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PETIÇÃO 071/01 ADMISSIBILIDADESONIA ARCE ESPARZA CHILE[1]10 de outubro de 2003
I. RESUMO
1. O presente relátorio refere-se à admissibilidade da petição P071/01, cujo trâmite teve início pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “a CIDH”) depois de ter recebido uma petição em 30 de janeiro de 2001 e a documentação que a fundamenta, em 27 de agosto de 2001. A petição foi interposta por Sonia del Carmen Arce Esparza, a suposta vítima, e a Corporação da Morada (doravante denominada “os peticionários”) contra a República do Chile (doravante denominada “o Estado”). Conforme o pedido dos peticionários, foi aceito como co-peticionário, em outubro de 2001, o Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL).
2. Os peticionários alegam que certos artigos do Código Civil chileno violam os direitos da Sra. Arce Esparza consagrados nos artigos 1, 2, 17, 21, 24 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”) e os artigos 1, 2, 5(a), 15(1), 15(2) e 16(1) da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. En particular, los peticionários argumentan que el artigo 1749 del Código Civil chileno, que autoriza o cônjugue homem a atuar como único administrador dos bens da cônjugue, viola os direitos da suposta vítima. Os peticionários alegam que outros artigos do Código Civil chileno relacionados com a administração de bens entre cônjugues também violam os direitos da suposta vítima, a saber, os artigos 1750, 1752 e 1754 deste Código. Os peticionários afirmam que satisfizeram os requisitos de admissibilidade da Comissão e que estão isentos de esgotar os recursos internos ou que, de forma alternativa, esgotaram todos os recursos.
3. O Estado afirma, por sua parte, que a petição deve ser declarada inadmissível por não ter esgotado os recursos internos. Afirma que a Sra. Arce Esparza não invocou total ou devidamente dois recursos pertinentes: (1) o recurso de proteção, e (2) o recurso de inaplicabilidade por inconstitucionalidade (doravante denominados o “recurso de inaplicabilidade”).
4. Como indicado mais adiante, de acordo com a sua análise, a Comissão conclui que é competente para examinar as denúncias dos peticionários em relação a violação dos artigos 1, 2, 17, 21, 24 e 25 da Convenção Americana.
II. TRâMITE PERANTE A COMISSÃO
5. Em 30 de janeiro de 2001, a Comissão recebeu uma petição interposta pelos peticionários Sonia del Carmen Arce Esparza e a Corporação da Morada. Em 21 de março de 2001, a Comissão informou aos peticionários que não se podia iniciar o trâmite correspondente a essa altura porque a informação apresentada não indicava que haviam esgotado os recursos internos.
6. Em 25 de abril de 2001, os peticionários enviaram a Comissão uma resposta de quatro páginas em que alegavam que estavam isentos de esgotar a via interna devido à inexistência de recursos efetivos. Em 9 de maio de 2001, a Comissão enviou uma nota aos peticionários informando-lhes que continuava sendo insuficiente a informação sobre o esgotamento dos recursos internos para iniciar o trâmite.
7. Em 27 de agosto de 2001, os peticionários enviaram à Comissão informação adicional sobre o esgotamento dos recursos internos. Em 25 de setembro de 2001, a Comissão informou aos peticionários que havia iniciado o trâmite da petição. Na mesma data, a Comissão enviou ao Estado as partes pertinentes da petição, solicitando-lhe uma resposta dentro dos 90 dias, de acordo com o artigo 30(3) do Regulamento.
8. Em 17 de outubro de 2001, o peticionário, Corporação da Morada, enviou uma carta à Comissão solicitando que o Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) fosse também incorporado como co-peticionário. Em 1 de novembro de 2001, a peticionária Sonia Arce Esparza solicitou também que CEJIL fosse incorporado como co-peticionário.
9. Em 28 de novembro de 2001, o Estado dirigiu-se por escrito à Comissão solicitando uma prorrogação para apresentar sua resposta. Em 7 de janeiro de 2002, a Comissão concedeu o pedido, de conformidade com o artigo 30(3) de seu Regulamento.
