RELATÓRIO Nº 3/03*

PETIÇÃO 12.257

ADMISSIBILIDADE

CARLOS SAÚL MENEM (FILHO)

ARGENTINA

20 de fevereiro de 2003

 

I.                    RESUMO

 

1.       O presente relatório refere-se à admissibilidade da petição 12.257.  A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissão Interamericana”, “Comissão” ou “CIDH”) iniciou sua tramitação depois de receber, em 19 de outubro de 1999,  uma petição apresentada por Zulema Fátima Yoma, mãe de Carlos Saúl Menem (filho), e sua advogada Ana María I. Herren (doravante denominados “os peticionários”), contra a República Argentina (doravante denominada “Argentina” ou  “o Estado”). 

 

2.       Os peticionários alegam que o Estado argentino incorreu na responsabilidade internacional por supostas violações de direitos humanos vinculadas com o falecimento de Carlos Saúl Menem (filho), em 15 de março de 1995.  Em resumo, afirmam que o Estado não proporcionou a Carlos Saúl, na época com 26 anos de idade, as medidas de segurança necessárias para o filho do então Presidente da Nação, tendo em consideração que ele havia recebido ameaças relacionadas às funções de seu pai.  Os peticionários alegam que o Estado não investigou a causa da morte com a devida diligência nem proporcionou uma eficaz proteção e garantias judiciais ao investigar e tramitar os procedimentos judiciais conexos.  Os peticionários também defendem que o Estado é responsável pela omissão de respeitar a dignidade e a integridade pessoal de Carlos Saúl e sua mãe, Zulema Yoma.  Os peticionários afirmam que os fatos alegados constituem violações dos  direitos à vida, à integridade pessoal e a proteção e garantias judiciais, reconhecidos nos artigos 4, 5, 25 e 8 da Convenção Americana (doravante denominada “Convenção Americana”), em conjunção com a obrigação de respeitar e garantir os direitos previstos no artigo 1(1).

 

          3.       O Estado, por sua parte, não se pronunciou sobre o mérito das denúncias formuladas.  No curso das atuações realizadas até esta data, o Estado limitou-se, em grande medida, a informar sobre as negociações com os peticionários destinadas a buscar soluções para os problemas que estes indicaram ou as medidas que adotaram para manter informadas as autoridades pertinentes sobre a petição e procurar informação na esfera interna.  Não obstante, o Estado afirma que a petição é inadmissível porque não foram esgotados os recursos internos disponíveis. 

 

4.       Conforme o indicado adiante, e tendo examinado o caso, a Comissão concluiu que é competente para conhecer as denúncias dos  peticionários referentes às violações de direitos alegadas com relação à investigação sobre o falecimento de Carlos Saúl Menem (filho) e denúncias conexas, e que o caso é admissível conforme o disposto nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

 

II.                  TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

5.       A Comissão acusou recibo da petição em 20 de outubro de 1999.  Em 16 de novembro de 1999, recebeu informação e documentação adicional que ampliam a petição, cujo recebimento foi informado no dia 20 de dezembro de 1999.

 

6.       Em 22 de março de 2000, a Comissão transmitiu ao Estado as partes pertinentes da petição, e solicitou ao Estado que apresentasse informação como resposta dentro de 90 dias.  Nesta mesma data a Comissão informou aos peticionários que tinha iniciado o trâmite da petição.  Em 23 de junho de 2000, o Estado solicitou uma prorrogação do prazo para apresentar sua resposta.  Em 11 de julho de 2000, a Comissão concedeu ao Estado mais 30 dias  e informou aos peticionários sobre sua decisão.

 

7.       Por intemédio de nota datada de 9 de agosto de 2000, o Estado enviou um breve ofício na qual indicou que suas autoridades estavam tomando parte de um  diálogo construtivo com os peticionários, destinado a buscar possíveis soluções aos problemas formulados na petição, mas absteve-se de responder sobre questões processuais ou substanciais.  Esta informação foi transmitida aos peticionários por nota datada de 15 de agosto de 2000, na qual lhes solicitou que apresentassem observações, como resposta, dentro de um prazo de 60 dias.

