RELATÓRIO Nº 97/03*
CASO 11.193
MÉRITO
GARY T. GRAHAM, ATUALMENTE CONHECIDO COMO SHAKA SANKOFA
ESTADOS UNIDOS
29 de dezembro de 2003

 

I.        RESUMO

1.       Em 26 de abril de 1993, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”) recebeu uma petição da  International Human Rights Law Clinic do Washington College of Law da  American University (doravante denominados “os peticionários”) contra o Governo dos  Estados Unidos da América (doravante denominado “o Estado” ou “os Estados Unidos”).  A petição foi apresentada em nome de Sr. Gary Graham, que posteriormente tomou o nome muçulmano de Shaka Sankofa (doravante denominado "Sr. Sankofa" ou "Sankofa"), que está recluído no  pavilhão da  morte, no  Estado do Texas.  Na petição se alega que em outubro de 1981, o Sr. Sankofa foi declarado culpado de um homicídio cometido em maio de 1981 no  Estado do Texas, e condenado à morte, e que a sua execução havia sido fixada para o dia 29 de abril de 1993.  A execução foi depois postergada em várias ocasiões em virtude de atuações judiciais internas.  O Sr. Sankofa foi executado em 22 de junho de 2000.

2.       Os peticionários apresentaram três denúncias.  Na primeira delas alegam que o  Estado violou o direito do Sr. Sankofa a um julgamento justo e ao devido processo  legal previstos nos  artigos XVIII e XXVI da  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração Americana"), ao denegar à esta pessoa uma assistência judiciária efetiva e acesso a um foro judicial que revisasse as provas de identificação e outras provas que indicavam que era inocente do delito pelo  que qual foi condenado.  A segunda petição argumenta que, em virtude da demora  na execução, os Estados Unidos são responsáveis pelas violações do direito do Sr. Sankofa de não ser submetido à tortura ou à penas cruéis, infamantes ou inusitadas, conforme o artigo XXVI da  Declaração Americana.  A terceira petição alega que os Estados Unidos são responsáveis por violações ao direito do Sr. Sankofa à vida e à igualdade perante a lei conforme os artigos I e II da  Declaração Americana, pois tinha 17 anos de idade na  data do delito pelo  qual foi declarado culpado e condenado à morte. 

3.       O Estado contestou as alegações dos peticionários, defendendo que toda suposta violação dos  direitos humanos do Sr. Sankofa foi objeto de litígios e revisão perante vários  tribunais de justiça e que, portanto, essa pessoa gozou plenamente de seu direito a um julgamento justo e ao devido processo.  O Estado argumenta também que, toda demora percebida como tal, na  aplicação de uma sentença legalmente decretada que impõe a pena capital não constitui uma pena cruel, infamante ou inusitada nem tortura, e que, aceitar os argumentos dos  peticionários a este respeito, obrigaria um Estado a submeter a um limite temporal arbitrário as oportunidades com as quais conta uma pessoa declarada culpada de um delito grave para impugnar perante um tribunal superior de uma sentença de pena de morte que lhe foi imposta, o que restringiria, em lugar de ampliar, seus direitos individuais.  Por último, o Estado defende que nem o direito internacional nem o direito interno dos  Estados Unidos proibe a aplicação da  pena capital de forma geral ou para pessoas que não tenham cumprido 18 anos quando cometeram os respectivos delitos. 

4.       No  Relatório No. 51/00, datado de 15 de junho de 2000, a Comissão decidiu admitir a petição do Sr. Sankofa e prosseguir com a análise de mérito do assunto.  Conforme o estabelecido no presente relatório, após examinar a informação e os argumentos proporcionados pelas partes sobre o mérito do assunto, a Comissão chegou a conclusão de que o Estado é responsável pelas violações dos  direitos do Sr. Sankofa ao devido processo legal e a um julgamento justo conforme os artigos XVIII e XXVI da  Declaração Americana.  Portanto, ao executar o Sr. Sankofa em virtude de um procedimento que não tenha cumprido com as normas do devido processo legal conforme a Declaração Americana, o Estado privou  o Sr. Sankofa da  vida arbitrariamente, em contravenção ao artigo I da  Declaração Americana.  A Comissão conclui também que o Estado infringiu uma norma internacional de jus cogens referente ao direito à vida previsto no  artigo I da  Declaração Americana ao executar o Sr. Sankofa por um delito que ele cometeu quando tinha 17 anos de idade.  Por último, a Comissão considerou  que os Estados Unidos não observou as obrigações fundamentais sobre direitos humanos que foram impostas por seu caráter de Estado membro da  Organização dos  Estados Americanos, ao permitir que fosse realizada a execução do Sr. Sankofa em 22 de junho de 2000, apesar da solicitação da Comissão de que adotasse medidas cautelares para preservar sua vida,  enquanto tramitava a petição perante à Comissão, e apesar de a CIDH ter  declarado admissíveis as denúncias do Sr. Sankofa e ter decidido analisar o mérito do caso referente a essa pessoa. 

II.       ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO 51/00 SOBRE ADMISSILIBIDADE

5.       Em seu Relatório Nº 51/00, aprovado em 15 de junho de 2000, a Comissão declarou que a petição do Sr. Sankofa era admissível em relação aos artigos I, II, XVIII e XXVI da  Declaração, e resolveu prosseguir com a análise de mérito do assunto.  Ao mesmo tempo, a execução do Sr. Sankofa havia sido prevista para 22 de junho de 2000, no  Estado do Texas.  Em consequência, em seu relatório sobre admissilibidade, a Comissão decidiu reiterar a solicitação, de acordo com o artigo 29(2) de seu antigo Regulamento, de que fossem adotadas todas as medidas necessárias para postergar a execução do Sr. Sankofa enquanto a Comissão se pronunciava sobre o assunto.  O Relatório No. 51/00 foi remetido ao Estado e aos peticionários em 20 de junho de 2000. 

6.       Em  22 de junho de 2000, o Estado respondeu à solicitação da  Comissão para enviar suas observações referentes às notas dos  peticionários de 10 de março de 2000.  O Estado reiterou seus argumentos anteriores no sentido de rejeitar a denúncia dos  peticionários.  Em 21 de junho de 2000, a Comissão enviou as observações do Estado aos peticionários, e pediu a estes uma resposta dentro de um prazo de 30 dias. 

7.       Em 22 de junho de 2000, a Comissão recebeu informação de que a Junta de Indultos e Liberdade Condicional do Texas havia recusado-se a recomendar a revogação ou comutação da  sentença de morte decretada contra o Sr. Sankofa, ou  seu indulto, e que tinha prevista a execução para a tarde do mesmo dia.  Consequentemente, em nota enviada em 22 de junho de 2000 ao Estado, a Comissão solicitou a este uma vez mais a adoção das medidas necessárias para postergar a execução do Sr. Sankofa enquanto a Comissão investigava o assunto, e solicitou uma resposta urgente à sua solicitação.  Posteriormente a Comissão recebeu informação segundo a qual a execução do Sr. Sankofa havia sido realizada na  data prevista:  22 de junho de 2000.

III.      POSIÇÕES DAS PARTES

A.      Posição dos  peticionários 

8.       Segundo a informação proporcionada pelos  peticionários, o Sr. Sankofa foi  detido em 20 de maio de 1981, ou próximo desta data, e depois julgado pelo  assassinato de Bobby Lambert, cometido em 13 de maio de 1981.  Segundo a Promotoria, o Sr. Sankofa baleou o Sr. Lambert com uma pistola ao assaltá-lo, ou tentar assaltá-lo, no estacionamento do Safeway, em Houston.  Em 28 de outubro de 1981, o Sr. Sankofa foi declarado culpado pelo delito grave de homicídio cometido contra o Sr. Lambert, cuja pena aplicável é a pena capital,.  Os argumentos da  Promotoria basearam-se no depoimento de uma testemunha ocular, a Sra. Bernadine Skillern, que identificou positivamente o Sr. Sankofa como autor do homicídio em uma galeria fotográfica, em uma fila de suspeitos na  estação de Polícia e em sua declaração judicial em sessão aberta do tribunal.  A Promotoria baseou-se também em provas que indicavam que o  calibre da  bala letal coincidia com a arma que possuía o Sr. Sankofa quando foi detido.  Na data do homicídio do Sr. Lambert, o Sr. Sankofa tinha 17 anos de idade.  Durante o julgamento, o Sr. Sankofa foi assistido pelo  advogado Ronald Mock, designado pelo  tribunal. 

9.       Em sua denúncia e em posteriores observações formuladas perante à Comissão, os peticionários expuseram três argumentos.  O primeiro deles é que o Estado violou o direito do Sr. Sankofa de provar sua inocência, implícito nos  artigos XVIII e XXVI da  Declaração Americana [1] , o que privou de seu direito a um julgamento justo e ao devido processo legal.  Assinalam que os tribunais federais e estatais dos  Estados Unidos denegaram ao Sr. Sankofa uma audiência justa na qual pudesse apresentar provas que demonstrassem sua inocência. 

