RELATÓRIO
ANUAL 2000
RELATÓRIO
N°
55/01* CASOS
11.286 (ALUÍSIO CAVALCANTI E OUTRO), 11.407
(CLARIVAL XAVIER COUTRIM), 11.406 (CELSO BONFIM DE LIMA), 11.416
(MARCOS ALMEIDA FERREIRA), 11.413 (DELTON GOMES DA MOTA), 11.417
(MARCOS DE ASSIS RUBEN), 11.412 (WANDERLEI GALATI), e 11.415 (CARLOS
EDUARDO GOMES RIBEIRO) BRASIL
4
de abril de 2001
I.
SUMÁRIO
A.
Antecedentes
1.
Entre fevereiro e setembro de 1994 a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (“Comissão”) recebeu do Centro Santos Dias de
Direitos Humanos, da Arquidiocese de São Paulo, nove denúncias
contra a República Federativa do Brasil (“Brasil”, “Estado
brasileiro” ou “Governo do Brasil”) por violações perpetradas
por agentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Alega-se nas denúncias que os crimes cometidos constituem
violação dos artigos I (direito à vida, à liberdade, à segurança
e à integridade da pessoa), XVIII (direito à justiça) e XXIV (direito
de petição) da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem (“Declaração”), e aos artigos 8 (garantias judiciais) e 25
(proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(“Convenção”), conjuntamente com o artigo 1.1 da mesma (obrigação
de garantir e respeitar os direitos estabelecidos na Convenção). Conforme consta do Relatório de Admissibilidade (Relatório
17/98), tais casos foram inicialmente tramitados independentemente,
tendo então a Comissão decido acumulá-los a fim de elaborar um só
relatório de admissibilidade. Tal
medida será igualmente tomada neste relatório de mérito, no qual se
reúnem os casos 11.286, 11.407, 11.406, 11.416, 11.413, 11.417,
11.412 e 11.415. Neste
relatório conjunto de admissibilidade, a Comissão colocou-se à
disposição as partes visando a alcançar uma solução amistosa e,
ao não receber resposta afirmativa no período fixado, considerou que
tal solução era inviável nesta etapa do procedimento.[1]
B.
Relatório conjunto sobre admissibilidade (17/98) e razões
para o acúmulo dos casos
2.
A Comissão, no seu relatório sobre admissibilidade conjunta
para estes casos[2],
considerou-se competente para analisar possíveis violações a
direitos humanos protegidos pela Declaração e pela Convenção, em
conformidade com os artigos 1(1)(b), e 20 do seu Estatuto.
Indicou, no mesmo, que o fato de o Brasil haver ratificado a Convenção
em 25 de setembro de 1992 não o exime de responsabilidade por violações
de direitos ocorridas antes dessa ratificação, garantidos na Declaração,
que é de caráter vinculante. A
respeito, recordou o reconhecimento da compulsoriedade da Declaração
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
3.
Nesse mesmo relatório de admissibilidade, esclareceram-se as
bases jurídicas para o acúmulo de casos. No mesmo, a Comissão
afirma que o artigo 40 do seu Regulamento estabelece critérios para o
desdobramento e o acúmulo de casos: 1) a petição que exponha fatos
distintos, que se refira mais a uma pessoa e que poderia incluir
diversas violações não conexas no tempo e no espaço será
desdobrada e tramitará mediante processos em separado, desde que
reuna todos os requisitos a que se refere o artigo 32; 2) quando duas
petições versarem sobre os mesmos fatos e pessoas, serão reunidas e
tramitarão num só processo. A respeito, a Comissão interpretou o
artigo 40 de maneira bastante ampla. Assim, no que se refere ao artigo
40(1) do Regulamento, assinala que: a Comissão não interpretou esta
disposição como exigência de que os fatos, as vítimas e as violações
mencionadas numa petição devam coincidir estritamente no tempo e no
espaço para que possam tramitar como um só caso.
4.
Esclareceu então a Comissão que, anteriormente, tramitara
casos individuais relacionados com numerosas vítimas que haviam
alegado violações de direitos humanos ocorridas em momentos e
lugares diferentes, sempre que elas tivessem alegado que a origem do
tratamento recebido era idêntica. Disso se infere que a Comissão
pode dar trâmite a um caso único de reclamação de várias vítimas
que aleguem violações resultantes da aplicação de normas legais ou
de um esquema ou de uma prática a cada uma delas, independentemente
do momento e do lugar em que tenham sido submetidas a um tratamento
similar. A Comissão não só recusou-se a separar o trâmite desses
casos, como também acumulou casos separados que reúnem essas
característicos, para dar-lhes trâmite como caso único.
5.
No citado relatório de admissibilidade, a Comissão explicou
que os casos presentes tiveram tramitação independente. A Comissão
considera que as acusações contidas nas denúncias são de características
similares e se inserem num mesmo contexto. As violações alegadas
foram cometidas por policiais militares de um mesmo Estado, São
Paulo, atuando de maneira supostamente ilegal contra civis indefesos e
desarmados (com exceção de um caso) e com impunidade dos autores das
possíveis violações, em razão da lentidão e parcialidade
demonstradas pela Justiça Militar na tramitação e no julgamento dos
casos. A Comissão decidiu, por razões de economia processual,
acumular os casos a fim de preparar um só relatório.
6.