 

8.       A resposta dos  peticionários foi recebida em 12 de outubro de 2000, a qual foi enviada ao Estado em 26 de outubro de 2000, e lhe foi solicitado que apresentasse observações como resposta dentro de um prazo de 60 dias.  Por notas recebidas nos dias 14 e 28 de dezembro de 2000, os peticionários apresentaram versões atualizadas e curtas referentes à continuação do diálogo com representantes do Estado e sobre fatos ocorridos no  âmbito interno.

 

9.       Através da uma comunicação datada de 12 de março de 2001, o Estado  apresentou argumentos referentes à admissibilidade da petição.  Em 25 de maio de 2001,  esta informação foi encaminhada aos peticionários, aos quais foi solicitado que enviassem observações dentro do prazo de um mês.  A resposta dos  peticionários foi recebida em 3 de julho de 2001.

 

10.     Em nota datada de 23 de julho de 2001, os peticionários solicitaram uma  audiência antes do período de sessões da Comissão.  Em 5 de setembro de 2001, a Comissão respondeu que não era possível conceder a solicitação devido ao grande número de audiências já previstas para aquela sessão.  Através de nota datada de 10 de setembro de 2001,  a Comissão transmitiu aos peticionários a resposta do Estado datada de 3 de julho de 2001, e solicitou que enviassem observações dentro de um prazo de um mês.  Por intermédio de notas de 10 e 22 de outubro de 2001, o Estado enviou sua resposta, que foi transmitida devidamente aos peticionários em 29 de outubro, aos quais foi concedido o prazo de um mês para apresentar observações.

 

11.     Em uma visita de trabalho realizada pelo Relator da Comissão para Argentina nos dias 29 de julho a 6 de agosto de 2002, a fim de tratar de vários processos de solução amistosa e outros assuntos, a delegação da Comissão reuniou-se com os peticionários.  A informação escrita, entregue por estes últimos nessa data, foi transmitida posteriormente ao Estado em 16 de dezembro de 2002, e este foi intimado a apresentar eventuais observações dentro do prazo de um mês.  Em nota recebida no dia 9 de janeiro de 2003, o Estado solicitou  uma prorrogação para apresentar sua resposta.  Em 12 de fevereiro de 2003,  a Comissão indicou que havia concedido uma prorrogação de um mês, a partir do vencimento do prazo e informou aos peticionários.

 

12.     Por intemédio de notas datadas de 3 de julho e 6 de novembro de 2002, os peticionários solicitaram à Comissão que se pronunciasse sobre a admissibilidade da petição.

 

III.   POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.      Os peticionários

 

          13.     Os peticionários afirmam que o Estado é responsável por não ter  proporcionado a Carlos Saúl Menem (filho) segurança adequada; por ter realizado uma investigação sobre sua morte caracterizada por falhas e irregularidades; por ter tolerado a obstrução da justiça, inclusive por parte de agentes do Estado, e por não ter realizado uma adequada investigação dessas irregularidades ou fazer efetiva a responsabilidade dos  culpados.  Aduzem irregularidades a este respeito, de parte da Força Aérea Argentina, a Junta de Investigações de Acidentes de Aviação Civil (JIAAC), o Corpo Médico Forense, a Polícia Federal Argentina e as autoridades judiciais encarregadas da investigação.  A denúncia geral é que as autoridades não estão dispostas ou não podem investigar com diligência devida o que os peticionários descrevem como provas significativas de que o helicóptero foi baleado antes de que caisse no chão, e que Zulema Yoma não pode, portanto, estabelecer a verdade sobre o que ocorreu com seu filho, e obter justiça.

 

14.     Com relação à obrigação do Estado de respeitar e garantir o direito à integridade pessoal, os peticionários assinalam que o filho do então Presidente, Carlos Saúl Menem (filho), requeria as correspondentes medidas de segurança.  Advogam que esta obrigação fez-se mais imperativa no caso de autos porque a vítima havia sido ameaçada em relação ao  cargo de seu pai.  Os peticionários informam que um mês antes de que a aeronave caisse no chão, em 16 de fevereiro de 1995, um ex-agente de inteligência havia enviado uma mensagem escrita ao Ministro do Interior, advirtindo-o que deveria-se conceder especiais medidas de proteção aos filhos do Presidente Menem porque corriam perigo de vida. Os peticionários informam também a respeito de um telegrama remetido desde Tucumán por uma seita, em linguagem confusa, acerca de ameaças e atos que seriam cometidos desde aquele dia até 15 de março de 1995.  Os peticionários alegam que o ataque de março de 1992, contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires, e o atentado de julho de 1994, contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), foram precursores de um terceiro ataque, consistente na derrubada  mediante disparos do helicóptero em que viajava Carlos Saúl, em 15 de março de 1995.