10.     Segundo os peticionários, o material que foi impedido de ser apresentado pelo  Sr. Sankofa, estava relacionado com a prova de identificação e o álibi, bem como a prova balística em que se baseou a sentença que o declarou culpado.  Os peticionários argumentam, primeiramente, que essa prova, considerada em conjunto, respalda de forma abundante a  inocência do Sr. Sankofa.  Alegam que, das oito testemunhas oculares do delito, somente três prestaram declarações no  julgamento.  Delas, duas não identificaram o Sr. Sankofa numa fila de suspeitos nem lhes foi perguntado no julgamento se o Sr. Sankofa era o autor do disparo ou se o haviam identificado na  fila de suspeitos.  Segundo os peticionários, das cinco testemunhas restantes que não prestaram depoimento somente uma identificou o Sr. Sankofa na  fila de suspeitos e três têm certeza de que o Sr. Sankofa não foi o autor do disparo. Os peticionários informam também que seis, das oito testemunhas oculares, estimaram a estatura do agressor como inferior a do Sr. Sankofa:  cinco pés e seis polegadas.  Os peticionários mencionam as provas feitas por um investigador contratado pela  defesa, segundo as quais tanto ele como o advogado do Sr. Sankofa assumiram a culpabilidade do Sr. Sankofa e portanto, não investigaram sua culpabilidade ou inocência, nem os álibis das pessoas que argumentam que o Sr. Sankofa não poderia ter estado presente na  cena do crime.  Ademais, argumentam que parte da  prova não foi diligenciada em audiência, apesar de ser apropriada  para provar a inocência do Sr. Sankofa.  Afirmam que a prova compreende declarações de duas testemunhas oculares do delito, as quais não mantiveram contato com os advogados do Sr. Sankofa no  julgamento; uma ata de declaração que corrobora uma das atas de declaração dos álibis das testemunhas anteriormente declarados não verossímeis pelo  tribunal estatal de distrito, e relatórios de dois psicólogos que examinaram as declarações testemunhais e escritas das testemunhas e concluíram que a identificação de Bernadine Skillern não era verossímel.

11.     Quanto à prova balística, os peticionários proporcionaram à Comissão uma cópia do Relatório de Armas de Fogo do Departamento de Polícia de Houston datado de 28 de maio de 1981, em que se indica que a arma de fogo confiscada do Sr. Sankofa quando foi detido não foi aquela utilizada para disparar contra Bobby Lambert.  Segundo os peticionários, este relatório tampouco foi considerado em seus aspectos substanciais pelos  tribunais internos através de uma audiência de diligenciamento de provas, nem pelos  tribunais que conheceram a causa em instâncias superiores. [2]

12.     Os peticionários alegam que a totalidade da  referida prova deveria ter sido apresentada no julgamento, o que não ocorreu devido à ineficaz assistência judiciária oferecida ao Sr. Sankofa no  julgamento.  Os peticionários alegam também que posteriormente os Governos dos Estados Unidos e do Texas impediram o Sr. Sankofa de apresentar esta prova numa audiência de diligenciamento de provas, alegando que as novas provas apresentadas pelo  Sr. Sankofa não cumpriam com o requisito jurídico mínimo da  “inocência real” indispensável para que os tribunais superiores pudessem assumir competência mediante esta prova, [3] ou aduzindo disposições legais sancionadas pelo  Governo do Texas e pelo  Governo dos  Estados Unidos, que, por razões processuais, impediam o Sr. Sankofa impetrar novamente os  recursos estatais ou federais de habeas corpus. [4]   Os peticionários argumentam, portanto,  que os Governos dos  Estados Unidos e do Texas violaram os artigos XVIII e XXVI da  Declaração, ao privar o Sr. Sankofa de seu direito a um julgamento justo e ao devido processo legal.

13.     Os peticionários também alegam que a postergação da execução do Sr. Sankofa constitui, per se, uma violação do direito a não ser submetido a uma pena cruel, infamante ou inusitada conforme o artigo XXVI da  Declaração, porque este sofreu o que usualmente se denomina “síndrome do pavilhão da  morte”.  Os peticionários ressaltam que o Sr. Sankofa foi condenado quando tinha 17 anos de idade e permaneceu recluído no  pavilhão da  morte durante 19 anos, fatores que demonstram, na sua opinião, o tratamento a que foi objeto e constitui uma pena cruel, infamante e inusitada. 

14.     Para respaldar sua denúncia, os peticionários baseiam-se na decisão da  Comissão no  caso William Andrews contra Estados Unidos [5] que concluiu que a detenção do Sr. William Andrews e o tratamento que recebeu no  pavilhão da  morte violavam seu direito a um tratamento humano conforme a Declaração Americana.  Os peticionários citam também a sentença da  Corte Européia de Direitos Humanos no  caso Soering contra  Reino Unido [6] .  Esta corte impediu a extradição de uma pessoa de nacionalidade alemã aos Estados Unidos para que fosse  processada por um delito que dava lugar à aplicação da  pena capital, cometido quando a vítima tinha 18 anos de idade.  Os peticionários assinalaram que, como a Corte Européia de Direitos Humanos concluiu que a detenção prolongada no  pavilhão da  morte no  caso do Sr. Soering constituiria um tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, contrário ao artigo 3 da  Convenção Européia, a mesma conclusão deve ser extraída do artigo XXVI da  Declaração referente à reclusão do Sr. Sankofa durante 19 anos no  pavilhão da  morte. 

15.     Os peticionários alegam também que o Sr. Sankofa foi objeto de uma pena cruel, infamante ou inusitada, em contravenção ao previsto no  artigo XXVI da  Declaração Americana, castigo cuja severidade permite qualificá-lo como tortura, que, segundo os peticionários, está implicitamente proibida pelo  artigo XXVI da  Declaração.  Argumentam que uma pessoa condenada à morte sofre uma “tortura psicológica indevida” enquanto espera a execução, e citam decisões judiciais dos  Estados Unidos e várias outras jurisdições de common law para respaldar essa afirmação. [7]

16.     Por último, os peticionários argumentam que o Estado violou o direito do Sr. Sankofa à vida, à liberdade e à segurança da pessoa, bem como seu direito à igualdade perante à lei previstos nos  artigos I e II da  Declaração, [8] baseando-se no  fato de que o Sr. Sankofa tinha menos de 18 anos de idade na data em foi cometido o crime pelo qual ele foi considerado culpado e condenado.  Os peticionários citam, para respaldar esse argumento, a decisão da  Comissão no  caso Roach e Pinkerton contra Estados Unidos, [9] em que se concluiu que nos  Estados Unidos a diversidade de práticas estatais dá lugar à imposição de penas muito diferentes a infratores juvenis por idênticos delitos, o que viola os artigos I e II da  Declaração.  Os peticionários argumentam que os Governos dos  Estados Unidos e do Texas não introduziram reformas que ponham fim à aplicação heterogênea da  pena de morte a delinquentes juvenis depois da decisão do caso Roach e Pinkerton, e que, no  caso do Sr. Sankofa, como no  de Roach e Pinkerton, o fato de que o Governo dos  Estados Unidos não tenha adotado medidas que antecipem às dos Estados em relação a proteção do direito à vida de delinquentes juvenis condenados à morte implica uma modalidade de privação arbitrária da  vida e desigualdade perante à lei. 

B.       Posição do Estado

17.     Conforme o relatório sobre admissilibidade do presente caso, [10] o resumo do  Estado sobre a história processual do julgamento penal contra o Sr. Sankofa não difere substancialmente dos  antecedentes proporcionados pelos  peticionários.  O Estado questiona, porém, os argumentos jurídicos expostos pelos  peticionários; baseando-se em seus próprios  argumentos ou nas observações escritas formuladas pela  Promotoria Geral do Estado do Texas.  O Estado defende, em primeiro lugar, que o caso do Sr. Sankofa foi examinado de forma completa e justa mediante dezenas de recursos judiciais, motivo pelo qual as supostas violações de seus direitos humanos foram  examinadas durante o julgamento, na devida forma, por vários tribunais. 