Finalmente, no citado relatório, a Comissão considerou-se
competente para conhecer dos presentes casos, que eram admissíveis,
em conformidade com o disposto nos artigos 46 e 47 da Convenção
Americana. Decidiu, então, declarar a admissibilidade dos casos
apresentadores, enviar este relatório de admissibilidade ao Governo
da República Federativa do Brasil e aos peticionários, colocar-se à
disposição das partes com o objeto de chegar a uma solução
fundamentada no respeito aos direitos protegidos na Convenção
Americana, convidar as partes a pronunciar-se no prazo de 30 dias
sobre a possibilidade de solucionar amistosamente o caso, continuar o
exame das questões de fundo e publicar este relatório no seu Relatório
Anual à Assembléia Geral da OEA.
C.
Conclusões deste relatório
7.
A Comissão conclui, neste relatório elaborado em conformidade
com o artigo 51 da Convenção, que agentes policiais do Estado
executaram sumariamente Aluisio Cavalcanti, Clarival Xavier Coutrim,
Delton Gomes da Mota, Marcos de Assis Ruben e Wanderlei Galati, que
agentes do Estado também feriram gravemente Cláudio Aparecido de
Moraes, Celso Bonfim de Lima, Marcos Almeida Ferreira e Carlos Eduardo
Gomes Ribeiro, e que o Estado não cumpriu seus compromissos de acordo
com os artigos I e XVIII da Declaração e 8 e 25 da Convenção, nem
prestou as devidas garantias para prevenir, investigar e processar
essas graves violações. A Comissão recomenda o processo e a punição
dos responsáveis pelas distintas violações e a correspondente
reparação às vítimas ou seus familiares. II.
O ANALISIS SOBRE O MERITOS DE CADA CASO Caso
11.286 (Aluísio Cavalcanti e outro) A.
Resumo
8.
Em fevereiro de 1994 a Comissão recebeu denúncia segundo a
qual Aluísio Cavalcanti Júnior teria sido morto e Cláudio Aparecido
de Moraes teria sido vítima de tentativa de homicídio, crimes estes
ocorridos em 04 de março de 1987, no bairro Jardim Camargo Velho, na
cidade de São Paulo, e alegadamente cometidos pelos agentes da Polícia
Militar do Estado de São Paulo José Carvalho, Robson Bianchi, Luís
Fernando Gonçalves, Francisco Carlos Gomes Inocêncio, Rubens Antonio
Baldasso e Dirceu Bartolo.
9.
Aluísio Cavalcanti Júnior foi acusado por um dos policiais de
ser o assassino de seu filho. Os
meninos foram interrogados e ameaçados até que um deles confirmou
ser o outro o autor do homicídio, motivo pelo qual os policiais
decidiram matá-los. Ambos
foram alvejados na cabeça e seus corpos foram levados a um matagal,
aonde foram abandonados. Por
motivos alheios à vontade dos policiais, Cláudio Aparecido de Moraes
sobreviveu.
10. Em
9 de novembro de 1987 o Promotor de Justiça Militar denunciou José
Carvalho, Robson Bianchi, Luís Fernando Gonçalves, Francisco Carlos
Gomes Inocêncio, Rubens Antonio Baldasso e Dirceu Bartolo perante a 3ª
Auditoria da Justiça Militar do Estado pelo homicídio de Aluísio e
tentativa de homicídio de Cláudio.
O Sargento João Simplício Filho e o soldado Roberto Carlos de
Assis, que presenciaram os fatos, mas não participaram direta e
efetivamente nos crimes, foram denunciados por omissão.
11. Não
foi ajuizada ação de indenização. B.
Trâmite perante a Comissão
12. A
presente denúncia foi recebida pela Comissão em fevereiro de 1994.
Diversas manifestações foram colhidas de ambas as partes
entre a mencionada data e abril de 1996, nas quais se verificou o
andamento dos processos judiciais existentes em relação aos fatos
denunciados. Em seu 98º
período de sessões a Comissão aprovou, em relação ao caso, o
Relatório de Admissibilidade 17/98, que foi incluído em seu relatório
anual de 1997. C.
Posição das partes
13. A
denúncia afirma que os recursos internos, além de apresentarem
excessiva delonga, mostraram-se ineficazes, posto que nenhum dos
acusados havia sido preso ou julgado após sete anos da data dos fatos. Posteriormente, afirmou o peticionário que o processo já se
estendia por oito anos e demonstrou que certas questões processuais
levariam à anulação de provas e sua reprodução, o que resultaria
numa demora ainda maior para levar a julgamento os responsáveis pelos
atentados contra Aluísio e Cláudio.
Requereu o peticionário não só a reparação pela morte
injustificada de Aluísio e pela tentativa de assassinato de Cláudio,
mas também a condenação do Estado Brasileiro por não ter
investigado, processado e punido os responsáveis por tais crimes.
Solicitou que se declarasse não ter o Governo brasileiro
cumprido com suas obrigações internacionais, violando assim os
artigos I, XXV, XXVI da Declaração Americana e os artigos 8(1) e
25(1) da Convenção Americana.
14. O
Governo brasileiro alegou que todas as medidas disciplinarias haviam
sido tomadas e que o processo judicial correspondente estava em curso.
Informou que os policiais Francisco Carlos Gomes Inocêncio e
Dirceu Bartolo haviam sido expulsos das forças policiais por decisão
administrativa do Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São
Paulo e forneceu, por diversas vezes, dados sobre o andamento das
respectivas ações penais. O
Estado brasileiro, no entanto, não respondeu às reiteradas solicitações
da Comissão para que se manifestasse sobre o mérito da questão,
sequer tendo contestado os fatos expostos na denúncia. D.
Análise da Comissão
1.
O direito à vida e à integridade física
15. Em
relação à alegação de violação ao direito à vida e à
integridade física de Aluísio Cavalcanti Júnior e Cláudio
Aparecido de Moraes, conclui a Comissão terem sido apresentados indícios
suficientes que levam a conclusão de que efetivamente os dois jovens
foram arbitrariamente feridos por agentes estatais.
