, sua resposta às observações do Estado à
petição. Em nota de 21 de julho de 1994, a Comissão remeteu as
partes pertinentes da resposta dos peticionários ao Estado,
solicitando-lhes suas observações dentro dos 60 dias.
12.
Em 19 de setembro de 1994, o Estado pediu que fossem esclarecidas algumas
discrepâncias entre a resposta dos peticionários e documentos em posse do
Estado em relação ao caso, e que lhe fosse concedido um prazo de 60 dias a
partir da data da esclarecimento dessas discrepâncias para responder as
observações dos peticionários.
13.
Mediante nota de 14 de novembro de 1994, a Comissão submeteu ao Estado
respostas a suas solicitações de esclarecimento e lhe outorgou uma
prorrogação de 60 dias para responder as observações dos peticionários.
Em 23 de dezembro de 1994, o Estado pediu uma nova prorrogação até 27 de
janeiro de 1995 para responder as observações dos peticionários.
14.
Em uma carta dirigida à Comissão datada de 20 de dezembro de 1994, os
peticionários solicitaram uma segunda audiência sobre a matéria, a qual
foi concedida pela Comissão mediante nota de 20 de janeiro de 1995.
Esta audiência foi posteriormente celebrada em 3 de fevereiro de 1995, no
curso do 88° período de sessões da Comissão. Representantes dos
peticionários e do Estado participaram da audiência e formularam
exposições à Comissão sobre a admissibilidade e mérito da petição.
Além disso, os peticionários apresentaram vários testemunha em respaldo as
suas denúncias, incluindo a Delegada da Câmara de Deputados do Distrito
de Columbia Eleanor Holmes Norton, o Professor da Universidade de George
Washington Kenneth Bowling e o Professor de American University James
Raskin.
15.
Por comunicação de 7 de fevereiro de 1995, os peticionários submeteram à
Comissão informação adicional sobre as atuações internas perante os
tribunais dos Estados Unidos em relação a representação parlamentar dos
residentes do Distrito de Columbia, da qual a Comissão acusou
recebimento em 23 de fevereiro de 1995.
16.
Em uma nova nota dirigida aos peticionários, datada de 23 de fevereiro de
1995, e como parte de seu exame do caso, a Comissão solicitou certa
informação a respeoito do esgotamento dos recursos internos em relação as
denúncias dos peticionários. Os peticionários responderam ao pedido
da Comissão por comunicação de 18 de abril de 1995, cujas partes
pertinentes a Comissão remeteu ao Estado por nota de 21 de abril de 1995,
solicitando-lhe uma resposta dentro de 30 dias. Em 17 de maio de
1995, a Comissão reiterou seu pedido de informação ao Estado.
17.
Em comunicações de 19 de setembro e 20 de setembro de 1995, das quais a
Comissão acusou recebimento em 11 de outubro de 1995, os peticionários
enviaram à Comissão nova informação sobre o mérito de sua denúncia.
18.
Mediante carta de 7 de novembro de 1995, os peticionários enviaram à
Comissão novas observações, cujas partes pertinentes a Comissão
posteriormente remeteu ao Estado por nota de 14 de dezembro de 1995,
solicitando-lhe uma resposta dentro de 30 dias. Em nova nota de 5 de
junho de 1996, os peticionários encaminharam à Comissão informação
adicional relativa à autoridade parlamentar sobre o Distrito de Columbia.
19.
Em 11 de setembro de 1996, a Comissão reiterou ao Estado seu pedido de
informação em relação ao caso, pedindo-lhe uma resposta dentro de 30 dias.
Em 17 de outubro de 1996, o Estado informou à Comissão que não tinha mais
nada que adicionar às observações dos peticionários.
20.
Mediante comunicações posteriores de 18 de setembro de 1996, 3 de dezembro
de 1996 e 10 de dezembro de 1996, os peticionários apresentaram
observações adicionais à Comissão referentes as decisões dos tribunais
internos nos casos de Darby contra Estados Unidos e Albaugh
contra Tawes. Em um nova comunicação de 30 de abril de 1997, os
peticionários submeteram à Comissão observações adicionais no caso, cujas
partes pertinentes a Comissão remeteu ao Estado, em 19 de setembro de
1997, pedindo-lhe uma contestação dentro de 30 dias.
21.
Os peticionários enviaram à Comissão informação adicional a respeito do
esgotamento dos recursos internos em relação ao caso de Frank E.
Howard contra State Administration Board of Election Laws e outros, em
uma comunicação de 19 de janeiro de 1998. Em posterior carta
dirigida à Comissão, datada de 4 de dezembro de 1998, os peticionários
enviaram à Comissão um documento intitulado "Memorando sobre o
Esgotamento", que a Comissão remeteu ao Estado em 17 de agosto de 1999,
solicitando-lhe uma resposta dentro de 30 dias. Da mesma forma,
mediante comunicação de 25 de abril de 2000, os peticionários submeteram à
Comissão informação adicional relativa a sua petição, que a Comissão
remeteu ao Estado em 27 de abril de 2000, solicitando-lhe uma resposta
dentro de 30 dias.
22.
Em nota de 22 de junho de 2000, o Estado respondeu à comunicação da
Comissão de 27 de abril de 2000, na qual reiterava sua posição de que a
situação descrita na petição dos peticionários não comportava uma
violação dos direitos humanos e era, portanto, inadmissível em virtude
dos artigos 37 e 41 do Regulamento da Comissão, e que o Estado não tinha
mais nada que adicionar sobre o caso. A Comissão encaminhou as
partes pertinentes da resposta do Estado aos peticionários em 23 de junho
de 2000, solicitando uma resposta dentro de 30 dias.
23.
Em 17 de outubro de 2000, os peticionários encaminharam à Comissão
informação adicional referente a sua petição. Na carta indicavam,
em particular, que em 16 de outubro de 2000, a Suprema Corte dos Estados
Unidos havia confirmado a decisão de três juízes do Distrito de Columbia
em dois casos conexos, Adams contra Clinton e Alexander e outros contra
Dalei, negando aos residentes do Distrito uma representação plena no
Parlamento e igual proteção perante a lei. Em 23 de outubro de
2000, a Comissão acusou recebimento da comunicação dos peticionários.
24.
Em 26 de fevereiro de 2001, os peticionários enviaram observações
adicionais sobre a admissibilidade das denúncias de sua petição. Em
22 de maio de 2001, a Comissão remeteu as partes pertinentes das
observações dos peticionários ao Estado, solicitando-lhe uma resposta
dentro de 30 dias. Em nova carta datada de 15 de agosto de 2001, os
peticionários enviaram à Comissão um memorando sobre as reparações para as
denúncias formuladas em sua petição.
25.
Mediante notas ao Estado e aos peticionários, datadas de 21 de agosto de
2001, a Comissão colocou-se à disposição das partes, em virtude do artigo
41 do Regulamento, a fim de buscar uma solução amigável para a questão.
A Comissão solicitou uma resposta a sua oferta dentro de um prazo de 10
dias, depois do qual, continuaria com o trâmite da matéria. Por
intermédio de uma nota de 24 de agosto de 2001, os peticionários
informaram à Comissão que, tendo em vista a recusa dos Estados Unidos em
participar de um diálogo substancial com o Statehood Solidarity
Committee a respeito de seu caso, opinavam que, aceitar a proposta da
Comissão, somente serviria para atrasar a solução da matéria e, portanto,
declinavam da oferta da Comissão.
III.
POSIÇÕES DAS PARTES
A. Posição dos
peticionários
1.
Admissibilidade
26.
Os peticionários alegam que seu caso é admissível de acordo com o
Regulamento da Comissão. Em relação à questão do esgotamento dos
recursos internos, os peticionários afirmam que todos os esforços para
interpor os recursos disponíveis fracassaram e, portanto, foram esgotados
todos os recursos locais.
27.
Em especial, os peticionários afirmam que em 1846 os residentes do
Distrito de Columbia haviam tratado de invocar mecanismos políticos e
judiciais para reparar sua falta de representação perante o Congresso dos
Estados Unidos,e que desde então tinham utilizado vários meios e ajustes
legislativos a fim de abordar a questão da representação do Distrito. Os peticionários indicam que, em 1970, os residentes
do Distrito puderam eleger um delegado sem direito a voto perante a Câmara
de Deputados e em 1973, o Congresso outorgou uma capacidade eleitoral
limitada ao Distrito, mediante a qual se permitia a eleição popular de um
prefeito e um conselho municipal, mas manteve a autoridade exclusiva do
Congresso nos assuntos do Distrito. Os peticionários observam,
ademais, que em 1992 tentou-se conceder ao delegado perante a Câmara de
Deputados a faculdade de voto nas questões legislativas substantivas à
consideração do Congresso incrementando, devido ao Regulamento da Câmara,
o poder de voto do delegado na Comissão Plenária. Entretanto, de
acordo com os peticionários, esta tentativa fracassou e não outorgou ao
delegado um poder de voto efetivo, privando-lhe do voto quando o mesmo
fosse "decisivo" na resolução de um assunto.
28.
Outras tentativas políticas e legislativas referidas pelos peticionários
para obter representação parlamentar para os residentes do Distrito de
Columbia incluem uma "Emenda de Direitos de Voto" à Constituição dos
Estados Unidos, proposta em 1978, pela qual se procurava outorgar
representação com direito a voto aos residentes do Distrito de Columbia,
mas que a mesma não recebeu a ratificação requerida de ¾ no Parlamento do
Estado. Também de acordo com os peticionários, em 1992 e 1993,
tentou-se através de projetos-de-lei e perante a Câmara de Deputados e o
Senado, criar um Estado das zonas não federais do Distrito de Columbia,
mas não se obteve éxito.
29.
Os peticionários também informaram sobre as tentativas infrutíferas
efetuadas perante os tribunais internos para obter uma reparação pela
falta de representação no Congresso.
30.
Os peticionários mencionam decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos em
que se chega à conclusão de que a faculdade do Parlamento sobre o Distrito
de Columbia é expansiva.Citam, em particular, a decisão judicial no caso Binns
contra Estados Unidos, na qual a Suprema Corte proclamou que "o Congresso, no
governo dos territórios assim como no Distrito de Columbia, tem plenos
poderes, exceto nos aspectos controlados pelas disposições da
Constituição."
31.
Os peticionários também recorreram a casos nos quais reclamantes
individuais impugnaram especificamente a autoridade parlamentar sobre o
Distrito com base na ausência de uma representação efetiva dos residentes
do Distrito na Câmara de Deputados e o Senado. Em particular, os
peticionários referem-se ao caso E. Scott Frison e outros contra
Estados Unidos e outros, em que os reclamantes denunciavam que os Estados
Unidos haviam negado aos cidadãos do Distrito de Columbia o direito ao
voto nas eleições para o Senado e a Câmara de Deputados e procuravam
impedir que o Congresso adotasse alguma medida alguna que reduzisse "a
condição, autonomia ou respaldo fiscal" do Distrito. Em uma sentença
de 31 de janeiro de 1995, a Corte confirmou que carecia de jurisdição na
matéria do litígio e observava que "em virtude da Constituição, o povo
do Distrito de Columbia - que não é um Estado - não tem direito a votar
para eleger senadores ou deputados." Uma moção de reconsideração foi
indeferida em 12 de maio de 1995 e a Corte de Apelações dos Estados Unidos
para o Distrito de Columbia desacolheu a apelação dos reclamantes em 4 de
outubro de 1995.
32.
Os peticionários também citam o caso de Darby contra Estados Unidos,em que o reclamante, membro do Statehood Solidarity
Committee, argumentava que os tribunais estabelecidos pelo Congresso
em virtude do artigo 1, seção 8 da Constituição dos Estados Unidos, foram
criados inconstitucionalmente posto que, entre outras coisas, se negava
aos residentes do Distrito de Columbia o direito à representação no
Parlamento, em violação dos direitos amparados pela Décima-quarta
Emenda.De acordo com os peticionários, a Corte indeferiu os
argumentos do denunciante com base no fato de que "o âmbito das faculdades
parlamentares sobre o Distrito de Columbia é expansivo", e também
indeferiu a reivindicação dos residentes do Distrito de Columbia de que
tinham direito, de acordo com a Constituição dos Estados Unidos, a uma
forma republicana de governo. Os peticionários indicam que o
reclamante tampouco teve êxito na instância de apelação e que a Corte
Suprema dos Estados Unidos indeferiu o certiorari em 9 de dezembro
de 1996. Da mesma forma, os peticionários referem-se aos casos de
Hobson contra Tobiner,e Carlina contra Board of Commissioners of the District
of Columbia, em que os residentes do Distrito alegavam a
violação de seus direitos constitucionais, incluindo os direitos
outorgados pelas Emendas Nona,Décima,e Décimo-quinta
da
Constituição dos Estados Unidos. De acordo com os peticionários, a
justiça concluiu que estas denúncias de carácter constitucional careciam
de substância em parte porque considerava que as questões relativas à
forma republicana de governo do Distrito de Columbia tinham carácter
político e não judicial e, portanto, competia ao Congresso e não à
justiça.