18.     Em relação à prova recentemente obtida que, segundo os peticionários, não foi  apresentada no julgamento ou considerada pelos  tribunais internos ao examinar o caso do Sr. Sankofa, o Estado formula várias observações.  Com respeito à nova prova de testemunhas oculares, o Estado argumenta que as manifestações dessas testemunhas são suspeitas, dada a escassa prova útil de testemunhas oculares presentes no  momento do crime, e a posterior investigação policial, além da incongruência e implausibilidade das declarações anteriormente formuladas por essas testemunhas à Polícia, em comparação com suas alegações atuais.  O Estado assinala também, a esse respeito, incongruência e implausibilidade nas observações e declarações escritas das  testemunhas oculares adicionais em que se basearam os peticionários.  O Estado indica, por exemplo, que uma testemunha ocular que não foi chamada a julgamento, Sherian Etuk, caixa de uma loja de comida, manifestou no começo que não pôde ver claramente o assaltante através das janelas da loja devido ao reflexo da  luz nas mesmas, mas depois disse ter visto o assaltante que baleou o Sr. Lambert e o descreveu com sendo mais baixo do que era, em realidade, o Sr. Sankofa.  Outra testemunha, Wilma Amos, descreveu originalmente o assaltante como de estatura média, e agora o descreve como de baixa estatura: aproximadamente cinco pés e quatro polegadas.  O Estado assinala discrepâncias similares na  prova das  testemunhas Richard Hubbard, Leodis Wilkerson e Malcolm e Loretta Stephens. [11]

19.     Em relação ao suposto erro de identificação do Sr. Sankofa por parte de Bernadine Skillern, o Estado alega que todas as provas e informações disponíveis indicam que a Sra. Skillern não cometeu nenhum erro de identificação.  O Estado faz referência ao longo tempo de que dispôs a Sra. Skillern para identificar o Sr. Sankofa, e o fato de que identificou de forma inequívoca o Sr. Sankofa em uma fila de suspeitos e no julgamento. [12]

20.     Quanto ao álibi aduzida pelo  Sr. Sankofa, o Estado alega que este argumento foi apresentado no contexto de afirmações de insuficiente assistência judiciária e foi considerado em várias ocasiões por parte dos tribunais de distrito e de apelação estatais e federais, começando pela audiência de diligenciamento de prova levada a cabo pela  Corte de Distrito do Texas sobre estes temas, e sua posterior sentença datada de 8 de fevereiro de 1988.  O Estado informa que a Corte de Distrito rejeitou essas afirmações, porque concluiu que, no  julgamento, o Sr. Sankofa não proporcionou a seu advogado o nome de nenhuma testemunha álibi, porque este advogado havia contratado um  investigador para que colaborasse na  indagação  de possíveis testemunhas da defesa, e porque o tribunal não considerou verossímeis as declarações das novas testemunhas álibis. Estes argumentos foram formulados em ações de habeas corpus perante os tribunais estatais e federais, mas esses tribunais, em essência, não encontraram razões para diferir das conclusões da  Corte de Distrito do Texas sobre esses pontos.

21.     O Estado defende também que a Comissão não deveria chegar à conclusões diferentes sobre os pontos referidos.  Citando as decisões da  Comissão nos  casos Marzioni contra Argentina [13] e Wright contra Jamaica, [14] o Estado argumenta que a Comissão não pode pronunciar-se sobre erros de direito interno ou de fato supostamente cometidos por tribunais internos que tenham atuado na  esfera de sua competência, a menos que esses erros implicassem em possível violação de qualquer dos  direitos previstos em instrumentos inter-americanos pertinentes.  O Estado alega também que as conclusões dos  tribunais internos relativas às afirmações do Sr. Sankofa sobre a existência de um álibi constituem conclusões de fato as quais se chegou através de procedimentos que cumpriram as normas internacionais, [15] portanto, que o Sr. Sankofa não nega que sua prova tenha sido examinada, mas sim que difere das conclusões as que chegaram os órgãos judiciais que as examinaram. 

22.     No que se refere aos argumentos dos  peticionários referentes à idade do Sr. Sankofa na data em que cometeu o delito, o Estado argumenta que não violou o direito à vida do Sr. Sankofa, porque o direito internacional não proibe , em caráter geral, a aplicação da  pena capital, nem sua aplicação aqueles que cometam delitos antes de cumprir os 18 anos de idade. 

23.     Mais especificamente, o Estado alega que o direito internacional autoriza a imposição da  pena capital quando a mesma foi devidamente estipulada para os delitos mais graves e o Estado a aplica em observância do devido processo e com estritas salvaguardas processuais, e que nenhum tratado, nem o  direito internacional consuetudinário, proibem aos Estados Unidos imporem a pena capital a pessoas declaradas culpadas.  O Estado assinala que os cidadãos de muitos estados dos  Estados Unidos decidiram que os delitos mais graves, embora sejam cometidos por pessoas menores de 18 anos de idade, devem receber uma  pena não mais leve que a morte, e que a Corte Suprema dos  Estados Unidos, no  caso Stanford contra Kentucky [16] declarou que a Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos não proibe a imposição da  pena de morte por delitos cometidos aos 16 ou 17 anos de idade. 

24.     O Estado defende também que os Estados Unidos não assumiram nenhuma obrigação emanada de um tratado que proiba a execução de delinquentes juvenis, e que o direito internacional consuetudinário não proibe a execução de pessoas que tivessem 16 ou 17 anos de idade na data do delito, quando sejam judicialmente declarados aptos para serem julgados como adultos.  O Estado argumenta que, embora essa norma jurídica existisse, não seria obrigatória para os Estados Unidos, visto que a prática observada por esse país há longo  tempo  nessa esfera, incluindo sua posição em procedimentos em trâmite perante a Comissão, implica num desacordo constante . [17]   O Estado refere-se à decisão adotada pela  Comissão no  caso James Roach e Jay Pinkerton, [18] em que se chega à conclusão de que a persistente rejeição por parte dos  Estados Unidos ao desenvolvimento desta norma impede admitir que alguma norma internacional consuetudinária emergente a esse respeito obrigue a esse país.  Ademais, o Estado assinala que a minoridade do Sr. Sankofa foi um fator devidamente considerado pelo  júri para mitigar o castigo.

25.     Em relação aos argumentos dos  peticionários referentes às consequências do tempo em que o Sr. Sankofa esteve recluído no  pavilhão da  morte, o Estado argumenta que toda demora ocorrida na aplicação de uma sentença de condenação à pena capital legalmente imposta não constitui uma “pena cruel, infamante ou inusitada” nem uma tortura.  O Estado afirma que a decisão da  Comissão no  Caso William Andrews contra Estados Unidos [19] não respalda a afirmação dos  peticionários de que pode configurar-se uma violação da  Declaração Americana baseada exclusivamente no  tempo de reclusão de um peticionário no  pavilhão da  morte.  Segundo o Estado, o argumento dos  peticionários de que uma pessoa condenada à morte sofre uma tortura psicológica indevida pelo  fato de esperar a execução, carece de respaldo jurídico internacional ou interno e implica que o Estado deveria impor um limite temporal arbitrário as oportunidades de que dispõe quem tenha sido declarado culpado de um delito grave para impugnar a pena capital perante um tribunal superior.  Isto, na opinião do Estado, implicaria reduzir, em lugar de ampliar, os direitos processuais do interessado.  No  caso dos autos, os Estados Unidos alega que atuou como correspondia ao conceder plenamente ao Sr. Sankofa seu direito processual de impugnação.   

IV.      ANÁLISE
A.      Padrão de interpretação

26.     Antes de referir-se ao mérito do assunto, a Comissão deseja reafirmar e reiterar sua doutrina pacífica de que deve aplicar um critério mais severo ao considerar casos de aplicabilidade da  pena capital.  Como o direito à vida é amplamente reconhecido como o direito supremo do ser humano, de cujo respeito depende o gozo de todos os demais direitos, a Comissão considera que tem uma obrigação mais severa de verificar que toda privação da  vida aplicada em virtude da  aplicação da  pena de morte cumpra estritamente com os requisitos dos  instrumentos interamericanos sobre direitos humanos aplicáveis, incluindo a Declaração Americana.  Este critério de maior rigidez é compatível com o enfoque restritivo adotado por outros organismos internacionais de direitos humanos para a imposição da  pena de morte, [20] e vem sendo defendido e aplicado pela  Comissão em casos de imposição da  pena capital. [21]

27.     Este enfoque requer, em especial, a estrita observância das normas e os princípios do devido processo e o julgamento justo no  contexto de casos de aplicação da  pena capital.  A Comissão ressaltou anteriormente que o caráter irrevogável e irreversível da  pena capital faz dela uma forma de castigo que difere em substância, bem como em grau, de outros mecanismos de castigo, o que justifica a aplicação de um critério especialmente estrito de confiabilidade para estabelecer se uma pessoa é responsável por um delito que dê lugar a  imposição da  pena de morte. [22]

28.     A Comissão observa também que a aplicação desse critério mais rigoroso, em casos como os referidos, não é incompatível com a fórmula da  quarta instância que ela aplica, segundo a qual a Comissão, em  princípio, deve abster-se de revisar sentenças prolatadas por tribunais internos que tenham atuado dentro da  esfera de sua competência e aplicado as devidas garantias judiciais. [23]   A Comissão defende que, quando se defronta com uma possível violação dos  direitos de uma pessoa no  marco dos  instrumentos interamericanos sobre direitos humanos pertinentes, a fórmula da quarta instância não se aplica e a Comissão pode considerar o assunto. [24]

29.     Sendo assim, a Comissão aplicará ao exame da petição um nível inquisitivo mais severo, para garantir, em especial, que o Estado tenha respeitado o direito à vida, o direito ao devido processo legal e o direito a um julgamento justo conforme ao prescrito pela  Declaração Americana. 

