RELATÓRIO Nº 2/03[1]

ADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO 11.306

JOSÉ EDUARDO ACURSO

ARGENTINA

20 de fevereiro de 2003

 

I.        RESUMO

 

1.       O presente relatório refere-se à admissibilidade da petição Nº 11.306, iniciado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Comissão Interamericana de Direitos Humanos", "a Comissão", ou "a CIDH") depois de ter recebido, em 10 de janeiro de 1994, uma petição apresentada por José Eduardo Acurso Marechal e Luisa Celia Esquivel de Acurso, patrocinados pelos advogados Ana María Figueroa e Oscar Manuel Blando (doravante denominados "os peticionários") contra a República Argentina (doravante denominada "Argentina" ou "o Estado").

 

          2.       Os peticionários alegam que a Argentina é responsável pela violação dos  direitos reconhecidos nos artigos 5, 7(1), 8(1), 8(2), 11(1), 24 e 25(1) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada "a Convenção Americana" ou "a Convenção"), durante o processo seguido contra José Eduardo Acurso pelo delito de privação ilegítima de liberdade e extorsão em detrimento do senhor Sergio Luis Luraschi.  Os peticionários também alegam que foi cometido um erro judicial, pois, de conformidade com o artigo 10 da  Convenção, a suposta vítima teria  direito a ser indenizada.

 

          3.       Em resumo, os peticionários aduzem que no mencionado processo penal o senhor José Eduardo Acurso Marechal foi condenado sem provas e portanto em violação de seu direito às garantías judiciais (em particular, o direito a um juiz imparcial e a presunção de inocência), a proteção judicial, e a igualdade perante a lei. Os peticionários também assinalaram que como consequência de uma sentença condenatória injusta, foram afetados os direitos à liberdade e segurança pessoais, a integridade pessoal, e a honra e dignidade.

 

          4.       De acordo com o Estado, da mera leitura do expediente judicial surge que houve um processo com observância das garantias do devido processo legal.  A respeito do erro judicial, o Estado aduz que de conformidade com a declaração interpretativa formulada no momento da ratificação da  Convenção, para ser sujeito a uma indenização por erro judicial, este deve ser estabelecido por um tribunal nacional.

 

          5.       Sem prejulgar sobre o mérito do assunto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos conclui neste relatório que o caso é admissível, pois reúne os requisitos previstos nos artigos 46 e 47 da  Convenção Americana. Em virtude do anterior, a Comissão decide notificar as partes desta decisão e continuar com a análise de mérito  relativa a suposta violação dos  artigos 1(1), 7(1), 8(1), 8(2), 10 e 25(1) do instrumento internacional citado.

 

          II.       TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

          6.       A petição foi recebida pela  Secretaria Executiva em 10 de janeiro de 1994. Por nota de 11 do mesmo mês, foi comunicado aos peticionários que se havia tomado conhecimento de sua petição e que esta se encontrava em estudo.  Por nota de 16 de junho de 1994, a Comissão informou aos peticionários que tinha iniciado o trâmite da  petição sob o número 11.306, conforme o Regulamento da  Comissão, e que as partes pertinentes da  petição haviam sido remetidas ao Estado mediante uma nota da  mesma data.  Simultaneamente, a Comissão solicitou ao Estado que apresentasse, dentro de um prazo de 90 dias, a informação que considerasse pertinente com relação aos fatos aduzidos e ao cumprimento do requisito de esgotamento dos  recursos internos.

 

          7.       Em 29 de setembro de 1994, 27 de outubro de 1994, 17 de novembro de 1994 e 17 de janeiro de 1995, a Comissão prorrogou - a pedido do Estado - o prazo para o envio da  informação requerida.  Em 5 de maio de 1995, o Estado apresentou sua resposta, a qual foi remitida aos peticionários por nota de 9 de maio de 1995, em que lhes solicitou a apresentação de suas observações dentro de um prazo de 30 dias.  Através da nota datada de 23 de agosto de 1995, a Comissão reiterou aos peticionários o pedido de observações.  Em 23 de outubro de 1995, a Comissão recebeu as observações dos  peticionários à resposta apresentada pelo Estado.