10. Em 22 de janeiro de 2002, a Comissão recebeu uma carta dos peticionários na qual solicitavam uma audiência perante a Comissão e o Estado. A Comissão concedeu o solicitado em 6 de fevereiro de 2002. A audiência foi celebrada em 6 de março, no curso do 114º período ordinário de sessões, para escutar as posições das partes quanto à admissibilidade do caso. Ambas partes estiveram representadas e participaram devidamente.
11. O Estado apresentou sua resposta à Comissão em 7 de março de 2002. A Comissão remeteu aos peticionários a resposta do Estado em 19 de março de 2002, solicitando-lhes as observações dentro do prazo de um mes. Até esta data, os peticionários não haviam respondido.
III. POSIÇÃO DAS PARTES
A. Os peticionários
12. Os peticionários argumentam que certos artigos do Código Civil chileno violam os direitos da Sra. Arce Esparza protegidos pela Convenção Americana e a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Em particular, os peticionários afirmam que os artigos do Código Civil relacionados com os direitos e obrigações dos cônjugues na administração de seus bens violam os artigos 1, 2, 17, 21, 24 e 25 da Convenção Americana e os artigos 1, 2, 5(a), 15(1), 15(2) e 16(1) da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.
13. Em 28 de fevereiro de 1976, a Sra. Arce Esparza contraiu matrimônio com Patricio Salinas Arce, submetendo-se assim às disposições do Código Civil sobre a administração dos bens entre cônjugues. Em 1994, depois do falecimento de seus pais, a Sra. Arce Esparza herdeu alguns imóveis. Quando tentou vendê-los, o agente imobiliário encarregado da venda negou-se a concluir a transação sem o consentimento do esposo da Sra. Arce Esparza, como requer o artigo 1749 do Código Civil chileno.
14. Os peticionários argumentam que o artigo 1749, bem como os demais artigos relacionados com à administração de bens entre cônjugues, violam direitos protegidos da Sra. Arce Esparza. O artigo 1749 do Código Civil considera o marido chefe da união conjugal e, como tal, o único administrador dos bens do casal e da esposa. “O marido é chefe da sociedade conugal, e como tal administra os bens sociais e os de sua mulher…”.[2] Esta lei exige o consentimento do esposo para toda decisão que afete os bens de sua cônjugue, o que significa que a Sra. Arce Esparza não pode vender seus bens sem o consentimento do esposo.
15. O artigo 1754 estabelece que a esposa não pode administrar seus próprios bens, exceto em circunstâncias extraordinárias. “A mulher não poderá alienar ou gravar nem dar em alienação ou ceder a posse dos bens de sua propriedade que administre o marido, exceto nos casos do artigo 138”.[3] O artigo 1752 dispõe expressamente que a esposa não tem direitos sobre os bens do casal durante o matrimônio. “A mulher por si só não tem direito algum sobre os bens sociais durante a sociedade”.[4] Ademais, o artigo 1750 do Código Civil dispõe que os bens do esposo e os bens conjugais devem ser considerados um para efeitos de terceiros tais como os credores. “O marido é, a respeito de terceiros dono dos bens sociais, como se eles e seus bens próprios formassem um só patrimônio, de maneira que durante a sociedade os credores do marido poderão perseguir tanto os bens deste como os bens sociais; sem prejuízo dos abonos ou compensações que, em consequência disto, deva o marido à sociedade ou a sociedade ao marido”.[5] Os peticionários consideram que os artigos impugnados violam diretamente os direitos da Sra. Arce Esparza protegidos pela Convenção Americana, em particular, seu direitos à igual proteção e ao pleno gozo de seu direito à propriedade, como lo es la capacidad de comprar y vender tierras libremente.
16. Os peticionários defendem que a lei não oferece alternativa real alguma à Sra. Arce Esparza para administrar seus próprios bens. A alternativa seria a Sra. Arce Esparza pedir a seu esposo o consentimento para administrar seus próprios bens. Os peticionários argumentam que isto é impossível (pois o esposo da Sra. Arce Esparza não pode ser localizado) e discriminatório, posto que estaria obrigada a depender do consentimento de seu cônjugue. Outra alternativa seria a Sra. Arce Esparza solicitar autorização ao juiz para administrar seus próprios bens, o que exigiria demonstrar uma causa especial (por exemplo, que seu esposo nega o consentimento sem justificação). Os peticionários consideram que ter que demonstrar uma causa especial limita injustificavelmente o direito da Sra. Arce Esparza a administrar seus bens.