B.       Medidas cautelares

30.     Durante seu 84º período ordinário de sessões, em outubro de 1993, a Comissão decidiu solicitar ao Estado, no  caso do Sr. Sankofa, a aplicação de medidas cautelares conforme o artigo 29(2) do anterior Regulamento da  Comissão.  Em sua solicitação, a Comissão assinalou que o Sr. Sankofa tinha 17 anos de idade na data em que cometeu o delito pelo qual foi condenado à morte, que o caso guardava relação com o mais importante direito, o  direito à vida, e que um erro de parte das autoridades poderia suscitar danos irreparáveis.  Com base nisto, e sem prejulgar a decisão final do caso, a Comissão instou os Estados Unidos a adotar as medidas necessárias para garantir que se concedesse ao Sr. Sankofa uma audiência perante a Junta de Indultos e Liberdade Condicional do Texas. A Comissão solicitou também ao Governador do Texas e ao Estado que impedissem a aplicação contra o Sr. Sankofa da  pena de morte, por razões humanitárias e para evitar danos irreparáveis.  A Comissão  remeteu ao Estado e aos peticionários o pedido de medidas cautelares através de comunicações datadas, respectivamente, de 27 de outubro de 1993 e  29 de outubro de 1993.  Em virtude de atuações internas adicionais, posteriormente a execução do Sr. Sankofa foi postergada.

31.     Em 23 de maio de 2000, ou perto desta data, a Comissão recebeu informação segundo a qual em 1º de maio de 2000 havia sido indeferido o recurso de avocação perante à Corte Suprema dos  Estados Unidos apresentado pelo  Sr. Sankofa e que sua execução estava prevista para 22 de junho de 2000.  Em consequência, no  Relatório 51/00 sobre admissilibidade, adotado em 15 de junho de 2000, a Comissão decidiu  reiterar sua solicitação, de acordo com o artigo 29(2) de seu anterior Regulamento, de que fosse adotadas todas as medidas necessárias para suspender a execução do Sr. Sankofa enquanto a Comissão não se pronunciasse sobre o assunto. 

32.     Em 22 de junho de 2000, a Comissão foi informada da  decisão adotada nessa mesma data pela  Junta de Indultos e Liberdade Condicional do Texas, de não recomendar a revocação, a comutação ou o indulto, em relação a pena de morte aplicada ao Sr. Sankofa.  Em virtude desta decisão, em uma nota datada de 22 de junho de 2000, a Comissão reiterou  uma vez mais a solicitação de que o Estado adotasse as medidas que considerava necessárias para postergar a execução do Sr. Sankofa enquanto se realizava a investigação do assunto por parte da  Comissão, e solicitou urgente resposta à sua solicitação.  Posteriormente a Comissão recebeu informação segundo a qual a execução do Sr. Sankofa havia sido realizada em 22 de junho de 2000, segundo o previsto.

33.     A este respeito, a Comissão recorda sua jurisprudência referente ao efeito jurídico das medidas cautelares adotadas nos casos de pena de morte.  Como assinalado antes pela Comissão, em muitos casos sua capacidade de investigar e resolver de modo eficaz esse tipo de casos fica reduzida quando o Estado programa e leva a cabo a execução de pessoas condenadas, apesar de existirem pendentes determinadas atuações referentes à essas pessoas perante à Comissão.  Procurando evitar esse dilema, a Comissão solicita ao Estado a aplicação de medidas cautelares em casos de aplicação da  pena capital, a fim de suspender a execução de um preso condenado, até que a Comissão tenha tido a oportunidade de investigar suas denúncias.  A Comissão entende que os Estados membros da OEA, ao criar a Comissão e encomendar-lhe, através da  Carta da  OEA e o Estatuto da  Comissão, que promova a observância e a proteção dos  direitos humanos dos  povos americanos, comprometeram-se implicitamente a aplicar medidas desta natureza quando as mesmas são essenciais para preservar o mandato da  Comissão.  Como esta ressaltou em várias ocasiões, é inquestionável que, se um Estado membro da  OEA não preserva a vida de um preso condenado, enquanto a Comissão esteja examinando sua denúncia, perde eficácia o processo da  Comissão, priva as pessoas condenadas de seu direito de petição perante o sistema interamericano de direitos humanos, e essas pessoas sofrem um dano grave e irreparável.  Por essas razões a Comissão vem declarando que um Estado membro descumpre suas obrigações referentes aos direitos humanos fundamentais conforme a Carta da  OEA e os instrumentos conexos, quando abstém-se de aplicar medidas cautelares decretadas pela  Comissão nessas circunstâncias. [25]

34.     No caso de autos a execução do Sr. Sankofa foi realizada apesar da  solicitação de medidas cautelares formulada pela  Comissão e apesar do fato de que esta havia considerado admissíveis as denúncias do Sr. Sankofa e havia decidido analisá-las em seus aspectos substanciais.  Ao permitir a execução dessa pessoa nessas circunstâncias, os Estados Unidos, na opinião da Comissão, reduziram a eficácia do processo da Comissão tendente a examinar cabalmente a denúncia do Sr. Sankofa, privaram-lhe de seu direito de realizar uma petição efetiva perante o sistema interamericano de direitos humanos e inflingiram ao Sr. Sankofa danos graves e irreparáveis, descumprindo assim as obrigações fundamentais sobre direitos humanos que lhe foram impostas na sua qualidade de Estado membro da  Organização dos  Estados Americanos.  A Comissão considera extremamente graves as omissões do Estado a este respeito, e insta os Estados Unidos a adotarem todas as medidas necessárias para cumprir com as solicitações de medidas cautelares formulada pela Comissão em outras denúncias em trâmite perante o sistema interamericano. 

C.      História processual 

35.     A informação disponível indica que, em 28 de outubro de 1981, o Sr. Sankofa foi declarado culpado de um delito grave e condenado a morte, devido ao homicídio de Bobby Lambert.  O tribunal declarou que o Sr. Sankofa matou intencionalmente o Sr. Lambert disparando-lhe com uma pistola ao assaltá-lo, ou tentar assaltá-lo, no estacionamento do Safeway, em Houston, cerca das 9:30 hs da manhã do dia 13 de maio de 1981. O Sr. Sankofa foi detido aproximadamente uma semana depois do assassinato, depois de ter cometido, segundo se afirma, dez assaltos agravados entre os dias 14 e 20 de maio de 1981, depois do assassinato do Sr. Lambert.  Na data do crime, o Sr. Sankofa tinha  17 anos de idade.  

36.     Os argumentos da  Promotoria basearam-se no  depoimento de uma testemunha ocular, a Sra. Bernadine Skillern, que identificou positivamente o Sr. Sankofa como autor do homicídio em uma galeria fotográfica, em uma fila de suspeitos na  estação de Polícia e em sua declaração judicial em sessão aberta do tribunal.  A única prova adicional da  culpabilidade consistiu em informação que indicava que o calibre da  bala letal coincidia com o  da arma que tinha em seu poder o Sr. Sankofa quando foi detido.  A defesa alega que se tratava de um erro de identidade e impugnou a identificação levada a cabo pela  Sra. Skillern através de perguntas e insistiu em que nenhuma das demais testemunhas oculares, sendo que ao menos um dos quais estava mais próxima aos fatos em questão, conseguiu identificar o Sr. Sankofa.  A defesa não apresentou prova alguma na fase de declaração de culpabilidade do julgamento do Sr. Sankofa. 

37.     O Sr. Sankofa impugnou diretamente a sentença condenatória perante tribunais estatais, e impetrou recursos de habeas corpus perante tribunais estatais e federais, cujos detalhes aparecem no  relatório sobre admissilibidade elaborado pela  Comissão no  caso de autos.  No  curso dos  diversos trâmites que promoveu depois da condenação, o Sr. Sankofa formulou vários argumentos, como o de ineficácia da assistência judiciária que lhe foi proporcionada e o de sua inocência pelo  delito pelo qual foi condenado.  Para apoiar essas alegações, o Sr. Sankofa apresentou provas que incluíam atas de declaração de testemunhas de seu álibi, atas de declarações de testemunhas oculares que contradizeram a identificação do Sr. Sankofa como autor do disparo, realizada por Bernadine Skillern, e a ata da  declaração de um investigador contratado pelo advogado que representou o Sr. Sankofa no  julgamento, segundo a qual o representante legal que assistiu o Sr. Sankofa no julgamento não estudou exaustivamente os fatos, nem propôs testemunhas tendentes a isentar o acusado.  O Sr. Sankofa apresentou também relatórios de psicólogos que examinaram as declarações orais e escritas das  testemunhas e concluíram que a identificação do Sr. Sankofa realizada pela  Sra. Skillern não era digna de crédito, bem como um Relatório de Armas de Fogo do Departamento de Policia de Houston, de maio de 1981, segundo o qual a arma confiscada do Sr. Sankofa quando foi detido não era aquela utilizada para disparar contra o Sr. Lambert. 

