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RELATÓRIO Nº 75/03 P 042/2002 José Milton Cañas Cano e outros (Fatos de 16 de Maio de 1998) ADMISSIBILIDADE COLÔMBIA 22 de outubro de 2003
I. RESUMO
1. Em 22 de janeiro de 2002, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”) recebeu uma petição apresentada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Corporação Coletiva de Advogados “José Alvear Restrepo” (doravante denominada ”os peticionários”), na qual se alega que membros de grupos paramilitares com a aquiescência e cumplicidade de agentes da República de Colômbia (doravante denominada “o Estado”, “o Estado colombiano” ou “Colômbia”), participaram no desaparecimento de José Milton Cañas Cano, Luis Fernando Suárez Suárez (ou Luis Fernández Suárez), Carlos Enrique Escobar Jiménez (ou Carlos Escobar), Ricky Nelson García (ou Riky Nelson García), Oswaldo Enrique Vásquez Q. (ou Oswaldo Henrique Vásquez), Gary de Jesús Pinedo Rancel (ou Garri de Jesús Pinedo), Ender González Bahena, Robert Wells Gordillo Solano, Wilfredo Pérez Serna, Juan Carlos Rodríguez, Diego Fernando Ochoa López, Alejandra María Ochoa López (ou María Alejandra Ochoa), Jaime Cesid Peña Rodríguez, Libardo Londoño, José Reinel Campos, Fernando Ardila Landines (ou Fernando Landínez), Daniel Campos Pérez, Melquisedec Salamanca Quintero, Giovanni Herrera, Carlos Arturo Prada (ou Carlos Alaix Prada), Wilson Pacheco, José Octavio Osorio, Orlando Martínez, Juan de Jesús Valdivieso e Oscar Leonel Barrera e mataram Eliécer Javier Quintero Orozco (ou Eliécer Quintero Osorio), Neirn Enrique Guzmán (ou Nayr Enrique Guzmán), Luis Jesús Argüello (ou Jesús Argüello Solano), José Javier Jaramillo (ou José Javier Jaramillo Diaz) e Diomidio Hernández (ou Diomidio Hernández Pérez) (doravante denominadas “as vítimas”) durante uma incursão armada perpetrada em 16 de maio de 1998 no setor sul da cidade de Barrancabermeja, estado de Santander.
2. Os peticionários alegam que o Estado é responsável pela violação dos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (às garantias do devido processo legal), 25 (à proteção judicial), 8, 13 e 1(1) (direito à verdade) e 19 (aos direitos da criança) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção” ou a “Convenção Americana”). O Estado solicitou à Comissão que declarasse o caso inadmissível com base no descumprimento do requisito do prévio esgotamento dos recursos internos previsto no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana. Por sua parte, os peticionários invocaram aplicação das exceções ao requisito do prévio esgotamento dos recursos internos, previstas no artigo 46(2) da Convenção Americana.
3. Após analisar as posições das partes e o cumprimento dos requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da Convenção, a Comissão declarou o caso admissível.
II. TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
4. A CIDH identificou a petição sob o número P042/02 e após realizar uma análise preliminar de seu conteúdo, em 21 de fevereiro de 2002, enviou cópia das partes pertinentes ao Estado, com um prazo de dois meses para apresentasse informação de conformidade com o artigo 30(2) do Regulamento. Em 19 de abril de 2002, o Estado solicitou à Comissão uma prorrogação de 30 dias para apresentar sua resposta. Em 25 de maio e 23 de julho de 2002, os peticionários observaram a demora do Estado em enviar a informação sobre a petição e solicitaram à Comissão que presumisse os fatos da petição como verdadeiros. Em 14 de agosto de 2002, a Comissão solicitou ao Estado que apresentasse as observações pertinentes num prazo de 15 dias. O Estado apresentou sua resposta em 6 de setembro de 2002, a qual foi devidamente transmitida aos peticionários em 9 de setembro de 2002.