16. A
primeira e mais importante prova neste sentido é o depoimento do próprio
Cláudio Aparecido de Moraes. De
acordo com seu testemunho, após sua detenção arbitrária, os
policiais ameaçaram tanto a ele como a Aluísio por várias vezes,
tendo eles sofrido atos de tortura física e psicológica antes de
serem atingidos pelos disparos. Cláudio
narrou inclusive que um dos policiais teria deixado apenas um cartucho
no revólver e apertado o gatilho por duas vezes contra sua cabeça,
ao estilo “roleta russa”. Finalmente,
confirmou a vítima ter sido ordenada por um dos policiais a deitar-se
no chão, colocar as mãos entre as pernas, fechar os olhos e, quando
assim procedeu, “ouviu dois disparos e sentiu um tranco no peito e a
testa queimar”, sendo gravemente ferido.
17. Em
seus depoimentos, todos os policiais envolvidos confirmam que os
garotos foram presos e levados a um local ermo.
Também confirmam que o Cabo Carvalho expressou claramente o
desejo de matar Aluísio, pois estava convencido de que ele era o
assassino de seu filho. Embora
nenhum dos policiais ouvidos tenha confirmado ter presenciado a execução,
vários dizem ter visto o Cabo Carvalho afastar-se dos demais,
voltando após serem ouvidos alguns disparos e dizendo que os rapazes
haviam sido “julgados e condenados”.
18. Outro
importante ponto é a conclusão do inquérito policial militar e dos
procedimentos administrativos instaurados contra os policiais.
Nestes expedientes, após análise das provas coletadas,
confirmou-se a veracidade dos fatos e concluiu-se pela culpabilidade
dos réus.
19. Assim,
embora não tendo sido concluído o respectivo processo criminal, inúmeras
são as provas que indicam a materialidade dos fatos – morte de Aluísio
e graves lesões em Cláudio – e a autoria dos mesmos por Policiais
Militares do Estado de São Paulo.
Isto posto, verifica-se a responsabilidade do Estado brasileiro
pelas violações de que foram vítimas os dois jovens, em ofensa ao
Artigo I da Declaração Americana.
2.
Garantias judiciais e devido processo legal
20. Verifica-se
dos documentos e informações apresentados pelo Governo e pelos
peticionários que o processo judicial relativo aos crimes cometidos
contra Aluísio e Cláudio foi extremamente lento.
21. Elementos
extraídos do processo indicam que, em diversas ocasiões, as audiências
deixaram de ser realizadas e foram reprogramadas por não se
encontrarem presentes os defensores dos réus. As evidências obtidas
foram anuladas por formalismos, retirando eficácia ao processo. Tais
fatos indicam a adoção de uma estratégia dilatória pela defesa,
aceita de facto pela promotoria e pela Justiça Militar, o que acabou por
prejudicar o andamento normal do processo, provocando grande atraso em
prejuízo da justiça e dos direitos da vítima.
22. Por
outro lado, os peticionários comprovaram que os pedidos elaborados
pela acusação para conversão do julgamento em diligência foram
fundamentados e solicitados no interesse do processo, uma vez que se
pretendia produzir provas adicionais a serem apresentadas quando do
julgamento.
23. Em
face de tais dados, entende a Comissão que embora existentes recursos
judiciais de que se podiam valer as vítimas de violação de direitos
humanos no caso aqui analisado, tais recursos não foram rápidos e
efetivos. Houve demora
excessiva por parte do Estado no julgamento dos acusados pelas violações
e mais de oito anos após os fatos os responsáveis ainda não haviam
sido condenados. Violou o
Estado Brasileiro, assim, aos artigos 8 e 25 da Convenção Americana.
Caso 11.407 (Clarival Xavier Coutrim)
A.
Resumo
24. Em
6 de setembro de 1994 a Comissão recebeu denúncia segundo a qual
Clarival Xavier Coutrim, de 22 anos, teria sido morto em 20 de abril
de 1982, na Zona Leste da cidade de São Paulo, por tiros alegadamente
disparados pelos policiais militares Júlio César Passos da Silva,
Nelson de Freitas Nascimento Filho, Rodolfo Cosin Filho, Hermes Simplício
da Silva, Celso de Castilho e Miguel Portos Neto.
25. A
vítima teria sido aprisionada pelos policiais e posteriormente levada
a um local ermo, aonde foi executada.
26. Foi
aberto o respectivo inquérito policial militar. O mesmo concluiu que, embora existissem indícios de que os
policiais teriam cometido o crime, existia igualmente evidencia que
excluía a ilicitude de sua conduta, uma vez que agiram em cumprimento
de seu dever e em legítima defesa.
O inquérito foi arquivado e mais tarde desarquivado face à
apresentação de novas provas, sendo então determinada a prisão
preventiva dos réus. Abriu-se processo criminal contra os mesmos perante a 3ª
Auditoria Militar do Estado de São Paulo.
27. A
respectiva ação indenizatória foi ajuizada e julgada improcedente
pela 6ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo.
B.
Trâmite perante a Comissão
28. A
denúncia foi recebida pela Comissão em setembro de 1994, tendo as
partes pertinentes sido transmitidas ao governo em 28 de novembro de
1994. Em 25 de maio de
1995 o governo respondeu ao pedido de informações da Comissão.
Na data de 16 de agosto de 1995 a Comissão recebeu informações
do peticionário sobre o julgamento dos acusados.
A última manifestação do governo brasileiro deu-se em 15 de
novembro de 1995. O caso
foi considerado admissível pela Comissão, que aprovou a publicação
do respectivo Relatório de Admissibilidade 17/98 em seu 98º período
de sessões, e sua inclusão no Relatório Anual de 1997.