17. Os peticionários argumentam que satisfizeram os requisitos de admissibilidade da Comissão. Especificamente, quanto ao requisito de esgotamento dos recursos internos, os peticionários alegam que estão isentos de cumprir com esse requisito em virtude do artigo 46(2)(a) ou, em caso alternativo, que esgotaram os recursos internos.
18. Os peticionários afirmam que estão isentos de esgotar a via interna porque os dois recursos disponíveis, o recurso de proteção e o recurso de inaplicabilidade, são inadequados. Ambos formulam como requisito prévio para aceder ao recurso que exista um processo penal em curso em um tribunal inferior que esteja aplicando a suposta lei inconstitucional contra a Sra. Arce Esparza. Isto significa que, para ter acesso ao recurso, a Sra. Arce Esparza, primeiramente, teria que apresentar-se perante um juiz e solicitar permissão para administrar seus próprios bens e essa permissão teria que ser negada. Os peticionários argumentam que esses recursos são inadequados, por duas razões: primeiramente, porque, ao ter que pedir permissão ao juiz para administrar seus próprios bens, a Sra. Arce Esparza teria que submeter-se precisamente à discriminação que está impugnando. Segundo, porque estes recursos não atendem à alegação da Sra. Arce Esparza de que os artigos impugnados, ainda que na ausência de aplicação direta por um juiz para impedir-lhe de vender seus bens, são violatórios de seus direitos.
19. Alternativamente, os peticionários argumentam que a Sra. Arce Esparza esgotou os recursos internos. Em 2 de agosto de 2001, a Sra. Arce Esparza interpôs um recurso de proteção perante a Alta Corte de Apelações de Santiago, o qual foi indeferido em 6 de agosto de 2001. A Corte declarou improcedente a apelação porque os fatos alegados estavam fora do âmbito desse recurso.[6] Os peticionários defendem que esta negativa a sua apelação prova o esgotamento dos recursos internos.
B. O Estado
20. O Estado não controverteu as denúncias dos peticionários. Pelo contrário, argumenta, primeiramente, que a legislação chilena protege os direitos da Sra. Arce Esparza e, segundo, que a petição deve ser desacolhida por não ter esgotado os recursos internos.
21. O Estado chileno defende que a legislação chilena protege os direitos da Sra. Arce Esparza. A Constituição do Chile protege o direito à igualdade perante a lei.[7] Ademais, a legislação chilena garante expressamente o direito à igualdade entre o homem e a mulher. “[H]homens e mulheres são iguais perante a lei.”.[8] Outra lei chilena garante expressamente o direito de todos ao pleno gozo de seus direitos à propriedade. “[Todos tem] direito de propriedade em suas diversas espécies e sobre toda classe de bens [de tal maneira que] ninguém pode ser privado deste direito…”.[9] Existe também uma doutrina chilena segundo a qual toda lei anterior à Constitução será considerada tacitamente derrogada quando está em conflito com as garantias constitucionais. Neste caso –diz o Estado- o artigo 1749 é anterior à Constitução, motivo pelo qual não se aplica a ele. Ademais, o Estado argumenta que aquele que tentar de fazer cumprir esta lei contra uma pessoa estará violando esse direito individual e, quando se viola um direito individual, a pessoa prejudicada tem acesso a recursos internos efetivos.
22. No presente caso, o Estado afirma que a Sra. Arce Esparza tem acesso a dois recursos efetivos: (1) o recurso de proteção, e (2)o recurso de inaplicabilidade. Enquanto os peticionários caracterizam os recursos como ineficazes, o Estado considera que a Sra. Arce Esparza não os invocou devidamente. No caso do recurso de proteção, a razão da denegação da apelação foi que a vítima não impugnou uma aplicação ilegal da lei, como exige o recurso. Na realidade, argumentou que a próprias leis violavam seus direitos. No caso do recurso de inaplicabilidade, a suposta vítima ainda não invocou este recurso ou satisfez seu requisito prévio de que exista um processo legal em um tribunal inferior en que la lei alegadamente inconstitucional está sendo aplicando contra a vítima. Portanto, o Estado entende que os peticionários não podem argumentar que os recursos sejam inadequados até que os tenha invocado devidamente. O Estado afirma também que o requisito de esgotamento não foi satisfeito porque os peticionários, por sua própria vontade, nunca invocaram o recurso de inaplicabilidade. O Estado defende que, por todas estas razões, a petição não deve ser aceita pois não foram esgotados os recursos da via interna.