33.
Os peticionários citaram os dois casos mais recentes de Lois E. Adams
contra Clinton e Clifford Alexander e outros contra Dalei,em que os denunciantes, 75 residentes do Distrito de
Columbia, conjuntamente com o próprio Distrito de Columbia, impugnaram
a denegação do direito a eleger representantes perante o Congresso dos
Estados Unidos como violatória de seus direitos à igual proteção da lei e
a uma forma republicana de governo, de acordo com as disposições da
Quintae a Décima-quarta
Emendas da
Constituição dos Estados Unidos. Ao rejeitar a reivindicação, o
Tribunal de Distrito dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia
indicou que "não era ciego às desigualdades da situação que os
demandantes procuravam modificar. Contudo, defendeu que "os antigos
antecedentes judiciais, e o texto e a história da Constituição, nos
convencem de que este Tribunal carece de autoridade para outorgar aos
demandantes a reparação que procuram." De acordo com os
peticionários, o Tribunal também confirmou as conclusões anteriores de que
os residentes do Distrito de Columbia não possuem direito ao voto para
eleger os membros do Congresso e ressaltou que o Distrito não era um
estado e que a representação constitucional estava profundamente vinculada
à estrutura de estado. Ademais, o Tribunal observó que " várias
instâncias judiciais comprovaram que existe uma contradição entre os
ideais democráticos em que se baseou este país e a exclusão dos
residentes do Distrito da representação parlamentar. Todavía, todos
chegaram a mesma conclusão de que é a Constituição e os antecedentes
judiciais o que cria essa contradição." Mediante comunicação de 17
de outubro de 2000, os peticionários informaram à Comissão que, em
16 de outubro de 2000, a Suprema Corte dos Estados Unidos confirmou a
decisão do Tribunal de Distrito e desacolheu a apelação da Sra. Adams.
34.
Além dos antecedentes assinalados, os peticionários citam casos em que os
reclamantes argumetaram que o Distrito de Columbia deve ser considerado
parte do Estado de Maryland para efeitos da eleição ao Parlamento.
Citam, por exemplo, o caso Albaugh contra Tawes,em que um residente do Distrito de Columbia interpôs uma
ação reclamando que o Distrito continuasse sendo parte do Estado de
Maryland no que se refere a eleição ao Senado. O Tribunal
rejeitou esta reivindicação com base na faculdade parlamentar sobre o
Distrito de Columbia em virtude da Lei Orgânica de 1801 e o artigo 1 da
Constituição dos Estados Unidos. Da mesma forma, os peticionários citaram
o caso de Frank E. Howard contra Maryland Administrative Board of
Election Laws e outros,
em que o
Tribunal chegou conclusão de que o reclamante não tinha direito a
participar nas eleições parlamentares do Estado de Maryland.
35.
Sobre la base da s observações indicadas, los peticionários sostienen que
han satisfecho el requisito del artigo 37 del Regulamento anterior da
Comissão, ahora artigo 31 del atual Regulamento, de esgotar os recursos
internos. Em particular, argumentam que uma impugnação à ausência de
representação legislativa efetiva dos residentes do Distrito de Columbia
seria basicamente inútil, visto que requeriria que um tribunal chegasse a
conclusão de que uma disposição da Constituição dos Estados Unidos é
"inconstitucional", o que os peticionários consideram impossível. Em
consequência, os peticionários argumentam que a legislação interna dos
Estados Unidos não oferece o devido processo legal para as violações
alegadas neste caso e, portanto, não é aplicável o requisito de
esgotamento dos recursos internos.
36.
Além disso, os peticionários argumentam que esgotaram todo recurso efetivo
que pudesse ser considerado existe nos Estados Unidos. Em particular,
afirmam que as decisões judiciais que foram descritas confirmam a recusa
de providenciar aos residentes do Distrito de Columbia uma plena
representação parlamentar e de igual proteção da lei, ao mesmo tempo que
demonstram que nenhuma ação de impugnação da condição dos cidadãos do
Distrito de Columbia conseguiu uma reparação adequada ou efetiva ou,
simplesmente, alguma reparação. Também alegam que estes casos
demonstram que todo futuro litígio na justiça norte-americana sobre as
questões em estudo pela Comissão seria inútil. Em consequência, os
peticionários consideram que foram esgotado os recursos internos em
relação às questões apresentadas na petição.
37.
Com respeito à apresentação no prazo estipulada no artigo 32 do
Regulamento da Comissão, os peticionários afirmam que as violações
alegadas em sua petição têm carácter contínuo e, portanto, não é
aplicável a regra dos seis meses.
38.
Em relação as disposições sobre a duplicação das petições, de conformidade
com o artigo 39 do Regulamento anterior da Comissão, atualmente artigo 33
do Regulamento da Comissão, os peticionários afirmaram que não se
encontra pendente perante nenhum outro foro outra petição ou denúncia que
formule as alegações de sua petição, e que essas violações não foram
consideradas antes pela Comissão.
39.
Por último, com base nos seus argumentos em relação ao mérito do caso que
está resumido a seguir, os peticionários afirmam, contrariamente às
alegações do Estado, que sua petição não é manifestamente infundada.
Argumentam que, pelo contrário, as circunstâncias de sua renúncia revelam
a violação dos artigos II e XX da Declaração Americana por parte dos
Estados Unidos.
2.
Mérito
40.
Em sua petição e nas suas observações posteriores, os peticionários
afirmam que o Estado é responsável pela violação do direito à igualdade,
consagrado no artigo II da Declaração Americana, e do direito ao voto e
à participação no governo, disposto no artigo XX da Declaração
Americana, em relação aos membros de sua organização e dos demais
residentes do Distrito de Columbia.
41.
Os peticionários alegam que, em virtude do parágrafo 8 do artigo 1 da
Constituição dos Estados Unidos e da Lei do Congresso que criou o Distrito de
Columbia em 1801,os cidadãos do Distrito de Columbia carecem de
representação efetiva no legislativo federal dos Estados Unidos ao não ter
representação no Senado dos Estados Unidos nem um voto efetivo na Câmara
de Deputados dos Estados Unidos. Em consequência, afirmam que,
diferentemente de todos os demais estados da União, os residentes do
Distrito de Columbia não têm o direito à autonomia legislativa,
orçamentária e judicial total. Pelo contrário, o Congresso dos
Estados Unidos e o Presidente dos Estados Unidos podem revogar e
desconhecer a legislação ou as designações do Distrito aprovadas
localmente, sem ter em conta a vontade do Distrito, em contravenção ao
artigo II da Declaração.
42.
Também em relação ao artigo II da Declaração, os peticionários citam as
estatísticas que indicam que a população do Distrito de Columbia variou
até compreender uma maioria de cidadãos Afro-Americanos.
Os
peticionários sugerem que estas estatísticas, à luz dos padrões
históricos do Congresso sobre os esforços de prover a representação ao
Distrito, indicam que o status do Distrito pode motivar a animosidade
contra um grupo racial. Ademais, os peticionários alegam que, em todo
caso, a prova pertinente para determinar a existência de discriminação de
acordo com essa disposição é aquela em que se demonstra que é "razoável" o
tratamento diferenciado, e se a irrazoabilidade
ou injustiça não depende da intenção ou o motivo da parte acusada de
tratamento discriminatório.
43.
Na opinião dos peticionários, a aplicação desta prova nas circunstâncias
do presente caso resultaria de que o governo dos Estados Unidos impõem aos
cidadãos do Distrito de Columbia uma distinção injustificada e arbitrária
que carece de um objetivo legítimo e uma justificativa objetiva, e que
este tratamento diferenciado carece de relação de proporcionalidade entre
os meios empregados e o objetivo que se procura realizar. Pelo contrário, os peticionários argumentam que o
tratamento diferenciado contraria os interesses dos residentes do
Distrito de Columbia e não pode ser devidamente justificado com base nos
argumentos dos redatores da Constituição dos Estados Unidos na época
que se formou a República, há mais de 200 anos, vinculando-o à segurança
física da sede federal do governo. Os peticionários observam que, de acordo com o
Departamento de Defensa, em 28 de fevereiro de 1994, havia 1.607.844
homens e mulheres empregados nas Forças Armadas dos Estados Unidos
da América. Em face da capacidade militar atual do governo
dos Estados Unidos, os peticionários argumentam que é impossível imaginar
circunstâncias nas quais os homens, mulheres e crianças do Distrito de
Columbia pudessem representar uma ameaça viável à sede do governo.
44.
Os peticionários também argumentam que os integrantes do Statehood
Solidarity Committee e outros cidadãos do Distrito de Columbia tem
negada sua representação no governo de seu país através de representantes
livremente eleitos, em contravenção ao artigo XX da Declaração, pois não
possuem representação significativa na Câmara de Deputados Federal
e nenhuma representação no Senado. Os peticionários afirmam que são
excluidos da participação nas decisões de política nacional e
internacional e não podem votar através de seus representantes sobre
questões de interesse nacional e local, como a política tributária, os
planos econômicos e a legislação sobre a atenção da saúde. Na opinião dos
peticionários, a representação parlamentar plena é requisito prévio para
a participação no governo nacional dos Estados Unidos e isto foi denegado
aos cidadãos do Distrito de Columbia, em contravenção ao artigo XX da
Declaração Americana.
45.
Os peticionários assinalam, em geral, a este respeito, que nenhuma outra
Constituição das Américas que cria um distrito federal o faz sem
representação no legislativo nacional e citam o exemplo de Bueno Aires,
Argentina; Brasília, Brasil; Cidade de México, México e Caracas,
Venezuela.
De
acordo com os peticionários, as constituições destas repúblicas
federativas outorgam plena representação com voto aos residentes destes
distritos federais no poder legislativo nacional. Em consequência,
os peticionários afirmam que os Estados Unidos continuam sendo o único
país do continente que nega aos cidadãos de uma capital federal igual
participação política no poder legislativo nacional, assim como o direito
à autonomia a nivel local.
46.
Da mesma forma, os peticionários afirmam que a devida garantia dos
direitos protegidos pelo artigo XX da Declaração Americana exige o
exercício efectivo de um poder político dinâmico através de representantes
em uma democracia representativa. Portanto, os peticionários
argumentam que a interpretação da "participação" feita pelo Estado, que
inclui, por exemplo, a presença de um delegado fictício do Distrito na
Câmara de Deputados, sem pleno direito a voto, constitui menos que uma
participação completa e não deve ser aceita como suficiente para garantir
os direitos consagrados no artigo XX da Declaração.
47.
Os peticionários também sugerem que a jurisprudência recente da Comissão
respalda o mérito de sua denúncia. Argumentam, por exemplo, que suas
reivindicações são similares as do caso Andrés Aylwin Azocar e outros
contra Chile,em que os denunciantes argumentam que Chile era
responsável pela violação do direito a participar no governo e à igual
proteção da lei em virtude dos artigos 23(1)(c) e 24 da Convenção
Americana com base nas disposições da Constituição chilena sobre os
estatutos de senadores vitalício e designados. A
Comissão, em resumo, concluiu que essas denúncias eram admissíveis e, em
decisão por maioria, decidiu sobre o mérito. Ademais, os
peticionários argumentam que não deve ser considerada que a opinião
dissidente na decisão sobre mérito em Aylwin afeta a
admissibilidade de suas denúncias posto que, na opinião dos peticionários,
as reivindicações do presente caso satisfazem inclusive a prova mais
restritiva articulada pelo membro dissidente em relação às circunstâncias
em que a Comissão pode corretamente interferir nas estruturas
institucionais do Estado, a saber, quando essas estruturas "impedem a
expressão efetiva da vontade dos cidadãos de forma manifestamente
arbitrária."
48.