C.
Posição das partes
29. Na
denúncia alegou-se que a vítima teria sido aprisionada sem qualquer
motivo aparente, existindo testemunho de policiais presentes na ocasião
que afirmam terem comentado com os milicianos que levaram a Clarival
que ele não era o suspeito que procuravam.
Ainda assim, o mesmo foi levado e posteriormente executado.
Seu corpo foi encaminhado ao hospital, onde os policiais
declararam que a vítima teria sido atingida em um tiroteio com “bandidos”.
30. Alegavam
ainda os peticionários na denúncia, que o trâmite processual havia
sido prolongado e mais de doze anos após os fatos o procedimento
ainda pendia de decisão judicial.
O peticionário informou que o processo apresentara demora
excessiva em seu desenrolar e que em 20 de junho de 1995 teve lugar o
julgamento dos acusados. Nesta
data quatro dos policiais denunciados foram condenados a doze anos de
prisão e os dois restantes foram absolvidos por insuficiência de
provas. Dos condenados, a
três foi concedido o benefício de apelar em liberdade, sendo que o
quarto encontrava-se foragido.
31. De
acordo com os peticionários, a sentença ditada no processo penal
reconhece que os agentes da Polícia Militar acusados dispararam
contra a vítima, que não havia cometido e não estava por cometer
qualquer ato ilícito, estava desarmada e indefesa e não opunha
resistência à autoridade policial. Não obstante, decorridos mais de
13 anos desses fatos, o caso ainda pendia de decisão definitiva e os
agentes policiais encontravam-se em liberdade. Da mesma forma, a ação
de indenização ajuizada pela progenitora da vítima não fora
decidida em juízo, sob o pretexto de não ter ficado provada a
culpabilidade da Polícia.
32. Quando
de sua contestação à denúncia apresentada em setembro de 1994, o
Governo brasileiro limitou-se a informar o andamento do processo
judicial relativo à morte de Clarival.
O Estado manifestou-se posteriormente apenas apresentando novas
informações sobre o processo. Em
nenhum momento, no entanto, contestou os fatos expostos na denúncia,
assim como deixou de manifestar-se sobre o mérito da questão.
d.
Análise da Comissão
1.
Do direito à vida
33. Da
análise dos documentos e informações fornecidos pelas partes,
conclui a Comissão que Clarival Xavier Coutrim foi sumariamente
executado por Policiais Militares do Estado de São Paulo.
34. Os
policiais envolvidos levaram o corpo de Clarival ao hospital e
afirmaram que o mesmo teria sido morto em um tiroteio.
Com efeito, a primeira versão que os mesmos deram dos fatos é
de que teriam avistado suspeitos que se encontravam em um terreno no
bairro paulistano de São Mateus.
Ao tentarem verificar quem eram os mesmos, teriam os policiais
sido recebidos a tiros, iniciando-se então o confronto que resultou
na morte de Clarival. Tal versão, no entanto, não encontrou sustentação nos
depoimentos das testemunhas ouvidas durante o processo.
Uma delas, que conhecia Clarival, afirma ter visto uma viatura
levá-lo, embora não tenha presenciado sua prisão.
Outra testemunha presenciou Clarival conversando com policiais
e entrando na viatura, vindo mais tarde a saber que ele teria sido
morto naquele dia. Tais
fatos foram também presenciados pelo irmão da vítima.
Todas estas testemunhas afirmam que Clarival encontrava-se sem
camisa enquanto conversava com os policiais, não sendo possível que
ocultasse qualquer arma.
35. Por
outro lado, deve-se também considerar que a descrição dos fatos
feita pelos acusados apresentou-se cheia de contradições.
36. Por
fim, entende a Comissão serem relevantes as conclusões do laudo
necroscópico, que revelaram que os seis projéteis que atingiram o
corpo de Clarival, pelo local em que se alojaram, não poderiam ter
sido causados com a vítima em fuga, em meio a um tiroteio.
Verifica-se que nenhum dos projéteis penetrou pelas costas,
todos atingindo a vítima da frente para trás.
Apontam os ferimentos, assim, para o fato de que a vítima foi
morta sem qualquer defesa, ou seja, sumariamente executada.
Assim, violou o Governo brasileiro ao Artigo I da Declaração
Americana.
2.
Garantias judiciais e devido processo legal
37. Várias
audiências não se realizaram e foram redesignadas para datas
distantes, o que favoreceu a demora excessiva na conclusão do
processo crime. Em razão
de tal delonga, o julgamento dos acusados somente ocorreu muitos anos
após os fatos e, mesmo após sua condenação em primeira instancia,
os réus continuaram em liberdade.
38. Assim,
passados mais de treze anos do assassinato de Clarival, ainda não
haviam sido definitivamente julgados e condenados os responsáveis
pela sua morte. Tal lapso
temporal atenta contra a validade do remédio jurisdicional provido,
considerando a Comissão que os recursos internos não foram eficazes
no caso em questão.
39. Além
disso, o processo ajuizado contra a Fazenda do Estado de São Paulo
pelos pais da vítima, que buscavam a responsabilização do Estado
pelo comportamento de seus agentes e indenização pela morte de
Clarival, foi julgada improcedente.
Isso deu-se porque o juiz entendeu que faltavam provas da
responsabilidade dos policiais.
40. A
Comissão entende que a não finalização do processo criminal dentro
de um prazo razoável afetou visivelmente o desfecho da ação
indenizatória. E embora
seja possível o ajuizamento de nova ação de indenização com o
advento de uma condenação criminal, a eficácia de tal provimento
jurisdicional será também gravemente afetada devido ao enorme lapso
temporal entre a morte de Clarival e sua reparação pelo Estado de São
Paulo.