 

          8.       Em 10 de novembro de 1995, a Comissão remeteu ao Estado as observações dos  peticionários e lhes solicitou que apresentasse as observações que considerasse pertinentes.  As observações do Estado foram recebidas pela  Comissão em 21 de dezembro  de 1995, e foram encaminhadas aos peticionários em 27 de dezembro de 1995.  Em 5 de fevereiro de 1996, os peticionários enviaram suas observações e solicitaram audiência para o 91º período de sessões da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos.  A este respeito, a Comissão comunicou aos peticionários, mediante nota de 6 de fevereiro de 1996, que o prazo para solicitar audiência havia vencido em 29 de janeiro daquele ano.

 

          9.       Em 2 de dezembro de 1998, a Comissão solicitou ao Estado e aos peticionários o seguinte:

 

(a)     Cópia da página 166 do expediente judicial, onde aparecem descritos os encontros entre a vítima e o agressor.

 

(b)     Cópias das páginas 155 a 158 do mesmo expediente.

 

(c)     Informação sobre a exsitência de um processo pelo delito de falso depoimento contra o senhor Luis Luraschi.

 

(d)     Informação sobre os resultados da  solicitação do senhor Acurso para litigar com assistência jurídica.

 

10.     Em 14 de janeiro de 1999, os peticionários remeteram à Comissão um relatório sobre o solicitado.  O Estado também deu resposta ao pedido de informação mediante notas datadas de 4 de junho de 1999 e 27 de agosto de 1999.  Posteriormente, mediante nota de 8 de dezembro de 2000 o Estado solicitou à Comissão que esta declarasse o caso inadmissível.  Em 19 de dezembro de 2000 esta nota foi remetida aos peticionários, que em 30 de janeiro de 2001 remeteram uma nota ratificando sua posição.

 

          11.     Em 12 de janeiro de 2000, os peticionários solicitaram à Comissão que lhes concedessem uma audiência no período de sessões seguintes.  A Comissão lhes informou, porém, mediante nota de 2 de fevereiro de 2000, que não podia concedê-la devido ao grande volume de audiências programadas.

 

III.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.      Os peticionários

 

          12.     Em 27 de abril de 1990, o  senhor Sergio Luis Luraschi foi vítima de um delito de privação ilegítima de liberdade e extorsão.  De acordo com os peticionários, nesse dia entraram no domícilio do senhor Luraschi três policiais (Mansilla, Godoy e outro), que o levaram à Sub-Delegacia Segunda da  cidade de Rosario, Província de Santa Fé.  Ali o extorquiram  na presença de uma pessoa que disse ser o delegado, sendo obrigado a vender uma máquina para dar-lhes mil dólares. O chefe desta delegacia na época era o delegado José Eduardo Acurso.

 

          13.     Posteriormente foi dado início a um processo penal contra o  delegado Acurso e os policiais César Eduardo Mansilla e Jorge Roberto Godoy. Segundo os peticionários, Acurso nunca havia sido incriminado nas declarações testemunhais tomadas neste processo.  Ao contrário, os peticionários assinalam que uma testemunha afirmou ter estado em outro lugar com Acurso no  mesmo momento em que o delito foi cometido.  Adicionalmente, indicam que não foi feito o reconhecimento visual das pessoas suspeitas, apesar de a descrição física feita por Luraschi não corresponder à de Acurso (pessoa calva e com óculos); e que este alegou  durante todo o processo que não cometeu o referido ilícito.