38.     Conforme mencionado no relatório sobre admissilibidade elaborado pela  Comissão sobre o assunto dos autos, [26] parte destas provas foram consideradas e avaliadas  pelos  tribunais internos ao pronunciar-se sobre o recurso de habeas corpus, com ou sem  audiência de diligenciamento de prova; outras provas não foram consideradas  por nenhum  dos  tribunais que examinaram o caso.  Mais especificamente, ao considerar o primeiro   recurso de habeas corpus impetrado pelo  Sr. Sankofa perante os tribunais estatais, que foi indeferido em fevereiro de 1988, o tribunal examinou em audiência as provas referentes à alegação do Sr. Sankofa relativa à ineficácia de seu advogado defensor; nessa audiência o tribunal recebeu a declaração dos dois advogados que representaram o Sr. Sankofa no  julgamento e das duas  testemunhas álibis do Sr. Sankofa, e concluiu que as testemunhas álibis não eram verossímeis, que o Sr. Sankofa não havia informado a seus advogados acerca dos  mesmos e que a assistência do advogado representante havia sido eficaz. [27]

39.     Durante a tramitação do segundo recurso de habeas corpus impetrado pelo  Sr. Sankofa perante a justiça estatal, em abril de 1993, o Sr. Sankofa voltou a aduzir a ineficácia de seu representante legal, e proclamou-se inocente.  Apresentou novas atas de declaração de testemunhas oculares que questionavam a prova de identificação de Bernadine Skillern, bem  como uma ata de declaração de Merv West, investigador contratado pelo  advogado que representou o Sr. Sankofa no  julgamento.  Nesta declaração, o Sr. West assinalou que este advogado não estudou exaustivamente os fatos nem apresentou prova testemunhal para a defesa.  O tribunal decidiu não levar a cabo uma audiência de diligenciamento de prova, e rejeitou a solicitação baseando-se no exame da  prova consistente em atas de declarações apresentadas, concluindo que a nova prova não era verossímel e era desmentida pelo  expediente em conjunto. [28]

40.     Durante a tramitação do terceiro recurso de habeas corpus impetrado perante os tribunais federais, o Sr. Sankofa voltou a formular os argumentos de ineficácia da  assistência recebida e de sua inocência, e para respaldar essas afirmações apresentou novas provas, consistentes em atas de declarações de duas testemunhas oculares com as quais nunca se puseram em contacto os advogados que representaram o Sr. Sankofa no julgamento, uma ata de declaração que corroborava a de uma das testemunhas álibi que o tribunal estatal havia declarado inverossímel, dois relatórios de psicólogos que haviam  examinado as declarações e atas de declarações de testemunhas e haviam concluído que a identificação do Sr. Sankofa por parte da  Sra. Skillern não era digna de crédito, e um Relatório de Armas de Fogo do Departamento de Polícia de Houston de maio de 1981, segundo o qual a arma de fogo confiscada do Sr. Sankofa quando foi detido não era aquela utilizada para disparar contra o Sr. Lambert.  A corte federal do distrito examinou a prova sem realizar uma audiência de diligenciamento da  mesma e, em 13 de agosto de 1993, prolatou  sentença declarando que as provas diligenciadas não respaldavam as afirmações do Sr. Sankofa sobre sua inocência e sobre a ineficácia da  assistência de seu advogado. [29]   Ao chegar a esta conclusão, a corte declarou que a nova prova apresentada não demonstrava que as decisões dos  tribunais estatais que rejeitaram as alegações do Sr. Sankofa referentes à uma ineficaz assistência de seu representante legal tinham sido errôneas.  A corte reconheceu que da nova prova apresentada, os tribunais estatais não haviam considerado as atas de declarações de duas das  testemunhas oculares, as de duas testemunhas álibis, nem o  Relatório de Armas de Fogo do Departamento de Polícia de Houston, mas concluíram que a apresentação dessa prova no julgamento não havia sido necessária para garantir ao Sr. Sankofa o direito constitucional a uma eficaz assistência de seu advogado. 

41.     O Sr. Sankofa realizou esforços adicionais tendentes a apresentar os mesmos temas em subsequentes recursos de habeas corpus impetrados perante os tribunais estatais e federais, mas esses recursos foram indeferidos em aplicação de leis recentemente sancionadas no  Estado do Texas, e da  Lei Federal Antiterrorista e de Efetiva Aplicação da  Pena de Morte, que na prática impediram o Sr. Sankofa de formular argumentos que tivessem sido ou pudessem ter  sido formulados em recursos anteriores de habeas corpus. [30]

D.      Direito ao devido processo e a um julgamento justo

42.     À luz dos  antecedentes processuais acima resumidos, os peticionários alegam que os Governos dos Estados Unidos e do Texas não garantiram o direito do Sr. Sankofa a um julgamento justo, nem ao devido processo legal, pois lhe negaram uma audiência justa em que pudesse apresentar provas de defesa.  Argumentam que a prova da testemunha ocular distinta de Bernadine Skillern, juntamente com as duas testemunhas álibis, constituem provas abundantes que exoneram o Sr. Sankofa de culpa e deveriam ter sido apresentadas ao tribunal, o que não ocorreu devido à ineficácia da  assistência judiciária que o  Sr. Sankofa teve no  julgamento.  Os peticionários defendem também que os tribunais estatais e federais, invocando razões processuais, impediram o  Sr. Sankofa de apresentar provas tendentes a demonstrar sua inocência na  audiência de diligenciamento de prova, devido ao umbral previsto pela  jurisprudência aplicável para que a corte de apelações pudesse considerar novas provas, ou a que a legislação estatal ou federal aplicável impedisse os tribunais considerar sucessivos recursos de habeas corpus. 

43.     Ao considerar este aspecto da  denúncia dos  peticionários, a Comissão deve ter em conta sua jurisprudência anterior, conforme a qual são geralmente os tribunais dos  Estados membros os que tem que examinar as provas referentes aos fatos de determinado caso. [31] De forma análoga, cabe aos tribunais de apelações dos  Estados, e não à Comissão, avaliar a tramitação de um julgamento, incluindo assuntos tais como a ponderação da  prova e o fato de que as instruções dadas a um júri fossem apropriadas ou não, a menos que resulte claro que o comportamento do juiz fosse arbitrário ou representasse denegação de justiça, ou que o juiz tivesse violado manifestamente sua obrigação de ser imparcial. [32] Ao mesmo tempo, os Estados devem fazer que os procedimentos penais estejam conformes com as normas mínimas do devido processo legal referidas nos  artigos XVIII e XXVI da  Declaração Americana, aplicáveis a todas as etapas do processo penal [33] e que, como assinalado anteriormente, são objeto de um escrutínio mais rigoroso nos casos em que pode-se impor a pena capital.  Em observância dessas normas, a Comissão deve estabelecer se os argumentos formulados pelos  peticionários justificam a intervenção desta Comissão para avaliar a maneira em que os tribunais internos consideraram e trataram as provas apresentadas em nome do Sr. Sankofa.

44.     Ao avaliar a informação que consta dos autos à luz dos  princípios aplicáveis, a Comissão conclui que, no diligenciamento de certas provas diretamente pertinentes para fundamentar a condenação do Sr. Sankofa à pena capital em seu julgamento penal, não foi cumprido o padrão do devido processo legal aplicável aos casos desse gênero, o que implica denegação de justiça, em infração das normas do julgamento justo e do devido processo legal que prevê a Declaração Americana.  Esta conclusão se aplica, em especial, à prova de identificação  no  assassinato do Sr. Lambert, bem como a prova balística referente à arma de fogo que foi encontrada em poder do Sr. Sankofa quando este foi detido.