 

15.     Os peticionários alegam que em 15 de março de 1995, Carlos Saúl saiu da Residência Presidencial pilotando um helicóptero com a intenção de viajar à Rosario.  Silvio Héctor Oltra o acompanhava.  Afirmam que os guardas designados para acompanhar Carlos esse dia não viajaram no helicóptero por ordem de seu supervisor, e que não foi designada nenhuma segurança para o helicóptero.  Defendem que o pessoal de segurança presidencial deveria acompanhar o helicóptero por terra mas que dadas as declarações testemunhais contraditórias a este respeito, subsistem dúvidas acerca dos  atos dos  agentes nas horas anteriores e seguintes ao momento em que o helicóptero caiu. 

 

16.     Os peticionários informam que este fato ocorreu aproximadamente às 11:40 a.m., ao longo da rodovia nacional 9 que liga Buenos Aires à Rosario.  Silvio Héctor Oltra faleceu no momento da caida do helicóptero.  Carlos Saúl foi retirado dos  restos da aeronave e levado ao hospital. Os peticionários assinalam que segundo testemunhas, movia os braços e a cabeça e falava.  Os peticionários alegam que subsistem contradições acerca das autoridades que chegaram primeiro à cena dos  fatos.  Aduzem demoras na transferência e o fato de que embora existiam diversas opções para sua transferência e tratamento, em ambos aspectos foi escolhida a alternativa inadequada.  Alegam que a vítima foi retirada de um respirador cerca de 15 minutos antes de que falecera, e que não foi realizada uma autópsia oportuna, porque o juiz a considerou desnecessária, nem se tomaram fotografias do cadáver nem de suas impressões digitais.  Afirmam que embora o exame externo realizado pelo patólogo mencionava como causa da morte uma fratura de crâneo, exames posteriores aparentemente não consideraram essa fratura. 

 

17.     Depois que o helicóptero caiu foi iniciada uma  investigação perante o Juizado  Nº 6 Criminal e Correcional do Departamento Judicial de San Nicolás. Tendo em vista que a justiça federal é competente em matéria aeronáutica, o caso foi transferido ao Juizado Federal de Primeira Instância de San Nicolás dos  Arroyos.  Os peticionários defendem que embora os indícios levavam a pensar em atos criminais, o juiz encarregado da investigação levou adiante esta última considerando exclusivamente a possibilidade de um acidente e indeferiu todas as provas que levavam a pensar o contrário. 

 

18.     Os peticionários alegam que a fusilagem do helicóptero tinha um orifício de um projétil, mas que foram descartados os restos do helicóptero de forma inadequada, precisamente para destruir essa e outras provas pertinentes.  Assinalam que a cena dos  fatos não foi isolada prontamente; que nunca foi feito um inventário das partes do helicóptero; e que as fotografias tomadas na cena dos fatos foram inadequadas.  O relatório do perito designado inicialmente para examinar as partes do helicóptero foi apresentado ao juiz de instrução depois de ter dado outro destino as partes.  Os peticionários alegam que, embora tenha sido iniciada uma investigação judicial independente com respeito aos destroços do helicóptero após a intervenção de Zulema Yoma como demandante privada, a indagatoria foi, na prática, tardia e  somente possibilitou a recuperação de 20% dos  pedaços do helicóptero no contexto dessa investigação.  Aduzem que as irregularidades referentes à transferência e destruição das partes do helicóptero não foram objeto de uma devida investigação nem do julgamento dos  responsáveis.  A este respeito, foi realizado um julgamento político contra o juiz competente e o  julgamento do funcionário pertinente, mas se afirma que não obtiveram resultados efetivos.  Os peticionários afirmam que os pareceres dos peritos referentes ao fato atribuiram a causa do acidente como o contacto do helicóptero com cabos estendidos na rodovia 9, sem investigar, por quê o helicóptero chocou-se com estes cabos.