 

          14.     Os peticionários alegam que o Quarto Juizado Penal de Rosario, sem prova alguma, condenou Acurso a cinco anos de prisão e inabilitação pelo delito de privação extorsiva da  liberdade, mediante sentença de 1º de agosto de 1991.  Esta sentença foi apelada pelo senhor Acurso, por considerar que resultava violatória dos  princípios de igualdade, legalidade, devido processo legal, presunção de inocência e defesa no  julgamento.  Em 25 de março de 1992, a Câmara Penal confirma a sentença de primeira instância. Os peticionários consideram que esta sentença também vulnera os direitos fundamentais do senhor Acurso; em particular por assinalar entre suas considerações que "ainda que no  caso de ter-se praticado a referida medida de reconhecimento visual das pessoas, e independentemente de seu resultado, como bem expressado pelo Sr. Procurador de Câmara, isto não modificaria substancialmente a situação dos  acusados nem a sua sorte no  processo".

 

          15.     Os peticionários assinalam que, em 5 de agosto de 1992, o senhor Sergio Luis Luraschi apresentou-se espontaneamente perante a Procuradoria de Rosario, onde narrou que depois de ter visto na rua o verdadeiro autor do ilícito foi ver o detido e comprovou que este não era quem havia cometido o ilícito.  Diante destes fatos, os peticionários interpuseram um Recurso de Revisão.  A Corte Suprema de Santa Fé indeferiu este recurso em 27 de abril de 1993.  Posteriormente apresentaram Recurso Extraordinário pela  via de Queixa, o qual foi indeferido por resolução datada de 10 de agosto de 1993. Os peticionários caracterizam estas decisões como uma denegação de justiça.

          16.     Através do Decreto Nº 1.293 de 7 de junho de 1993, o Governador da  Província de Santa Fe exonerou o  Delegado Principal, José Eduardo Acurso Marechal, da  Polícia da  Província–Departamento Rosario, de conformidade com o disposto pela  Lei de Pessoal Policial e o Regulamento do Regime Disciplinário Policial.  Adicionalmente, mediante Decreto Nº 1.729, de 21 de julho de 1993, o Governador reduziu a pena para quatro meses, tendo saido o senhor  Acurso em liberdade em 15 de agosto do mesmo ano, por cumprimento da duas terceiras partes da  condenação.

 

          17.     Os peticionários alegam que os fatos aduzidos constituem violações dos  artigos 5 (integridade pessoal), 7(1) (direito à liberdade e segurança pessoais), 8(1) (devidas garantias judiciais, em especial, o direito a ser ouvido por juiz imparcial), 8(2) (presunção de inocência), 11(1) (Proteção da  honra e da  dignidade de José Eduardo Acurso e sua família), 24 (igualdade perante a lei) e 25(1) (proteção judicial), da  Convenção Americana.  Da mesma forma, aduzem a  existência de um erro judicial que leva à vítima a ter direito a uma devida indenização, de conformidade com o artigo 10 da  Convenção.  A este respeito, alegam os peticionários que embora a Argentina tenha apresentado uma declaração interpretativa sobre o referido artigo –segundo a qual o erro judicial deve ser declarado pelos tribunais nacionais– deve entender-se que esta interpretação não é aplicável dado que as reservas não podem ser incompatíveis com o objeto e fim do tratado; e porque aceitar a declaração interpretativa do Estado equivale a esvaziar de conteúdo a norma convencional.

 

B.       O Estado

 

          18.     O Estado assinala que, de efeito, em 1º de agosto de 1991 o Juiz de primeira instância decretou sentença condenando o senhor Acurso à pena de cinco anos de prisão.  De acordo com esta sentença, três policiais chegaram à casa de Luraschi e o extorquiram por ter sido acusado por um detido chamado Alaníz de comprar coisas roubadas.  Posteriormente o senhor Luraschi havia sido levado à delegacia, onde o apresentaram perante o delegado Acurso, motivo pelo qual "surge aparentemente a possibilidade de que tenham participado do ato quatro pessoas e não três".  A sentença assinala que o senhor Acurso foi perfeitamente identificado "embora sem que obtivesse seu nome, mas em todo momento foi descrito físicamente, com características que inclusive o dicente pôde verificar na  inspeção in visu e o indicou como o Delegado, da  2da.Sub-Delegacia, no relatório de folhas 36, é o mencionado Acurso.  E se verificamos o livro Memorandum de Guardia, surge que Acurso esteve na  Seccional até as 10:10 hs. […]que no momento em que disse Lurashi que foi levado à Delegacia para ser entrevistado pelo Delegado, Acurso estava na  mesma".

