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RELATÓRIO N°06/03 PETIÇÃO 0597/2000 ADMISSIBILIDADE ALCIDES TORRES ARIASCOLÔMBIA20 de fevereiro de 2003
I. RESUMO
1. Em 21 de novembro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou a “CIDH”) recebeu uma petição apresentada pela Fundação Jurídica Colombiana (doravante denominada “os peticionários”) na qual se alega a responsabilidade de agentes da República de Colômbia (doravante denominada “o Estado” ou “o Estado colombiano”) no desaparecimento forçado de Alcides Torres Arias, depois de sua detenção nas instalações da XVII Brigada do Exército Nacional, localizada em Carepa, Estado de Antioquia.
2. Os peticionários alegaram que o Estado era responsável pela violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à proteção da família, e à proteção judicial de Alcides Torres Arias, consagrados nos artigos 4(1), 5, 7, 8, 17 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana” ou “a Convenção”) em detrimento da vítima e seus familiares, bem como da obrigação geral de respeitar e garantir os direitos protegidos no tratado, prevista em seu artigo 1(1). Quanto à admissibilidade da matéria, o Estado alegou que os recursos da jurisdição interna não haviam sido esgotados visto que a investigação disciplinar estava pendente de resolução e os peticionários não haviam apresentado petição perante a jurisdição contencioso-administrativa. Os peticionários, por sua parte, alegaram ter interposto e esgotado os recursos disponíveis para buscar a vítima.
3. Após analisar as posições das partes, a Comissão concluiu que era competente para decidir sobre a petição apresentada pelos peticionários, e que o caso era admissível, à luz dos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.
II. TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
4. Em 9 de maio de 2001, a CIDH deu início ao trâmite da petição identificada sob o N° 0597/2000, conforme as normas do Regulamento vigente a partir de 1° de maio de 2001, e transmitiu às partes pertinentes da denúncia ao Estado, com um prazo de dois meses para apresentar observações. Em 9 de julho de 2001, o Estado colombiano solicitou uma prorrogação para apresentar suas observações, a qual foi outorgada pela CIDH em 10 de julho de 2001 pelo prazo de um mês. Em 9 de agosto de 2001, o Estado solicitou uma nova prorrogação a fim de apresentar suas observações à petição inicial. Em 15 de agosto de 2001, os peticionários autorizaram formalmente o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) a dar seguimento ao trâmite.
5. Em 31 de outubro de 2001, o Estado apresentou suas observações, às quais foram transmitidas aos peticionários em 6 de novembro de 2001, com um prazo de 30 dias para apresentar sua resposta. Em 28 de janeiro de 2002, os peticionários solicitaram uma audiência para apresentar os depoimentos de três membros da família de Alcides Torres Arias. A CIDH programou esta audiência para o dia 6 de março de 2002, durante seu 114° período de sessões. Entretanto, esta teve que ser cancelada por causa da negativa do governo dos Estados Unidos da América em outorgar visto às testemunhas para que pudessem comparecer perante a CIDH na cidade de Washington, DC. Em 15 de fevereiro de 2002, os peticionários informaram à CIDH sobre o assassinato de María del Carmen Flores, membro da Fundação Jurídica Colombiana, que recentemente esteve em contato com os familiares da vítima. Em 21 de março de 2002, o Estado enviou informação relacionada com a investigação sobre este assassinato, a qual foi transmitida aos peticionários para seu conhecimento, em 9 de abril de 2002.
6. Em 5 de agosto de 2002, os peticionários apresentaram uma solicitação de medidas cautelares em favor dos membros da Fundação Jurídica Colombiana e dos familiares da vítima, bem como uma nova solicitação de audiência. Em 6 de agosto de 2002, a CIDH outorgou as medidas cautelares solicitadas e estabeleceu o prazo de 15 dias para que o Estado apresentasse informação sobre as medidas adotadas. Em 1° de novembro, o Estado colombiano encaminhou informação sobre as medidas cautelares concedidas pela CIDH, a qual foi transmitida aos peticionários com um prazo de 30 dias para apresentassem suas observações. Tais observações foram recebidas em 23 de dezembro de 2002.