 

          19.     Os peticionários apresentaram uma série de alegações referentes a uma subsequente autópsia dos  restos de Carlos Saúl Menem, realizada por ordem judicial em 12 de julho de 1996.  As alegações referem-se a que os peticionários descrevem como extranhas anomalias relacionadas ao estado do caixão e dos  restos; contradições nas conclusões relativas aos relatórios anteriores, elementos faltantes, tais como peças dentárias; problemas de identificação dos  restos, e relatórios periciais que indagavam se todos os restos correspondiam à suposta vítima, ou inclusive a uma mesma pessoa. 

 

          20.     Também apresentaram uma série de alegações sobre posteriores exames periciais realizados por um perito contratado de modo privado e pela Polícia Nacional a respeito de 20% das partes do helicóptero que puderam ser recuperadas.  A principal alegação é que algunas peças apresentavam perfurações, e que ao serem examinadas revelaram a presença das substâncias contidas em projéteis; a saber: chumbo, antimônio, cobre e zinco, nas proporções que correspondem a ponta de um projétil, e restos de fósforo que correspondiam a projéteis incendiários.

 

21.     Os peticionários aduzem que algumas pessoas que se ofereceram como testemunhas ou proseguiram na teoria de homicídio foram ameaçadas, pressionadas ou maltratadas.  Indicam também que várias pessoas que têm algum vínculo com o caso --uma testemunha do fato, um dos  peritos e o suposto criminoso que disparou contra esse perito, entre outros—faleceram ou foram assassinadas em circunstâncias estranhas. 

 

22.     A petição afirma que Zulema Yoma foi objeto de pressões, atos desrespeituosos, maltratos e ameaças na sua qualidade de mãe de Carlos Saúl e demandante privada.  Os peticionários ressaltaram que, dadas as contradições existente na informação pertinente, até esta data a Sra. Yoma não sabe se os restos que estão na tumba de Carlos Saúl pertencem mesmo a este último, nem se seu crâneo está nessa tumba ou na funerária judicial.

 

23.     Conforme as alegações precedentes, os peticionários alegam que o Estado argentino é responsável pelas violações do direito à vida no que respeita a Carlos Saúl Menem; do direito à integridade pessoal deste e de Zulema Yoma, e do direito à proteção e garantias judiciais da vítima e de sua família.

 

 

          B.       O Estado

 

          24.     Em sua resposta à petição, o Estado limitou-se a objetar sua admissibilidade com base na falta de esgotamento dos recursos internos pertinentes.  Em diversos pontos  indicou que se reserva o direito de considerar o mérito do assunto na oportunidade processual pertinente. 

 

25.     Em sua primeita nota sobre questões substanciais, apresentada em 12 de março de 2001, o Estado indicou que os recursos internos não haviam sido esgotados.  Sua posição baseou-se, neste ponto, no fato de que a Corte Suprema tinha perante si um recurso extraordinário interposto por Zulema Yoma, em que se promovia a revogação da decisão de outubro de 1998, pela qual o juiz do processo determinou o arquivamento da investigação referente ao falecimento de seu filho.

 

26.     Em sua segunda nota sobre questões substanciais, apresentada em 22 de outubro de 2001, o Estado indicou que este recurso extraordinário foi indeferido pela  Corte Suprema porque a decisão que determinou o arquivamento da investigação não era de carácter definitivo, motivo pelo qual não era suscetível desse recurso.  O Estado indicou que esta decisão foi adotada pela  Corte Suprema atuando dentro de sua esfera de competência e conforme a legislação aplicável.  O Estado assinalou que, exatamente como havia indicado a Corte Suprema, a decisão de arquivar a investigação não tinha efeitos preclusivos; em consequência, se a mãe da vítima estivesse em condições de apresentar informação adicional, essa investigação poderia ser reaberta.  Por conseguinte, o Estado mantêm sua posição de que não foram esgotados os recursos internos pertinentes.