 

          19.     A referida sentença foi confirmada pelo tribunal de alçada, em sentença de 25 de março de 1992.  Nesta sentença, a Câmara Penal considerou que não se houve violação de garantia constitucional alguma, baseada na  omissão de diligências processuais de prova, tais como o reconhecimento visual das pessoas suspeitas "já que se for estimada essa prova de vital importância para a sorte do processo, e implementada oportunamente, havia percebido que os réus puderam exercitar sua defesa desde o primeiro início do processo".

 

          20.     Posteriormente o senhor Acurso apresentou um recurso extraordinário, baseado na  manifestação do senhor Luraschi, segundo a qual Acurso não foi quem cometeu o delito.  A respeito deste recurso, o Procurador defende que a prova aportada pelo peticionário é fraca, uma vez que resultam inverossímeis as circunstâncias de lugar, tempo e modo em que o senhor Luraschi tinha visto o suposto verdadeiro co-autor do ilícito de que foi vítima.  O Procurador também advoga que depreende-se da folha n. 166 que Luraschi tinha visto o senhor Acurso quando a causa estava sendo tramitada.

 

          21.     Em relação à violação dos  direitos às garantias judiciais e a proteção judicial, o Estado assinala que da  simples leitura das peças do expediente judicial entende-se que o processo tramitou conforme as garantias do devido processo, motivo pelo qual não pode-se alegar que Acurso tenha sido objeto de tratamento cruel ou desumano ou degradante, nem que tenha sido vulnerado seu direito à igualdade perante a lei.  Afirma o Estado que o direito à presunção de inocência não foi vulnerado posto que tal presunção foi descartada no  marco de uma causa judicial na qual intervieram todas as instâncias e com provas mais que contundentes.

 

          22.     O Estado entende que embora os peticionários afirmem que o senhor Acurso foi condenado por erro, isto não coincide com a apreciação efetuada pelos juízes.  Neste sentido, o Estado defende que no momento de depositar seu instrumento de ratificação da  Convenção, Argentina formulou uma declaração interpretativa que expressa que o artigo 10 deve ser interpretado no  sentido que o erro judicial seja estabelecido por um tribunal nacional.  Afirma o Estado que este artigo da  Convenção não autoriza a Comissão a determinar por si mesma a existência de um erro, já que isto equivaleria outorgar-lhe o caráter de órgão de apelação.  Neste sentido, o Estado assinala que os peticionários pretendem que a Comissão seja sua "quarta instância", na  esperança de que suas pretensões sejam acolhidas.

 

          23.     O Estado também aduz que não foram esgotados os recursos internos para a reclamação dos  direitos à integridade pessoal; e a honra e dignidade do senhor Acurso e sua família. Adicionalmente, sobre o direito à igualdade perante a lei, assinala o Estado que todos os atos judiciais relacionados com a situação do peticionário foram baseados em normas jurídicas vigentes no  país.

 

          IV.      ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE

 

A.      Competência da  Comissão ratione pessoae, ratione materiae, ratione temporis e ratione loci

 

          24.     A Comissão é competente para examinar a petição em questão.  No que se refere à legitimidade processual, os peticionários estão habilitados, conforme o disposto pelo artigo 44 da  Convenção e o artigo 23 do Regulamento da  Comissão, para apresentar denúncias sobre violações de direitos protegidos conforme a Convenção Americana.  A suposta vítima, José Eduardo Acurso Marechal, é uma pessoa cujos direitos estavam  protegidos em virtude desta Convenção, cujos termos o Estado havia comprometido-se a respeitar.  Conforme o disposto pela  Convenção, a Argentina está sujeita à jurisdição da  Comissão desde  5 de setembro de 1984, data em que efetuou o depósito do instrumento de ratificação correspondente.