Os peticionários referem-se, de forma análoga, às decisões de
admissibilidade da Comissão nos casos de Ríos Montt contra Guatemalae
Susana
Higuchi Miyagawa
contra Peru
e as
autoridades a que recorreu a Comissão para adotar essas decisões, e
sugerem que o tratamento das questões que informavam esses casos por
parte da Comissão respalda a admissibilidade e a substância das
reivindicações de sua petição. Por exemplo, os peticionários
argumentam que, diferentemente da situação no caso Montt, em que
a Comissão observou que as estruturas institucionais em questão nesse caso
não eram singulares e podiam ser encontradas em outras partes das
Américas, o Distrito de Columbia é o único enclave federal das Américas em
que os residentes não têm sua representação efetiva perante o poder
legislativo nacional. Quanto ao caso Higuchi, em que o peticionário
alegava a responsabilidade do governo peruano pela violação do artigo 23
da Convenção por impedir-lhe de ser candidata pelo grupo independente
"Armonía-Frempol" ao Congresso Constituinte Democrático de seu país, os
peticionários ressaltaram a decisão da Comissão nesse caso, no sentido de
que os Estados não podem invocar a legislação interna, constitucional ou
de outra índole, para justificar o descumprimento de suas obrigações
internacionais.
49.
Com base nestes argumentos, os peticionários alegam que suas
reivindicações são admissíveis e que demonstram a violação de seus
direitos consagrados nos artigos II e XX da Declaração Americana, por
parte dos Estados Unidos.
B.
Posição do Estado
50.
O Estado argumenta que a petição deve ser considerada inadmissível tendo
em vista dois fundamentos. Em primeiro lugar, defende que a petição
foi interposta perante a Comissão antes de iniciada uma ação equivalente
na justiça norte-americana e que, portanto, os peticionários não
esgotaram os recursos internos. A este respeito, em sua primeira
resposta à petição, o Estado argumenta que os peticionários "não citaram
um único caso interposto perante a justiça nacional em que se tenha
alegado (e muito menos determinado) que os direitos dos residentes do
Distrito a igual proteção da lei ou o devido processo legal tenham sido
violados em virtude de falta de representação no Congresso dos
Estados Unidos." Ademais, o Estado especificamente rejeita a
afirmação dos peticionários de que o artigo I da Constituição dos
Estados Unidos é de alguma maneira uma exceção das demais disposições da
Constituição. O Estado argumenta que, pelo contrário, as decisões
da justiça norte-americana deixam claro que todos os demais mandados
constitucionais regem tanto o Distrito de Columbia como para as demais
zonas do país e que o Congresso tem discricionariedade para criar
instituições de governo para o Distrito e para definir suas
responsabilidades, com a única exceção de que não contrarie nenhuma outra
disposição da Constituição.
51.
Sendo assim, o Estado afirma que uma denúncia no sentido de que o
tratamento dos residentes do Distrito de Columbia viola a Quinta e a
Décima-quarta Emendas da Constituição de Estados Unidos apresentaria
questões complexas de interpretação constitucional e, longe de ser em vão,
poderia ser litigada com rapidez nos tribunais internos.
52.
Quanto ao segundo fundamento da inadmissibilidade dos peticionários, o
Estado defende que a denúncia não afirma uma reivindicação ao amparo da
Declaração Americana. A este respeito, o Estado argumenta que a
decisão dos redatores da Constituição dos Estados Unidos de designar o
Distrito de Columbia um carácter de enclave separado e não de estado não
esteve motivada por uma animosidade contra um grupo de cidadãos, nem
refletiu a intenção de tirar direitos de seus residentes. Pelo
contrário, a decisão foi consequência da estrutura federal dos Estados
Unidos, da divisão de responsabilidades entre os Estados e o governo
federal e, mais especificamente, do desejo de proteger o centro da
autoridade federal de uma indevida influência de vários Estados.
53.
Segundo o Estado, a decisão de outorgar ao Congresso controle sobre o
Distrito Federal também esteve motivada por preocupações de que os
residentes do Distrito pudessem exercer uma influência desproporcionada
nos assuntos de governo em virtude de sua proximidade e sua convivência
com os membros do governo nacional.
54.
Portanto, nestes aspectos, o Estado defende que o carácter especial
designado ao Distrito de Columbia baseou-se unicamente em razões
geográficas, e não em nenhuma característica individual como a raça,
gênero, crença, motivo ou outro pelo qual não constitui uma violação de
direitos humanos. Pelo contrário, na opinião do Estado, a condição
de Distrito é um aspecto justificável e importante do sistema federal de
governo livremente eleito pelos cidadãos dos Estados Unidos.
55.
Com relação ao artigo XX da Declaração, o Estado argumenta que nenhuma das
disposições deste artigo nem nenhuma das disposições dos demais artigos da
Declaração, constituem modalidades de participação específicas no
governo. A Declaração não indica, por exemplo, que a participação
deve ser efetivada através dos estados nem se as eleições devem ser por
maioria legislativa ou por proporcionalidade, através de um sistema
parlamentar, de federalismo, etc. O Estado ressalta que estas são
"questões complexas, sobre as quais dificilmente se chega a um acordo
unânime dentro de um único país, e muito menos em um contexto
multinacional. Pelo contrário, as questões vinculadas à estrutura
governamental devem ser determinadas pelos cidadãos de cada país." O Estado defende que, a partir deste ponto de
vista, a decisão dos Estados Unidos de que somente os estados estejam
diretamente representados na Câmara de Deputados e no Senado e de que a
sede do governo federal não deve ser um estado, é uma questão que compete
à discricionariedade das nações.
56.
Além disso, o Estado argumenta que os residentes do Distrito de Columbia
não estão excluidos do processo político dos Estados Unidos. O
Estado afirma que os residentes do Distrito participam dos processos
políticos dos Estados Unidos através de uma série de mecanismos, inclusive
a votação nas eleições presidenciais, a eleição de um prefeito e de um
conselho municipal, a eleição de um delegado sem direito a voto na Câmara
de Deputados, que goza do benefício do uso da palavra, escritório,
designações em comissões e direito de voto em comitês e, desde 1990, a
eleição de dois senadores sem direito a voto e um representante sem
direito a voto, cuja função é defender a causa da transformação do
distrito em estado. Adicionalmente, o Estado destaca que os
residentes do Distrito debateram livre e abertamente questões vinculadas à
condição de Distrito no governo através de projetos de emendas
constitucionais e outro tipo de legislação.
57.
Por último, o Estado afirma que reconhece que a incapacidade dos
residentes do Distrito de Columbia para eleger membros votantes do
Parlamento é para muitos uma questão política significativa.
Entretanto, o Estado entende que isto comporta "questões delicadas de
direito constitucional e estrutura federal que questionam a própria
organização dos Estados Unidos" e, portanto, deve estar limitada ao
âmbito do debate e o processo decisório políticos.
IV.
ANÁLISE
A.
Competência da Comissão
58.
O Estado Unidos são um Estado membro da Organização dos Estados
Americanos que não é parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
segundo o disposto no artigo 20 do Estatuto da Comissão e o artigo 23 do
Regulamento da Comissão. Os Estados Unidos depositaram seu
instrumento de ratificação da Carta da OEA em 19 de junio de 1951.
59.
Embora a situação em que se baseiam as denúncias dos peticionários está
relacionada em parte a uma legislação promulgada antes da ratificação da
Carta da OEA pelo Estado, a saber, a Constituição dos Estados Unidos de
1789 e a Lei Orgânica de 1801, as alegadas violações da Declaração
continuaram e continuam depois da data da ratificação da Carta da OEA
pelo Estados Unidos. O fato de que as supostas violações desta
natureza estejam compreendidas dentro do âmbito de competências da
Comissão para aplicar a Declaração Americana, é compatível com a prática
da Comissão e de outros tribunais internacionais de direitos humanos de
aplicar os instrumentos neste campo às supostas violações que surgem antes
da ratificação de tais instrumentos mas que têm carácter contínuo e cujos
efeitos persistem depois da entrada em vigor dos instrumentos.
60.
Por último, os peticionários são cidadãos naturais e as alegadas violações
ocorreram dentro do território dos Estados Unidos. Portanto, a
Comissão conclui que tem competência para examinar esta petição.
B.
Admissibilidade da petição
61.
A Comissão não determinou previamente a admissibilidade das denúncias da
petição dos peticionários. Tendo em conta o tempo transcorrido, no
qual a petição esteve pendente, e as várias oportunidades de que
dispuseram as partes para apresentar observações sobre a admissibilidade e
os méritos das reivindicações formuladas na petição, a Comissão decidiu
considerar a admissibilidade das denúncias conjuntamente com seus méritos.
1.
Duplicidade de procedimentos
62.
Os peticionários alegam que nenhuma outra petição ou denúncia em relação
as alegações de sua petição foram previamente apresentadas perante a
Comissão,
de conformidade com o artigo 33 de seu Regulamento.
. O Estado
não contestou a questão da duplicação de procedimentos. Portanto, a
Comissão não encontra nenhum impedimento à admissibilidade da denúncia dos
peticionários, de acordo com o artigo 33 de seu Regulamento.
2.
Esgotamento dos recursos internos
63.
O artigo 31(1) do Regulamento da Comissão especifica que, para que um
caso seja admitido, a Comissão debe verificar se foram utilizados e
esgotados os recursos do sistema jurídico interno, de acordo com
princípios geralmente reconhecidos de direito internacional.
64.
Os antecedentes do presente caso indicam que alguns residentes do Distrito
de Columbia, incluindo membros do Statehood Solidarity Committee,
iniciaram ações perante tribunais internos dos Estados Unidos em relação a
diversos aspectos das denúncias da petição. Em particular, a
informação proporcionada pelos peticionários indica que, nos casos
consolidados de Adams contra Clinton e Alexander e outros contra
Dalei, os demandantes argumentaram, de forma similar à petição que sob
estudo pela Comissão, que, como residentes do Distrito de Columbia, tinham
direito a gozar de igual representação parlamentar e de pleno autogoverno,
em virtude das disposições das Emendas Quintae Décima-quarta
da
Constituição dos Estados Unidos, que consagram os direitos à igual
proteção da lei e uma forma republicana de governo. Os antecedentes
também indicam que, numa decisão por maioria, de 68 páginas, datada de 20
de março de 2000, o Tribunal do distrito dos Estados Unidos desacolheu as
denúncias dos demandantes, e que a Corte Suprema dos Estados Unidos
confirmou a decisão desse Tribunal em uma sentença de 16 de outubro de
2000.
65.
Em suas observações de 25 de abril de 1994, o Estado afirmou que os
peticionários não haviam citado nenhum caso formulado perante os tribunais
internos em que se alegavam as violações apresentadas na petição e
sugeriu que seria possível que a situação alegada na petição fosse
impugnada perante a justiça nacional sob o amparo da Quinta e
Décima-quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos.
Posteriormente, o Estado não formulou nenhuma observação sobre a questão
do esgotamento dos recursos internos nesta matéria. Pelo
contrário, o Estado indicou em suas comunicações à Comissão datadas de 17
de outubro de 1996 e 2 de junho de 2000 que não tinha mais nada que
adicionar ao caso.
66.
Com base na informação disponível, a Comissão considera-se satisfeita de
que os peticionários esgotaram os recursos internos. Em particular, nos
casos consolidados de Adams contra Clinton e Alexander e outros
contra Dalei, impugnaram sem êxito a inexistência de representação
parlamentar para os residentes do Distrito de Columbia perante o Tribunal
de Distrito dos Estados Unidos e a Suprema Corte dos Estados Unidos, e ao
amparo das disposições sobre direitos civis da Constituição desse país,
incluindo o direito à igual proteção da lei e a uma forma republicana de
governo. O Estado não determinou que existam ainda recursos efetivos que
os peticionários devam esgotar. Por conseguinte, a petição não está
impedida de ser considerada em virtude do artigo 31 do Regulamento da
Comissão.
3. Prazo para
a apresentação da petição
67.
De acordo com o artigo 32(1) do Regulamento da Comissão, a CIDH
considerará as petições que sejam apresentadas dentro de um prazo de seis
meses a partir da data em que a suposta vítima tenha sido notificada da
decisão que esgota os recursos internos.
68.
No presente caso, a petição não foi apresentada fora dos seis meses
a partir da data em que os peticionários foram notificados da decisão
que esgota os recursos internos, a saber, a decisão de 16 de outubro de
2000 da Suprema Corte dos Estados Unidos pela qual foi indeferida a
apelação nos casos consolidados de Adams contra Clinton e
Alexander e outros contra Dalei. O Estado não contestou a
apresentação no prazo da petição. Em consequência, a Comissão
conclui que a petição não está impedida de ser examinada em virtude do
artigo 31 do Regulamento.
4.
Caracterização dos fatos alegados
69.
Os artigos 34(a) e 34(b) do Regulamento da Comissão exigem que a Comissão
declare inadmissível toda petição quando a denúncia não apresente fatos
que estabeleçam uma violação de direitos protegidos pela Convenção ou por
outros instrumentos aplicáveis, ou que as afirmações do peticionário ou do
Estado indiquem que a petição é manifestamente infundada ou improcedente.