 

27.     O Estado assinalou que vem mantendo informadas as autoridades competentes, como o Procurador-Geral, sobre os fatos referentes à petição dos autos, a fim de que possam realizar os atos correspondentes as suas funções.  Por utimo, ressaltou que ofereceu plena colaboração, ao reunir-se com os peticionários e procurar soluções dentro do marco jurídico pertinente, e manteve seu compromisso de colaborar na medida do possível dentro desse marco.

 

IV.      ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE

 

A.       Competência da Comissão

 

28.     Conforme o disposto no artigo 44 da Convenção Americana, os peticionários estão legitimados para apresentar uma petição perante a Comissão.  A petição dos autos indica que a suposta vítima e sua mãe estavam sujeitas à jurisdição do Estado argentino na data dos fatos aduzidos.  Com relação ao Estado, a Comissão assinala que a Argentina é um Estado parte da Convenção Americana, tendo depositado na devida forma o instrumento de ratificação em 5 de setembro de 1984.  Por conseguinte, a Comissão tem competência rationae pessoae para conhecer as reclamações apresentadas.  Também tem competência ratione materiae porque os peticionários aduzem violações de direitos protegidos no marco da Convenção Americana. 

 

29.     A Comissão tem jurisdição temporal para examinar as reclamações.  A petição baseia-se en fatos que datam de março de 1995, data do falecimento de Carlos Saúl Menem. Os fatos alegados ocorreram, portanto, posteriormente à entrada em vigor das obrigações do Estado como Parte da Convenção Americana.  Ademais, dado que na petição se aduzem violações de direitos protegidos no marco da Convenção Americana que tiveram  lugar no território de um Estado Parte, a Comissão conclui que tem competência ratione loci para conhecer a mesma.

 

B.       Outros requisitos de admissibilidade da petição

 

a.       Esgotamento dos  recursos internos

 

30.     O artigo 46 da Convenção Americana estabelece que para que um caso possa ser admitido é preciso que “se tenha interposto e esgotado os recursos de jurisdição interna, conforme os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos”.  Este requisito foi estabelecido para garantir ao Estado a possibilidade de resolver disputas dentro de seu próprio marco jurídico. 

 

31.     A única objeção à admissibilidade da petição dos autos formulada pelo Estado refere-se ao cumprimento do requisito que antecede.  O Estado aduz que a decisão de outubro de 1998, que determinou o arquivamento da investigação, não impede a mãe da vítima solicitar a reabertura do caso, enquanto puder apresentar provas novas.  Na opinião do Estado, este mecanismo continua disponível, é efetivo e não foi esgotado. 

 

32.     Os peticionários alegam que interpuseram os recursos juridicamente disponíveis.  Assinalam que, em relação aos fatos denunciados, Zulema Yoma atuou como demandante privada em cinco processos judiciais, referentes, respectivamente, à investigação da causa do falecimento de Carlos Saúl, o desaparecimento de provas do expediente judicial; a substração de efeitos pessoais no período em que Carlos estava dentro do helicóptero que havia caido; a violação de sua tumba; e a a denúncia tendente a promover o julgamento político do juiz encarregado da investigação.  Aduzem, porém, que essas investigações foram tão deficientes, irregulares e lentas que não resultaram em nenhum esclarecimento e  que foi impossível conseguir que alguma delas chegue a conclusões definitivas.

 

33.     Quando, por razões de fato ou de direito, não estejam disponíveis recursos internos, os peticionários estão eximidos da obrigação de esgotamento dos  mesmos.[1] O artigo 46(2) da Convenção estabelece que esta exceção se aplica: quando não existe na legislação interna do Estado em questão o devido processo legal para a proteção do direito que se alega ter sido violado; quando não se permite ao suposto lesionado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, e quando há atraso injustificado na decisão sobre os mencionados recursos.  O artigo 31(3) do Regulamento da Comissão estabelece, em consequência, que quando um peticionário aduz que não lhe foi possível esgotar os recursos internos, passa a recair sobre o Governo o ônus da prova para demostrar quais recursos internos específicos continuam disponíveis para a reparação dos prejuizos aduzidos.  A este respeito, o Estado somente fez referência à possibilidade de ser reaberta a investigação referente à morte da vítima em questão, o que dependeria de informação adicional.[2]