III. POSIÇÕES DAS PARTES
A. Posição do peticionário
7. Os peticionários alegam que em 16 de dezembro de 1995 Alcides Torres Arias foi detido por membros da XVII Brigada do Exército Nacional, localizada em Carepa, enquanto circulava em uma motocicleta pela avenida La Arenera, no corregimento de Currulao, Município de Turbo, Estado de Antioquia.[1] Informam que no dia seguinte foi posto à disposição da então Procuradoria Regional, com sede nas instalações da XVII Brigada, a qual em 20 de dezembro de 1995 ordenou sua liberdade imediata. Contudo, a ordem não foi notificada ao detento. Nesse mesmo dia seus familiares foram visitá-lo mas, depois de várias horas de espera, foram informados que este havia sido posto em liberdade. Os peticionários alegam que várias testemunhas, incluindo as irmãs do senhor Torres Arias, perceberam como Ricardo López Lora, aliás “Robert”, conhecido na zona por sua afiliação com grupos paramilitares, retirou a vítima do edifício num jeep vermelho. Assinalam também que o senhor Ramón Rodríguez, sogro de Alcides Torres Arias, o havia visto, machucado e ensanguentado, dentro do jeep vermelho, na entrada do Hotel Descanso, em Chigorodó, naquela tarde.
8. Consequentemente, os peticionários alegam que Alcides Torres Arias estava sob a custódia da Procuradoria Geral da Nação e que seu desaparecimento é o produto de sua ação ou omissão. Consideram, portanto, que o Estado é responsável pela violação de seus direitos à vida, à integridade física, a não ser submetido a torturas e tratos desumanos, a não ser detido arbitrariamente e a ser levado perante um juiz de maneira imediata. Ademais, os peticionários consideram que foi violado o direito à família, dado que a família de Alcides Torres Arias desintegrou-se desde seu desaparecimento. Alegam também que a falta de esclarecimento dos fatos matéria da presente petição viola o direito à verdade dos familiares da vítima.
9. Quanto ao esgotamento dos recursos internos, assinalam que a senhora María Noemí Arias de Torres denunciou imediatamente perante a Procuradoria de Apartadó que seu filho havia desaparecido enquanto estava sob a custódia do Estado. Por sua vez, interpôs queixa perante a Defensoria Pública de Apartadó, e denunciou os fatos perante a imprensa.[2] Após estas denúncias, os peticionários alegam que os familiares de Alcides Torres Arias foram ameaçados de morte por paramilitares e por membros do Exército. Posteriormente, em 24 de julho de 2000 interpuseram um recurso de habeas corpus em favor da pessoa desaparecida perante o Juizado 1° Penal do Circuito de Apartadó. Em 28 de julho de 2000, este Juizado concluiu que não era possível estabelecer o paradeiro de Alcides Torres Arias.
10. Durante o procedimento, os peticionários informaram à CIDH sobre o assassinato da advogada María del Carmen Flores Jaimes, membro da Fundação Jurídica Colombiana.[3] O falecimento da senhora Flores Jaimes ocorreu em 14 de fevereiro de 2002, depois de uma reunião com a mãe da vítima, quando se preparava para a audiência programada para o 114° período de sessões da CIDH, a qual, segundo assinalado supra, teve que ser suspensa. A Unidade de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Executiva da CIDH emitiu um comunicado de imprensa fazendo público seu repúdio por este assassinato. Os peticionários informaram à CIDH que dois irmãos da vítima tinham sido assassinados depois da apresentação da petição perante a CIDH, porém, não apresentaram informação específica sobre estes fatos e sua conexão com o desaparecimento de Alcides Torres Arias.
B. Posição do Estado
11. O Estado alega que, efetivamente, Alcides Torres Arias foi detido por membros da XVII Brigada do Exército Nacional junto a outras duas pessoas em 16 de dezembro de 1995, com base na suposta participação em atividades subversivas, sequestro extorsivo e outras. Assinala que depois de iniciar a investigação, a então Procuradoria Regional de Carepa o pôs em liberdade em 20 de dezembro de 1995. Embora não exista constância da notificação de liberdade ao detido nem a seus familiares, o Estado defende que existem provas de sua saída da Brigada[4] e que teve conhecimento de que foi transportado num jeep em direção a Currulao. O Estado alega, ademais, que a senhora Noemí Arias de Torres foi oportunamente informada de que seu filho havia sido posto em liberdade.