 

          25.     Visto que os peticionários invocaram denúncias referentes aos artigos 5, 7(1), 8(1), 8(2), 10, 11(1), 24 e 25(1) da  Convenção Americana, a Comissão tem competência ratione materiae para examinar a denúncia.

 

          26.     A Comissão tem competência ratione temporis para examinar as denúncias.  A petição baseia-se em fatos ocorridos durante um processo judicial iniciado em 24 de maio de 1990.  Portanto, os fatos aduzidos são posteriores à entrada em vigor das obrigações do Estado como Parte da  Convenção Americana.

 

          27.     Finalmente, a Comissão é competente ratione loci, dado que a petição indica que a suposta vítima estava sujeita à jurisdição do Estado argentino na época dos  supostos fatos, que segundo alegado ocorreram dentro do território desse Estado.

 

          B.       Outros requisitos de admissibilidade da  petição

 

          1.       Esgotamento dos  recursos internos

 

          28.     No presente caso, as violações alegadas ocorreram durante ou por consequência de um processo judicial em que os peticionários esgotaram todos os recursos da  jurisdição interna.  Com efeito, apelaram da sentença de primeira instância alegando a violação do direito às garantias judiciais, foi interposto o Recurso Extraordinário de Revisão que foi declarado improcedente; e, finalmente, foi interposto o Recurso de Queixa, que também foi indeferido. Sendo assim, o Estado assinala, em sua nota de 9 de maio de 1995, que "todo o exposto permite inferir que foram interpostos e esgotados os recursos da  jurisdição interna de conformidade com os princípios de direito internacional, nos termos do artigo 46.1 da  Convenção".

 

          29.     No que se refere à alegação do Estado de não ter-se esgotado os recursos internos para a reclamação dos  direitos à integridade pessoal, e a honra e dignidade de Acurso e sua família, a Comissão considera desnecessária a interposição de um recurso nesse sentido, uma vez que isto implicaria, por parte do Estado, um pronunciamento contraditório com a resolução do processo judicial questionado.

 

          30.     Do exposto, é possível concluir que os recursos internos idôneos relativos aos fatos aduzidos foram invocados e esgotados.

 

          2.       Prazo de apresentação

 

          31.     Conforme o artigo 46(1)(b) da  Convenção, toda petição deve ser apresentada dentro do prazo de seis meses, à partir da data em que o suposto ofendido tenha sido notificado da  decisão definitiva.  Cabe assinalar que a regra dos  seis meses garante certeza e estabilidade jurídica depois de adotada a decisão.

 

          32.     No  presente caso, o processo judicial em questão concluiu em 10 de agosto de 1993 e a petição foi apresentada perante a Comissão Interamericana em 10 de janeiro de 1994; portanto trata-se de uma petição apresentada dentro do prazo estabelecido.

 

          3.       Duplicação de procedimentos e res judicata

 

          33.     O artigo 46(1)(c) estabelece que a admissão de uma petição está sujeita ao requisito de que o assunto "não esteja pendente de outro procedimento de acordo  internacional"; e o artigo 47(d) estabelece que a Comissão deve declarar inadmissível toda petição que “seja substancialmente a reprodução de uma petição ou comunicação anterior já examinada pela  Comissão, ou outro organismo internacional”.  No caso de autos, as partes não aduziram  a presença de nenhuma dessas causas de inadmissibilidade, nem se depreende o mesmo das atuações realizadas.

 

          4.       Caracterização dos  fatos aduzidos

 

          34.     O artigo 47(b) da  Convenção Americana estabelece que toda petição que não exponha fatos que caracterizem uma violação dos  direitos garantidos deve ser declarada inadmissível.  A este respeito, a Comissão conclui que, no  caso dos autos, se fosse demonstrada a veracidade das afirmações dos  peticionários, poderia estar-se perante a violação dos  artigos 7(1), 8(1), 8(2), 10 e 25(1).  Em relação às supostas violações aos artigos 5 e 24 da  Convenção referentes à situação do senhor Acurso, depois da avaliação do expediente, a Comissão conclui que os peticionários não alegaram os elementos fáticos e jurídicos necessários para fundamentar uma suposta violação de direito à integridade pessoal nem ao princípio de igualdade perante a lei.