5. Em 7 de outubro de 2002, os peticionários solicitaram uma prorrogação do prazo originalmente outorgado para apresentar suas observações à resposta do Estado. Em 8 de outubro de 2002, a Comissão concedeu uma extensão até 8 de dezembro de 2002. Os peticionários apresentaram suas observações em 20 de dezembro de 2002, e suas partes pertinentes foram encaminhadas ao Estado em 16 de janeiro de 2003. Nesta mesma data, a Comissão solicitou ao Estado que apresentasse as observações pertinentes num prazo de 30 dias.
6. Em 14 de fevereiro de 2003, o Estado solicitou uma prorrogação para apresentar suas observações. Em 26 de fevereiro de 2003, a Comissão comunicou ao Estado sua decisão de conceder uma prorrogação de 30 dias. Finalmente, em 3 de abril de 2003, o Estado apresentou suas observações.
III. POSIÇÕES DAS PARTES
A. Posição dos peticionários
7. O porto fluvial de Barrancabermeja está situado na região de Magdalena Medio, uma das zonas mais afetadas pela violência gerada pelo conflito armado interno na Colômbia. A petição indica que os bairros populares da cidade, em particular, os bairros sudoeste e noroestes eram considerados, no momento dos fatos, bastiões das milícias urbanas das Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (FARC), o Exército de Liberação Nacional (ELN) e o Exército Popular de Liberação (EPL), grupos armados dissidentes que tradicionalmente operavam na zona. Assinala também que até a segunda metade da década de 90, grupos paramilitares implementaram uma estratégia armada destinada a ampliar sua presença e controle na zona, que consistiu principalmente numa campanha de terror que teve como alvo massivo, tanto como seletivo, os líderes sociais e populares assinalados como simpatizantes de grupos armados dissidentes. A petição faz referência também da presença da Força pública em Barrancabermeja, onde está estacionado o Batalhão Nueva Granada a mais da presença do Exército Nacional em “Poço Sete” e na subestação elétrica “Os Comuneros.” Os peticionários indicam também que o Departamento Administrativo de Segurança (DAS) enviou dois comunicados urgentes no fim de abril e começo de maio de 1998 ao Batalhão “Nova Granada” informando sobre uma possível incursão paramilitar na zona.
8. Os peticionários alegam que, em 16 de maio de 1998, aproximadamente as 9:30 p.m. três veículos que transportavam cerca de 30 a 50 homens vestidos de civil com capuzes, jaquetas à prova de balas, armas curtas e compridas, machetes e elementos contundentes, ingressaram em Barrancabermeja pelo setor sudoeste da cidade. Assinalam que, nesse mesmo dia, antes da incursão, o Coronel Oscar Diego Sánchez Vélez havia ordenado o destacamento de um regimento com veículos de guerra e unidades de infantaria armada no lugar conhecido como a “Y” ou “El Retén”. Alegam que este regimento foi levantado intempestivamente às 9:30 p.m., aproximadamente, ao mesmo tempo que cessavam as patrulhas da polícia e a infantaria de marinha.
9. Alegam que os homens armados dirigiram-se em direção ao noroeste pelo perímetro sul da cidade e começaram a deter várias pessoas na via pública, bares, bilhares e no campo de futebol, onde havia um bazar popular do qual participavam cerca de 200 pessoas. As pessoas detidas, identificadas pelos peticionários como Juan de Jesús Valdivieso, de 16 anos de idade, Pedro Júlio Rondón, Libardo Londoño, Orlando Martínez, José Octavio Osorio, Wilfredo Pérez Serna, José Milton Cañas, Diego Fernando Ochoa, María Alejandra Ochoa, Giovanny Herrera, Osvaldo Enrique Vasquez, Ender González Bahena, Rober Wells Gordillo, José Reinel Campos, Fernando Ardila Landinez, Garri de Jesús Pinedo, Oscar Leonel Barrera, Juan Carlos Rodríguez, Luis Fernando Suárez, Jaime Yesid Peña R. e José Javier Jaramillo, os dois últimos de 16 anos de idade, foram obrigados a subir em um dos caminhões os quais transportavam os homens armados.