45.     Com respeito à prova de identificação, a Comissão assinala que como surge do expediente, ao menos oito testemunhas estiveram presentes quando ocorreu o assassinato do Sr. Lambert, ou pouco depois.  Deles, somente três prestaram depoimento no julgamento:  Bernadine Skillern, única testemunha que identificou o Sr. Sankofa como sendo o homicida, e Wilma Amos e Daniel Grady, que não puderam fazê-lo porque não contemplaram, ou não  recordavam suficientemente, o rosto do autor do delito. [34]   Durante a tramitação do segundo recurso de habeas corpus impetrado pelo  Sr. Sankofa perante à corte estatal de distrito foram apresentadas ao tribunal declarações juradas de quatro das testemunhas: Wilma Amos, [35] Malcolm Stephens, Lorna Stephens [36] e Ronald Hubbard, [37] para apoiar a declaração de inocência do Sr. Sankofa, baseada na  errônea identificação deste último como autor do disparo, realizada pela  Sra. Skillern, mas o tribunal, sem realizar uma audiência de diligenciamento de prova, concluiu que a prova carecia de credibilidade à luz do expediente em conjunto, ou que não debilitava a prova de identificação da  Sra. Skillern. [38]   A corte federal de distrito recebeu atas de declaração de duas testemunhas oculares mais, Sherian Etuk [39] e Leodis Wilkerson, [40] durante o trâmite do primeiro recurso de habeas corpus impetrado perante este tribunal, mas este indeferiu o recurso do Sr. Sankofa sem realizar uma audiência de diligenciamento de prova, nem examinar substancialmente essas atas de declaração adicionais. [41]

46.     Em relação à prova balística, surge do expediente que o Relatório de Armas de Fogo do Departamento de Polícia de Houston, de maio de 1981, segundo o qual a arma confiscada do Sr. Sankofa no  momento de sua detenção não era aquela utilizada para disparar contra o Sr. Lambert, não foi considerada fundamental por nenhum tribunal como parte das provas pertinentes para estabelecer a culpabilidade ou inocência do Sr. Sankofa pelo  delito mencionado. 

47.     Como assinalado anteriormente, a única prova na qual se baseou a condenação do Sr. Sankofa foi a prova de identificação de uma testemunha ocular do delito, bem como a prova de que o calibre da  bala letal coincidia com o da pistola encontrada na posse do Sr. Sankofa no  momento de sua detenção.  Por conseguinte, a prova das  testemunhas adicionais do delito que não declararam como tais no  julgamento, bem como a prova balística, influíram profundamente na condenação do Sr. Sankofa pelo delito de homicídio, e segundo a informação disponível, poderiam levar a muitas dúvidas razoáveis sobre a culpabilidade do Sr. Sankofa.  Diante destas circunstâncias, a Comissão considera que o critério severo do devido processo legal aplicável em casos de aplicação da pena capital exige uma possível instância de revisão dos  fatos para voltar a avaliar a responsabilidade do Sr. Sankofa pelo  delito de homicído com base na  plenitude da  prova pertinente, através de um procedimento que inclua mecanismos fundamentais de proteção de um julgamento justo previstos na  Declaração, incluindo o direito de apresentar e interrogar testemunhas.  Na opinião da  Comissão, os procedimentos tramitados no  caso do Sr. Sankofa não cumpriram esse requisito, visto que permitiram desacolher parte das provas sem que fosse realizada uma audiência probatória, e rejeitar outras provas sem que as mesmas fossem examinadas substancialmente.  Portanto, a Comissão considera que toda a prova de identificação e de balística colhida no caso do Sr. Sankofa deveria ter sido objeto de revisão através de um processo judicial que cumprisse os requisitos dos  artigos XVIII e XXVI da  Declaração Americana, a fim de estabelecer se a totalidade da  prova pertinente respaldava a conclusão da culpabilidade do Sr. Sankofa pelo  homicídio do Sr. Lambert.

48.     Tendo em vista o exposto anteriormente, a Comissão conclui que o Estado é responsável pelas violações do direito do Sr. Sankofa a um julgamento justo e ao devido processo previsto nos  artigos XVIII e XXVI no que se refere aos processos penais contra ele.

49.     A Comissão conclui também que essas graves violações do devido processo legal privaram de eficácia, desde o início, os processos penais contra o Sr. Sankofa e,  portanto, invalidam sua declaração de culpabilidade e a pena que lhe foi imposta. [42] Consequentemente, a Comissão considera que ao executar o Sr. Sankofa em 22 de junho de 2000 em virtude desses processos penais viciados, os Estados Unidos privaram arbitrariamente da  vida o Sr. Graham, cometendo assim uma grave violação de seu direito à vida previsto pelo  artigo I da  Declaração Americana.

E.                 O direito à vida e a idade do Sr. Sankofa na data do delito

50.     Os peticionários também alegam que os Estados Unidos são responsáveis pelas violações dos  artigos I e II da  Declaração Americana, tendo em vista que o Sr. Sankofa tinha  17 anos na data do delito pelo qual foi declarado culpado e condenado à morte. Os peticionários baseiam-se, a esse respeito, na  decisão da Comissão no  caso Roach e Pinkerton contra Estados Unidos, na  qual a Comissão estabeleceu que a diversidade de práticas estatais, nos Estados Unidos, quanto à aplicação da  pena capital, determinam em muito  diversas sentenças condenatórias por idênticos delitos, e que o fato de que os Estados Unidos não tenham adotado medidas que prevalecessem sobre as dos  estados para proteger o direito à vida dos  delinquentes juvenis contra os quais foi imposta a pena de morte determina uma modalidade de privação arbitrária da  vida e desigualdade perante à lei. 

51.     Os peticionários argumentam também que os governos dos  Estados Unidos e do Texas não reformaram o heterogêneo regime de imposição da  pena de morte para  delinquentes juvenis depois da sentença no caso Roach e Pinkerton e, em consequência, que o Estado também é responsável pelas  violações dos  artigos I e II da  Declaração Americana em relação ao Sr. Sankofa. 

52.     A Comissão recorda, a este respeito, que em sua recente decisão no  caso Michael Domingues contra  Estados Unidos, [43] concluiu que o estado de direito internacional havia evoluido desde o pronunciamento da  Comissão de 1987 no  caso de Roach e Pinkerton, no  sentido de proibir, como norma de jus cogens, a execução de pessoas que não tenham cumprido 18 anos na data em que cometeram seus delitos.  Para chegar a essa conclusão, a Comissão examinou a prática dos Estados ao longo do período de 14 anos compreendido entre 1987 e 2001, referente à execução de delinquentes juvenis, incluindo tratados, resoluções e critérios das Nações Unidas, a prática interna dos  Estados e a prática observada pelos  Estados Unidos.  Basendo-se nessa evolução, a Comissão concluiu o seguinte:

84.       Na opinão da  Comissão, as evidências descritas anteriormente ilustram claramente que, ao persistir na  prática de executar delinquentes menores de 18 anos, os Estados Unidos se singuralizam entre as nações do mundo desenvolvido tradicional e no  sistema interamericano, e ficaram  cada vez mais isolados da comunidade mundial.  As provas abundantes da prática mundial dos  Estados indicada ilustram a congruência e generalização entre os países no  sentido de que a comunidade mundial considera que a execução de delinquentes menores de 18 anos no momento de cometer o delito é incompatível com as normas imperantes da decência.  Portanto, a Comissão opina que surgiu uma norma do direito internacional consuetudinário que proibe a execução de delinquentes menores de 18 anos em momentos de cometer o delito.

85.       Além disso, com base na informação disponível, a Comissão comprovou que esta foi reconhecida como uma norma de caráter suficientemente inalienável para constituir uma norma de jus cogens, evolução prevista pela  Comissão em sua decisão em Roach e Pinkerton.  Como assinalando antes, quase todos os Estados nações rejeitaram a imposição da  pena de morte  à pessoas menores de 18 anos, em sua forma mais explícita, através da  ratificação do PIDCP, a Convenção da  ONU sobre os Direitos da Criança e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratados em que esta proscrição é reconhecida como não derrogável. A aceitação desta norma engloba as fronteiras políticas e ideológicas e os esforços para distanciar-se  da mesma foram condenados de forma incisiva pelos  integrantes da  comunidade internacional como não permissíveis, segundo normas contemporâneas de direitos humanos.  Com efeito, poderia afirma-se que os próprios Estados Unidos reconheceram o significado desta norma ao prescrever a idade de 18 anos como norma federal para a aplicação da  pena capital e ao ratificar o Quarto Convênio de Genebra sem reservas à esta norma.  Sendo assim, a Comissão considera que os Estados Unidos estão obrigados por uma norma de jus cogens a não impor a pena capital a pessoas que não tenham cumprido 18 anos de idade quando cometeram os delitos. Como norma de jus cogens, esta proscrição obriga a comunidade de Estados, incluindo os Estados Unidos.  A norma não pode ser derrogada com validade, seja por tratado ou por objeção de um Estado, persistente ou não. [44]

53.     No  caso dos autos, o Sr. Graham foi executado pelo estado do Texas em 22 de junho de 2000, 16 meses antes do relatório preliminar adotado pela  Comissão no  caso Domingues.  A prova elaborada pela  Comissão no  Caso Domingues refere-se de forma preponderante à prática internacional e dos  Estados existente antes da  execução do Sr. Sankofa, em 22 de junho de 2000. [45]   Portanto a Comissão adota, para os efeitos do presente relatório, as conclusões as quais chegou  no  Caso Domingues, e conclui que, na data da  execução do Sr. Sankofa, os Estados Unidos estavam obrigados, de forma análoga, a cumprir com uma norma de jus cogens que proibia a aplicação da  pena de morte a pessoas que tivessem cometido seus delitos antes de terem completado 18 anos de idade.