 

          35.     O artigo 10 reconhece o direito a receber indenização no caso de condenação  por sentença transitada em julgado suscitada por erro judicial.  A determinação desse erro pode ter existido, o que no  caso de autos deve ser realizada na fase dos  procedimentos referente ao mérito do asunto, é uma condição prévia da  possível  aplicação do artigo 10.  Nesse sentido, a Comissão avaliará as posições das partes, na  medida necessária, em sua análise de mérito.[2]

 

          36.     Como assinalado pela Comissão Interamericana em anteriores oportunidades, cabe ressaltar  que "em princípio, segundo a 'fórmula da quarta instância', a Comissão não pode revisar as sentenças decretadas pelos tribunais nacionais que atuem na esfera de sua competência e apliquem as devidas garantias judiciais, a menos que se tenha cometido uma violação da  Convenção Americana".[3]  Nesse sentido, corresponde a esta Comissão determinar se a alegada inexistência de provas que façam presumir o cometimento de um delito, bem  como a possibilidade de uma deficiência nos procedimentos previstos na  legislação interna, poderiam constituir uma violação à Convenção.

 

          37.     A respeito das alegações referentes à vulneração dos  direitos à honra e dignidade do senhor Acurso e seus familiares, a Comissão considera que da informação proporcionada pelos peticionários não se depreende  que o Estado tenha cometido atos que caracterizem uma violação da  Convenção.

 

V.      CONCLUSÕES

 

          38.     Com relação às supostas violações cometidas pelo senhor Acurso durante o processo judicial pelo delito de privação ilegítima de liberdade e extorsão em detrimento do senhor Sergio Luis Luraschi, a Comissão conclui que tem competência para conhecer o presente caso e que a petição é admissível conforme os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana no que respeita a vulneração dos  artigos 7(1), 8(1), 8(2), 10 e 25(1), todos em relação à obrigação geral contida no  artigo 1(1). Igualmente conclui que são inadmissíveis as reclamações relacionados com os artigos 5, 11(1) e 24 da  Convenção.

 

          39.     Em virtude dos  argumentos de fato e de direito antes expostos, e sem prejulgar sobre o mérito do assunto,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Declarar que o caso de autos é admissível em relação à  suposta violação dos  direitos de José Eduardo Acurso Marechal, reconhecidos nos artigos 1(1), 7(1), 8(1), 8(2), 10 e 25(1) da  Convenção Americana.  As denúncias baseadas na  violação dos  artigos 5, 11(1) e 24 da  Convenção são declaradas inadmissíveis por esta Comissão.

 

 

2.       Notificar as partes desta decisão.

 

3.       Continuar com a análise do mérito do assunto.

 

4.       Publicar o presente relatório e inclui-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 20 do mês de fevereiro de 2003. (Assinado): Marta Altolaguirre, Presidenta; José Zalaquett, Vice-Presidente; Clare K. Robert Segundo Vice- Presidente, Comissionados Robert Goldman, Julio Prado Vallejo e Susana Villarán.

 


 


[1] Conforme o disposto no artigo 17(2) do Regulamento da  Comissão, o Comissionado, Juan E. Méndez, de nacionalidade argentina, não participou no  debate nem na  decisão do presente caso.

[2] Relatório Nº 40/02, Argüelles e outros (Argentina), par. 59.

[3] Relatório Anual 2000, Caso 11.676, "X" e "Z" (Argentina), pág. 622, par. 39; e, mais extensamente, Relatório Anual 1996, Caso 11.673, Santiago Marzioni (Argentina), pág. 89, par. 50 e seguintes.