10. A petição indica que parte dos homens armados dirigiu-se ao “Bairro 9 de abril” ao sul de Barrancabermeja onde bloquearam a rodovia na altura do acesso à central termoelétrica. Os habitantes do lugar haviam-se refugiado no interior de um centro de recreação, o qual foi baleado com armas de curta e longa distância. Os peticionários ressaltam que este estabelecimento está localizado a 150 metros da Base Militar adstrita ao Batalhão Nova Granada, que presta segurança à termoelétrica.
11. Enquanto isso, o resto dos paramilitares detiveram Ricky Nelson García e Wilson Pacheco, que estavam em uma motocicleta; Daniel Campos, Luis Jesús Argüello, Diomidio Hernández e Carlos Enrique Escobar, este último de 16 anos, Melquiceded Salamanca Quintero, Carlos Alaix Prada, e Germán León Quintero. Este último foi baleado nas extremidades inferiores enquanto tentava escapar, mas depois foi detido novamente e assassinado na via pública através de vários disparos contra sua cabeça. Mais tarde, detiveram Neir Enrique Guzmán e Eliécer Javier Quintero Orozco, reuniram os dois grupos e dirigiram-se ao “Poço Sete” e o “Bairro A Esperança”. Cerca de 10:30 p.m. abandonaram Barrancabermeja com destino à Bucaramanga. A petição alega que passaram pelo regimento do Exército que controlava o acesso à cidade, sem serem detidos, e que, na altura da avenida “Patio Bonito”, assassinaram Eliécer Javier Quintero Orozco, Neir Enrique Guzmán, Luis Jesús Argüello, José Javier Jaramillo e Diomidio Hernández, cujos corpos foram encontrados em 17 de maio de 1998.[1]
12. Consumados os fatos, os familiares e amigos das pessoas detidas dirigiram-se às autoridades solicitando que fosse localizado o paradeiro de seus seres queridos. Os peticionários relatam que perante a inatividade das autoridades, foi realizado uma greve cívica de vários dias de duração na refinaria de Barrancabermeja e que, como consequência, as autoridades comprometeram-se a diligenciar a liberação dos detidos sem que houvesse êxito. Indicam que a Unidade Nacional de Direitos Humanos da Procuradoria Geral da Nação iniciou uma investigação pelos fatos e determinou a vinculação ao processo do segundo-cabo Rodrigo Pérez Pérez, adstrito ao Batalhão Nueva Granada, como suposto co-autor dos delitos de homicídio e sequestro. Assinalam que também foram indiciados os civis Guillermo Cristancho Acosta (atualmente falecido), Alvaro Noriega e Graciliano Alarcón, cuja captura nunca foi efetivada, bem como Mario Jaimes Mejía, que está preso devido ao cometimento de outros delitos.
13. Os peticionários alegam que o Estado é responsável pelas violações cometidas durante a incursão paramilitar de 16 de maio de 1998 devido tanto à ausência de atividade da força pública destinada a por freio à atividade do grupo à margem da lei como aos próprios atos de agentes do Estado supostamente envolvidos de forma direta nos fatos, conforme as declarações de testemunhas oculares. Argumentam que o Estado é responsável pela falta de esclarecimento judicial dos fatos. Alegam que sua falta de diligência está clara devido à falta de provas tais como exames de corpo e delito, autópsias, fotografias e a prática de provas de balística e que suas omissões têm consequências irreparáveis desde o ponto de vista do esclarecimento dos fatos. Consideram que não foram esgotadas as linhas de investigação e indicam que os soldados adstritos ao Batalhão Nueva Granada que foram submetidos à investigação disciplinar não foram ligados às investigações penais e que o único membro do Exército detido voltou à liberdade sob fiança. Os peticionários indicam que a investigação empreendida não se estendeu à responsabilidade penal derivada da inatividade dos efetivos militares designados à termoelétrica, os quais deveriam ter escutado as detonações das armas de fogo. Alegam que as testemunhas dos fatos não contaram com as garantias necessárias para colaborar com a investigação. Assinalam que três testemunhas foram assassinadas e que o representante do Ministério Público teve que exiliar-se como resultado das ameaças recebidas. Assinalam que, em 11 de julho de 2000, a senhora Elizabeth Cañas Cano, testemunha dos fatos e mãe de duas das pessoas desaparecidas, foi assassinada depois de prestar depoimento nos tribunais de opinião estabelecidos na Colômbia e Canadá.[2]
14. Consequentemente, os peticionários solicitam que o Estado seja declarado responsável pela violação dos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (às garantias do devido processo legal), 25 (à proteção judicial) e 1(1) da Convenção Americana em detrimento das oitos pessoas falecidas e das 25 pessoas desaparecidas, bem como de seus familiares, em conjunção com o artigo 19 da Convenção Americana no caso das vítimas menores de idade.