IV. ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE
A. Competência da Comissão ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci
23. Os peticionários estão facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias perante a CIDH. A petição assinala como supostas vítimas indivíduos, para os quais o Chile comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. No que se refere ao Estado, a Comissão assinala que o Chile é um Estado parte na Convenção Americana desde 21 de agosto de 1990, data em que depositou o instrumento de ratificação respectivo. Portanto, a Comissão tem competência ratione pessoae para examinar a petição.
24. A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, porque a petição alega violações de direitos protegidos na Convenção Americana que teriam ocorrido dentro do território de um Estado parte neste tratado. A CIDH tem competência ratione temporis, porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em que haviam ocorrido os fatos alegados na petição. Por último, a Comissão tem competência ratione materiae porque na petição se denunciam violações aos direitos humanos protegidos pela Convenção Americana.
B. Outros requisitos da admissibilidade da petição
a. Esgotamento dos recursos internos
25. O artigo 46(1) da Convenção Americana estabelece que para que um caso possa ser admitido é preciso que “se tenha interposto e esgotado os recursos de jurisdição interna, conforme os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos”. Este requisito existe para garantir ao Estado afetado a oportunidade de resolver as disputas dentro de seu próprio contexto legal. Mas, quando, como questão de fato ou de direito, não existem recursos internos efetivos, se isenta do requisito de esgotá-los. O artigo 46(2) da Convenção especifica que esta exceção é aplicável quando: a legislação do Estado afectado não oferece o devido processo legal para a proteção do direito supostamente violado; a parte que alega a violação viu-se impossibilitada de ter acesso aos recursos internos, ou houve demora indevida no pronunciamento da sentença definitiva. Em consequência, quando o peticionário alega incapacidade para provar o esgotamento, o artigo 31 do Regulamento da Comissão estabelece que se transfere ao Estado o ônus de provar quais os recursos específicos devem ser esgotados e de oferecer uma reparação ao prejuízo alegado.
26. Ambas partes coincidem em indicar dois recursos que seriam aplicáveis à situação denunciada, a saber: o recurso de proteção e o recurso de inaplicabilidade. Os peticionários alegam que ambos recursos são ineficazes, pois sua invocação e esgotamento exigiriam que as normas impugnadas primeiramente fossem aplicadas através de uma decisão judicial ou processo específicos em relação à administração dos bens da Sra. Arce Esparza. Os peticionários argumentam que a suposta vítima deve estar em condições de impugnar a constitucionalidade das normas em questão, pois atualmente a afetam devido ao seu carácter discriminatório, sem ter que satisfazer nenhuma outra condição. Afirmam que, alternativamente, a interposição pela suposta vítima de um recurso de proteção satisfaz plenamente o requisito do artigo 46 de esgotamento da via interna. O Estado, em suma, afirma que a aplicação das normas em uma situação concreta é um requisito processual e que, uma vez satisfeito, ambos recursos oferecem todas as possibilidades de uma reparação efetiva. Em consequência, argumenta que a suposta vítima não invocou devidamente o recurso de proteção segundo os requisitos aplicáveis, e não invocou em absoluto o recurso de inaplicabilidade, motivo pelo qual não satifez os requisitos do artigo 46.