70.
A Comissão descreveu na Parte III do presente Relatório as alegações
substantivas dos peticionários e as respostas do Estado a essas alegações
na medida em que essas respostas foram enviadas. Após examinar
detalhadamente as alegações à luz da informação apresentada pelas partes,
a Comissão não conclui que as denúncias dos peticionários sejam
manifestamente infundadas ou inadmissíveis. Para isto, a Comissão
teve particularmente em conta o papel fundamental que vem desempenhando a
democracia representativa na formação e o desenvolvimento da Organização
dos Estados Americanos e na garantia da proteção dos direitos humanos
neste continente. Em consequência, a Comissão conclui que a petição
não é inadmissível por virtude do artigo 34 de seu Regulamento.
5. Resumo
71.
De acordo com a análise que antecede os requisitos das disposições
aplicáveis do Regulamento da Comissão, esta decide declarar admissíveis
as denúncias apresentadas pelos peticionários em relação aos artigos II e
XX da Declaração e proceder ao exame dos méritos do caso.
C. Mérito
1. Os
peticionários e a representação no Congresso dos Estados Unidos
72.
Com base nas observações dos peticionários e do Estado nesta matéria, é
evidente que a determinação das denúncias dos peticionários requer,
antes, um resumo da estrutura da federação dos Estados Unidos e do
estatuto do Distrito de Columbia dentro de essa estrutura.
73.
A este respecto, a Comissão observa que os Estados Unidos são uma
república federal, com governos no nível federal e estadual.
Segundo a Constituição dos Estados Unidos e com as interpretações
judiciais da mesma, as esferas federal e dos Estados tem jurisdição
exclusiva e concorrente em esferas particulares do governo. O governo federal, por exemplo, sob o amparo do
artigo I, seção 8 da Constituição, possui faculdades específicas
enumeradas, que incluem uma vasta autoridade em virtude da
cláusula "necessárias e apropriadas" da Constituição dos Estados Unidospara promulgar leis que implementam as faculdades
enumeradas para a plena consecução dos objetivos nacionais, de modo que
toda legislação dos Estados que pudesse interferir com o exercício destas
faculdades federais será nula. O poder legislativo dos Estados, por outro lado,
possui uma autoridade residualem matérias que não são delegadas aos
Estados Unidos pela Constituição nem proibidas por esta aos estados.
74.
O
governo federal dos Estados Unidos, por sua parte, está
composto pelo poder executivo sob a forma do Presidente,
um poder legislativo sob a forma do Congresso dos Estados Unidos,
e um poder
judicial composto pela Suprema Corte de Justiça e os tribunais inferiores
que o Congresso possa oportunamente criar.
O
Congresso dos Estados
Unidos é bicameral, composto por uma Câmara de Deputados e um Senado.
A Câmara de Deputados consiste em membros eleitos cada dois anos pelos
habitantes dos estados e distribuidos proporcionalmente à população.
O Senado está
composto por dois senadores de cada estado, eleitos por um mandato de seis
anos.
75.
O presente caso apresenta um litígio sobre o papel dos residentes do
Distrito de Columbia no poder legislativo do governo federal. Como
ilustram as observações das partes e as decisões judiciais internas em
relação à questão, parece inquestionável que as pessoas que vivem no
Distrito de Columbia e que reunem os demais requisitos para votar nas
eleições federais possam depositar um voto pelo Presidente dos Estados
Unidosmas não possam votar para a eleição nem eleger membros
plenos da Câmara de Deputados ou o Senado. Esta circunstância
deriva dos termos da Constituição dos Estados Unidos e da legislação
federal que criou posteriormente o Distrito de Columbia.
76.
Em particular, a exclusão do direito de parte dos residentes do Distrito
de Columbia a eleger membros da Câmara de Deputados deriva do artigo 1,
seção 2, cláusula 1 da Constituição dos Estados Unidos, que estabelece:
A Câmara de
Deputados estará composta por membros eleitos cada dois anos pelos
habitantes dos diversos estados, e os eleitores de cada Estado terão as
qualificações requeridas para serem eleitores da Câmara mais numerosa do
legislativo do Estado.
77.
As autoridades judiciárias nos Estados Unidos interpretaram esta
disposição, à luz de seu texto, antecedentes e precedentes judiciais, no
sentido de que somente permite aos Estados eleger membros da Câmara de
Deputados e argumentam que o Distrito de Columbia não pode ser considerado
um "Estado" no sentido desta disposição.
78.
Da mesma forma, com respeito ao Senado dos Estados Unidos, como disposto
originalmente no artigo 1, seção 3 da Constituição dos Estados Unidos, o
Senado teria que estar "composto por dois Senadores de cada estado",
eleitos não "pelo povo dos diversos estados", como no caso da Câmara
de Deputados, mas sim "por seu legislativo". Em 1913, a Décima-sétima Emenda, outorgou ao povo
"de cada Estado" e não a seu legislativo, o direito a eleger os Senadores
e depois dessa modificação as disposições em relação
às qualificações e vagas para o Senado foram em essência similares as da
Câmara de Deputados. Assim como no caso da Câmara de Deputados, a
justiça dos Estados Unidos concluiu que os redatores da Constituição não
preveram designar dois Senadores ao Distrito de Columbia, pois se
considerava expressamente que o Senado representava os próprios estados.
Ademais, a garantia de dois Senadores para cada Estado era um elemento
importante do Great Compromise entre os estados menores e os
maiores, que garantia a ratificação da Constituição, de modo que os
estados menores tinham garantia de igual representação, apesar de sua
população ser menos numerosa.
79.
As conclusões da justiça norte-americana quanto à inexistência de
direitos de voto parlamentar para os residentes do Distrito de Columbia
também baseou-se nos termos da denominada "Cláusula do Distrito" da
Constituição, bem como na Lei Orgânica de 1801, pela qual se criou o
Distrito de Columbia. De acordo com o artigo 1, seção 8, cláusula 17
da Constituição, o Congresso tem a faculdade expressa de "exercer
legislação exclusiva absolutamente em todos os casos" sobre o Distrito que
se transforme em sede do governo. Quando finalmente foi criado o Distrito de Columbia
em terras cedidas por Maryland e Virginia, mediante a aprovação da Lei
Orgânica de 1801, parecia que, em geral, se havia aceitado que,
uma vez que o Congresso assumiu jurisdição sobre o Distrito, seus
residentes perderiam o direito de voto no Congresso. Desta forma, desde fevereiro de 1801, os residentes
do Distrito não podem votar em Maryland nem em Virginia.
80.
Quanto ao tratamento dado ao Distrito de Columbia, parece que existe em
geral uma aceitação de que a razão histórica da Cláusula do Distrito era
garantir que o Congresso não tivesse que depender de outro soberano para
sua proteção. Em particular, as autoridades argumentam que a
Cláusula do Distrito foi adotada em resposta a um incidente ocorrido na
Filadélfia em 1873, no qual uma multidão de soldados em debandada da
Guerra Revolucionária, contrariados por não terem recebido o salário,
reuniram-se para protestar em frente ao edifício em que se reunia o
Congresso Continental em virtude dos artigos da Confederação.
Conforme descreve o Tribunal de Distrito dos Estados Unidos:
Apesar dos
pedidos do Congresso, o governo do Estado de Pennsylvania renunciou em
acionar a sua milícia para responder à ameaça e o Congresso teve que
levantar-se abruptamente e reunir-se em New Jersey. O episódio,
considerado como um afronta ao débil governo nacional, deu lugar à
crença generalizada de que era necessário um controle federal exclusivo
sobre a capital nacional. "Sem ele" –escreveu Madison- "não somente
podería ter-se insultado a autoridade pública e suas atuações terem sido
interrompidas impunemente, mas também que, a dependência dos membros do
governo geral para a proteção no exercício de sus obrigações frente
ao estado em que se encontre a sede do governo, podería acarretar para os
conselhos nacionais uma submissão ou influência, igualmente desonrosa para
o governo e insatisfatória para os demais membros da confederação."
81.
Os antecedentes indicam que desde a criação do Distrito existiram várias
iniciativas para dar a seus residentes representação no nível local e
federal. Estas iniciativas incluem uma emenda constitucional que
permitia a participação dos residentes do Distrito nas eleições
presidenciais, em 1960; a aprovação da Lei do Delegado do Distrito de
Columbia, em 1970, que outorgava ao Distrito um delegado sem
direito a voto na Câmara de Deputados, o qual tem o direito de fazer uso
da palavra, dispor de espaço para escritórios, ser designado a comissões
e comitês com direitos de voto, mas não faculdato pela legislação para
votar leis na Câmara de Deputados. A aprovação da Lei de
Autogoverno e Reorganização Governamental do Distrito de Columbia,
em 1973, que deu lugar
à eleição de um conselho municipal e um prefeito; a eleição pelo Distrito
de Columbia em 1990 de representantes "fictícios" , a saber, dois
Senadores sem direito a voto e um representante sem direito a voto, cujo
papel é defender a causa da transformação do Distrito em Estado; e a concessão, em 1993, ao delegado do Distrito e a
todos os delegados territoriais não votantes, o direito a votar na
Comissão Plenária do Congresso. Com relação a este último fato, a Comissão entende,
com base na informação das partes, que o voto do delegado do Distrito na
Comissão Plenária está sujeito a uma exceção que impede que os delegados
do Distrito e os delegados territoriais emitam um voto decisivo para a
aprovação de uma lei do Congresso na Comissão Plenária.
82.
Portanto, com base nos antecedentes disponíveis, a Comissão conclui que os
peticionários, como residentes do Distrito de Columbia, não podem votar
por nenhum candidato ao Senado nem podem eleger Senadores para os Estados
Unidos. Embora os peticionários possam eleger um membro da Câmara
de Deputados, esse membro não pode emitir um voto decisivo em nenhuma
matéria à consideração da Câmara. Isto contrasta com os residentes
dos estados dos Estados Unidos, que contam com o direito outorgado pela
Constituição a eleger membros do Senado e da Câmara de Deputados.
A Comissão também conclui que o fundamento desta distinção é o desejo dos
redatores originais da Constituição de proteger o centro da autoridade
federal de uma influência indevida de diversos Estados e, ao mesmo tempo,
evitar a possibilidade de que os residentes do Distrito gozem de uma
influência desproporcionada nos assuntos governamentais em virtude de sua
proximidade e residência entre os membros do governo federal.
2.
Artigos II e XX da Declaração Americana – Interpretação e aplicação do
direito a uma participação equitativa e efetiva no governo
83.
Como detalhado anteriormente, os peticionários alegaram que os Estados
Unidos são responsáveis pela violação dos artigos II e XX da Declaração
Americana a respeito dos membros do Statehood Solidarity Committee e de
outros residentes do Distrito de Columbia. Esta alegação baseia-se na
alegação de que os peticionários, a diferença dos residentes de qualquer
outra parte dos Estados Unidos, carecem de uma representação significativa
na Câmara de Deputados federal e de toda representação no Senado, razão
pela qual eles não tem direito a uma participação efetiva no poder
legislativo nacional. Também afirmam que estas limitações são
manifestamente arbitrárias e que os Estados Unidos não proporcionou uma
justificação adequada.
84.
Os artigos II e XX da Declaração Americana estabelecem:
Artigo II.
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres
consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou
qualquer outra.
Artigo XX.
Toda pessoa, legalmente capacitada, tem o direito de tomar parte no
governo do seu país, quer diretamente, quer através de seus
representantes, e de participar das eleições, que se processarão por voto
secreto, de uma maneira genuína, periódica e livre.
85.
A Comissão reconhece há muito tempo o significado da democracia
representativa e dos direitos políticos conexos para a realização e
proteção efetivas dos direitos humanos no hemisfério, em termos
mais gerais. De acordo com a Comissão,
A
participação dos cidadãos no governo, protegida pelo artigo XX da
Declaração (cujo conteúdo é similar ao artigo 23 da Convenção), forma a
base e o respaldo da democracia, que sem essa participação não pode
existir; porque o direito a governar reside no povo, único órgão com
faculdade para decidir seu próprio destino imediato e futuro e para
designar seus representantes legítimos.
Nenhuma
forma de vida política, nem a mudança institucfional, nem o planejamento
para o desenvolvimento ou o controle daqueles que exercem o poder público
podem ser efetuados sem o governo representativo.
[. . .]