15. Quanto ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade, e em particular, ao prévio esgotamento dos recursos da jurisdição interna, os peticionários alegam que são aplicáveis as exceções previstas no artigo 46(2) da Convenção Americana, tendo em vista a ineficácia dos recursos judiciais para esclarecer os fatos em questão. Alegam que a situação de constante perigo na qual se encontra a população civil em Barrancabermeja tornou ineficazes e inacessíveis os recursos disponíveis às vítimas e seus familiares. Alegam que o Estado não adotou as medidas necessárias para assegurar a integridade física de testemunhas e operadores de justiça envolvidos na investigação. Com relação ao procedimento disciplinar, alegam que este não satisfaz as obrigações estabelecidas pela Convenção Americana em matéria de proteção judicial, visto que não constituem uma via eficaz ou um mecanismo adequado, per se, para reparar casos de violações aos direitos humanos.
16. Em resposta às alegações do Estado sobre as imprecisões quanto à identificação das vítimas, (ver infra) os peticionários retificaram a lista de pessoas assassinadas e desaparecidas, em notas posteriores. Neste sentido, identificaram oito pessoas assassinadas como: Jaime Arturo Monroy, Germán León Quintero, Pedro Julio Rondón Hernández, Neir Enrique Guzmán Lozano, Diomidio Hernández Pérez, Luis Jesús Arguello Lozano, Eliécer Javier Quintero Orozco e José Javier Lozano. Os 25 desaparecidos foram identificados como: Juan de Jesús Valdivieso, Orlando Martínez, Jaime Yesid Peña, José Octavio Osorio, Wilfredo Pérez Serna, José Milton Cañas, Diego Fernando Ochoa, María Alejandra Ochoa, Giovanni Herrera, Oswaldo Enrique Vásquez, Ender González Bahena, Libardo Londoño, Robert Wells Gordillo, José Reinel Campos, Fernando Landínez, Garri de Jesús Pinedo, Óscar Leonel Barrera, Juan Carlos Rodríguez, Luis Fernández Suárez, Riky Nelson García, Wilson Pacheco, Daniel Campos, Carlos Escobar, Melquisedec Salamanca Quintero e Carlos Alaix Prada. Alegam que, em qualquer caso, as deficiências na identificação das vítimas é imputável ao Estado devido à falta de devida diligência no esclarecimento dos fatos.
B. Posição do Estado
17. Em sua resposta à petição inicial, o Estado assinala que o número e a identidade das vítimas dos fatos de 16 de maio de 1998 não coincide com a informação que consta de fontes oficiais.[3] O Estado não formulou objeções à retificação da identidade e número das vítimas posteriormente apresentada pelos peticionários dentro do expediente (ver supra, parágrafo 16).[4] Indica, porém, que contrariamente ao mencionado pelos peticionários, estas imprecisões não devem ser consideradas como reprováveis contra o governo.