27. Ao analisar o requisito de esgotamento dos recursos internos, a Comissão observa primeiro que a situação denunciada refere-se ao efeito das normas impugnadas nos direitos da suposta vítima. O argumento básico é que as normas violam os direitos da Sra. Arce Esparza a não sofrer discriminação e a igual proteção da lei simplesmente por estarem vigentes. A Comissão observa que a jurisprudência do sistema confirma que as distinções da lei baseadas em uma condição pessoal podem por si, sem necessidade de aplicação, dar lugar à responsabilidade do Estado por não observar as obrigações acerca da igualdade e a não discriminação.[10] No presente caso, nenhum dos recursos disponíveis permite à Sra. Arce Esparza impugnar diretamente as normas contestadas enquanto afetam seus direitos por sua simples vigência. Ambos recursos exigem que a suposta vítima se submeta a posteriores aplicações das normas para poder impugná-las. Portanto, a Comissão conclui que os recursos internos disponíveis são inadequados e que, em consequência, os peticionários estão isentos de esgotar os recursos internos, segundo o artigo 46 da Convenção Americana.
28. Além disso, as disposições do artigo 46 requerem que a substância da situação denunciada perante a Comissão tenha sido planteada perante a justiça interna. Como reiterado pela jurisprudência do sistema, não é necessário esgotar todos os recursos teórica ou formalmente disponíveis, mas aqueles adequados e efetivos para reparar a situação denunciada. Como indicado, as partes concordam que existem dois possíveis recursos aplicáveis. Embora os peticionários aleguem que nenhum oferecia a possibilidade de uma reparação realmente efetiva, a Sra. Arce Esparza invocou o recurso de proteção como meio de reparação perante a justiça interna. O fundamento de suas denúncias foi levada a la justiça, mas a ação foi indeferida por não impugnar uma decisão ou processo judicial concreto referido à legislação impugnada. A Sra. Arce Esparza interpôs assim sua denúncia perante a justiça interna pela via de um dos recursos que o Estado assinala como válido. Em princípio, uma vez que o peticionário tenha apresentado uma denúncia perante a justiça pela via de um recurso válido, não é necessário que continue invocando e esgotando outros recursos, e o Estado não explicou a razão porque o recurso de inaplicabilidade oferecia uma reparação diferente ou melhor para a situação denunciada.[11] Sendo assim, a Comissão conclui também que os peticionários esgotaram os recursos internos conforme requerido pelo artigo 46.
b. Prazo para a apresentação da petição
29. De acordo com o artigo 46(1)(b) da Convenção, as petições devem ser apresentadas dentro do prazo para serem admitidas, a saber, dentro dos seis meses a partir da data em que a parte denunciante tenha sido notificada da sentença definitiva no nível interno.
30. Segundo consta do expediente, a notificação sobre o indeferimento do recurso de proteção foi recebida pela Sra. Arce Esparza em 6 de agosto de 2001, e a petição foi recebida pela Secretaria em 30 de janeiro de 2002. De modo que a Comissão conclui que a petição satisfaz o requisito de apresentação no prazo.
c. Duplicação de procedimentos e res judicata
31. O artigo 46(1)(c) dispõe que a admissão das petições está sujeita ao requisito de que a matéria “não esteja pendente de outro procedimento de acordo internacional” e o artigo 47(d) da Convenção estipula que a Comissão não admitirá uma petição que “seja substancialmente a reprodução de petição ou comunicação anterior já examinada pela Comissão ou outro órgão internacional”. No presente caso, as partes não indicaram, nem surge do trâmite, a existencia de alguma destas circunstâncias para a inadmissibilidade.
d. Caracterização dos fatos alegados
32. O artigo 47(b) da Convenção Americana dispõe que não serão admitidas as alegações que não assinalem fatos que tendem a estabelecer uma violação. O Estado opô-se à admissiblidade da presente petição argumentando, em essência, que a proteção constitucional do direito à igualdade está por cima das distinções potencialmente incompatíveis estabelecidas na legislação impugnada, e que a petição não é completa porque não se impediu que a suposta vítima administre seus bens.