41. Assim,
a Comissão conclui que houve violação por parte do Estado
brasileiro aos artigos 8 e 25 da Convenção Americana.
Caso 11.406 (Celso Bonfim de Lima)
A.
Resumo
42. Em
setembro de 1994 a Comissão recebeu uma denúncia que informava que
Celso Bonfim de Lima, de 18 anos, funcionário de um restaurante,
teria sido atingido por um disparado efetuado pelo policial militar
Aurino Tavares da Silva, cuja correspondente lesão o deixou paralítico.
43. Segundo
a denúncia, em 26 de fevereiro de 1983, Celso teria trabalhado no
restaurante até às 23 horas e então, dado ao avançado da hora,
teria sido autorizado a pernoitar naquele estabelecimento comercial.
Policiais militares foram informados sobre uma estranha
movimentação no local e decidiram verificar o que ocorria.
Ali chegando, avistaram Celso dormindo, gritaram para que se
levantasse e abrisse a porta do estabelecimento e, enquanto este
obedecia ao solicitado, foi atingido por um tiro disparado pelo citado
policial.
44. Em
13 de março de 1984 o policial militar Aurino Tavares da Silva foi
denunciado perante a 3ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São
Paulo por tentativa de homicídio qualificado.
Seu julgamento ocorreu 10 anos depois dos fatos, quando foi
condenado por lesão corporal de natureza grave a dois anos de reclusão,
com direito a suspensão. A
vítima interpôs ação de indenização perante a 7ª Vara da
Fazenda Pública do Estado, que foi julgada procedente em primeira
instancia e confirmada pelo Tribunal.
B.
Trâmite perante a Comissão
45. A
denúncia foi recebida em setembro de 1994 e transmitida ao governo
brasileiro em 30 de maio de 1995.
Em 20 de fevereiro de 1996 enviaram-se ao peticionário as
alegações finais do governo e, no mesmo dia, este foi informado de
que o procedimento regulamentar estava encerrado.
Em 19 de abril do mesmo ano foram recebidas as informações
finais do peticionário.
46. Em
junho de 1996 a Comissão enviou nota ao governo brasileiro e ao
peticionário colocando-se à disposição das partes para chegar a
uma solução amistosa. Nenhuma
resposta, no entanto, foi recebida.
A Comissão aprovou em seu 98º período de sessões a publicação
do Relatório de Admissibilidade 17/98 e sua inclusão no Relatório
Anual de 1997.
C.
Posição das partes
47. Os
peticionários alegaram que a ação penal que correu na Justiça
Militar foi lenta, que a pena aplicada foi demasiado leve em relação
ao crime cometido e que o policial não passou sequer um dia preso,
motivos pelos quais requeriam a condenação do Estado brasileiro pela
violação dos artigos 4, 5 e 8 da Convenção Americana e artigos
XVII e XXIV da Declaração. Informou,
ainda, que o recurso de apelação que questionava a leve pena
aplicada ao acusado foi denegado, sendo em seguida declarada extinta a
punibilidade do agente pelo Tribunal.
Por fim, esclareceu que o policial seguia compondo a força
policial do Estado de São Paulo.
48. Em
sua contestação, o Estado brasileiro informou ter o agente policial
sido condenado e ter o Estado se proposto a indenizar a vítima,
estando a respectiva sentença indenizatória em fase de execução.
O Estado Brasileiro não contestou os fatos narrados na denúncia,
alegando apenas que o processo judicial seguiu os parâmetros e
procedimento estabelecidos no Código Penal Militar.
Esclareceu que a pena foi reduzida porque se considerou a ocorrência
da figura da desistência voluntária por parte do policial Aurino, de
acordo com o artigo 31 do Código Penal Militar, uma vez que o mesmo
desferiu apenas um tiro contra Celso Bonfim de Lima, embora tivesse o
revólver carregado com vários projéteis.
Em nenhum momento alegou o Governo brasileiro que não havia
violado o direito à integridade física e às garantias e devido
processo legal da vítima.
D.
Análise da Comissão
1.
Direito à integridade física (Artigo I da Declaração)
49. Um
primeiro ponto que parece indicar a arbitrariedade da ação policial
no caso aqui analisado é a tentativa dos policiais acusados de forjar
uma situação de confronto. Além
de alegarem que a vítima não estava sozinha no interior do
estabelecimento e que seu comparsa teria fugido, afirmaram que Celso
estava armado e teria atirado contra eles.
50. Verificou-se
durante as investigações, no entanto, que não teria sido possível
que outra pessoa se encontrasse no interior do edifício e lograsse
fugir, uma vez que o exame do local comprovou que as portas
encontravam-se trancadas por dentro, tendo apenas uma delas sido
arrombada por fora para que os policiais adentrassem no local.
Além disso, comprovou-se que a vítima estava desarmada e o
revólver que alegavam os policiais que teria ela utilizado, era na
verdade de propriedade de seu patrão.
51. Segundo
depoimento da vítima, ela encontrava-se dormindo no estabelecimento
quando os policiais a acordaram e mandaram que abrisse a porta. Enquanto ela obedecia, teria sido atingida por um tiro de
arma de fogo.
52. As
circunstancias do local do crime apoiam tal descrição dos fatos,
pois demonstram que não houve tiroteio ou agressão por parte de
Celso, que apenas se encontrava ali por ser balconista no local e ter
trabalhado até tarde, o que foi confirmado pelos donos do
estabelecimento.
53. No
processo penal militar concluiu-se que a autoria do crime era “inquestionável”.
As evidências indicam que Celso encontrava-se indefeso e nada
fez que pudesse ter motivado a conduta policial.