 

34.     Os recursos que devem ser esgotados pelos peticionários são, portanto, os que estejam disponíveis e sejam efetivos.  O principal remédio processual a que se faz referência nestes procedimentos é a investigação da causa da morte de Carlos Saúl Menem (filho).  Não está em disputa o fato de que este é o remédio que, em princípio, corresponderia às denúncias centrais formuladas pelos peticionários. Segundo estes, o juiz do processo decidiu arquivar a investigação em 16 de outubro de 1998.  Em sua qualidade de demandante privada, Zulema Yoma apelou dessa sentença perante a Câmara Federal de Apelações da Cidade de Rosario, bem como uma cassação através de um recurso extraordinário perante a Corte Suprema.  Como assinalado anteriormente, este último recurso foi indeferido em 10 de abril de 2001, porque a decisão que determinou o arquivamento da investigação não era de caráter definitivo nem constituia um ato equivalente que pudesse ser objeto de um recurso extraordinário.  Sendo assim, esta investigação manteve-se fechada desde outubro de 1998.

 

35.     A possibilidade de que determinado recurso dê lugar a uma conclusão  definitiva oportuna é um dos  aspectos da análise referente a sua disponibilidade e efetividade.  A este respeito, a Comissão observa que embora o Estado defenda que a investigação arquivada continua constituindo um recurso efetivo, não indicou nenhuma medida atual, ou prevista, tendente a ocupar-se da denúncia de obstrução da justiça formulada pelos peticionários.  Como surge do expediente, transcorreram mais de quatro anos desde o arquivamento da investigação sem que as autoridades competentes tenham adotado medida alguma depois do referido encerramento das atuações.  Com base na avaliação  realizada sobre as posições das partes, e no fato de que a investigação foi arquivada, no transcurso de quase oito anos desde o falecimento de Carlos Saúl Menem (filho), bem como na inexistência de informação específica proporcionada pelo Estado sobre qualquer medida concreta pendente ou que se proponha realizar, a Comissão conclui que neste processo os peticionários estão eximidos do cumprimento do requisito de esgotamento de recursos, conforme o disposto no artigo 46(2)(c).

 

36.     A possibilidade de invocar exceções ao requisito do artigo 46 está estreitamente vinculada com o exame dos  aspectos substanciais das possíveis violações de direitos nele estipulados, especialmente as garantias relativas ao acesso à justiça.  Não obstante, dadas as características e a finalidade dessa disposição, o exame previsto no artigo 46(2) possui autonomia com relação às normas substanciais da Convenção.  A determinação de se num caso específico se aplicam as exceções ao requisito de esgotamento dos  recursos internos requer uma análise das denúncias formuladas antes e independentemente do pronunciamento sobre o mérito do assunto, e através de um critério claramente independente daquele utilizado para estabelecer se o Estado é responsável pela violação dos  direitos à proteção ou as garantias judiciais estipulados na Convenção.  As causas que impediram o esgotamento dos  recursos internos, e as consequências do mesmo, serão analisadas na medida em que corresponda, quando a Comissão examinar os aspectos substanciais deste caso.

 

b.        Prazo para a apresentação da petição

 

37.     Conforme o disposto pelo artigo 46(1)(b) da Convenção, toda petição deve ser apresentada oportunamente para que possa ser admitida, a saber: dentro de um prazo de seis meses contados a partir da data em que a pessoa ou entidade denunciante tenha sido notificada da decisão definitiva no âmbito nacional.  A norma dos  seis meses confere certeza e estabilidade legais uma vez adotada uma decisão.  Esta norma não se aplica quando tenha sido impossível esgotar os recursos internos por omissão do devido processo legal, denegatória de acesso a recursos ou demoras injustificadas na prolação da sentença definitiva.  Para casos desse gênero, o artigo 32(2) do Regulamento da Comissão estabelece que o prazo de apresentação deve ser razoável, na opinião da Comissão, contando-se a partir da data em que se tenha produzido a suposta violação de direitos, considerando as circunstâncias de cada caso específico.  Esta norma não se aplica tampouco quando as alegações referem-se a uma situação contínua, isto é, quando aduz-se que os direitos da vítima estão sendo afetados de forma incessante. 