12. Quanto à investigação penal iniciada através de petição dos familiares da vítima perante a Procuradoria Geral da Nação e a Defensoria Pública, em 29 de janeiro de 1996 a Procuradoria Seccional de Chigorodó decretou a abertura da investigação prévia com o fim de esclarecer o suposto sequestro do senhor Alcides Torres Arias. A Seção Investigadora da Polícia Judicial informou que haviam solicitado a apresentação de familiares ou pessoas próximas ao desaparecido com o objetivo de tomar-lhes declaração juramentada, mas não obtiveram êxito. Em seu relatório também alegaram que a Brigada XVII havia confirmado que Alcides Torres Arias havia estado sob sua custódia nos dias 18 e 20 de dezembro de 1995. Com base na informação aportada pela Direção Regional de Procuradorias, cópia da resolução de 20 de dezembo de 1995, o Procurador concluiu que Alcides Torres Arias foi desvinculado da investigação por atividades subversivas no dia que foi posto em liberdade. Em 30 de julho de 1999, o Procurador ordenou a suspensão da investigação por ausência de provas. O Estado alega que não surgiram novas provas que permitissem a reabertura do caso. Entretanto, a Direção de Assuntos Internacionais da Procuradoria Geral da Nação remeteu as atuações ao Escritório de Auxiliares de Justiça para que avaliasse a possibilidade em iniciar ações disciplinares contra o Procurador que conheceu o caso, baseado na sua decisão de suspender a investigação do mesmo.
13. Em relação à admissibilidade do assunto, o Estado alega que a petição não satisfaz o requisito do prévio esgotamento dos recursos internos. Indica, por um lado, que a investigação disciplinar devido ao desaparecimento de Alcides Torres Arias foi aberta em 13 de janeiro de 1996, e que está em etapa de indagação preliminar. Assinala que dado que se trata de um caso de desaparecimento forçado, não se aplicam os prazos de prescrição. Por outra parte, assinala que os peticionários deveriam recorrer à jurisdição contencioso-administrativa para solicitar a indenização compensatória que solicitam em sua nota enviada à CIDH. O Estado considera que num caso como o presente deveria operar a ação de reparação direta, a qual prescreve aos dois anos da declaração de morte do suposto desaparecido ou da data em que foram encontrados os restos mortais, visto que os peticionários ainda podem interpor uma ação contenciosa no âmbito local, e não haviam esgotado os recursos internos antes de acudir o âmbito internacional. Contudo, o Estado reconhece que “na medida em que existem alguns elementos probatórios que geram algumas inquietudes ao Governo em relação aos fatos ocorridos neste caso, em particular, a respeito da liberação da suposta vítima e a eventual responsabilidade do Estado, o Governo está disposto a avaliar detalhadamente todos os assuntos envolvidos, com o apoio dos peticionários, para definir sua posição a respeito”.[5]
IV. ANÁLISE SOBRE COMPETENCIA E ADMISSIBILIDADE
A. Competência
14. Os peticionários estão facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como supostas vítimas indivíduos, para os quais a Colômbia comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que a Colômbia é um Estado parte na Convenção Americana desde 31 de julho de 1973, data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo. Portanto, a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.
15. A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, porque a petição alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte neste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que haviam ocorrido os fatos alegados na petição. Por último, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição se denunciam violações a direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.
B. Requisitos de Admissibilidade
1. Esgotamento dos recursos internos
16. Os peticionários alegam que os familiares da vítima interpuseram os recursos judiciais disponíveis a fim de esclarecer sobre o paradeiro da vítima, incluindo um recurso de habeas corpus perante o Juizado 1° Penal do Circuito de Apartadó. O Estado, por sua parte, alega que os familiares da vítima devem interpor um recurso de reparação direta perante a jurisdição contencioso-administrativa.