18. Quanto à admissibilidade da petição, alega que não foram esgotados os recursos da jurisdição interna conforme o artigo 46(1) da Convenção Americana. Considera que os argumentos expostos pelos peticionários sobre a aplicação da exceção ao requisito do prévio esgotamento dos recursos internos não são aplicáveis ao presente caso, porque a investigação penal iniciada pela Unidade Nacional de Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário da Procuradoria Geral da Nação sobre os fatos em referência está em plena dinâmica processual e que, portanto, não são aplicáveis as exceções ao esgotamento dos recursos internos contidas no artigo 46 da Convenção Americana.
19. O Estado informa que durante a investigação foi indiciado o cabo segundo do Exército Nacional Rodrigo Pérez Pérez e os civis Alvaro Noriega, Graciliano Alarcón León e Mario Jaimes Mejía, contra os quais foi decretada medida de segurança consistente em detenção preventiva. Igualmente, indicou que a investigação foi encerrada em 4 de setembro de 2001, e foi qualificado o mérito do sumário em 29 de novembro do mesmo ano, com resolução de acusação pelos delitos de formação de quadrilha, homicídio múltiplo e sequestro extorsivo, contra os três civis acima mencionados. Indica também que Mario Jaimes Mejía está atualmente detido pelo massacre de 28 de fevereiro de 1998, ocorrido igualmente no município de Barrancabermeja; que as outros dois mandados de prisão ainda estão vigentes; e que a qualificação precluiu a favor do cabo Pérez Pérez, decisão que foi apelada pela parte civil. O Estado considera que tudo isso demonstra a possibilidade de que os peticionários utilizaram os recursos da jurisdição interna e que estes estão operando dentro do marco de um prazo razoável.
20. O Estado informa que a decisão de não vincular membros do Batalhão de Nova Granada, em 15 de fevereiro de 2000, foi apelada e confirmada em 28 de abril de 2000, devido à falta de indícios de que os membros do Batalhão tivessem conhecimento prévio sobre a licitude cometida ou que estivessem contribuindo para sua realização. Considera que o anterior desvirtua as afirmações dos peticionários que desqualificam a gestão da administração de justiça neste caso. Adcionalmente, assinala que em virtude do processo disciplinar radicado sob o número 008-14383/98, o qual culminou em 22 de agosto de 1999 com a punição de dez servidores públicos.[5] Ressalta que esta resolução foi confirmada em segunda instância em 11 de outubro de 2000 e que em 17 de abril de 2001 o procedimento foi concluído. O Estado informa que a jurisdição disciplinar tem por objeto a sanção de agentes do Estado que omitam em cumprir com seus deveres ou abusem de suas faculdades e que, portanto, a efetividade do sistema de justiça deve ser avaliada em seu conjunto, tendo em conta este tipo de recursos. Argumenta que os recursos administrativos que funcionam paralelamente à jurisdição penal oferecem às vítimas vias de reparação.
21. O Estado assinala também que criou uma Comissão da Verdade mediante o Decreto Nº 1015/98, cujo primeiro relatório ajudou a iniciar uma série de ações vinculadas às investigações. Adicionalmente, menciona que o caso está entre aqueles tratados pelo Comitê Especial de Incentivo às Investigações por Violações de Direitos Humanos, criado mediante Decreto Nº 2429 de 1998.
22. Em suma, o Estado argumenta que é necessário esperar que os juízes da jurisdição ordinária emitam sentença e que os processos da jurisdição contenciosa sejam resolvidos antes de considerar a admissibilidade do assunto. Assinala que as testemunhas ou funcionários que requeiram proteção em razão de sua participação no esclarecimento dos fatos matéria da petição, devem solicitá-la.
IV. ANÁLISE SOBRE COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE
A. Competência
23. Os peticionários estão facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante à CIDH. A petição assinala como supostas vítimas indivíduos, para os quais a Colômbia comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que a Colômbia é um Estado parte na Convenção Americana desde 31 de julho de 1973, data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo. Portanto, a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição. Embora em sua resposta à petição inicial o Estado tenha afirmado que o número e a identidade das vítimas dos fatos de 16 de maio de 1998 não coincidia com a informação que consta de fontes oficiais, não formulou objeções à retificação da identidade e número de vítimas posteriormente apresentada pelos peticionários dentro do expediente (ver supra, parágrafo 16).