 

          38.     Com respeito a este requisito, a Comissão assinala que a petição dos autos foi apresentada perante a Comissão em 1999, enquanto a Sra. Yoma interpunha a apelação da decisão de 1998, que determinou o arquivamento da investigação.  Esse processo de impugnação finalizou com o indeferimento do recurso pertinente por parte da Corte Suprema, em 2001.  Posto que a investigação constitui um componente principal da denúncia dos  peticionários, a Comissão conclui que a petição foi apresentada oportunamente.  Ademais, dadas as conclusões referidas na seção que antecede, referentes aos recursos internos, e as alegações dos peticionários de que o caso implica numa denegação de justiça de caráter contínuo, a Comissão considera que a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável  dadas as circunstâncias específicas do caso. 

 

c.       Duplicação de procedimentos e res judicata

 

39.     O artigo 46(1)(c) da Convenção Americana estabelece que a admissibilidade de uma petição está sujeita ao requisito de que o assunto “não esteja pendente de outro procedimento de acordo internacional” e o artigo 47(d) estabelece que a Comissão deve declarar inadmissível toda petição que “seja substancialmente a reprodução de uma petição ou comunicação anterior já examinada pela  Comissão, ou outro organismo internacional”.  No caso de autos, as partes não aduziram, nem os procedimentos indicam que esteja presente, nenhuma dessas duas causas de inadmissibilidade. 

 

d.        Caracterização dos  fatos alegados

 

40.     O artigo 47(b) da Convenção Americana dispõe que são inadmissíveis as alegações que não enunciem fatos tendentes a estabelecer a existência de uma violação de direitos.  A este respeito, a Comissão conclui que no caso dos autos, os peticionários aduziram fatos que, se provados verdadeiros e compatíveis com outros requisitos, poderiam demonstrar a existência de violações de direitos protegidos no marco da Convenção Americana.

 

V.       CONCLUSÕES

 

41.     A Comissão conclui que é competente para examinar o caso dos autos e que a petição é admissível conforme o disposto nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

 

42.     Em virtude dos  argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Declarar admissível o caso dos autos no que se refere a supostas violações dos  direitos reconhecidos nos artigos 4, 5, 8, 25 e 1(1) da Convenção Americana com relação ao falecimento de Carlos Saúl Menem (filho), e os esforços de Zulema Yoma tendentes à realização de uma investigação completa.

 

2.       Notificar as partes desta decisão.

 

3.       Continuar com a análise do mérito do assunto.

 

4.       Publicar o presente relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 20 do mês de fevereiro de 2003. (Assinado): Marta Altolaguirre, Primera Vice-Presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; Comissionados Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán.


 


* Em virtude do disposto no artigo 17(2) do Regulamento da Comissão, o Presidente da mesma, Juan E. Méndez, de nacionalidade argentina, não participou no debate nem na adoção da decisão do presente caso.

[1] Ver Corte IDH, Exceções ao esgotamento dos  recursos internos (artigos 46.1, 46.2.a e 46.2.b da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Opinião Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990, Ser. A Nº 11, parágrafo 17.

[2] Cabe assinalar que conforme a regra do ônus da prova estipulada no artigo 31 do Regulamento da Comissão, e a jurisprudência pertinente, a parte que aduz o não esgotamento dos  recursos deve formular alegações específicas, e não genéricas, referentes aos recursos disponíveis, e fazer referência a sua eficácia. As alegações do Estado com respeito à eficácia da possibilidade de reabrir a investigação sobre o falecimento foram, na melhor das hipóteses, genéricas. Ver CIDH, Relatório Nº 72/01 (admissibilidade), Caso 11.804, Juan Ángel Greco, Argentina, 10 de outubro de 2001, Relatório Anual da CIDH 2001, parágrafo 49, em que se cita o Relatório Nº 52/97 (mérito), Caso 11.218, Arges Sequeira Mangas, Nicarágua, Relatório Anual da CIDH 1997, parágrafo 95.