54.     Por conseguinte, a Comissão conclui que, ao executar o Sr. Sankofa por um delito que foi cometido quando este tinha 17 anos de idade, os Estados Unidos são  responsáveis por violar o direito à vida do Sr. Sankofa, em infração ao previsto pelo  artigo I da  Declaração Americana. 

55.     À luz da  conclusão da  Comissão de que a declaração de culpabilidade, a condenação e a execução do Sr. Sankofa não tiveram a base jurídica requerida pelo critério rígido do devido processo legal aplicável em casos de aplicação da pena capital conforme os artigos I, XVIII e XXVI da  Declaração Americana, e que sua execução tampouco era lícita em virtude da  idade desta pessoa na data em que se alega que cometeu o delito de homicídio, a Comissão não considera necessário considerar a questão se o período durante o qual o Sr. Sankofa esteve recluído no  pavilhão da  morte possa constituir uma causa adicional de invalidez de sua execução.

V.      ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO 26/03

          56.     A Comissão examinou o caso dos autos em  seu 117º período ordinário de sessões, e, em 6 de março de 2003, adotou o Relatório No. 26/03, conforme o artigo 43(2) do Regulamento da  Comissão. 

          57.     Mediante nota datada de 10 de março de 2003, a Comissão remeteu ao Governo dos  Estados Unidos o Relatório No. 26/03, e  solicitou-lhe  que informasse à Comissão, dentro de um prazo de dois meses, sobre as medidas que havia adotado para cumprir com as recomendações formuladas para resolver a situação denunciada.

58.     Até a data do presente relatório, a Comissão não havia recebido resposta do Estado ao Relatório No. 26/03.

VI.      CONCLUSÕES

59.     A Comissão, baseando-se nas considerações de fato e de direito expostas anteriormente, e em face das falta de resposta do Estado ao Relatório 26/03, ratifica suas conclusões.

60.     A Comissão conclui que o Estado é responsável pelas violações dos  artigos XVIII e XXVI da  Declaração Americana, cometidas no  julgamento, declaração de culpabilidade  e condenação à morte de Shaka Sankofa.  A Comissão conclui também que, ao executar o Sr. Sankofa baseando-se nessas atuações, o Estado foi responsável da violação do direito fundamental à vida do Sr. Sankofa, infringindo assim o artigo I da  Declaração Americana; e

61.     A Comissão conclui que o Estado transgrediu uma norma internacional de jus cogens  referente ao  direito à vida previsto no  artigo I da  Declaração Americana ao executar o Sr. Sankofa por um delito que teria cometido aos 17 anos de idade.

VII.     RECOMENDAÇÕES

62.     Conforme a análise e as conclusões que constam do  presente relatório,

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS REITERA PELO  PRESENTE AS RECOMENDAÇÕES FORMULADAS AOS ESTADOS UNIDOS, NO  SENTIDO DE QUE:

1.       Proporcione um recurso efetivo ao parente mais próximo de Shaka Sankofa, incluindo uma  indenização.

2.       Revise suas leis, procedimentos e práticas, a fim de evitar violações de direitos similares àquelas cometidas no  caso do Sr. Sankofa em futuros processos relativos à imposição da  pena de morte. 

3.       Revise suas leis, procedimentos e práticas de modo que não seja imposta a pena de morte à pessoas que, na data em que tenham cometido o delito do qual foram declaradas culpadas, não tinham cumprido 18 anos de idade.

VIII.    PUBLICAÇÃO

63.     Mediante comunicação de 29 de outubro de 2003, a Comissão remeteu este relatório, aprovado com o No. 55/03, de conformidade com o artigo 45(1) de seu Regulamento, ao Estado e os peticionários, de acordo com o artigo 45 (2) do mesmo Regulamento, e solicitou informação, dentro dos  30 dias, acerca das medidas adotadas pelo  Estado para implementar suas recomendações.

64.     Por intermédio de uma comunicação de 23 de dezembro de 2003, o Estado respondeu ao pedido da  Comissão, indicando que discordava com as conclusões e recomendações da  Comissão incluídas no  Relatório No. 55/03. Em particular, o Estado indicou que rejeitava a primeira e terceira recomendações, com base nas suas observações no  Caso 12.185 (Michael Domingues), cujo resumo foi publicado na página eletrônica da  CIDH na Internet. O Estado também indicou que discordava da segunda recomendação da  Comissão, porque o Sr. Sankofa teve todas as possibilidades de obter uma revisão cabal e justa de seu caso durante os 19 anos transcorridos, e que toda suposta violação dos  direitos humanos do Sr. Sankofa foi devidamente litigada e revisada por vários tribunais.   

65.     Tendo em vista o exposto anteriormente, e tendo em conta a resposta do Estado ao Relatório Nº 55/03, a Comissão, de conformidade com o artigo 45(3) de seu Regulamento, decide ratificar as conclusões e reiterar as recomendações neste relatório, fazê-lo público e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  Organização dos  Estados Americanos. A Comissão, de acordo com as normas contidas nos  instrumentos que regem seu mandato, continuará avaliando as medidas a serem adotadas pelos Estados Unidos com respeito às recomendações indicadas até que este Estado as tenha cumprido .

Aprovado na  cidade de Washington, D.C., Estados Unidos, no dia 29 de dezembro de 2003.  (Assinado): José Zalaquett, Presidente; Clare Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Susana Villarán, Segunda Vice-Presidenta; Júlio Prado Vallejo, Comissionado.



* O membro da  Comissão Prof. Robert Goldman não participou nas deliberações nem na votação deste caso, conforme estipulado pelo artigo 17(2) do Regulamento da  Comissão.

[1] Os artigos XVIII (direito de justiça) e XXVI (direito a processo regular) da  Declaração Americana dispõem o seguinte:

XVIII Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar seus direitos.  Também deve dispor de um procedimento simples e rápido pelo qual a justiça o proteja contra atos da autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

XXVI Parte-se do princípio de que todo acusado é inocente, até  provar-se-lhe a culpabilidade.  Toda pessoa acusada de delito tem direito a ser ouvida de forma imparcial e pública, a ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com as leis preexistentes e de que não se lhe inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas. 

[2] Observações dos  peticionários de 10 de março de 2000, pág. 7.

[3] Observações dos  peticionários de 10 de março de 2000, pág. 7, que  cita Herrera contra Collins, 113 S. Ct. 853 (1993).

[4] Observações dos  peticionários de 10 de março de 2000, pág. 17, que cita a Lei de Habeas Corpus do Texas de 1995 e a Lei Federal Antiterrorista e de Efetiva Aplicação da  Pena de Morte de 1996.

[5] Andrews contra Estados Unidos, Caso No. 11.139, Relatório No. 57/96, Relatório Anual da  CIDH 1996 (19 de fevereiro de 1998).

[6] Corte Européia de DH, Soering contra Reino Unido, 11 E.H.R.R. 439 (1989).

[7] Observações dos  peticionários de 10 de março de 2000, pág. 29, que cita, inter alia, opinião concorrente de Brennan J. em Furman contra Georgia, 408 U.S. 238 (U.S.S.C.); Vatheeswaran contra State of Tamil Nada, 2 S.C.R. 348 (India 1983).

[8] Os artigos I (direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade da  pessoa) e II (direito de igualdade perante à lei) dispõem o seguinte:

I.          Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.

II.          Todas as pessoas são iguais perante a lei e tem os mesmos direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem  distinção de raça, sexo, idioma, crença ou qualquer outra .

[9] Roach e Pinkerton contra Estados Unidos, Caso No. 9.647, Res. 3/87, Relatório Anual da  CIDH 1986-87 (22 de setembro de 1987).

[10] Gary Graham, atualmente conhecido como Shaka Sankofa contra Estados Unidos, Caso No. 11.193, Relatório No. 51/00, Relatório Anual da  CIDH 2000.

[11] Observações da  Promotoria Geral do Estado do Texas, datadas de 21 de setembro de 1993, págs. 3-5.

[12] Observações da  Promotoria Geral do Estado do Texas, datadas de 21 de setembro de 1993, pág. 3.

[13] Marzioni contra Argentina, Caso No. 11.673, Relatório No. 39/96, Relatório Anual da  CIDH 1997 (14 de março de 1997).