24. A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, porque a petição alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte neste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que haviam ocorrido os fatos alegados na petição. Por último, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição se denunciam violações a direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.
B. Requisitos de admissibilidade
a. Esgotamento dos recursos internos e prazo de apresentação da petição
25. O Estado alega que a petição não satisfaz o requisito sobre prévio esgotamento dos recursos da jurisdição interna previsto no artigo 46(1)(a) da Convenção Americana dado que a jurisdição penal ainda não foi pronunciada de forma definitiva sobre a questão. Considera ademais que os familiares das vítimas devem também esgotar o recurso contencioso-administrativo disponível conforme a legislação interna, antes de recorrer a jurisdição da CIDH. Por sua parte, os peticionários alegam que são aplicáveis ao caso as exceções ao prévio esgotamento dos recursos internos previstas no artigo 46(2), porque estes foram ineficazes na hora de julgar e punir as violações cometidas contra as vítimas e seus familiares, ao qual se soma o clima de insegurança em que se encontram as pessoas que participam da investigação.
26. O artigo 46(1)(a) da Convenção Americana exige o prévio esgotamento dos recursos disponíveis na jurisdição interna conforme os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos, como requisito para a admisão de petições sobre a suposta violação da Convenção Americana. Em face das alegações das partes, cabe em primeiro lugar formular uma série de considerações em relação à determinação das quais são os recursos que devem ser esgotados à luz da jurisprudência do sistema interamericano.[6]
27. A jurisprudência da Comissão reconhece que toda vez que se cometa um delito de ação pública, o Estado tem a obrigação de promover e impulsionar o processo penal até as suas últimas consequências[7] e que, nesses casos, este constitui a via idônea para esclarecer os fatos, julgar os responsáveis e estabelecer as sanções penais correspondentes, ademais de possibilitar outros modos de reparação de tipo pecuniário. A Comissão considera que os fatos alegados pelos peticionários no presente caso envolvem a suposta vulneração de direitos fundamentais como a vida e a integridade pessoal que, na legislação interna, traduzem-se em delitos de ação pública cuja investigação e julgamento devem ser impulsionados pelo próprio Estado. Portanto, cabe considerar o progresso do processo penal a fim de determinar o esgotamento dos recursos internos ou a aplicação das exceções correspondentes.
28. O Estado considera que o recurso contencioso-administrativo disponível conforme a legislação interna deveria ser também esgotado antes de considerar habilitada a jurisdição da Comissão. Contudo, a Comissão estabeleceu em casos similares ao presente que esta jurisdição constitui exclusivamente um mecanismo de supervisão da atividade administrativa do Estado destinado a obter indenização por danos e prejuízos causados por abuso de autoridade.[8] Em geral, este processo não constitui um mecanismo adequado, per se, para reparar casos de violações aos direitos humanos, motivo pelo qual não é necessário que seja esgotado num caso como o presente, quando existe outra via para alcançar a reparação do dano como o julgamento e sanções exigidos.[9]
29. No que respeita a aplicação da exceção do cumprimento do requisito do esgotamento dos recursos internos interposta pelos peticionários, o artigo 46(2) da Convenção estabelece que este requisito não é aplicável quando:
a. não exista na legislação interna do Estado em questão o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos alegadamente violados; b. não se tenha permitido ao suposto ofendido em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou tenha sido impedido de esgotá-los, e c. haja atraso injustificado na decisão sobre os mencionados recursos.
Os argumentos dos peticionários fazem referência à ineficácia dos recursos disponíveis e a ausência de garantias para a participação no processo.