54. Isto
posto, a Comissão observa que a grave lesão sofrida por Celso foi
resultado do despreparo dos agentes policiais envolvidos, que
aproximaram-se violentamente de Celso, não permitiram que explicasse
porque encontrava-se naquele estabelecimento comercial e em seguida
dispararam desnecessariamente contra o mesmo.
Acrescente-se que, dada a localização do ferimento, a vítima
só não faleceu por razões alheias à vontade dos policiais.
55. Assim,
tanto o direito à vida como o direito à integridade física de Celso
Bonfim de Lima foram violados por agentes policiais do Estado de São
Paulo, razão pela qual é responsável o Governo brasileiro pela
ofensa ao Artigo I da Declaração Americana.
2.
Garantias judiciais e devido processo legal
56. A
Comissão entende que o processo criminal, que apenas julgou o acusado
dez anos após os fatos, foi demasiado lento.
Além disso, o recurso da acusação que buscava discutir a
sentença foi denegado. Face
à pequena pena aplicada, tal delonga acabou por resultar na prescrição
da pretensão executória do Estado.
57. Conclui
a Comissão, assim, que o Estado não cumpriu com sua obrigação de
garantir o direito de Celso à proteção judicial e ao devido
processo legal. O responsável
por crime violento e de tão drásticos resultados para a vítima não
cumpriu sequer um dia de pena e teve sua punibilidade extinta, além
de continuar exercendo normalmente suas atividades como policial
militar. A prestação
jurisdicional prestada pelo Estado não foi efetiva, restando o mesmo
responsável pelo não cumprimento aos artigos 8 e 25 da Convenção
Americana.
Caso 11.416 (Marcos Almeida Ferreira)
A.
Resumo
58. A
Comissão recebeu, em setembro de 1994, denúncia que informava que
Marcos de Almeida Ferreira, de 18 anos, teria sido atingido por um
tiro de arma de fogo que o deixou paralítico, disparado pelo policial
militar Elcio Vitoriano no dia 31 de agosto de 1989, quando a vítima
se dirigia a uma padaria na zona leste de São Paulo.
59. Marcos
teria sido confundido com um suspeito, perseguido pelo policial
militar e, sem ter reagido, teria sido atingido por um tiro na região
lombar.
60. O
agente policial foi denunciado pela prática do crime de lesão
corporal grave cometida à traição pela 4ª Auditoria Militar do
Estado de São Paulo. O
julgamento do acusado foi inicialmente fixado para março de 1995, mas
devido a diversos procedimentos dilatórios o mesmo não se realizou.
Foi ajuizada indenização perante a 9ª Vara da Fazenda Pública
do Estado de São Paulo, que foi julgada parcialmente procedente em
primeira instancia.
B.
Trâmite perante a Comissão
61. A
denúncia foi recebida em setembro de 1994 e transmitida ao governo
brasileiro em dezembro do mesmo ano.
O Governo apresentou sua contestação em julho de 1995.
À partir de fevereiro de 1996 o governo deixou de responder
aos pedidos de informação enviados pela Comissão.
O respectivo Relatório de Admissibilidade 17/98 foi aprovado e
publicado no Relatório Anual da Comissão de 1997.
C.
Posição das partes
62. Afirmava
a denúncia que o policial Elcio Vitoriano teria sido informado sobre
uma tentativa de roubo, motivo pelo qual passou a perseguir a vítima.
Em nenhum momento, no entanto, teria tentado averiguar os fatos.
Após a perseguição, veio Marcos a ser atingido por um
disparo na região lombar. Teria
o policial tentado, então, forjar uma situação de resistência,
vindo a vítima Marcos Almeida Ferreira a ser processada por tais
fatos perante a justiça comum. Neste processo foi Marcos absolvido, tendo a respectiva
sentença sido clara no sentido de que o mesmo teria sido vítima de
uma emulação por parte de um policial “despreparado para o uso da
farda”, de “espírito homicida” e “verdadeiramente criminoso”.
63. O
peticionário alegou, ainda, que transcorreram seis anos dos fatos até
que o acusado fosse julgado e que então, um ano após a condenação
em primeira instancia, ainda não se tinha chegado a uma decisão
definitiva quanto ao caso, continuando o agente policial em liberdade,
temendo os peticionários que o caso restasse impune, uma vez que era
provável à época da denúncia a prescrição da pretensão executória
do Estado.
64. O
Governo brasileiro apresentou sua contestação em 15 de junho de
1995, na qual informava que o acusado havia sido julgado em 27 de março
de 1995 e condenado a três anos de reclusão, tendo o processo sido
remetido ao setor responsável pela execução da sentença.
Limitou-se o Estado brasileiro a informar sobre o desfecho do
processo, em nenhum momento tendo negado os fatos apresentados pelos
peticionários, nem se manifestado quanto ao mérito do caso.
D.
Análise da Comissão
1.
Do direito à vida e à integridade física
65. A
versão dos acontecimentos como descrita pela vítima encontra total
respaldo em todas as provas colhidas nos dois processos judiciais
relativos aos fatos. A
situação de resistência, afirmada pelo policial Elcio, não foi
sustentada sequer pelas testemunhas de acusação ouvidas no primeiro
processo judicial movido contra Marcos. Ainda neste processo, o próprio Ministério Público
solicitou a absolvição do réu Marcos, porque as evidências
colhidas durante o expediente judicial tinham deixado claro que o que
ocorreu de fato foi uma “atuação agressiva e abusiva do PM Elcio
Vitorino”, solicitando, inclusive, a responsabilização do policial
face às gravíssimas conseqüências de seus atos.