O direito à
participação política deixa margem para uma ampla variedade de
formas de governo, existem muitas alternativas constitucionais quanto ao
grau de centralização dos poderes do Estado ou a eleição e atribuições
dos órgãos responsáveis pelo exercício desses poderes, mas o marco
democrático é um elemento essencial para o estabelecimento de uma
sociedade política na qual os valores humanos possam ser realizados
plenamente.
86.
O papel central da democracia representativa no sistema interamericano
está ilustrado nas disposições dos instrumentos em que se baseia o
sistema, incluindo o artigo 3(d) da Carta da OEA,que confirma que a "solidariedade
dos Estados americanos e os fins nobres
que com ela são buscados, requerem a organização política dos mesmos com
base no exercício efetivo da democracia representativa.” As
resoluções adotadas pelos órgãos políticos da Organização refletiram de
forma similar o carácter indispensável do governo democrático para a
estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região. Na Resolução
837 da Assembléia Geral da OEA, por exemplo, os Estados membros
reafirmaram o direito inalienável de todos os povos das Américas a
determinar livremente seu sistema político, econômico e social sem
interferência externa, através de um processo democrático genuino e dentro
de um contexto de justiça social em que todos os setores da população
gozem das garantias necessárias para participar livre e efetivamente
através do sufrágio universal.Citando estes e outros instrumentos similares, a Comissão
recentemente reafirmou que no sistema interamericano existe um conceito
acerca da fundamental importância da democracia representativa como o
mecanismo legítimo para conseguir a realização e o respeito dos direitos
humanos, e como direito humano em si, cuja observância e defesa foi
confiada à Comissão. De acordo com a Comissão, este conceito implica a
proteção desses direitos civis e políticos no contexto da democracia
representativa e a existência de um controle institucional sobre os atos
dos poderes do governo e o regime de direito.
87.
Portanto, a Comissão opina que essas disposições dos instrumentos de
direitos humanos que garantem os direitos políticos, incluindo o artigo XX
da Declaração Americana, devem ser interpretados e aplicados de maneira a
dar efeito significativo ao exercício da democracia representativa
neste hemisfério. A Comissão também considera que pode esclarecer o
conteúdo específico do artigo XX da Declaração, o artigo 23 da Convenção
Americana e a interpretação prévia que fez a Comissão dessa disposição,que é paralela em vários aspectos fundamentais ao artigo
XX da Declaração. O artigo 23 dispõe o seguinte:
1.
Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a)
de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente eleitos;
b)
de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por
sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre
expressão da vontade dos eleitores; e
c)
de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de
seu país.
2.
A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se
refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade,
nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental,
ou condenação, por juiz competente, em processo penal.
88.
Ao interpretar o artigo 23 da Convenção Americana, a Comissão reconheceu
que o grau de autonomia que deve ser concedido aos Estados para organizar
suas instituições políticas a fim de dar efeito a esses direitos, como o
direito à participação política, deixa margen a uma ampla variedade de
formas de governo. Como determinado pela Comissão, sua função e
objetivo não é criar um modelo uniforme de democracia representativa para
todos os Estados, mas determinar se a legislação de um Estado infringe
direitos humanos fundamentais. A Comissão reconheceu de forma análoga que não são
todas as diferenças de tratamento que estão proibidas pelo direito
internacional em matéria de direitos humanos e isto se aplica igualmente
ao direito a participar no governo.
89.
Entretanto, isto não significa que o comportamento dos Estados quanto ao
direito ao governo representativo, seja por via constitucional ou por
outra via,seja imune ao exame da Comissão. Pelo contrário,
existem certas normas ou condições mínimas a respeito da maneira em que
se dá efeito a este direito cujo cumprimento prévio deve ser
demonstrado. Estas normas ou condições estão relacionadas
primordialmente com a natureza das limitações permissíveis que podem ser
impostas ao exercício desses direitos. A Comissão observa a este
respeito que o artigo 23(2) da Convenção Americana estabelece uma lista
exaustiva dos fundamentos com base nos quais os Estados poderiam
corretamente basear limitações ao exercício dos direitos e oportunidades
referidas no artigo 23(1) da Convenção, a saber, a idade, nacionalidade,
residência, idioma, instrução, capacidade civil e mental, ou por sentença
de tribunal competente em uma ação penal.
90.
Em termos mais gerais, a Comissão entende que sua função na avaliação do
direito a participar do governo é garantir que todo tratamento
diferencial na outorga deste direito não careça de uma justificação
objetiva e razoável.
A este
respeito, para garantir a igual proteção dos direitos humanos, os Estados
podem estabelecer distinções entre diferentes situações e estabelecer
categorias para certos grupos de indivíduos toda vez que visa um fim
legítimo e sempre que a classificação seja razoável e se relacione
razoavelmente com o objetivo do ordenamento jurídico.
Assim como outros direitos
fundamentais, as restrições ou limitações ao direito à participação no
governo devem estar justificadas por sua necessidade no contexto da
sociedade democrática, delimitadas pelos meios, motivos, razoabilidade e
proporcionalidade. Ao mesmo tempo, ao formular estas determinações, a
Comissão deve ter devidamente em conta o grau de autonomia do Estado
na organização de suas instituições políticas e somente deve interferir
nos casos em que o Estado restringiu a essência e eficácia do direito do
peticionário a participar de seu governo.
91.
Este critério interpretativo e da aplicação do direito amparado no
artigo 23 da Convenção Americana e o artigo XX da Declaração Americana
à participação no governo, é compatível com a jurisprudência de outros
sistemas internacionais de direitos humanos em relação às proteções de
tratados similares. A Corte Européia de Direitos Humanos, por
exemplo, teve oportunidade de interpretar o artigo 3 do Protocolo I da
Convenção Européiano contexto de uma denúncia que impugnava a legislação
belga que delimitava temporariamente o território das regiões de lingua
alemã e francesa da Bélgica e estabelecia restrições lingüísticas à
representação e integração dos grupos idiomáticos minoritários na
comunidade e nos conselhos regionais dos executivos dessas regiões.
Ao
decidir a denúncia, a Corte Européia indicou que os direitos compreendidos
no artigo 3 do Protocolo I não são absolutos, mas existe margem para
"limitações implícitas." Ademais, a Corte determinou que os Estados dispõem
de "ampla margem de apreciação" na implementação dos direitos amparados
pelo artigo 3 do Protocolo I, mas que
[…] cabe à
Corte determinar como último recurso se foram cumpridos os requisitos do
Protocolo N° 1 (P1); deve manifestar-se satisfeita de que as condições não
restringem os direitos em questão de forma que afetam sua própria essência
e lhe retirem sua efetividade; de que são impostos em procura de um
objetivo legítimo, e de que os meios empregados não são desproporcionados.
Em particular, essas condições não devem impedir a livre expresão da
opinião dos povos na eleição de seus legisladores."
92.
De acordo com a Corte Européia, todo sistema eleitoral deve também ser
avaliado à luz da evolução política do país, posto que, na sua opinião,
"características que seriam inaceitáveis no contexto de um sistema podem
estar justificadas no contexto de outro, pelo menos enquanto que o
sistema eleito ofereça condições que garantam a livre expressão da
opinião dos povos para a eleição de seu legislativo."Ao desacolher em última instancia a denúncia dos
peticionários, a Corte ressaltou que
[…] no
exame do sistema eleitoral em questão, não se deve esquecer seu contexto
geral. O sistema não parece irrazoável se tem-se em conta as
intenções que reflete e a margem de apreciação do Estado demandado dentro
do sistema parlamentar belga –margem ainda maior tendo em conta que o
sistema é incompleto e provisório.
93.
No sistema de direitos humanos da ONU foram definidos
princípios similares que regem o direito à participação política. O
artigo 25 (b) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
estabelece que "todos os cidadãos gozarão, sem nenhuma das distinções
mencionadas no artigo 2, e sem restrições indevidas, dos seguintes
direitos e oportunidades: […] b) votar e ser eleito em eleições
periódicas, legítimas, realizadas por sufrágio universal e igual e por
voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores."
Assim como a Corte Européia e esta Comissão, o Comitê de Direitos Humanos
da ONU reconheceu que os direitos protegidos pelo artigo 25 do PIDCP não
são absolutos, mas que toda condição que se aplica ao direito à
participação política protegida pelo artigo 25 deve ser baseada em
critérios "objetivos e razoáveis." O Comitê também chegou à conclusão de que, tendo em
conta o princípio fundamental da proporcionalidade, restrições maiores
dos direitos políticos exigem uma justificação específica.
94.
A Comissão também observa que, ao outorgar aos indivíduos os direitos
prescritos no artigo XX da Declaração, deve fazê-lo com base na
igualdade e sem discriminação, conforme disposto no artigo II da
Declaração. Assim como as restrições permitidas pelo próprio artigo
XX, o artigo II da Declaração admite um tratamento diferencial, mas
somente quando esse tratamento baseie-se em diferenças de fato e exista
uma relação razoável de proporcionalidade entre estas diferenças e os
objetivos da norma jurídica em exame, tendo devidamente em conta a
prerrogativa do Estado de eleger suas instituições políticas.
95.
Ao avaliar as circunstâncias do caso presente à luz dos princípios
assinalados, a Comissão deve primeiro determinar se os direitos dos
peticionários amparados no artigo XX da Declaração Americana a
participar em seu governo foram, segundo as provas, limitados ou
restringidos pelo Estado. A este respeito, o Estado não contradiz que a
Constituição dos Estados Unidos, por seus termos e pela interpretação que
foi dada pela justiça norte-americana, não permite que os peticionários e
outros residentes do Distrito de Columbia elegam seus representantes
perante o poder legislativo nacional.
96.
Entretanto, os Estados Unidos parece sugerir que os residentes do Distrito
dispõem de um direito adequado a participar no governo dos Estados Unidos
e a formar parte das eleições populares, em cumprimento do artigo XX da
Declaração, em razão de outras atividades políticas a que tem acesso.
De acordo com o Estado, estas incluem sua capacidade de votar nas eleições
presidenciais, de eleger a um prefeito e um conselho municipal e a
presença de um delegado sem direito a voto na Câmara de Deputados e de
três representantes "fictícios" no Congresso. O Estado também
assinala o fato de que o estatuto do Distrito é livre e foi abertamente
debatido no governo, por exemplo, através da apresentação de
projetos-de-lei de transformação do Distrito em Estado perante o
Parlamento. Portanto, o Estado defende que de todos os pontos de
vista os residentes do Distrito puderam participar de um "debate saudável
e intenso" em relação a todas as questões de interesse nacional, incluindo
o próprio estatuto do Distrito.
97.
Após considerar as observações das partes que constam no expediente, a
Comissão deve chegar à conclusão de que os direitos dos peticionários a
participar no legislativo federal dos Estados Unidos foram limitados ou
restringidos desde o ponto de vista do direito e dos fatos. Como
indicado anteriormente, em relação à lei constitucional, os peticionários
não têm direito a eleger os integrantes do poder legislativo. Embora o
Estado tenha argumentado que o Distrito de Columbia elege um delegado para
a Câmara de Deputados, que tem direito a votar leis na Comissão Plenária,os antecedentes indicam que o delegado não pode emitir um
voto decisório a respeito de nenhum projeto-de-lei no Congresso.
Com base nisto, a própria justiça do Estado determinou que o voto
outorgado ao delegado do Distrito de Columbia na Comissão Plenária não
têm possibilidades de incidir no resultado final da matériaa sob estudo
na Comissão e, portanto, carece de "sentido". Em consequência, a Comissão não pode aceitar que
este acordo conceda aos peticionários uma participação efetiva em seu
legislativo. Por razões similares, a capacidade dos peticionários
para eleger os representantes a outros níveis e poderes do governo e de
participar em debates públicos sobre o estatuto do Distrito de Columbia,
não pode ser considerada equivalente à natureza da participação prevista
no artigo XX da Declaração que, na opinião da Comissão, outorga aos
peticionários uma oportunidade significativa, diretamente ou através de
representantes livremente eleitos, de incidir nas decisões do governo que
os afetam, inclusive as decisões do poder legislativo federal.
98.
Assim sendo, na medida em que cada um dos peticionários não têm direito
a votar por um representante em seu legislativo nacional, que tenha uma
oportunidade efetiva de incidir nos projetos-de-lei que considera o
Congresso, a Comissão entende que não pode dizer que lhe foi outorgado um
direito efetivo e igual a participar no governo de seu país e, em
consequência, que seu direito consagrado no artigo XX da Declaração a
participar de seu governo federal foi limitado ou restringido. A este
respeito, a Comissão observa as alegações dos peticionários em relação à
existência de uma tentativa do Congresso de discriminar contra um grupo
racial, com base nas estatísticas que indicam que a população do Distrito
de Columbia variou bastante até compreender uma maioria de cidadãos
Afro-Americanos. Nestas circunstâncias, a Comissão está preocupada com a
possibilidade que a ausência de representação pelo Distrito no Congresso
levou a um impacto desproporcionado sobre um grupo racial, ou seja, a
comunidade Afro-Americana no Distrito. Contudo, depois de considerar
cuidadosamente a informação disponível, a Comissão não pode concluir que
as alegações sobre a existência de uma tentativa de discriminação racial
por parte do Congresso foi fundamentada suficientemente a fim de
determinar este tema.