30. A Comissão observa que, tendo transcorrido mais de cinco anos desde o momento em que ocorreram os fatos, segundo surge da informação aportada por ambas partes, a investigação prévia culminou com a decretação de medida de segurança contra três pessoas. Entretanto, segundo o assinalado pelos peticionários e reconhecido pelo Estado, o único acusado preso está detido pelo suposto cometimento de fatos alheios ao presente assunto. Quanto ao resto das ordens de detenção, estas não foram efetivadas apesar do lapso transcorrido desde o encerramento da investigação, o qual constitui uma manifestação de atraso. Como regra geral, uma investigação penal deve realizar-se prontamente para proteger os interesses das vítimas, preservar a prova e inclusive salvaguardar os direitos de toda pessoa que, no contexto da investigação, seja considerada suspeita. Segundo assinalado pela Corte Interamericana, embora toda investigação penal deva cumprir com uma série de requisitos legais, a regra do prévio esgotamento dos recursos internos não deve conduzir a que a atuação internacional em auxílio das vítimas se detenha ou demore até a inutilidade.[10]
31. A este fato se soma o contexto no qual se desenvolveu a investigação, incluíndo o assassinato de Elizabeth Cañas Cano e o exílio do promotor de justiça encarregado da primeira fase do processo. Em casos similares ao presente, a CIDH vem considerando as circunstâncias deste tipo como uma amostra de que as perspectivas de efetividade da investigação judicial estão longe de serem equivalentes as de um recurso que necessariamente deva ser esgotado antes de recorrer-se à proteção internacional dos direitos humanos.[11]
32. Por conseguinte, dadas as características e o contexto do presente caso, a Comissão considera que é aplicável a exceção prevista no artigo 46(2)(c) da Convenção Americana dadas as escassas perspectivas de efetividade dos recursos disponíveis, razão pela qual os requisitos previstos na Convenção Americana em matéria de esgotamento dos recursos internos e, em consequência, o prazo de seis meses para a apresentação da petição, não são aplicáveis.
33. A invocação das exceções à regra de esgotamento dos recursos internos previstas no artigo 46(2) da Convenção está estreitamente ligada à determinação de possíveis violações a certos direitos nela consagrados, tais como as garantias de acesso à justiça. Entretanto, o artigo 46(2), por sua natureza e objeto, é uma norma com conteúdo autônomo vis á vis as normas substantivas da Convenção. Portanto, a determinação de que(?) se as exceções à regra de esgotamento dos recursos internos resultam aplicáveis ao caso em questão deve ser realizada de maneira prévia e separada da análise de mérito do assunto, já que depende de um padrão de apreciação distinto daquele utilizado para determinar a possível violação dos artigos 8 e 25 da Convenção. Cabe esclarecer que as causas e os efeitos que impediram o esgotamento dos recursos internos serão analisados no Relatório a ser adotado pela Comissão sobre o mérito da controvérsia, a fim de constatar se configuram violações à Convenção Americana.
b. Duplicação de procedimentos e coisa julgada
34. Não surge do expediente que a matéria da petição esteja pendente de outro procedimento de acordo internacional, nem que reproduza uma petição já examinada por este ou outro órgão internacional. Portanto, cabe dar por cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção.
c. Caracterização dos fatos alegados
35. A Comissão considera que as alegações dos peticionários relativas à suposta violação do direito à vida, à integridade pessoal, às garantias do devido processo, à proteção judicial, os direitos da criança bem como a demora na investigação e a falta de julgamento e punição efetiva dos responsáveis, poderiam caracterizar uma violação dos direitos garantidos nos artigos 4, 5, 8, 19 e 25, em conjunção com o artigo 1(1) da Convenção Americana. Visto que a falta de fundamento ou a improcedência destes aspectos da petição não resultam evidentes, a Comissão considera satisfeitos os requisitos estabelecidos nos artigos 47(b) e (c) da Convenção Americana.
V. CONCLUSÕES
36. A Comissão conclui que é competente para examinar a petição apresentada pelos peticionários em relação à suposta violação dos artigos 4, 5, 8, 19 e 25 em conjunção com o 1(1) da Convenção Americana e que estes são admissíveis, conforme os requisitos estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.
37. Com base nos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1. Declarar admissível o caso sob estudo, em relação aos artigos 4, 5, 8, 19, 25 e 1(1) da Convenção Americana.