[14] Clifton Wright contra Jamaica, Caso No. 9.260, Resolução 29/88, Relatório Anual da  CIDH 1987-88 (14 de setembro de 1988).

[15] Observações do Estado de 22 de junho de 2002, pág. 2.

[16] Stanford contra Kentucky, 492 U.S. 361 (1989).

[17] Observações do Estado, datadas em 21 de junho de 2000, pág. 5, em que se cita, inter alia, o Caso Fisheries (Reino Unido contra Noruega), 1951 CIJ 116, 131.

[18] Caso de James Roach e Jay Pinkerton, Caso No. 9647, Relatório No. 3/87, Relatório Anual da  CIDH 1986-87 (CIDH 61, pár. 38, OEA/Ser.L/VII.71, doc. 9 rev. 1).

[19] William Andrews contra Estados Unidos, supra.

[20] Ver, por exemplo, Corte IDH, Opinião Consultiva OC-16/99 (1º de outubro de 1999) "O direito à informação sobre a assistência consular no  marco das garantias do devido processo legal", Ser. A No. 16 (1º de outubro de 1999), par 136 (em que se conclui que "[s]endo a execução da  pena de morte uma medida de caráter irreversível,  exige do Estado o mais estrito e rigoroso respeito  às garantias judiciais, de modo a evitar uma violação destas, que, a sua vez, acarretaria uma privação arbitrária da  vida”); UNHRC, Baboheram-Adhin e outros contra Suriname, Comunicação Nos. 148-154/1983, aprovada em 4 de abril de 1985, par 14.3; Relatório do Relator Especial das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais, Sr. Bacre Waly Ndiaye, apresentado de conformidade com a Resolução 1994/82 da  Comissão de Direitos Humanos, A Questão da  Violação dos  Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais em qualquer parte do mundo, fazendo referência particular aos Países Coloniais e Outros Territórios Dependentes, Doc. das Nações Unidas E/CN.4/1995/61 (14 de dezembro de 1994).

[21] Ver, por exemplo, William Andrews contra Estados Unidos, supra, par 170-171; Caso No. 11.743, Relatório No. 38/00 (Baptiste contra Granada), Relatório Anual da  CIDH 1999, par 64-66; Caso No. 12.023, Relatório No. 41/00 (McKenzie e outros contra Jamaica), Relatório Anual da  CIDH 1999, par 169-171.

[22] Ver, por exemplo, McKenzie e outros contra Jamaica, supra, par 188, que cita, inter alia, Woodson contra Carolina do Norte, 449 L Ed 944, 961 (U.S.S.C.).

[23] Ver Relatório No. 39/96 (Santiago Marzioni contra Argentina), Relatório Anual da  CIDH 1996, pág. 76, pr 48-52.  Ver ademais, Relatório No. 29/88 (Clifton Wright contra Jamaica), Relatório Anual da  CIDH 1987-88, pág. 154.

[24] Ver, por exemplo, Marzioni contra Argentina, supra; Wright contra Jamaica, supra; Baptiste contra Granada, supra, par 65; McKenzie e outros contra Jamaica, supra, par 170.

[25] Ver ol Caso No. 12.243, Relatório No. 52/01, Juan Raúl Garza contra Estados Unidos, Relatório Anual da  CIDH 2000, par. 117; CIDH, Quinto Relatório sobre a Situação dos  Direitos Humanos na Guatemala, Doc. OEA/Ser.L/V/II.111 doc.21 rev. (6 de abril de 2001), par.s 71, 72. Ver também Corte Internacional de Justiça, Case Vinculado à  Convenção de Viena sobre Relações Consulares (Alemanha contra Estados Unidos de América), Solicitação de indicação de medidas provisórias, Ordem de 3 de março de 1999, Lista Geral da  CIJ, No. 104, par.s 22-28; Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, Dante Piandiong e outros contra Filipinas, Comunicação No. 869/1999, Doc. das Nações Unidas CCPR/CONTRA70/D/869.1999 (19 de outubro de 1999), par.s 5.1-5.4; Corte Européia de DH, Assunto Mamatkulov e Abdurasulovic contra Turquia, Sol. Nos. 46827/99, 46951/99 (6 de fevereiro de 2003), par.s 104-107.

[26] Gary Graham, atualmente conhecido como Shaka Sankofa, contra Estados Unidos, Caso No. 11.193, Relatório No. 51/00, Relatório Anual da  CIDH 2000, par. 58.

[27] Ex Parte Graham, No. 335378-A (182ª Corte de Distrito, Condado de Harris, Texas, 9 de fevereiro de 1988).

[28] Ver Ex Parte Graham, 853 S.W. 2d 564 (Corte de Apelações de Texas, 1993).

[29] Graham contra Collins, 829 F. Supp. 204 (D.S. Texas, 1993).

[30] Ver, por exemplo, Graham contra Johnson, 1999 W.L. 98513 [Quinto Circuito (Texas)], Caso No. 99-20014, Corte de Apelações dos  Estados Unidos para o Quinto Circuito (25 de fevereiro de 1999).

[31] Ver, por exemplo, McKenzie contra Jamaica, supra, par. 298.

[32] Ídem.

[33] Ver, por exemplo, Juan Raúl Garza contra Estados Unidos, Caso No. 12.243, Relatório No. 52/01, Relatório Anual da  CIDH 2000, par. 102.

[34] Em Graham contra Johnson, supra, aparece um resumo da  prova apresentada no  recurso de habeas corpus posterior à  condenação do Sr. Sankofa.

[35] Em uma ata de declaração datada de 15 de abril de 1993, Wilma Amos afirmou, inter alia, que a estatura do autor do disparo era de não mais de cinco pés e cinco polegadas (em um gráfico na  fila de suspeitos foi demonstrado que o Sr. Sankofa tinha cinco pés e nove polegadas), que o advogado defensor nunca a contatou e que ela examinou duas fotografias do Sr. Sankofa quando compareceu em 1981 e estava “certa” de que o Sr. Sankofa não era a pessoa que tinha disparado contra o Sr. Lambert.

[36] Em atas de declarações datadas de 17 de abril de 1993, Malcolm e Lorna Stephens afirmaram que chegaram à cena do crime pouco depois de que foram efetuados os disparos, e havia  visto a um jovem negro que fugia, e que a estatura do homem era de aproximadamente cinco pés e cinco polegadas.

[37] Em uma ata de declaração datada de 15 de abril de 1993, Ronald Hubbard, um empregado da Safeway que estava presente na  cena do crime, descreveu o autor do disparo como uma pessoa de cinco pés e seis polegadas  de estatura e afirmou que nenhum membro da equipe de defesa do Sr. Sankofa o contatou.

[38] Graham contra Johnson, supra.  Ver também Graham contra Collins, Ação Civil No. H-93-2217, Corte Federal de Distrito para o Distrito Meridional do Texas, Divisão de Houston (13 de agosto de 1993).

[39] Em uma ata de declaração datada de 10 de julho de 1993, Sherian Etuk, que afirmou ter trabalhado no  Safeway na  noite do assassinato do Sr. Lambert, afirmou que o autor do homicídio era um jovem negro de não mais de cinco pés e seis polegadas, de complexão magra e rosto bastante fino.  Também alegou que ninguém a contatou em nome do Sr. Sankofa, e que nenhuma das fotografias do Sr. Graham que a polícia lhe mostrou correspondia à pessoa  que havia visto cometer o crime  em 13 de maio de 1981.

[40] Em uma ata de declaração datada de 25 de maio de 1993, Leodis Wilkerson, que tinha doze anos de idade em 1981, afirmou que ninguém o contatou em nome do Sr. Graham. Também descreveu o  autor do disparo como um jovem negro de baixa estatura, bem apessoado, e que as fotografias tomadas do Sr. Sankofa em 1981 não se pareciam de modo algum à pessoa que havia visto cometer o crime em 1981.

[41] Ver Graham contra Johnson, supra; Graham contraCollins, supra.

[42] Ver, de forma análoga, Joseph Thomas contra Jamaica, Caso No. 12.183, Relatório No. 127/01, Relatório Anual da  CIDH 2001, par. 146, que cita Corte IDH, Castillo Petruzzi e outros, Sentença de  30 de maio de 1999, par. 219.

[43] Michael Domingues contra Estados Unidos, Caso No. 12.285, Relatório No. 62/02, Relatório Anual da  CIDH 2002, disponível na página da  CIDH na Internet: http://www.cidh.org/annualrep/2002eng/USA.12285.htm.

[44] Ídem, par.s 84, 85.

[45] A Comissão baseou-se,  por exemplo, no  fato de que em setembro de 2001, 191 Estados haviam ratificado a Convenção sobre os Direitos da Criança.  Deles, somente um aderiu à  Convenção depois a junho de 2000: Yugoslavia, em 12 de março de 2001.