99.
A Comissão deve considerar se esta restrição ou limitação ao direito a
voto e a participar no governo com igualdade perante a lei de acordo com
o artigo XX e o artigo II da Declaração são, não obstante, permissíveis
se as analiza no contexto político geral do Estado afetado. Como
assinalado anteriormente, isto comporta determinar se cabe considerar que
as restrições impostas pelo Estado restringem a própria essência e a
efetividade do direito dos peticionários a participar de seu governo e se
o Estado ofereceu uma justificação razoável, objetiva e proporcionada
sobre estas restrições.
100.
A este respeito, o Estado ofereceu uma série de explicações ou
justificações sobre o tratamento dado aos peticionários que, na sua
opinião, impediram a Comissão concluir que existiu uma violação dos
artigos II e XX da Declaração Americana. Em particular, como
assinalado antes, o Estado argumenta que a questão formulada pelos
peticionários está vinculada basicamente à estrutura federal dos Estados
Unidos e a decisão de seus fundadores de constituir uma união de Estados
relativamente autônomos. De acordo com o Estado, foi a ausência do
status de Estado para o Distrito, e não uma decisão consciente do governo
dos Estados Unidos, discriminatória ou não, de tirar o direito dos
peticionários ou outros residentes do Distrito de Columbia, o que deu
lugar a seu status frente ao Congresso dos Estados Unidos. A decisão
dos redatores da Constituição dos Estados Unidos foi, a sua vez, de
acordo com o Estado e os peticionários, baseada no desejo de proteger o
centro de autoridade federal de uma influência indevida de diversos
Estados e, ao mesmo tempo, de evitar a possibilidade de que os residentes
do Distrito pudessem gozar de uma influência desproporcionada nos
assuntos governamentais em virtude de sua "proximidade com os membros do
governo geral e sua residência entre eles." Neste sentido, o Estado sugere que essas
decisões não somente justificam a limitação do direito dos peticionários
a eleger membros do Congresso, mas também faz parte da própria organização
dos Estados Unidos e, portanto, pertence ao domínio do debate político e
das decisões políticas.
101.
Ao entrar nesta etapa da análise, a Comissão reconhece o grau de
diferência que cabe conceder aos Estados na organização de suas
instituições políticas para dar efeito ao direito ao voto e a participar
no governo. A Comissão somente deve interferir nos casos em que o
Estado restringiu a essência e a eficácia do direito das pessoas a
participar em seu governo. Depois de considerar a informação
disponível, porém, a Comissão conclui que a restrição de direito dos
peticionários consagrado no artigo XX a participar em seu poder
legislativo nacional foi limitada de tal maneira que priva os
peticionários da própria essência e eficácia desse direito, sem adequada
justificação por parte do Estado para esta restrição.
102.
A Comissão observa a este respeito que a estrutura política dos Estados
Unidos desenvolveu-se de tal maneira que permite outorgar a nível do
governo dos Estados e do governo federal áreas de jurisdição exclusivas,
sob o amparo da Constituição. De forma compatível com esta
situação, o Congresso dos Estados Unidos, como poder legislativo do
governo federal, exerce amplos poderes para examinar e aprovar a
legislação em esferas tais como os impostos, a defesa nacional, as
relações exteriores, a imigração e o direito penal. Também resulta
claro que estas faculdades e medidas legislativas obrigam ou afetam os
residentes do Distrito de Columbia assim como os demais residentes dos
Estados Unidos. Com efeito, como consequência do artigo I, seção 8
da Constituição dos Estados Unidos e da Lei Orgânica de 1801, o
Congresso tem a autoridade excepcional de exercer todos os aspectos do
controle legislativo sobre o Distrito, sendo que o Congresso pode delegar
alguns aspectos dessa autoridade ao Distrito através da legislação
federal pertinente.
103.
Apesar da existência desta autoridade legislativa e substancial que o
Congresso exerce sobre os peticionários e demais residentes do
Distrito de Columbia, os peticionários não têm direito efetivo a votar
essas medidas legislativas, diretamente ou através de representantes
livremente eleitos e não é evidente, de acordo com os antecedentes do
caso, que existam outros mecanismos que possam responsabilizar o Congresso
frente aos peticionários. Sendo assim, o Congresso exerce uma
autoridade expansiva sobre os peticionários, porém, não é responsável
efetivamente de nenhuma maneira perante os peticionários ou os cidadãos
que residem no Distrito de Columbia. Na opinião da Comissão, isto
priva os peticionários da própria essência do governo representativo, a
saber, que o direito a governar reside no povo governado.
104.
Tanto os peticionários como o Estado sugeriram que a razão da negativa do
direito aos peticionários de votar para eleger membros do Congresso está
radicada nas preocupações que existiam quando foi negociada a Constituição
dos Estados Unidos, há mais de 200 anos, no sentido de que a sede do
governo federal poderia ser desproporcionadamente ameaçada ou de que a
posição de um Estado poderia ser fortalecida por estar o Congresso dentro
de um Estado.
105.
A Comissão reconhece e considera devidamente o fato de que estas
preocupações possam ter justificado a privação aos residentes do Distrito
de uma representação eleita no Congresso na época em que a Constituição
dos Estados Unidos foi aprovada e, com efeito, pode ter sido
indispensável para a negociação da Constituição. Contudo, assim
como as demais proteções da Declaração Americana, a Comissão deve
interpretar e aplicar os artigos II e XX no contexto das circunstâncias e
normas atuais. O Estado não somente não proporcionou nenhuma
justificação atual para a denegação aos peticionários a uma representação
efetiva no Congresso, mas também a evolução moderna dentro dos Estados
Unidos e do hemisfério ocidental em termos mais gerais indica que as
restrições impostas pelo Estado ao direito dos peticionários a
participar no governo já não se justifica razoavelmente.
106.
O elemento importante é que o poder judicial do Estado concluiu
especificamente que o fundamento histórico da Cláusula do Distrito da
Constituição dos Estados Unidos hoje não requer a exclusão dos
residentes do Distrito do direito parlamentar e aceitou que a negação
desse direito não é necessária para o funcionamiento efetivo da sede
governamental. Também cabe assinalar que os tribunais internos
dos Estados Unidos concluiram que a exclusão dos residentes do Distrito do
direito parlamentar não viola o direito à igual proteção consagrado na
Constituição, não porque a restrição de seu direito a eleger
representantes parlamentares tenha sido considerada justificada, mas
porque a limitação está estabelecida pela própria Constituição, logo, não
pode ser derrogada pelo principio de uma pessoa, um voto. A Declaração Americana não prevê limites ou
qualificações similares à garantia dos direitos consagrados nos artigos
II e XX e, como mencionado anteriormente, estabelece normas que são
aplicáveis a toda legislação ou norma dos Estados, incluindo suas
disposições constitucionais.
107.
Foram empreendidas várias iniciativas políticas nos Estados Unidos nos
últimos anos para estender certas medidas de representação nacional aos
residentes do Distrito de Columbia, que de forma análoga reconhecem a
viabilidade atual do estatuto dos peticionários no sistema federal de
governo. Essas iniciativas incluem, por exemplo, a concessão aos
residentes do Distrito em 1960 do direito a votar nas eleições
presidenciais através da Décima-terceira Emenda da Constituição dos
Estados Unidos, a aprovação da Lei do Delegado do Distrito de Columbia em
1970, que outorga ao Distrito um delegado sem direito a voto na Câmara de
Deputados, e a outorga ao Delegado do Distrito de Columbia em 1993
de um direito limitado a votar na Comissão Plenária do Congresso.
108. A
Comissão também considera significativo que, de acordo com a informação
disponível, nenhum outro Estado federal do hemisfério ocidental nega aos
residentes de sua Capital Federal o direito a votar para os representantes
de seu legislativo nacional. No Canadá, por exemplo, a cidade de
Ottawa constitui parte da Provincia de Ontario e, em consequência, seus
residentes têm o direito a eleger os membros do Parlamento na Câmara dos
Comuns federal, da mesma forma que os residentes de outras divisões
eleitorais provinciais. A Cidade de Buenos Aires, embora constitua um
enclave separado similar ao Distrito de Columbia, tem direito a eleger
deputados e senadores para o Parlamento nacional argentino. Da mesma forma, os residentes de Brasília, Brasil,
de Caracas,
Venezuelae da Cidade de México, México,que constituem enclaves ou distritos federais, têm
representação em seus poderes legislativos nacionais através do voto.
109.
Tendo em vista a análise anteriormente exposta, a Comissão conclui que o
Estado não justificou a negativa aos peticionários de uma representação
efetiva em seu governo federal e, em consequência, negou a estes um
direito efetivo a participar de seu governo, diretamente ou através de
representantes livremente eleitos e em condições gerais de igualdade, em
contravenção aos artigos XX e II da Declaração Americana.
110.
Também surge da análise da Comissão que o exercício dos direitos dos
peticionários consagrados nos artigos II e XX da Declaração não
necessariamente exige que lhe sejam outorgados os mesmos meios ou o mesmo
grau de participação dado aos residentes dos estados dos Estados Unidos.
O que a Declaração e os princípios em que ela se baseia impõem é que o
Estado estenda aos peticionários a oportunidade de exercer uma influência
significativa nos assuntos considerados pelo poder legislativo nacional e
que toda limitação e restrição a esses direitos seja justificada pelo
Estado como razoável, objetiva e proporcionada, tendo devidamente em conta
o contexto de seu sistema político. Como sugere o artigo XX da
Declaração, isto se consegue através da eleição de representantes perante
o poder legislativo, os quais possam emitir um voto sobre matérias postas
a seu exame, com possibilidades substanciais de incidir no resultado
dessas deliberações. Contudo, os mecanismos através dos quais o
Estado pode oferecer essas oportunidades são obviamente matéria da
discricionariedade do Estado afetado.
V.
ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO 115/01
111.
Em 15 de outubro de 2001, a Comissão aprovou o Relatório Nº 115/01, de
conformidade com o artigo 43 de seu Regulamento, que estabelece a análise
do expediente, suas conclusões e recomendações sobre esta matéria.
112.
O Relatório Nº 115/01 foi remetido ao Estado em 19 de outubro de 2001,
solicitando-lhe que enviasse informação sobre as medidas que tivesse
adotado para dar cumprimento as recomendações estabelecidas no relatório,
dentro de um prazo de dois meses, de acordo com o artigo 43(2) do
Regulamento da Comissão.
113.
Mediante comunicação datada de 18 de dezembro de 2001, recebida pela
Comissão em 19 de dezembro de 2001, o Estado enviou uma resposta ao
pedido de informação da Comissão, que indica o seguinte:
Como
indicado previamente pelos Estados Unidos, a petição apresentada no Caso
No. 11.204 é inadmissível pelas razões detalhadas em várias notas
enviadas à Comissão. A petição nesta matéria não configura uma
reivindicação no marco da Declaração dos Direitos e Deveres do Homem (a
“Declaração”) e, com base nisto, os Estados Unidos respeitosamente
solicita que a Comissão retire o Relatório No. 115/01 e ordene o
desacolhimento da petição.
Em primeiro
lugar, os peticionários não alegam fatos que estabeleçam uma violação de
direito ao voto estabelecido no artigo I da Declaração. A decisão de
criar o Distrito de Columbia como enclave federal em que os residentes
tenham direitos de voto diferentes dos residentes de outras zonas dos
Estados Unidos não se baseou em nenhum fundamento indevido, segundo o
artigo II. Pelo contrário, a decisão baseou-se em aspectos de
federalismo, desvinculados de raça, sexo, idioma, crença religiosa ou
qualquer outro fator.
Da mesma forma, a petição
não estabelece uma violação do artigo XX da Declaração. Nem a petição,
nem o Relatório da Comissão identifica norma alguma –seja da Declaração
ou do direito internacional- que exiga a participação no governo de
alguma maneira particular. Os redatores da Constituição dos Estados
Unidos, bem como sua cidadania passada e presente, desenharam um sistema
de governo que outorga aos cidadãos do Distrito de Columbia certos
direitos em relação à participação no governo, tanto no nível do distrito
como no nível federal. Este é um assunto que compete devidamente à
discricionariedade do povo dos Estados Unidos.