33. Se a situação denunciada caracteriza ou não uma violação dos direitos da Sra. Arce Esparza protegidos pela Convenção Americana, isto é matéria para a etapa de exame do mérito. Contudo, sobre a caracterização, a Comissão deseja reiterar que a existência de uma legislação que inclui distinções baseadas na condição pessoal pode, per se, caracterizar uma possível violação. “[U]ma norma que despojara de alguns de seus direitos uma parte da população, em razão, por exemplo, de sua raça, automaticamente lesiona todos os indivíduos dessa raça.”[12] A este respeito, a Comissão conclui, no caso presente, que os peticionários estabeleceram denúncias que, se compatíveis com outros requisitos e se demonstrarem sua veracidade, poderiam tender a estabelecer a violação dos direitos protegidos pelos artigos 1, 2, 17, 21, 24 e 25 da Convenção Americana. De conformidade com o disposto no artigo 29 da Convenção Americana, a respeito da interpretação e aplicação, a Comissão se referirá aos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas las Formas de Discriminação contra a Mulher na medida pertinente, como fonte de direito para interpretar os direitos e obrigações do Estado em virtude da Convenção Americana.
V. CONCLUSÕES
34. A Comissão conclui que é competente para examinar o caso presente e que a petição é admissível, de acordo com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana.
35. Em virtude dos argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto,
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1. Declarar admissível o presente caso a respeito da suposta violação dos direitos reconhecidos nos artigos 1, 2, 17, 21, 24 e 25 da Convenção Americana.
2. Notificar as partes desta decisão.
3. Iniciar a análise do mérito do assunto.
4. Publicar o presente relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA .
Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 10 de outubro de 2003. (Assinado): Clare Kamau Roberts, Primeiro Vice-Presidente; Susana Villarán Segunda Vice-Presidenta; Comissionados Robert K. Goldman e Julio Prado Vallejo.
[1] O Comissionado José Zalaquett, Primeiro Vice-Presidente, nacional do Chile, não participou no exame e votação deste caso, de conformidade com o artigo 17(2)(a) do Regulamento da CIDH. [2] Artigo 1749 do Código Civil de Chile. [3] Artigo 1754 do Código Civil de Chile. [4] Artigo 1752 do Código Civil de Chile. [5] Artigo 1750 do Código Civil de Chile. [6] Em sua decisão, a Alta Corte de Apelações de Santiago declarou que “os fatos descritos na apresentação de folhas 1 sobrepassam as margens do procedimento do recurso de proteção, quando se questiona disposições de uma lei, cuja aplicação, de conformidade com a Constituição Política do Estado, não é suscetível de ser impugnada por esta via…”. Ver nota dos peticionários à Comissão de data 27 de agosto de 2001 em que se cita a Alta Corte de Apelações de Santiago. [7] Constituição da República de Chile, artigo 2, Nº 2. [8] Artigo Nº 19.611 do Código Civil do Chile , 16 de junho de 2001. [9] Artigo Nº 24 do Código Civil do Chile , 16 de junho de 2001. [10] Ver CIDH, Relátorio Nº 4/01, Caso 11.625, María Eugenia Morais de Sierra (Guatemala), 19 de janeiro de 2001, par. 39; Corte IDH, Responsabilidade internacional pela promulgação e aplicação de leis em violação a Convenção (Arts. 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinião Consultiva OC-14/94 de 9 de dezembro de 1994, Ser. A Nº 14, par. 43. [11] Como indicado no artigo 31(3) do Regulamento da Comissão, o Estado que alegue o não esgotamento dos recursos internos tem a carga de demostrar quai recursos são disponíveis e efetivos. Conforme esse artigo e a jurisprudência aplicável, a parte que alega o não esgotamento deve formular alegações específicas, e não genéricas, sobre os recursos disponíveis e de sua eficácia. As alegações do Estado a respeito da justificação para invocar outro recurso, sujeito às mesmas condições daquele invocado e indeferido, foram genéricas. Ver CIDH, Relátorio Nº 72/01, Caso 11.804, Juan Angel Greco (Argentina), 10 de outubro de 2001, par. 49; Relátorio Nº 52/97, Caso 11.218, Arges Sequeira Mangas (Nicaragua), Relátorio Anual da 1997, par. 95. Com referência à invocação e o esgotamento de um recurso aplicable seja, em princípio, suficiente, ver, por exemplo, Corte Européia de Direitos Humanos, McCann e outros contra Reino Unido, 18984/91, 3 de setembro de 1993. [12] Corte IDH, OC-14/94, supra, párr. 43.
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