Provou-se que Marcos estava desarmado, que não cometera
qualquer crime e que não se opusera à atuação policial.
66. Com
efeito, foi Marcos absolvido pelo crime de resistência e cópia de
seu processo foi enviada a outro membro do Ministério Público que,
igualmente convencido da culpabilidade de Elcio Vitorino, denunciou-o
pela prática do crime de lesão corporal grave cometida à traição.
67. Face
a todas estas evidências, a Comissão entende que provaram os
peticionários que o direito à vida e à integridade física de
Marcos Almeida Ferreira foi violado por um agente da forças de
segurança do Estado de São Paulo, violando o Estado brasileiro desta
forma ao Artigo I da Declaração Americana.
2.
Garantias Processuais e Devido Processo Legal
68. A
abusiva e violenta atitude de policial militar Elcio Vitorino teve
conseqüências gravíssimas e permanentes sobre a vítima, que perdeu
definitivamente sua função locomotora.
69. Tais
conseqüências devem ser minoradas da melhor forma possível de
maneira a reparar, ainda que parcialmente, o mal sofrido pela vítima. Neste sentido, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo
julgou parcialmente procedente a ação de indenização proposta por
Marcos, fixando-lhe o direito a uma pensão vitalícia e a uma
indenização pelos danos morais por ele sofridos.
70. No
entanto, parte da reparação a que faz jus a vítima neste tipo de
casos é o processamento e penalização dos responsáveis pelo ato
criminoso contra ela cometido. A
Comissão entende que neste ponto falhou o Estado brasileiro em
garantir a Marcos seus direitos ao devido processo legal e às
garantias judiciais. Embora
tenha-se instaurado uma ação criminal para processamento de Elcio
Vitorino, tal processo apenas sentenciou o acusado seis anos após a
ocorrência do crime e outorgou-lhe o benefício de apelar em
liberdade. Com isso, a
sentença não foi efetivamente cumprida e, devido à curta pena
aplicada e à demora no processamento dos recursos, é presente o
risco da prescrição da pretensão executória do Estado em relação
ao crime.
71. Assim,
entende a Comissão que os recursos internos mostraram-se ineficazes
em razão da delonga, não sendo garantido a Marcos Almeida Ferreira
seu direito ao devido processo legal e à garantia de ver levado a juízo,
processado e penalizado, o responsável pelas graves violações que
sofreu. Neste sentido, o
Estado brasileiro violou os artigos 8 e 25 da Convenção Americana.
Caso 11.413 (Delton Gomes da Mota)
A.
Resumo
72. A
Comissão recebeu denúncia em setembro de 1994 segundo a qual Delton
Gomes da Mota, de 20 anos, teria sido morto pelos policiais militares
Gilson Lopes da Silva e Maurício Corrêa da Silva no dia 14 de março
de 1985.
73. Consta
da denúncia que a vítima encontrava-se com alguns amigos em uma rua
da zona norte da cidade de São Paulo quando foram abordados por
policiais que procuravam por um traficante que se encontrava na região.
Os policiais passaram a atirar contra o grupo, que dispersou-se.
Na fuga, Delton teria se jogado em um córrego e então corrido
para um matagal, aonde foi atingido por quatro projéteis de arma de
fogo.
74. Em
outubro de 1985 os agentes da Polícia Militar foram denunciados
perante a 3ª Auditoria de Justiça Militar de São Paulo pelo homicídio
qualificado de Delton Gomes da Mota.
Os pais da vítima interpuseram ação visando a declaração
da responsabilidade do Estado pela morte de seu filho, ação esta que
em 1997 encontrava-se para, já há mais de três anos, aguardando a
finalização do processo criminal.
B.
Trâmite perante a Comissão
75. A
Comissão recebeu a denúncia em 15 de setembro de 1994 e encaminhou
as partes pertinentes ao governo brasileiro em 13 de dezembro do mesmo
ano. Em 15 de junho de
1995 o governo brasileiro apresentou a sua contestação, informando
sobre o andamento do processo. Posteriormente
e por diversas vezes as partes informaram a Comissão sobre o
desenvolvimento do processo penal relativo ao crime em questão.
No entanto, à partir de 25 de abril de 1996 o Estado
brasileiro deixou de responder às solicitações de informação
emitidas pela Comissão. Em
seu 98º período de sessões, a Comissão aprovou o Relatório 17/98
no qual considerou admissível a presente denúncia, Relatório este
publicado no Relatório Anual das Atividades da Comissão de 1997.
C.
Posição das partes
76. Na
denúncia apresentada em setembro de 1994 o peticionário alegava que
Delton Gomes da Mota teria sido arbitrariamente atacado por policiais
que procuravam um traficante de drogas da região, enquanto encontrava-se
conversando com amigos. Em
seguida o mesmo teria sido sumariamente executado, sem qualquer motivo
aparente.
77. Afirmaram
também os peticionários terem se passado nove anos dos fatos sem que
tivessem sido julgados os acusados como responsáveis pela morte de
Delton. Em manifestação
posterior, informou ter sido adiada por nove vezes a data do
julgamento, completando-se dez anos sem que se chegasse a uma decisão
final sobre o caso.
78. Em
sua contestação o Governo brasileiro alegou que o processo para
investigar a morte de Delton Gomes da Mota ainda encontrava-se em
curso perante a 3ª Auditoria da Justiça Militar.
Chegou a afirmar que o acusado Maurício Corrêa do Nascimento
teria sido condenado a 24 anos de prisão, mas tal informação foi
rebatida pelos peticionários, que alegaram que tal condenação
referia-se a outro crime praticado pelo mesmo policial.