Por último,
o sistema político impugnado pela petição simplesmente não é passível de
exame pela Comissão e, muito menos, de seu desacolhimento. Trata-se de
assuntos delicados que convém deixar a cargo dos processos políticos
internos. Em suma, não existe fundamento para que a Comissão substitua com
seu julgamento o debate político e a tomada de decisões dos poderes
federais do governo dos Estados Unidos.
114.
Com respeito às duas primeiras observações formuladas pelo Estado, a
Comissão considera que estes argumentos já tinham sido detalhados e
examinados antes pela Comissão nas etapas de admissibilidade e mérito do
trâmite, e a Comissão não vê razão alguma para modificar suas conclusões a
este respeito. Quanto à terceira observação do Estado, a razão pela qual a
Comissão esteja de acordo em que as questões formuladas pelos
peticionários possam constituir assuntos delicados normalmente
considerados no marco dos processos internos, é, em grande parte, porque
as instâncias políticas e jurídicas internas não resolveram as
reivindicações dos peticionários que a Comissão exerceu sua jurisdição
subsidiária e complementar para avaliar suas denúncias, à luz das
obrigações internacionais dos Estados Unidos em matéria de direitos
humanos.
115.
Tendo em vista a resposta dos Estados Unidos, a Comissão conclui que o
Estado não adotou medidas para dar total cumprimento às recomendações da
Comissão. Neste sentido, e tendo considerado as observações do Estado, a
Comissão decide ratificar suas conclusões e reiterar suas recomendações,
nos seguintes termos.
VI.
CONCLUSÕES
116.
A Comissão, com base nas considerações de fato e de direito expostas
anteriormente, tendo em vista a resposta do Estado ao Relatório 115/01,
ratifica as seguintes conclusões.
117.
A Comissão conclui que o Estado é responsável pela violação dos direitos
dos peticionários consagrados nos artigos II e XX da Declaração
Americana, por negar-lhes uma oportunidade efetiva de participar do
parlamento federal.
VII.
RECOMENDAÇÕES
118.
De acordo com a análise e as conclusões do presente relatório,
A COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS REITERA AS SEGUINTES RECOMENDAÇÕES AOS
ESTADOS UNIDOS:
119. Outorgar
aos peticionários uma reparação efetiva, que inclua a adoção das medidas
legislativas e de outra índole necessárias para garantir aos
peticionários o direito efetivo a participar de seu parlamento nacional,
diretamente ou através de representantes livremente eleitos e em condições
de igualdade.
VIII.
PUBLICAÇÃO
120.
Mediante comunicação datada de 29 de outubro de 2003, a Comissão
encaminhou o presente relatório, aprovado como Relatório Nº 54/02 de
acordo com o artigo 45(1) de seu Regulamento ao Estado e aos
peticionários, segundo o artigo 45(2) de seu Regulamento, e solicitou
informação dentro de 30 dias acerca das medidas que o Estado tivesse
adotado para implementar as recomendações.
121.
Mediante comunicação datada de 29 de novembro de 2003 e recebida pela
Comissão em 1 de dezembro de 2003, os peticionários enviaram uma resposta
ao pedido de informação da Comissão de 29 de outubro de 2003, na qual
indicavam que o Governo dos Estados Unidos não havia cumprido com as
recomendações da Comissão.
122.
A Comissão não recebeu resposta do Estado ao pedido de informação dentro
do período especificado em sua nota de 29 de outubro de 2003.
123.
Tendo em consideração a informação enviada pelos peticionários, a
Comissão, de conformidade com o artigo 45(3) de seu Regulamento, decide
ratificar suas conclusões e reiterar as recomendações neste relatório,
publicá-lo e incluí-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia
Geral da Organização dos Estados Americanos. A Comissão, de conformidade
com as normas contidas nos instrumentos que regem seu mandato, continuará
avaliando as medidas a serem adotadas pelos Estados Unidos em relação às
mencionadas recomendações, até que tenha as tenha cumprido.
Aprovado
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington
D.C, no dia 29 de dezembro de 2003. Clare Roberts, Primeiro
Vice-Presidente, Susana Villarán, Segunda Vice-Presidenta; e Comissionado
Julio Prado Vallejo. Em 24 de outubro de 2003, o Presidente José Zalaquett
adotou um voto dissidente, o qual foi incluido no presente relatório
conforme segue.
VOTO
DISSIDENTE DO COMISSIONADO JOSE ZALAQUETT
1. Meu voto dissidente fundamenta-se
em diferenças de opinião a respeito da posição explícita da maioria -
ou das conclusões derivadas dela - em três pontos: (i)
apreciação de fatos pertinentes e substanciais acerca deste caso, bem como
de outros antecedentes, de conhecimento público ou geral, que é relevante
ter em conta para avaliação através de comparação ou analogia;
(ii) o direito aplicável, em particular, os artigos II e XX da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; (iii) o
papel que cabe a esta Comissão na proteção e promoção dos direitos
humanos no hemisfério, em especial, no que se refere à sua função
de exame das petições ou reclamações que recebe em oposição a sua função
de promoção, e no que se refere a maneira que a Comissão deveria aplicar o
princípio de progressividade na proteção e promoção dos direitos
humanos.
2.
Antes de expor minha opinião sobre os mencionados três pontos, devo
começar por declarar que comparto plenamente a opinião da maioria neste
caso, bem como a que foi manifestada pela Comissão no Relatório Aylwin
Azócar e outros
, tanto
pela maioria como pelo comissionado Robert Goldman, que escreveu
um voto dissidente, no sentido de que a democracia representativa é
o marco essencial para a proteção e promoção dos direitos humanos
no sistema interamericano.
3. Acredito procedente também
esclarecer antes de mais nada que, embora tenha citado o voto dissidente
do comissionado Goldman, no caso Aylwin Azócar, Andrés e outros,
isto não deve ser entendido como um comentário, em qualquer sentido,
sobre a forma como foi decidido o caso, que consistiu em uma petição
contra a República do Chile, da qual sou nacional.
Naturalmente, tenho opinião formada sobre questões substanciais relativas
à organização do sistema político de meu país, tal como as que são matéria
desse caso, mas acredito que corresponde expressá-las em outras sedes e
foros, como tenho feito em diversas ocasiões. Com isto
não pretendo sugerir que a norma regulamentar vigente que proibe aos
comissionados participarem em discussões, deliberações ou decisões de
assuntos submetidos à Comissão a respeito do Estado de que são nacionais
, deva ser
interpretada tão literalmente de mofo que proiba também que um
comissionado comente decisões contidas em relatórios anteriores da
Comissão concernentes ao país de sua nacionalidade - e nos quais não tido
nenhuma participação - ao decidir petições relativas a outros
Estados. Por uma parte, acredito que os fatos são muito diferentes
no caso Aylwin Azócar, Andrés e outros daqueles contidos no
presente caso; e, por outra parte, penso que conviene prevenir, na medida
possível, interpretações especulativas do presente voto dissidente,
em qualquer sentido, que sejam tomados no mencionado caso, na minha
condição de chileno ou nas atividades que efetuei em meu país no campo
dos direitos humanos. Não posso deixar de considerar, porém, certas
referências a princípios e normas de aplicação geral,
que menciona o comissionado Goldman em seu voto dissidente no caso Aylwin
Azocar, Andrés e outros, as quais considero pertinentes para fundamentar
minha própria posição no presente voto.
4. Quanto aos fatos, conforme
estabelecido no expediente, parece ser geralmente aceito que o status do
Distrito de Columbia como sede do governo sob a jurisdição do Congresso,
sem ter a qualidade de estado da União, obedeceu, originalmente, a
razoáveis - e, em todo caso, soberanos - acordos políticos,
bem como a motivações e considerações baseadas em circunstâncias
históricas que remontam à época qu fundou os Estados Unidos de América.
Também consta que desde a criação do Distrito de Columbia, foram adotadas
reformas constitucionais e legislação que permitem que seus residentes
participem em eleições presidenciais e locais, ao mesmo tempo que podem
eleger dois senadores e um representante, os quais, porém, não podem votar
em Comitês ou no Pleno, se seu voto pudesse ser decisivo.
5. Apesar das mudanças na situação
legal do Distrito e dos direitos políticos de seus residentes, pode-se
afirmar que, à luz da evolução vivida pelos Estados Unidos e por seu
Governo Federal ao longo da história do país, e tendo em vista o conceito
contemporâneo de representação democrática, as razões que explicaram em
sua época as restrições impostas ao Distrito de Columbia, dentro da ordem
constitucional e legal dos Estados Unidos, perderam a validade; e
pode-se afirmar, portanto, do ponto de vista da teoria ou a ética
política, que as correções que foram sendo introduzidas, passo a
passo e muito lentamente, são ainda insuficientes, na medida que os
residentes de Columbia ainda carecem de direito a votar por membros do
Congresso que tenham verdadeiramente o este carácter. Esta
situação de inequidade foi reconhecida pela Corte dos Estados Unidos do
Distrito de Columbia, embora este tribunal tenha concluido que
carecia de autoridade para providenciar um remédio legal
6. Em outras palabras, se o Distrito
de Columbia tivesse sido criado hoje, não parecia razoável ou equitativo
que os direitos de seus residentes estivessem sujeitos às restrições
políticas que atualmente os afetam. Como o Distrito, como se
sabe, tem uma história de mais de 200 anos, poderia-se formular contra os
Estados Unidos, do ponto de vista da teoria ou a ética democrática, um
juízo de reprovação no sentido de que não se adaptou seu sistema político
ao ritmo do progresso dos tempos, no que afeta os direitos dos
residentes do mencionado Distrito de Columbia. O que esta
Comissão deve decidir neste caso é se tal julgamento de reprovação teórico
ou moral, pode também ser formulado como um reprovação legal, com base nas
normas de Direito Internacional invocadas pela parte reclamante, isto é,
os artigos II e XX da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem.
7. Antes de analisar o último ponto
mencionado no parágrafo anterior, convém deter-se em outras considerações
de fato. Conforme mencionado neste Relatório
, uma
proposta de emenda à Constituição dos Estados Unidos, de 1978, que
buscava ampliar os direitos políticos dos residentes do Distrito no
sentido reclamado pelos peticionários deste caso, não conseguiu obter a
ratificação requerida de ¾ das legislaturas estatais. Os
peticionários citam estatísticas que indicam que a população do Distrito
de Columbia foi variando até compreender uma maioria de cidadãos
Afro-Americanos e sugerem que se não for modificada o status do Distrito
poderia motivar uma atitude de discriminação racial. O voto da
maioria, embora manifeste preocupação pela possibilidade de que a situação
do Distrito tenha um efeito discriminatório que possa afetar
desproporcionadamente a comunidade Afro-Americana residente, decidiu
que não havia no expediente antecedentes suficientes para emitir um
pronunciamento a este respeito.
Com efeito, a falta
de suficientes ratificações de legislaturas estatais poderia ser atribuida
também a outros fatores, como aquele mencionado pelos
peticionários, ainda que isto implicasse especular sobre as motivações
dos votantes que rejeitaram a emenda constitucional. Um dos
motivos poderia ser não querer outorgar direito a eleger senadores e
deputados para uma comunidade de residentes que se sabe ou se supõe que se
inclina em sua maioria a favor de um determinado partido político.
Outro motivo poderia consistir em uma recusa de muitos votantes em
conceder maiores direitos políticos aos residentes do território sede dos
Poderes Federais, ou uma recusa em alterar os fundamentos de uma
estrutura federal que remonta às origens da Nação.
8. As observações anteriores, embora
especulativas, apontam para a circunstância conhecida na qual a maioria,
senão todos, os sistemas políticos democráticos apresentam asimetrias que
são fruto de complexas evoluções históricas influenciadas por um conjunto
de fatores; a isto se soma a inclinação da maioria dos cidadãos, em
muitos países, para preservar suas instituições fundamentais, sobretudo
aquelas longamente assentadas, frequentemente com medo de certas
mudanças, ainda que desejáveis, alterem determinados equilíbrios e
provoquem outras mudanças menos desejáveis. Estas
circunstâncias de fato podem parecer boas ou más, mas são definitivamente,
na minha opinião, uma das últimas razões pelas quais os Estados, quando
assumem obrigações internacionais, cuidam de reservar, para sua decisão
soberana, aspectos fundamentais relativos a sua organização política
interna, sem prejuízo dos direitos políticos e o cumprimento das
obrigações assumidas.