17. A Comissão considera que dadas as características do presente caso, os familiares das vítimas interpuseram e esgotaram os meios a seu alcance para buscar o esclarecimento judicial sobre o paradeiro de Alcides Torres Arias. O artigo 46(1)(a) da Convenção indica que para que uma petição seja admitida, se requer que “...se tenha interposto e esgotado os recursos de jurisdição interna, conforme os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos”. A Corte Interamericana entende que somente devem ser esgotados os recursos adequados para sanar as violações supostamente cometidas. Segundo estabelece a jurisprudência dos órgãos do sistema interamericano, o habeas corpus é o recurso adequado para esclarecer o paradeiro de uma pessoa desaparecida.[6] No presente caso, em 24 de julho de 2000, os familiares das vítimas interpuseram um recurso de habeas corpus, o qual foi ineficiente como mecanismo para estabelecer o paradeiro da vítima.
18. Tendo em vista o resultado do recurso interposto e das gestões empreendidas pelos familiares das vítimas perante as autoridades, corresponde concluir que o requisito do prévio esgotamento dos recursos internos, previsto no artigo 46 (1) da Convenção Americana foi satisfeito.
2. Prazo de apresentação
19. Conforme o artigo 46(1)(b) da Convenção, toda petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido tenha sido notificado da decisão definitiva. A presente petição foi apresentada em 21 de novembro de 2000, dentro dos seis meses posteriores à decisão do Juizado 1° Penal do Circuito de Apartadó de 28 de julho de 2000, que resolveu o recurso de habeas corpus instaurado com o objetivo de estabelecer o paradeiro de Alcides Torres Arias. Consequentemente este requisito foi satisfeito.
3. Duplicação de procedimentos e coisa julgada
20. Não surge do expediente que a matéria da petição esteja pendente de outro procedimento de acordo internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional. Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção.
4. Caracterização dos fatos alegados
21. A Comissão considera que as alegações dos peticionários relativas à suposta violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à proteção da família e e à proteção judicial das vítimas e seus familiares poderiam caracterizar uma violação dos direitos garantidos nos artigos 4, 5, 7, 8, 17 e 25, em conjunção com o artigo 1(1), da Convenção Americana.
V. CONCLUSÕES
22. A Comissão conclui que o caso é admissível e que é competente para examinar a petição apresentada pelos peticionários sobre a suposta violação dos artigos 4, 5, 7, 8, 17 e 25 em concordância com o artigo 1(1) da Convenção, conforme os requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.
23. Em virtude dos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1. Declarar admissível o caso sob estudo, em relação aos artigos 1(1), 4, 5, 7, 8, 17 e 25 da Convenção Americana.
2. Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.
3. Iniciar o trâmite sobre o mérito do assunto.
4. Publicar o presente relatório e inclui-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.
Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 20 de fevereiro de 2003. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Comissionados: Robert K. Goldman, Clare Kamau Roberts, Júlio Prado Vallejo e Susana Villarán.
[1] Petição original, recebida na CIDH em 21 de novembro de 2000. [2] Edição de 7 de janeiro de 1996 de “El Colombiano” de Medellín. [3] Quanto ao assassinato de María del Carmen Flores, membro da organização peticionária, o Estado informou que o veículo o qual transportava a senhora Flores foi interceptado em 14 de fevereiro de 2002 por seis homens armados vestidos à paisana, cerca das 9:30 am, enquanto deslocava pela avenida de Guapá. Estes homens obrigaram a pessoa que viajava no veículo a descer dele e depois lhes ordenaram a subir novamente, e determinaram que a senhora Flores ficaria com eles. Os restos da senhora Flores foram encontrados naquela tarde, e as investigações foram entregues à Procuradoria Especializada, mas não foram efetuadas diligências de levantamento de cadáver. Segundo a Procuradoria Geral da Nação, foram ordenadas provas e a investigação está na etapa prévia. [4] Nota EE. 39691 do Ministério de Relações Exteriores da República de Colômbia, de 30 de outubro de 2001. O Estado anexou cópia da Minuta de Guarda. [5] Nota EE. 39691 do Ministério de Relações Exteriores da República de Colômbia, de 30 de outubro de 2001. O Estado anexa cópia da Minuta de Guarda. [6] Corte I.D.H, Caso Caballero Delgado e Santana. Exceções Preliminares, Sentença de 21 de janeiro de 1994, parágrafo 64.
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