2. Notificar o Estado e o peticionário desta decisão.
3. Iniciar o trâmite sobre o mérito do assunto.
4. Publicar o presente relatório e inclui-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.
Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 22 de outubro de 2003. Assinado: José Zalaquett, Presidente; Clare Kamau Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Susana Villarán da Puente, Segunda Vice-Presidenta; Comissionados Robert K. Goldman e Júlio Prado Vallejo.
[1] Mediante comunicação de 20 de dezembro de 2002, os peticionários retificaram os nomes das vítimas. [2] O assassinato da senhora Elizabeth Cañas Cano, que foi membro da Associação de Familiares de Detidos-Desaparecidos de Colômbia (ASFADDES) seccional Barrancabermeja, motivou a Comissão Interamericana a solicitar à Corte Interamericana, mediante nota de 12 de julho de 2000, a ampliação das medidas provisórias outorgadas pela Corte Interamericana no caso Álvarez e outros (Nº 11.764). A resolução do presidente da Corte de 17 de julho de 2000, resolveu ampliar estas medidas tomando em consideração que o assassinato de um membro de ASFADDES era uma mostra concreta e evidente do perigo em que se encontram os membros desta associação. Esta resolução requereu ao Estado de Colômbia a que investigasse e sancionasse aos responsáveis dos fatos denunciados pela Comissão. Esta resolução foi ratificada pela Corte Interamericana mediante resolução de data 10 de agosto de 2000. [3] Nota DDH 33002 da Direção de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores de 6 de setembro de 2002. [4] Nota DDH 11370 da Direção de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores de 1° de abril de 2003. [5] Conforme o relato do Estado, os servidores públicos punidos foram o tenente-coronel da Polícia Nacional Joaquín Correa López, o comandante do Comando Operativo Especial Magdalena Medio, o capitão da Polícia Mario Camacho Avellaneda, o tenente da Polícia Nacional Celis Hernando Juan Carlos, o chefe da Unidade Investigativa-SIJIN de Barrancabermeja, o sargento do Exército Mario Alberto Fajardo Garzón e os agentes do DAS, detetives Alfonso Rafael Lechuga, Oscar Ortiz Cubides, os soldados do Exército Nacional Oswaldo Prada Escobar, tenente Antonio Enrique Daza e sub-tenente John Héctor Guzmán Santos, estes três últimos punidos com exoneração absoluta do cargo. Nota DDH 33002 da Direção de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores de 6 de setembro de 2002 e Nota DDH 11370 da Direção de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores de 1° de abril de 2003. [6] Corte I.D.H. Caso Durand e Ugarte, Exceções Preliminares, Sentença de 28 de maio de 1999, parágrafo 33; Corte I.D.H. Caso Cantoral Benavides, Exceções Preliminares, Sentença de 3 de setembro de 1998, parágrafo 31; Corte I.D.H. Caso Loayza Tamaio, Exceções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, parágrafo 40;, Corte I.D.H. Caso Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença de 30 de janeiro de 1996, parágrafo 40. [7] Relatório Nº 52/97, Caso 11.218, Arges Sequeira Mangas, Relatório Anual da CIDH 1997, parágrafos 96 e 97. Ver também Relatório N° 55/97, parágrafo 392. [8] Relatório Nº 57/00, Caso 12.050, La Granja Ituango, Relatório Anual da CIDH 2000, parágrafo 41; Relatório N° 15/95 Relatório Anual da CIDH 1995, parágrafo 71; Relatório N° 61/99, Relatório Anual da CIDH 1999, parágrafo 51. [9] Relatório Nº 57/00, Caso 12.050, La Granja Ituango, Relatório Anual da CIDH 2000, parágrafo 41; Relatório N° 5/98, Caso 11.019, Alvaro Moreno Moreno, Relatório Anual da CIDH 1997, parágrafo 63. [10] Corte I.D.H. Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, parágrafo 93. [11] Relatório Nº 57/00, Caso 12.050, La Granja Ituango, Relatório Anual da CIDH 2000, parágrafo 45.
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