9. O voto da maioria citou como
exemplo de outros Estados federais das Américas, nos quais os residentes
dos distritos ou enclaves federais têm o direito a voto para eleger
representantes na legislatura nacional
. Eu
considero inapropriada a menção - que parece destacar como um
contraste o exemplo destes Estados - pois toma em conta um elemento
isolado dos respectivos sistemas, sem considerar o conjunto da
organização política dos Estados mencionados e como eles garantiram e
continuam garantindo os direitos políticos de seus cidadãos. Me
parece mais relevante para a análise deste caso, recordar a
variedade e complexidade das asimetrias e peculiaridades que revela o
exame dos mais diversos regimes democráticos de nossa região e de outras
latitudes. Entre elas estão as seguintes: formas de
associação entre Estados que estabelecem acordos sobre os direitos
políticos de seus respectivos residentes; foro ou status especial,
dentro de um Estado, para determinadas províncias, regiões ou territórios,
incluindo particularidades sobre os direitos políticos ou de outro tipo
dos residentes, nacionais ou membros de uma ou outra zona geográfica ou
comunidade; reconhecimento, dentro de um Estado, de determinados
povos ou grupos, que ficam sujeitos a status, legislação,
jurisdições ou direitos específicos; órgãos do Estado com funções
legislativas ou quase-legislativas que não são gerados pela eleição
popular, ou alguns de cujos membros não o são; vastas
diferenças na representação de Estados perante a legislatura federal,
tendo em conta suas respectivas populações (nos Estados Unidos, por
exemplo, o Estado da Califórnia, o mais populoso, tem uma população de
aproximadamente 65 vezes o tamanho da população de Wyoming, o Estado menos
populoso, mas ambos elegem, como todos o demais Estados, dois senadores
cada um); requisitos eleitorais de afiliação a partidos
políticos para participar de determinada maneira nas eleições, ou de uma
mínima porcentagem de votos de um determinado partido para existir como
tal, ou para ter representação parlamentar ou municipal; variados
sistemas eleitorais e variadas configurações de distritos ou
circunscrições eleitorais que podem, objetivamente, favorecer em maior
medida determinados candidatos, tendências ou partidos.
10. Assim sendo, parece justo e equitativo, ao
menos teórica ou moralmente, que os residentes do Distrito de Columbia
tenham direito a eleger representantes plenos para a legislatura federal,
sendo que a modalidade institucional ou legal a ser adotada para conseguir
esse objetivo, na medida que importa uma reforma a um determinado aspecto
de um complexo acordo institucional, pode ter muitas outras repercussões
dentro do sistema político dos Estados Unidos. Isto reforça a
convicção _ a ser fundamentada, do ponto de vista legal mais adiante
neste voto dissidente _ de que esta matéria deve ser entregue ao
processo político interno dos Estados Unidos. Isto não
significa que não haja questões de direitos políticos que estejam sujeitas
ao escrutínio de órgãos internacionais de proteção, mas, como mencionado
nos parágrafos seguintes, a matéria debatida neste caso não é uma delas.
11. As normas de Direito Internacional aplicáveis
em princípio a este caso são os artigos II e XX da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e a maioria da Comissão
decidiu que os direitos dos peticionários estabelecidos nestes
artigos foram violados pelos Estados Unidos, ao negar aos peticionários
uma oportunidade efetiva em sua legislatura federal. Outras
normas relevantes de Direito Internacional que podem contribuir para
iluminar a interpretação dos preceitos mencionados são os artigos 23 e 24
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os artigos 2.1. e 25 do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a do artigo 3 do
Protocolo 1 da Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais. Também são de interesse a jurisprudência do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos
e as
decisões e observações gerais do Comitê de Direitos Humanos criado
pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
12. O Comissionado Goldman examinou em seu voto
dissidente no Relatório Aylwin Azócar, Andrés e outros, várias das normas
e decisões mencionadas no parágrafo anterior, a propósito de sua análise
do art. 23 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que é
aplicável a esse caso porque o Chile ratificou esta Convenção, o que não
ocorreu com os Estados Unidos. Sua análise, que concordo no
fundamental, é igualmente aplicável ao Art. XX da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, esta sim vincula os Estados
Unidos. Interesa destacar aqui os seguintes conceitos do voto do
comissionado Goldman: (i) a proteção do sistema interamericano
foi concebida como um mecanismo subsidiário e a responsabilidade primária
na proteção dos direitos humanos recai sobre os Estados (páragrafo 2);
(ii) o Art. 23 da Convenção Americana (comentário incluido: isto
também é aplicável ao artigo XX da Declaração Americana) não
estabelece um tipo ou modalidade específica para a eleição dos
integrantes da legislatura (páragrafo 3); (iii) tampouco define um
modelo definitivo conforme o qual o Estado deva organizar-se a fim de
institucionalizar a democracia representativa de maneira ideal e,
portanto, a norma em questão e os princípios subjacentes devem ser
analisados com especial deferência a favor dos Estados partes (páragrafo
4); (iv) julgar a necessidade, conveniência e propósito destes acordos,
rebaixaria a perspectiva de um órgão de supervisão internacional, já que
envolve considerações de carácter eminentemente político (páragrafo 8);
(v) a Comissão deve evitar, no possível, assumir o papel de órgão supraconstituiente
dos Estados com a finalidade de “aperfeicionar” sua estrutura política
(páragrafo 9); (vi) porém, a deferência em favor dos Estados não
deve adquirir um carácter absoluto e a Comissão está faculdata a
determinar se o mecanismo de representação política adotado por um Estado
parte resulta manifestamente arbitrário (páragrafo 10, ênfase do
autor).
13. Na minha opinião, o Direito Internacional
aplicável é muito similar aquele descrito pelo comissionado Goldman.
As normas citadas acima, no páragrafo 11 deste voto dissidente, protegem
o direito de toda pessoa a participar do governo de seu país, diretamente
ou através de representantes e a participar de eleições populares, as
quais devem ser periódicas, realizadas em intervalos razoáveis, legítimas,
livres e baseadas no voto secreto; nenhuma delas - e certamente não
o artigo XX da Declaração Americana - estabelece um modelo de
como o Estado deve organizar-se internamente para institucionalizar a
democracia representativa, nem a maneira em que a representação política
deve ser designada entre os diferentes estados, províncias, distritos,
circunscrições ou territórios do país. É verdade que o artigo
3 do Protocolo 1 antes citado estipula que os comícios devem ocorrer sob
condições que assegurem a livre expressão da opinião do povo na eleição
para o poder legislativo (ênfase incluida). Entretanto, como
estabelecido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, citando os
Trabalhos Preparatórios (Travaux Préparatoires) do Protocolo 1, este
artigo se aplica somente na eleição da “legislativo” ou ao menos a uma de
suas Câmaras, se há duas ou mais, mas a palavra “legislatura” não
significa necessariamente apenas o parlamento nacional; deve ser
interpretada à luz da estrutura constitucional do Estado em questão
.
Cabe recordar, ademais, que entre os países europeus que assinaram o
Protocolo 1, prevalece o sistema parlamentar, de modo que as
eleições nacionais são, em geral, eleições do legislativo. Por outro
lado, as normas respectivas do sistema interamericano não contêm esta
especificação. Por último, a referência ao legislativo contida no
artigo 3 está relacionada às condições necessárias para assegurar que a
expressão da vontade popular seja livre, e não especifica nenhum sistema
ou modelo político-eleitoral predeterminando, o que a decisão citada
reforça ao aceitar que tal artigo não seria incompatível com o fato de que
não todas as Câmaras legislativas – se existe mais de uma – tenham sua
origen no sufrágio popular.
14. Tendo esclarecido o alcance do artigo 3 do
mencionado Protocolo 1, convém retornar à questão, já
mencionada supra, no páragrafo 12, no sentido que a deferência que os
órgãos internacionais de proteção devem aos Estados sobre esta matéria,
não é absoluta. O comissionado Goldman opina que a Comissão
está facultada a determinar se o mecanismo de representação política
adotado por um Estado é manifestamente arbitrário (a ênfase não é
nossa). A jurisprudência do Tribunal Europeu estabeleceu que as condições
impostas pelo Estado não devem ser tais que afetem o direito
em sua mesma essência e o privem de efetividade; que devem ser impostas
para perseguir um fim legítimo; e que os meios empregados não devem
ser desproporcionados
. Por
sua vez, o Comitê de Direitos Humanos determinou que ainda que o Pacto não
imponha nenhum sistema eleitoral concreto, este não deve “comportar
discriminação alguma contra nenhum grupo, nem excluir ou restringir de
forma irrazoável o direito dos cidadãos a eleger livremente seus
representantes.”
15. Não vejo razões para não adotar a teoria do
comissionado Goldman, se por “manifestamente arbitrário” se entende um
mecanismo de representação política que envolve discriminação arbitrária
no sentido do Art. II da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, interpretada à luz dos artigos 1.1. e 23.2 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, ou um mecanismo de representação política
que priva as pessoas ou grupos da própria essência dos direitos
políticos ou os restringe sem um propósito legítimo e além dos limites.
Cabe destacar que o art. 21.2 da Convenção estabelece que a lei pode
regulamentar o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o
inciso anterior por razão de residência, entre outras razões. Isto
é, uma distinção baseada em razões de residência não é per se
arbitrária.
16. O voto da maioria cita, ao analisar a
competência da Comissão neste caso, a prática deste órgão e de outros
tribunais de direitos humanos, de aplicar os instrumentos de direitos
humanos às alegadas violações e que tivessem surgido antes da ratificação
destes instrumentos, mas que são de natureza continuada e cujos efeitos
persistem depois que os instrumentos entraram em vigência
.
Também cabe recordar o princípio segundo o qual os Estados não podem
invocar normas de direito interno para justificar o descumprimento de suas
obrigações internacionais. Contudo, o ponto crucial não consiste
nisto, mas em determinar se os Estados signatários da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem e, neste caso, os Estados
Unidos, assumiram efetivamente uma obrigação que pode servir de base para
estabelecer uma violação no presente caso. Nesta matéria
opino que prevalece o principio de que os Estados, a menos que se trate de
uma norma consuetudinária, somente adquirem obrigações perante o Direito
Internacional mediante seu consentimento, e me parece que não se pode
concluir, à luz das normas e práticas internacionais, que os Estados
signatários da Declaração Americana tenham consentido em obrigarem-se em
matéria de direitos políticos de tal maneira que pudesse determinar-se que
violaram estas obrigações pelo fato de não reformar seus sistemas
políticos, a menos que tal omissão de reforma esteja em manifesta
contradição com outras obrigações em matéria de direitos políticos que
foram assumidas.
17. Tendo em vista o anterior, parece-me
pertinente consignar minha opinão sobre o alcance do princípio de
progressividade ou do princípio pro direito que costumam ser
invocados como critérios que devem guiar os órgãos internacionais de
proteção em sua interpretação das normas de direitos humanos.
No meu entender, a interpretação das normas de direitos humanos deve
propender à melhor proteção dos direitos consagrados nela; deve-se
inclinar, em caso de dúvida ou ambigüedade, a favor do direito, ao invés
das restrições; e deve-se tomar em conta as mudanças de toda ordem que
leve à evolução histórica, a fim de entender o conteúdo e alcance dos
direitos de uma maneira viva e dinâmica, que os preserve em sua essência
e inclusive os reduza. Estou ciente de que por esta última via
o intérprete pode chegar a usurpar o papel de legislador, mas não cabe,
neste ponto, reproduzir ou resumir um debate de teoria jurídica tão árduo
como antigo. Na minha opinião, este papel de intérprete é
necessário e, inclusive, inevitável, mas deve ter-se especial cuidado,
quando se realiza uma interpretação atualizadora ou progressiva de
direito, de proceder sobre sólidas bases, avançando somente em direção ao
passo lógico imediatamente seguinte.
18. Não me parece que, no presente caso, se possa
determinar uma violação dos direitos dos peticionários, seja de acordo
com o artigo II, seja o artigo XX da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem, com base em uma interpretação como a indicada nas
últimas linhas do páragrafo precedente. Entretanto, não descarto que
a evolução do Direito Internacional e das práticas políticas em nosso
hemisfério possam alcançar um ponto de progresso que, se alcançado nos
dias de hoje, nos permitiria chegar a uma conclusão diferente.
Neste sentido, sou da opinião que o tipo de matéria de que trata o
presente caso pode e deve ser abordado, de modo mais proveitoso e
conduzente, pela Comissão e por outros órgãos da organização dos
Estados Americanos, mediante o cumprimento de seus deveres de promoção dos
direitos humanos e da democracia.
Aprovado e
assinado em Washington, D.C, no dia 24 de outubro de 2003 (Assinado): José
Zalaquett.