O Estado brasileiro não contestou a veracidade ou exatidão
dos fatos e circunstancias do crime como descritos pelos peticionários,
tampouco tendo se manifestado quanto à questão de mérito.
D.
Análise da Comissão
1.
Do direito à vida
79. Os
depoimentos tomados das pessoas que presenciaram os fatos e da família
da vítima indicam para a arbitrariedade da abordagem e de sua execução.
80. O
expediente comprova o despreparo dos policiais envolvidos, que
abordaram os garotos de forma totalmente irregular.
Assumiram que os mesmos fossem traficantes de entorpecentes sem
efetuarem qualquer prévia verificação de sua identidade.
81. Além
disso, os ferimentos sofridos pela vítima indicam extremada violência
na captura. Se realmente
os policiais tivessem por finalidade impedir a fuga do jovem e levá-lo
para averiguação, bastaria que o tivessem imobilizado.
No entanto, os tiros disparados atingiram Delton em regiões
vitais – tórax e crânio – o que indica dolo homicida.
Por tais razões,
entende a Comissão que o Estado brasileiro, face à ação dos
policiais Gilson Lopes da Silva e Maurício Corrêa da Silva, violou o
direito à vida de Delton Gomes da Mota, previsto no Artigo I da
Declaração Americana.
2.
Garantias Processuais e Devido Processo Legal
82. O
processo judicial para averiguação das responsabilidades pela morte
de Delton foi extremamente lento e, em alguns momentos, pareceu
demonstrar ausência de interesse por parte das autoridades judiciárias
militares no rápido e efetivo desfecho do caso.
83. Assim
entende a Comissão, por exemplo, em razão da não realização –
por oito vezes – do julgamento dos acusados nas datas fixadas.
Além disso, o lapso temporal entre as audiências redesignadas
foi por vezes excessivo, chegando a um extremo de quatorze meses.
84. Tal
delonga, além de tardar a prestação jurisdicional a que têm
direito os familiares de Delton de ver julgados os assassinos de seu
filho, impediu-lhes igualmente a percepção de compensação pelo trágico
incidente, uma vez que a ação ajuizada para que fosse declarada a
responsabilidade do Estado pela morte de Delton encontra-se paralisada
à espera de uma decisão no processo criminal.
85. Pelo
exposto, afrontou o Estado brasileiro aos artigos 8 e 25 da Convenção
Americana, uma vez que o devido processo legal e as garantias
processuais, a que tinham direito os familiares da vítima, não foram
observados nos processos acima citados.
Caso 11.417 (Marcos de Assis Ruben)
A.
Resumo
86. Segundo
denúncia recebida pela Comissão em setembro de 1994, os policiais
militares Orlando Aparecido Garcia, Edison Donizeti e Waldemar José
de Oliveira Tenório, teriam assassinado o estudante Marcos de Assis
Ruben, de 23 anos, em março de 1988, na cidade de São Paulo.
87. Os
peticionários informam que os citados policiais teriam atendido a um
chamado para verificar o caso de um rapaz que estava atacando uma
jovem com o intuito de estuprá-la.
Ao chegar nas proximidades do local indicado, os policiais
encontraram Marcos junto a uma jovem, motivo pelo qual o prenderam.
O mesmo foi levado a um parque nas imediações da cidade de São
Paulo onde foi morto com cinco tiros na cabeça.
88. Em
maio de 1988 os mencionados policiais foram denunciados pelo crime de
homicídio com agravantes contra a pessoa de Marcos de Assis Ruben e
outras sete pessoas, vítimas de crimes que se deram em semelhantes
circunstâncias. À época
da denúncia, o processo encontrava-se pendente de decisão final
perante a 3ª Auditoria da Justiça Militar de São Paulo.
89. Os
pais da vítima ajuizaram ação indenizatória contra o Estado, tendo
a mesma sido julgada procedente pela 8ª Vara da Fazenda Pública de São
Paulo e confirmada em segundo grau.
B.
Trâmite perante a Comissão
90. A
denúncia referente ao presente caso foi recebida pela Comissão em
setembro de 1994. O
governo brasileiro foi informado sobre a mesma em 20 de dezembro do
mesmo ano e apresentou contestação em 15 de junho de 1995.
Após esta primeira resposta do Estado brasileiro o peticionário
voltou a apresentar informações sobre as quais, embora
reiteradamente solicitado, o governo brasileiro deixou de manifestar-se.
Em 1998, em seu 98º período de sessões, a Comissão aprovou
o Relatório de Admissibilidade do caso 11.417, que foi publicado no
Relatório Anual de 1997.
C.
Posição das partes
91. Quando
a denúncia foi apresentada em setembro de 1994 o peticionário alegou
que Marcos teria sido fria e imotivadamente assassinado por policiais
militares. Os mesmos
policiais teriam sido acusados pela morte de Marcos e de outras sete
pessoas assassinadas em circunstancias muito semelhantes.
Mas, apesar de tais graves fatos pesarem contra os acusados e
de haverem se passado mais de seis anos da data do crime, a instrução
criminal ainda não havia sido concluída.
Nesse sentido, afirmava o peticionário a violação dos
artigos XVII e XXIV da Declaração Americana e dos artigos 8 e 25 da
Convenção Americana. Posteriormente,
alegou que oito anos após os fatos ainda não se havia fixado data
para julgamento dos acusados.
92. O
Governo, por sua parte, contestou em junho de 1995 que admitia não
ter sido levada a cabo a fase de instrução criminal, informando que
a data de 5 de junho de 1995 havia sido fixada para oitiva das
testemunhas de defesa. Em
nenhum momento, porém, negou o Governo brasileiro os fatos
apresentados pelos peticionários, nem manifestou-se quanto ao mérito
do caso.
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